sábado, 29 de setembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 1984


1984.01.20     -     ANIVERSÁRIO DA SIT (O DEVER)

                Há muito que, em Tavarede, o Teatro anda associado a todas as manifestações das suas gentes. Não será exagerado afirmar-se, até, que a vida em Tavarede gira em torno do seu Teatro. E, se alguém tiver dúvidas a tal respeito, apenas terá de ali se deslocar numa dessas ocasiões para constatar.
                Agora, na comemoração do 80º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, o fenómeno repetiu-se: o momento mais alto das comemorações teve lugar no seu magnífico teatro onde foi levada à cena a peça “Na Feira de Gil Vicente”, com adaptação desse “homem grande de Teatro” que é José Ribeiro. Gil Vicente foi, assim, o “convidado” de honra de Tavarede, Gil Vicente que poderemos quase considerar famíliar ali (quem não se lembra da inesquecível “melhor Maria Parda” que foi, sem dúvida, a saudosa Violinda Medina?). Desta vez foram levadas à cena: “No Lar de Uma Família Judaica” (prólogo), “Auto da Barca do Inferno”, “O Pote da Mofina Mendes”, “Gil Vicente vem à Feira” e “Auto da Feira”.
                Mas não será ousado apresentar, em Tavarede, peças de tal nível cultural?
                É certo que a pergunta teria perfeito cabimento em relação à maioria dos centros portugueses. Mas a Tavarede não. É que ali há como que uma “representação colectiva” em que os que não sobem ao palco “representam” na plateia. Poder-se-á afirmar (passe o plágio) que quem não representa já representou e é esse facto que cria o tal ambiente em que se “respira teatro” e torna quase familiar a presença dos grandes vultos da cultura teatral. O teatro passou a fazer parte da vida desta gente, razão pela qual Gil Vicente é compreendido.
                E sobre o espectáculo?
                Julgamos ter dito o suficiente. Adiantaremos, no entanto, que vimos em palco quatro gerações. E que, se aquele Diabo (João de Oliveira) foi o melhor que já vimos, “o sapateiro” (José Luiz Nascimento) e “o parvo” (João Medina Junior), foram apenas duas excepcionais actuações num conjunto que surpreendia pela segurança com que todos dominavam a complicada linguagem de Gil Vicente, um autor que efectivamente, não está ao alcance de muitos grupos. Que nos perdoe o leitor a escassez de nota de reportagem aqui contida. Mas a verdade é que, para poder ter uma ideia exacta do que foi o espectáculo, só terá uma forma: deslocar-se lá na próxima representação (21 do corrente às 21,45) só assim poderá ficar com uma ideia de conjunto, desde a peça aos actores, da orquestra (dirigida por José Custódio Ramos) ao guarda-roupa (Anahory), dos cenários... a tudo.
                Vá, que não se arrepende.

1986.02.28     -     TEATRO (O FIGUEIRENSE)

                “Chá de Limonete” é o grande sucesso que a Sociedade de Instrução tavaredense leva à cena pela última vez no próximo domingo, dia 2 de Março, pelas 16,30 horas.
                O público continua a aplaudir esta linda fantasia em dois actos da autoria de José da Silva Ribeiro.
                A acção cultural que a SIT de há longos anos vem desenvolvendo através dos seus distintos amadores, continua a demonstrar que o Teatro não morre na nossa terra.
                E para que esta obra continue, necessário é que o público incentive os que a estão realizando, não faltando aos espectáculos de bom Teatro que se lhes proporcionam.

1986.05.27     -     X JORNADAS DE TEATRO AMADOR (DIÁRIO DE COIMBRA)

