sábado, 12 de maio de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 26

1957.03.09 - A CONSPIRADORA (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)


Se outros motivos não existissem para classificar de brilhante o espectáculo que o grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense deu na última quarta-feira, no elegante Teatro do Grande Casino Peninsular, dessa cidade, supomos que dois factos, que julgamos insuspeitos, bastaria referir para, na nossa humilde opinião o demonstrar: o depoimento autorizado feito, após a brilhante representação, pelo autor de “A Conspiradora” sr. dr. Vasco Mendonça Alves, que propositadamente veio de Lisboa assistir à récita e que não escondeu a sua surpreza perante a harmonia do conjunto do grupo, e o profundo, iamos a dizer religioso silêncio do público, pois momentos houve em que não se ouvia o zumbido dum insecto.

Efectivamente foi um dos mais belos espectáculos a que temos assistido. É que “A Conspiradora” é simplesmente, uma admirável peça de Teatro repleta de emoções. O seu enredo tem-nos presos do princípio ao fim da representação. Na sua acção perpassa e vibra a alma das antigas lutas liberais. As situações, por vezes, hilariantes, casam-se perfeitamente com as cenas dramáticas, algumas das quais violentas.

A dedicação à Pátria, o amor da Família e o sacrifício por uma Causa, são temas nela tratados pelo ilustre autor, na realidade, de maneira superior. Fala-nos simultaneamente à inteligência e ao coração – o precioso relicário que guarda os sentimentos bons e maus do homem.

Apesar de terem decorrido já algumas dezenas de anos sobre a data da sua estreia, o assunto é actual.

E os humildes amadores, guiados pela mão de fada de José da Silva Ribeiro conseguiram, o que constitue um dos seus maiores títulos de orgulho, na interpretação das figuras que lhe foram distribuidas, domina completamente, a selecta e distinta assistência, que enchia o Teatro, arrancando-lhes vibrantes e entusiásticos aplausos, pois a representação, por vezes, foi interrompida, tal a profunda emoção causada durante algumas cenas e em que, para não ferirmos susceptibilidades, não citaremos nomes, alguns brilharam a grande altura.

Não exageramos, portanto, em afirmar que todos ficaram satisfeitos: o autor, o grupo e o público, cuja opinião é sempre se considerar. Assim vale a pena trabalhar...

A todos os que contribuiram para o êxito da representação, envolvemos num sincero abraço de parabéns.

1957.03.23 - TAVAREDE E O SEU GRUPO DE AMADORES (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

As pessoas amigas do progresso e do bom nome da Figueira e arredores, têm agora oportunidade simpática de fazer valer os seus méritos, concorrendo para que a prestigiosa Sociedade de Instrução Tavaredense venha a ter uma condigna sede, que substitua o edifício tacanho em que debuta.

Este valioso Grupo, que correu muitas terras importantes do País, na filantrópica missão de quem tem alma nos estatutos, bem merece olhar agora por si, e criar um tudo-nada de egoísmo, tão necessário à consecussão de tão útil obra.

S. Martinho, que era Santo e teve um dia festejado, usava dar metade da sotaina negra ao primeiro infeliz que topasse no caminho de Deus, que calcurriou com ásperos sacrifícios, mas com muitas e boas vitórias espirituais... O que ele não usava dar, era mais do que a metade, pois o seu clarividente engenho lha mostrava como remédio do frio intenso que soprava.

Pois, os Amadores de Tavarede têm de olhar pela sua metade. Conservá-la também, para que o frio e a chuva não caiam amanhã no tecto velhinho da sede actual e pinguem o soalho e o proscénio.

Um agrupamento como este, que se dedica ao teatro de alma e coração, tem absoluta necessidade e vantagem na posse de uma sala ampla, de sonoridade acústica e com certo conforto, não só para a difícil arte de ensaiar, mas também para receber os seus incontáveis admiradores.