                Com a realização da 12ª sessão, no Teatro Taborda, em Brenha, terminaram no passado dia 24, as X Jornadas de Teatro Amador da Figueira da Foz, organizadas pelo Lions Clube desta cidade. Nesta sessão a Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou a comedia “As Artimanhas de Scapino”, de Molière. Se a peça termina com Scapino a dizer: “A mim, que me levem para uma das cabeceiras da mesa, à espera que morra”, nós brindamos na grande mesa onde tiveram lugar doze sessões para que esta iniciativa se mantenha eternamente “à espera que não morra”.
                Dentro de uma linha a que já nos habituou, a Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou talvez o melhor texto dramático das X Jornadas sem nos esquecermos de “A Estalajadeira”, de Carlos Goldini, representado na 8ª sessão pelo Grupo Amador de Teatro de Taveiro.
                “As Artimanhas de Scapino” foram representadas pela primeira vez em 24 de Maio de 1671, quando Molière tinha 49 anos e partilhava com os comediantes italians, seus amigos, o Teatro do Palácio-Real. Daí, talvez, a razão por que o herói desta farsa, que tem o diabo no corpo, possua muitas características próprias da “commedia dell’arte”.
                Assistimos a um espectáculo de bom nível, bem estruturado (tendo em conta a opção feita para a encenação), com bom ritmo e um trabalho de actores muito equilibrado. Porém, consideramos correcto destacar a interpretação de “Geronte”, por João Medina.
                A encenação desta peça tem levantado desde sempre muita discussão, na qual participaram nomes como Stanislawski, Jacques Copeau, Jouvet, Chancerel e Jean-Louis Barrault, entre outros. Porém, já em 1913 Copeau recusava o realismo de Stanislawski, que mostrava em cena um barco com sacos de farinha para justificar o facto de “Geronte” se meter dentro de um na 2ª cena do III acto. Deixamos este ponto à reflexão do grupo, pois a actual estrutura do espectáculo pode ser melhorada se for vencida a rotina de práticas estabelecidas há muito tempo.
                Se pode haver duas concepções de encenação desta peça, também há duas formas de representar “Scapino”. Questão também muito discutida, mas que só mostra toda a riqueza deste personagem. José Luís Nascimento cria um”Scapino” que está de acordo com o tom geral do espectáculo, embora tenha dificuldades do ponto de vista físico. Pois é consenso que a representação de “Scapino” ultrapassa o texto para ser também uma prova física.

1987.05.01     -     ALGUÉM TERÁ DE MORRER (CORREIO DA FIGUEIRA)

                A Sociedade de Instrução Tavaredense levou à cena a peça em três actos de Luís Francisco Rebelo, “Alguém terá de morrer”, uma das mais notáveis obras do nosso teatro, já que nela é permitido ao actor evidenciar os seus recursos criativos.
                Já havíamos observado esta peça pelos amadores da Naval 1º de Maio, naquela Associação. Ficámos então com algumas dúvidas se não estaríamos de facto em presença de uma magnífica representação teatral. Daí a nossa segunda observação, agora em Tavarede, onde confirmámo o talento do autor e da sua profundidade imaginativa, construíndo diálogos, que são interrogativos e desesperados, com a morte. Realmente, e com actores que têm a sensibilidade das personagens na ponta da língua, não há limites para os diversos graus de emoção, onde a vida enfrentando a morte, paralelamente, resulta numa curiosa composição, de modo que o espectador compreende que são duras e complexas as realidades da nossa existência, quando assumida assim, controlada pelo Mensageiro, em horas e minutos que perspectivam o suspiro final.
                “Alguém terá de morer” não é propriamente uma cruel aventura para a plateia, antes insistiu o autor em demonstrar-nos o que seríamos nas nossas atitudes, se porventura tivessemos de enfrentar a subtil e macabra presença de um enviado da morte, que não dá alternativas a uma família em pânico, submetida que foi àquela certeza. Toda esta dilatada compreensão que os actores nos transmitem durante a sua dinâmica e segura representação, só é possível vivê-la na sua mensagem, porque os sete componentes são a perfeita integração do percurso autor-actor-plateia, de um jeito e arte belíssima, que estimula sempre o espectador atento e ávido de saber, donde vem toda aquela exaltação no dizer e no sentir.
                Francisco Rebelo sabia que ao escrever que a morte é o destino que se cumpre, que originava nos personagens a incerteza dos propósitos, perante o desconhecido que representa a morte, quando assustadoramente nos transformamos e ao mesmo tempo revelamos a medíocre fragilidade de nos sentirmos perdidos, num caminho que até então era desvario e arrogância. De todas estas situações, que são habilmente denunciads por excelentes actores e actrizes, não aceitamos a débil condição humana, tão ridícula perante um facto, que deveríamos assumir com  equilíbrio e condição necessários. Mas é seguramente impossível ao comum dos mortais, aceitar o percurso traçado pelo autor, porque existindo a incerteza e a angústia, também a esperança nos anima e diverte nas inúmeras insuficiências de reflexão.
                “Alguém terá de morrer” e um  alerta para nós, que ainda vivemos, quando actores extraordinários na sua comunicação com a lateia, e inconformados com aquela sentença final, descobrem entre si que a vida é um prodígio tão belo que todos o querem preservar. Distinguir este ou aquele actor seria indelicada análise, porque todos são a realidade do nosso contentamento, e elevada admiração pela arte que nos proporcionaram no dizer e na simulação fisionómica, face às diversas mutações dos textos, que lançados sobre a platea, a obriga a reconhecer-se em todas aquelas maquinações da nossa existência, sempre tão fútil, quando chamada a enfrentar-se com o nosso próprio encontro.
                Verdade se diga, que se os actores de Tavarede pisarem os exigentes palcos da capital, experimentarão, decerto, honrosas e sucessivas chamadas das plateias, onde por vezes – permitam-me o desabafo – já temos comido gato por lebre.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 23