E, já que falámos em proscénio, ousamos meter a cabeça no pano de boca e gritar às pessoas amigas da Figueira e arredores que Tavarede pertence ao nosso concelho e não está distante. Quem desejar ver o que é o acanhado edifício da Sociedade de Instrução Tavaredense, não se cansará muito. E de caminho, bem pode oferecer o que lhe aprouver para que o célebre elenco de Amadores melhore as condições de vida e possa continuar na elevada missão de levar o nome da nossa cidade aos quatro cantos de Portugal.

Ninguém nos encomendou o sermão e o que se pede que não seja levado à conta de estender a mão nervosa à caridade pública. Aliás, a Sociedade de Instrução Tavaredense não carece de esmola, mas sim do concurso voluntário de boas e desinteressadas amizades.

1957.05.01 - A SIT, EM TORRES NOVAS (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

O grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense inscreveu, com a sua ida, pela primeira vez, no pretérito sábado a Torres Novas, onde foi dar mais um espectáculo de beneficência, nova página gloriosa nos anais da vida da humanitária colectividade.

Assim o demonstram a calorosa recepção que lhe foi prestada na Câmara Municipal da próspera Vila e as cativantes gentilezas de que foram objecto os nossos amadores, durante a sua permanência ali.

Impossibilitados, por motivos de saúde e como era nosso desejo, de acompanhar a caravana, demos a palavra a um excursionista nosso amigo, que amavelmente se prontificou a fazer o relato, o que sinceramente agradecemos.

Entretanto, não queremos deixar de apresentar as nossas felicitações aos briosos rapazes, de modo particular ao seu prestigioso ensaiador, sr. José da Silva Ribeiro, pelo feliz êxito agora alcançado naquela importante Vila Ribatejana, com a peça “A Conspiradora”:

“Sairam os nossos conterrâneos da Figueira às 14 horas e depois de visitarem o Mosteiro da Batalha, dirigiram-se a Torres Novas, sendo aguardados a cerca de 6 quilómetros da Vila por mais de duas dezenas de automóveis, um dos quais conduzia a vereação da Câmara Municipal, que apresentou as boas-vindas aos visitantes na pessoa do seu director cénico, tendo-se formado um grande cortejo com todos esses automóveis, que abria com uma viatura dos bombeiros.

A chegada dos amadores de Tavarede era aguardada por muito povo e pela Filarmónica local, organizando-se novo cortejo a pé que se dirigiu à Câmara Municipal, onde os tavaredenses eram esperados à porta pelo Exmo. Sr. Presidente do Município, sendo conduzidos por Sua Exa. à sala das sessões onde, em nome dos torrejanos, apresentou cumprimentos de boas vindas, tendo palavras de muito apreço para o grupo cénico de Tavarede.

Agradeceu o sr. José da Silva Ribeiro, que disse, exprimindo o que ia na alma dos tavaredenses, sentir-se emocionado com a distinção proporcionada aos humildes amadores de Tavarede, honrando-os com uma imerecida recepção nos Paços do Concelho. Antes de se retirarem do edifício da Câmara, receberam todos os amadores, monografias da Vila.

Seguidamente foi oferecido aos visitantes um passeio pela terra, tendo estes admirado do alto do Castelo, o maravilhoso cenário que de lá se disfruta, repousando a vista nas águas serenas do Almonda e admirando o variado e encantador roseiral da cerca do castelo. Também o jardim, com os seus chorões, criou uma imagem visual de inesquecível beleza.

Depois da visita foi oferecido aos nossos conterrâneos um fino jantar.

E assim se chegou à hora do espectáculo que havia de constituir, com a representação da peça “A Conspiradora”, uma noite de glória para o grupo da SIT. Antes de se iniciar a representação, quis o sr. Presidente da Câmara ter a bondade de apresentar o grupo, para quem teve palavras de muito carinho, à selecta assistência que enchia o monumental “Teatro Virgínia”.

Também o sr. José Lopes dos Santos, em nome dos velhos amadores torrejanos, falou da obra levada a efeito pela SIT, em prol da cultura popular, e recitou o belo soneto de sua autoria, dedicado ao grupo de Tavarede e que publicamos noutro lugar.

No final do espectáculo foram oferecidos lindos ramos de rosas ao sr. José Ribeiro, D. Violinda Medina e Silva e Maria Isabel Reis.

A representação, que decorreu num elevado nível artístico, agradou plenamente à exigente e conhecedora plateia de Torres Novas, que interrompeu por três vezes com bravos e palmas entusiásticas, a srª. D. Violinda Medina, na sua grande cena do 3º. acto. Também no final dos actos o público não se dispensou de aplaudir com o maior calor os amadores de Tavarede, manifestando assim o seu agrado.

Depois da representação foi servida uma abundante e primorosa ceia, que serviu para estreitar amizades e na qual usaram da palavra os srs. Jorge Galamba Marques, Exmo. Presidente da Câmara Municipal e o director do grupo de Tavarede.

A retirada, fez-se eram já 4 horas, tendo todos os tavaredenses regressado saudosos e gratos por tantas provas de gentileza, que calaram bem fundo no coração de todos e tornaram inesquecível esta sua triunfal jornada a Torres Novas”.

Sabemos que o grupo cénico da SIT já foi solicitado para realizar três espectáculos em Torres Novas, em benefício de várias instituições de caridade.

1957.05.02 - TAVAREDE EM TORRES NOVAS (A VOZ DA FIGUEIRA)

Satisfazendo o honroso convite que lhe foi feito, deslocou-se no passado dia 27, sábado, a Torres Novas, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense que, em homenagem à Comissão de Honra do Teatro Virgínia, ao Clube Desportivo de Torres Novas e ao Grupo de Senhoras Dirigentes da Colónia Infantil de Férias, ali foi apresentar a peça em 4 actos – “A Conspiradora”.

Em todas as localidades aonde a nossa colectividade se tem deslocado a dar espectáculos, tem sempre sido recebido o mais carinhoso acolhimento e as melhores provas de amizade mas, confessamos, embora esperássemos ser bem recebidos, nunca imaginámos que os simpáticos torrejanos nos proporcionassem tão magnífica recepção.

Ainda faltavam uns seis quilómetros para a chegada, fomos surpreendidos por um enorme número de automóveis que esperavam a nossa camioneta. Colados aos vidros, todos eles traziam uns impressos em que se lia: “Os desportistas torrejanos saudam os distintos amadores dramáticos de Tavarede”. Na altura do encontro, e entre o estralejar de foguetes, foram trocadas as primeiras saudações.

Organizou-se o cortejo, indo na frente um carro dos Bombeiros locais e depois da camioneta todos os outros automóveis que formavam extensa fila.

À entrada da vila, aguardava a caravana grande número de pessoas, e, então, a pé, organizou-se novo cortejo, seguindo na vanguarda a Filarmónica da Companhia Nacional de Fiação e Tecidos, que percorreu algumas ruas de Torres Novas, até à Câmara Municipal.

Ali, no Salão Nobre, foi pelo Presidente da mesma, sr. Dr. Alves Vieira, dado as boas vindas ao grupo tavaredense, que em feliz improviso, enalteceu a obra da nossa colectividade, afirmando ser de comover que, nuns tempos tão revoltos como os de agora em que unicamente se pensa em lutas e destruição, haja ainda quem, roubando umas horas ao tempo de descanso, procure instruir-se numa arte tão nobre e tão educativa como é a arte teatral. Terminou Sua Exª. afirmando ter a certeza de que todos os tavaredenses ao deixarem Torres Novas, iriam sentir saudades daquela terra tão linda que o Almonda, em recortes caprichosos, vai beijando docemente até se lançar no Tejo.