CARTA  A FOLHAS 87 – SUBSCRITO: ILMO.SR. JOÃO GREGÓRIO DE MELO, ETC…. DO SEU AMIGO THYPALOS - Meu Joaquinzinho e Francisquinho:
            Não tenho querido mandar aí mais cedo, para saber com exactidão tudo quanto se passou, por temer que a casa tenha estado vigiada. Escrevi ao (?), porém ele não me satisfez circunstanciadamente quanto desejava saber; fui porém instruído de quanto foi bastante para me magoar e afligir, sabendo ter sido presa a Fidalga e teu bom pai e os dois manos do dr.Quanto (?), a mim cada vez que considero a casual maneira porque escapei à tormenta, dão-me suores frios, pois na verdade o caso parece ser mais milagroso que natural!!
            A portadora desta é uma senhora capaz e digna de toda a confiança, por ela peço me digam tudo quanto tem havido relativamente aos presos, e em que figura estão as coisas; se eu não temesse alguém do bairro, tinha-me metido em uma sege e tinha já lá ido; digam-me se os da diligência perceberam a minha evasão pelos trastes que ficaram no quarto, enfim, instruam-me de tudo, pois estou impaciente por saber tudo. Sobretudo o que mais me admira é a prisão do padre e dos dois manos! Façam à mãe as minhas recomendações mostrando-lhe os aflitos sentimentos do meu coração, e o mesmo, havendo ocasião, aos presos todos.
            A caixa de prata que deixei em cima da mesa já sei que não apareceu; paciência, vão-se os anéis e fiquem os dedos. Estavam lá 3 lençois e umas pretas, dirão se apareceram. Adeus, escrevam e digam tudo. Do coração, amigo e obrigado. Thypalos.

OUTROS TESTEMUNHOS - Joaquim Pessoa de Amorim, 28 anos, natural de Castelo Branco, caixeiro do negociante francês, Monsieur Levit, solteiro, morador em casa de D. Antónia, ao Grilo.
            Padre José Viitorino de Sousa – capelão de D. Antónia, filho do dr. Luiz Manuel de Sousa, já falecido, e Mariana Inácio Domitília (?), natural de Formoselha, freguesia de Santo Varão, termo de Montemor-o-Velho. Baptizado e criado em Montemor-o-Velho. 63 anos. João de Melo, administrador da casa. Ele Padre acusado do crime de tumulto na relação do Porto, pela abadessa e mais religiosas do Convento de Santa Clara, de Coimbra.

TESTEMUNHAS CONTRA D. ANTÓNIA - Manuel Duarte, com loja de bebidas, na Rua Direita de Xabregas nº 15, comissário de polícia na mesma rua. 54 anos. Que foram presas mais pessoas das províncias que em casa de D. Antónia estavam refugiados, por consentimento da Senhora da casa, seu mordomo e capelão: Joaquim Pessoa da Silva Amorim (?) à procuradora da casa e nessa qualidade lhe tinha pedido 7.200, que depois lhe negara passados dois meses e ainda o ameaçou quando lhe pedira… “que passado um mês ele lhos pagaria…”
1)       Francisco Joaquim da Silva, com armazém de vinhos, na Rua Direita dos Anjos.
2)       Tomé da Maia, mestre alfaiate, morador no Pátio da Tavarede, na Rua Direita de Xabregas.
3)       Joaquim António Brandão, fazendeiro, com venda de vinho na Estrada de Chelas.
4)       Bartolomeu de Abreu Vieira, soldado do 3º batalhão de voluntários realistas de Lisboa, morador no Beato.
5)       Pedro Abdon José da Costa, soldado do 3º batalhão de voluntários realistas de Lisboa, morador no palácio do Exmo. Marquês, Monteiro mor, na Rua Direita de Xabregas.
6)       João Maria (?), idem soldado, etc.
7)       Henrique José Barreiros, guarda-roupa do Exmo. Marquês, Monteiro-mor.
8)       José Roque, guarda-roupa do Exmo. Marquês de Olhão.
9)       Isabel Joaquim, casada com Joaquim Meireles, com casa de Povo, na Rua Direita de Xabregas.
10)   José Martins, com casa de mercearia no cunhal das Rolas, na Rua das Partilhas, e com armazém de vinhos no Pátio da Tavarede, ao Grilo.
11)   Francisco António Paredes, criado de farda do Exmo. Marquês de Olhão.
12)   Jácome Borrati, amanuense da secretaria de Estado dos Negócios de Guerra, morador no Beato.
13)   José Luiz Ferreira, com loja de bebidas no Largo do Beato.
14)   José Pais, criado do Exmo. General Vicente António.
15)   Manuel António Rosa, boticário, morador no Grilo.
16)   Manuel Pina Barbosa, guarda-roupa do Exmo. General Vicente António.
17)   Maria Perpétua, solteira, moradora em casa do Exmo. Marquês, Monteiro-mor.
18)   Ana do Nascimento, casada com Francisco Parodi, criado do Exmo. Marquês, Monteiro-mor.
19)   Joaquina Rosa Tibúrcia, solteira, moradora no Beato, Largo do Forno.
               
O QUE DIZ A 6º. TESTEMUNHA (AS OUTRAS MUTATIS MUTANDIS) -  A 14 de Dezembro de 1832 intimida a ré D. Antónia, no Convento de Santa Joana em como ficava à disposição da Comissão-Crime, criada pelo real decreto de 15 de Agosto de 1828.
            Em Fevereiro de 1833, D. Antónia requereu para livrar-se (?) em apartado com as seguintes pessoas de sua família a saber: João de Melo Barreto d’Eça e seus filhos, José Anastácio, José Miguel e João – deferido em 16 de Fevereiro de 1833. Até 13 de Março de 1833, embora deferida a pretensão, não trataram de semelhante objecto e para conhecer os autos e nada mais consta do processo a respeito de D. Antónia Madalema.
            Disse a 6ª. Testemunha: “- que sabe, por ser público, que foi presa D. Antónia Madalena de Quadros, porque em sua casa existiam diferentes réus de lesa-majestade refugiados, tais como Joaquim Pessoa da Silva Amorim, António Manuel da Silva Vieira Broa, José Maria Rodrigues e um doutor Paula, dos quais os três primeiros ali foram presos, e que tanto ela, como o seu mordomo e filhos, e um padre José Vitorino, que se diz seu capelão, não gozam de boa opinião, nem são afectos ao governo monárquico, antes pelo contrário, inimigos decididos da Augusta Pessoa de El-Rei Nosso Senhor. E mais se declarou que ele, Mordomo, e seus colegas e sócios no fim do ano de 1829 e princípio de 1830 tocaram frequentes vezes o hino revolucionário francês, e só deixaram de o fazer depois que para isso foram advertidos, e que mais sabe, por ouvir dizer a uma criada do Exmo. Senhor Marquês, Monteiro-mor, Maria Perpétua, que os mencionados individuos se banquetearam frequentemente e que no meio destes banquetes davam vivas a D. Pedro IV, e que também sabe pelo presenciar que na ocasião em que entrou a esquadra francesa mostraram um grande prazer e regozijo. (cad. 25 – pag. 9)

            D. Antónia Madalena, a 10ª. Senhora de Tavarede, foi condenada ao pagamento de 300 000 reis, sendo duas partes para a Casa Pia e uma para os oficiais e soldados da diligência, por conservar de cama e mesa na sua casa os réus de Lesa Majestade. Esta sentença foi, porém, revogada.
               