Com a eloquência por todos sobejamente conhecida, falou em seguida o director do grupo cénico que, representando o Presidente da Direcção, impossibilitado por motivo de doença de acompanhar o grupo, agradeceu a tão fidalga recepção e acabou abraçando, pelo seu representado ao mesmo tempo presidente da SIT e da Junta de Freguesia de Tavarede, o sr. Presidente da Câmara Municipal, vinculando assim neste abraço a amizade que une Tavarede a Torres Novas.

Seguidamente, e acompanhados pelo sr. Dr. Alves Vieira e Vereadores da Câmara, visitou o grupo o castelo da Vila, do alto do qual admirou as belezas naturais de Torres Novas, apreciando em especial a encantadora paisagem do Rio Almonda e das suas lindíssimas e verdejantes margens.

Às 21,45 horas, teve lugar no Teatro Virgínia, o espectáculo.

Sobre o Virgínia é difícil descrever a sua grandeza e sumptuosidade. Moderníssimo, inaugurado em Outubro de 1956, pode chamar-se-lhe, sem dúvida, magnífico. Para que todos possam imaginar a riqueza da casa, bastará dizer que interiormente toda ela é forrada com um tecido semelhante a veludo. Tem três plateias e dois balcões e a bôca de cena mede 18 metros de comprimento.

Antes de correr a cortina, veio ao proscénio, acompanhado de diversas entidades, o sr. Presidente da Câmara, que fez a apresentação do grupo tavaredense à assistência que enchia a vastíssima sala.

Depois usou da palavra o sr. José Lopes dos Santos, que após breves considerações, saudou os visitantes em nome dos antigos amadores dramáticos torrejanos, lendo o seguinte soneto:

O tempo passa!... A nossa vida cansa!...
Vencidos, soluçantes, envelhecemos
nesta luta sem glória, que mantemos...
enquanto a noite... sem luar... avança!...

Mas é tão boa a Terra onde vivemos
que em nós é quase febre a luz da esp’rança!
e como a graça ingénua da criança
faz renascer a fé que já perdemos...

Belo milagre!... A Arte que hoje vem
ao Virgínia, não é um fugaz bem
mas um sopro de vida que engrandece
e anima o nosso espírito prisioneiro...
- como a água corrente de um ribeiro
acalma a sede ardente que enlouquece!

Agradeceu o sr. José da Silva Ribeiro e teve, então, lugar a representação que decorreu de molde a agradar a todos.

No final do espectáculo foram oferecidos, por três gentis senhoras de Torres Novas, ramos de flores ao ensaiador, sr. José Ribeiro e às amadoras srª D. Violinda Medina e Silva e menina Maria Isabel Reis, tendo a assistência sublinhado o gesto com calorosos e prolongados aplausos.

Foi seguidamente oferecido aos amadores um abundante e bem servido copo de água, no qual trocaram novamente saudações o sr. Jorge Galamba Marques, que agradeceu à SIT a anuência ao seu pedido para a deslocação a Torres Novas, o sr. Dr. Alves Vieira e, por último, em nome da nossa colectividade, novamente o sr. José Ribeiro, que mais uma vez agradeceu a maneira tão simpática e carinhosa como foi recebido o Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.

Eram quase 4 horas da madrugada quando a camioneta deixou Torres Novas. E, como bem tinha afirmado o sr. Presidente da Câmara, todos os componentes do grupo sentiam já a nostalgia da palavra mais portuguesa de todas as palavras portuguesas: saudade...

Todos, desde o mais velho ao mais novo, sentiam saudades daquela tão linda e tão ridente vila de Torres Novas.

A todos os torrejanos os sinceros agradecimentos da humilde e pequenina, mas também linda, Tavarede.

1957.05.04 - A CONSPIRADORA, EM TORRES NOVAS (O ALMONDA)

Conhecendo já, de tradição, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense e, informados – quer por leitura de notícias críticas publicadas na imprensa quer por referências orais que me foram feitas por pessoas que assistiram a alguns dos espectáculos promovidos por esse Grupo – da qualidade, merecimento, importância e significado da obra levada a cabo pelo seu director artístico, o jornalista José Ribeiro, foi com alertado interesse e em alvoroçada expectativa que nos dirigimos no passado sábado ao Teatro Virgínia para assistirmos à representação de “ Conspiradora”.

Devemos dizer, antes de mais, em homenagem à verdade, que esse interesse teve uma compensação positiva e essa expectativa não foi iludida nem ludibriada. De facto, valeu a pena ir ao Virgínia ver e ouvir o grupo de Tavarede!

Diremos mais: - Dos conjuntos de teatro de amadores que já vimos actuar, tais como o Grupo Dramático Lisbonense quando ainda era dirigido pela malograda e inolvidável Manuela Porto e o Grupo Dramático da “Sociedade de Instrução Guilherme Cossul” orientado por Jacinto Ramos (hoje director do Teatro Experimental de Lisboa), aquele que, a nosso ver, traduz e consubstancia um maior mérito cultural é, sem dúvida, o agrupamento de que José Ribeiro é o grande animador.

Não por ser o mais homogéneo, disciplinado e coeso. Não, também, por possuir um mais elevado grau de afinação artística, de maturidade interpretativa, de consciência teatral, de equilíbrio cénico.

Muito menos pela superioridade intrínseca dos textos dramáticos que constituem o seu repertório.

Tão-pouco pela maior justeza técnica, audácia intelectual, sentido rítmico, originalidade formal, poder imaginativo, consistência interna das suas encenações (neste particular, Manuela Porto, rasgou amplas e fecundas perspectivas no Grupo Dramático Lisbonense que foram, de modo algum, aproveitadas, continuadas e até enriquecidas pelo Teatro Experimental do Porto da direcção de António Pedro).

O que, em nosso entender confere ao Grupo Cénico de Tavarede um significado e um alcance pedagógico-culturais ainda não logrados em associações congéneres é o facto de o referido grupo ter surgido numa pequena aldeia, portanto num reduzido aglomerado populacional e ali recrutar os seus elementos e, ainda, nesse meio rural, encontrar o público bastante (em número, em devotamento e em compreensão) para apoiar e proteger, moral e materialmente, os seus empreendimentos teatrais.

Eis o que se nos afigura singular, admirável, único, na geografia cultural do nosso país.

Que prodigiosa escola de cultura popular, de pedagogia social, de educação estética, de convivência cívica, de cooperação humana ergueu José Ribeiro em Tavarede com o seu grupo de amadores teatrais, onde os instintos se sublimam, os sentimentos se enobrecem, os impulsos naturais se refreiam, as forças inatas do espírito se desenvolvem, os recursos da inteligência se valorizam, as virtualidades artísticas da sensibilidade se consciencializam, tudo dentro duma disciplina, livremente consentida, duma convergência voluntária de esforços, de um trabalho colectivo, desinteressado, heróica e despretenciosamente efectuado; disciplina, convergência, trabalho estes que sobre as tábuas de um palco assumem uma harmoniosa e construtiva expressão de paz espiritual, de saúde mental, de beleza plástica e vivência emotiva.

Que dizer do nível da representação de “A Conspiradora” no passado dia 27 de Abril?

Dizer que esse nível foi óptimo, excelente, impecável, seria mentir desnecessária e inutilmente e, além do mais prestar um mau serviço ao grupo de Tavarede.

Mas, sem sombra de complacência ou ponta de exagero, podemos tranquilamente afirmar, seguros de que ninguém nos contestará a asserção, que tal nível foi francamente satisfatório se não nos esquecermos (e não o devemos honestamente fazer) que os rapazes e as raparigas que vimos representar no Virgínia a peça de Vasco Mendonça Alves não só são amadores, mas também e, muito principalmente, são homens e mulheres de modesta condição social (quase todos eles operários) e de escassa instrução.

De uma maneira geral, todos os intervenientes na representação da peça possuem uma dicção correcta, uma articulação e colocação de voz aceitável que, embora apresentando deficiências e quebras, muito raramente caiem na melopeia silábica, num enfatuamento declamatório, na tonitruância oratória.