            Presume-se que a Morgada de Tavarede ainda se encontraria no Convento de Santa Joana no dia 24 de Julho de 1833, quando Lisboa foi tomada pelos liberais. Com a abertura da prisão aos presos políticos, certamente que D. Antónia Madalena terá regressado ao Palácio do Grilo, onde, a 26 de Fevereiro de 1835, faleceu, sendo sepultada no cemitério do Alto de S. João.

            Numa das notas que encontrei e que referi no 1º. volume de ‘Tavarede – A Terra de Meus Avós’, diz-se que segundo a tradição, D. António Madalena foi enterrada ainda viva no convento de Santo António, mais referindo que se desconhece a origem desta tradição. A verdade, no entanto, é que o registo do óbito de D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa se encontra nos registos paroquiais da freguesia do Beato, Lisboa, referentes ao período de 1821 a 1852.

            Terá, na verdade, a fidalga tavaredense sido trasladada para o convento de Santo António? Parece que esta hipótese será pouco crível, pelo que os restos mortais da 10ª. Senhora de Tavarede repousarão para sempre em Lisboa.

sábado, 22 de setembro de 2012

Teatro da S.I.T. - nOTAS E cRÍTICAS - 46


1982.01.29     -     VIAGEM NA NOSSA TERRA (O DEVER)

                A Sociedade de Instrução Tavaredense aproveitou a celebração do seu 78º aniversário para apresentar a peça “Viagem na Nossa Terra”, original de José da Silva Ribeiro e musicada por António Simões, Anselmo Cardoso e João Silva Cascão, integrada nas Comemorações do 1º Centenário da cidade da Figueira da Foz. Acertadamente integrada, acrescentamos nós, uma vez que é nossa opinião ter-se vivido ali um dos pontos mais altos das Comemorações, a nível cultural. Se não o mais alto!
                Porquê?
                José Ribeiro soube aproveitar “Viagem na Nossa Terra” para renascer das cinzas e dos documentos históricos (de que é estudioso credenciado) uma história onde a verdade e a sua perspicácia tecem uma página de alto valor crítico/pedagógico e que será crime deixar limitada a Tavarede. Este espectáculo merece ser visto por todos os figueirenses. Têm a palavra o Presidente da Câmara e Executivo das Comemorações.
                Nas vamos à peça.
                Apenas poderemos dizer que, só no palco, estiveram cerca de 50 figurantes, todos eles com ricos trajes rigorosamente de acordo com as épocas e circunstâncias em cena.
                E que, como por encanto, as cenas se sucediam num ritmo impressionante e sem quebras que prendiam o numeroso público que apenas desviou o olhar quando o acender geral das luzes anunciou o intervalo.
                Os cenários – dezenas de cenários profusamente decorados a rigor – apareciam e desapareciam com uma naturalidade que não está ao alcance de amadores.
                Como de costume, a riquíssima indumentária utilizada pertencia à casa Alberto Anahory que, mais uma vez, primou pela perfeição.
                Sobre os figurantes, apenas se nos oferece dizer que a maior parte deles pisa o palco como muitos profissionais o não fazem e que é notória, até nos mínimos pormenores, a superior orientação desse “homem do teatro e para o teatro” que é, indubitavelmente, José Ribeiro.
                Não há dúvida que quem quiser ver bom teatro terá de ir a Tavarede. Que ninguém desperdice esta oportunidade.
                Após a apoteose final numeroso público exigiu a presença de José Ribeiro que foi calorosamente aplaudido.

1982.02.10     -    VIAGEM NA NOSSA TERRA (MAR ALTO)