Quase todos com jogo fisionómico expressivo (alguns até, forçando a nota, acentuando caricaturalmente o recorte já de si pitoresco e anedótico de certas personagens – por exemplo: - o cónego Raimundo, Governo, A Morgada de Loures).

Há que destacar, porém, por um acto de justiça, os amadores que encarnam os personagens da Marquesa do Souto dos Arcos, de Clara e do Padre António, que deram mostras duma capacidade histriónica e de uma desenvoltura interpretativa pouco vulgar entre amadores.

Quanto à peça, achamo-la, para nosso gosto, pobre de miolo dramático, frouxa de autêntica teatralidade e de coerente acção dialogal, aliterada e de indigesta dialéctica verbalística, superficial e demagógica no tocante ao seu conteúdo ideológico, demasiadamente descritiva e retoricamente (tão só, não mais!) evocadora dum acontecimento histórico que merecia e consentia um mais hábil, flexível, penetrante e consequente tratamento cénico.

Terminando, formulamos um voto de esperança: - é o de que, muito em breve, existam em Portugal, disseminados pelas suas cidades, vilas e aldeias, muitos grupos de teatro de amadores que seguindo o exemplo do de Tavarede desmintam aqueles que, com certa razão, melancolicamente o reconhecemos, afirmam que o movimento associacionista entre nós quase sempre se vem confinando aos clubes desportivos.

1957.12.19 - A NOSSA CASA, NO PENINSULAR (A VOZ DA FIGUEIRA)

Contrista e fere profundamente a sensibilidade de quem alimenta certa paixão pelos problemas do Espírito, verificar que uma sala de teatro como a do Peninsular, apresentava tão sensíveis clareiras, num espectáculo da marca e envergadura do que na quarta-feira transacta, ali levou o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, com a representação da empolgante e enternecedora peça em 3 actos “A nossa casa”, original de George Mitchell, numa excelente tradução do consagrado actor António Sacramento.

Nada mais desencorajante – para quem com inteiro desinteresse pessoal, por simples amadorismo, depois de ter trabalhado um dia inteiro, sacrifica tantas horas destas frias noites de inverno em exaustivos ensaios – do que sentir a indiferença, quase apatia, do público, que é capaz das mais absurdas prodigalidades de tempo e de dinheiro para ir a Lisboa, Porto e até Braga, assistir a um desafio de futebol.

É triste! É desolador! Depõe de forma chocante contra a mentalidade da nossa época, em que os pés parecem ter usurpado ao espírito, o primado que lhe pertence por direito da dignidade da pessoa humana.

Pois foi perante uma plateia nestas condições, bem marcada de evidentes lacunas, que o categorizado grupo cénico, chefiado por José Ribeiro, representou na passada 4ª. feira, no pequeno teatro do Casino Peninsular.

A peça interessa o espectador desde a primeira cena e subjuga-o fortemente no 2º. e 3º. actos.

Os personagens são humanos, movem-se num ambiente real e as cenas encadeiam-se naturalmente sem qualquer artifício.

Quanto à interpretação, foi confiada a amadores de carreira, experimentados, consagrados já no desempenho de diversos papéis onde é mister pôr à prova o seu poder de adaptação, a sua maleabilidade, a sua intuição para a arte de representar: Violinda Medina, Maria Teresa de Oliveira, Maria Aurélia Serra, João Cascão, José Luís do Nascimento, João de Oliveira Júnior e João Medina.

Uma referência especial apenas aos dois pequenos Maria Madalena Nogueira e Armando Braz. Actuaram com aliciante vivacidade e um à vontade pouco vulgar em amadores da sua idade. Qualquer deles deixou na assistência agradável impressão.

Caracterização, cenários e guarda-roupa a rigor.

Conclusão: um espectáculo de amadores que pode ser apresentado com orgulho às plateias mais exigentes.

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