                Integrado nas comemorações do 78º. aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, mais uma peça, original de Mestre José Ribeiro, ali está em representação. Estivémos presentes na estreia, e não resistimos à tentação de escrever uma breve crónica do que nos foi dado apreciar.
                Sabemos, porque temos consciência disso, e porque nos vamos referir a esta peça em termos elogiosos, sendo natural de Tavarede e porque honrosamente tivemos o prazer de fazer parte daquele grupo amador de teatro durante largos anos, sabemos, dizíamos, de que a nossa crónica possa ser interpretada como escrita com um certo sentido “piegas” e de alguma saudade. – É um facto, que não nos podemos alhear dos sentimentos do coração, pois quem alguém que um dia teve a ventura de pertencer ao grupo dramático da SIT, a ele fica eternamente ligado. No entanto, e intencionalmente, deixámos passar alguns dias antes de escrever estas breves palavras, e é com a voz da razão, no nosso entender isento, que transcrevemos a nossa opinião.
                Mas... vamos à “Viagem na Nossa Terra”!
                Esta peça, a que chamamos “Fantasia Histórica”, é mais um original de Mestre José da Silva Ribeiro, que, com os seus oitenta e muitos anos, continua a transportar para o palco toda a juventude do seu enorme talento. Esta peça de teatro é mais um documento histórico da nossa terra, e Mestre José Ribeiro a escreveu em louvor do I Centenário da cidade da Figueira da Foz, pois que alguns quadros o expressam na sua maior clareza. Cavando mais um pouco da história longínqua da sua terra, que tanto ama, - Tavarede -, José Ribeiro não deixou de fazer a sua crítica a momentos actuais e de abraçar a Figueira da Foz neste momento alto da sua existência, que é a comemoração do I Centenário da elevação a cidade.
                Pensamos, temos a certeza, de que este é, até ao momento, o mais alto contributo para as Comemorações. Julgamos mesmo, que seria imperioso a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário, fazer todas as demarches para que esta relíquia e rica peça de teatro fizesse uma digressão por todas as freguesias, e povoações onde fosse possível, para que a população do nosso concelho aprendesse um pouco da história da nossa cidade. – De Afonso Henriques até aos nossos dias, à mistura com quadros de fantasia, é mostrada a história de um povo.
                A peça foi escrita pelo sempre jovem Mestre José Ribeiro, mas como é evidente, não é só a ele que devemos estar gratos pelo belo serão que nos foi proporcionado: - Há também todo um lote de “jovens” – dos mais variados escalões etários -, que conseguem transportar para o palco as ideias de José Ribeiro. São eles os amadores da velha SIT. – Lá vimos os veteranos, mas sempre jovens, João Medina, João de Oliveira, o José Luiz do Nascimento, o José Medina, Manuel Lontro, Antonino Santos, João José da Silva, a Maria da Conceição, a Ana Maria Bernardes (que maravilhosa faz), a Lourdes Lontro, e tantos tantos outros ao lado daquela enorme massa de juventude que ali, no palco da SIT, encontram na ocupação dos seus tempos livres uma forma elevada de cultura.
                Quanto à música também não temos palavras, pois que é agradável e melodiosa. Os seus autores, infelizmente dois já desaparecidos, - (António Simões e Anselmo Cardoso) – e João Silva Cascão.
                Uma última palavra para o guarda-roupa de Alberto Anahory: - “Maravilhoso”.
                Não nos queremos alongar em mais considerações, embora de bom grado o fizéssemos.
                Uma última questão: - “Quem não acredita no que dizemos só terá uma solução, que é ir assistir ao espectáculo”. – Se não gosta de teatro, temos a certeza de que ficará a gostar. Se já gosta, ficaria ainda a gostar mais.

1982.03.18     -     JORNADAS DE TEATRO AMADOR (A VOZ DA FIGUEIRA)

                Com a récita da revista “Viagem na Nossa Terra” iniciaram-se em Tavarede, as VI Jornadas de Teatro Amador do Concelho da Figueira, patrocinadas pelo Lions Clube.
                Não nos foi possível assistir à representação do dia 8, por nos termos deslocado a terras do norte, em viagem particular. Porém, já haviamos assistido anteriormente a este espectáculo do grupo de Tavarede – o último trabalho conjunto dos amadores daquela Sociedade de Instrução.
                A história que nos contam pretende ser uma reconstituição de factos ligados à cidade Foz do Mondego. E se por um lado temos de louvar o trabalho de pesquiza efectuado por José da Silva Ribeiro, bem como a intenção que presidiu à difícil montagem das cenas históricas e de “vaudeville”, por outro temos de reconhecer que não foi muito feliz o resultado final.
                O primeiro dos vinte quadros – uma alegoria representando a rainha das praias e os seus quatro elementos de maior interesse (o mar, o sol, o rio e a serra) teve boa representação e mau guarda-roupa.
                A seguir, pensávamos ir assistir a uma sucessão de quadros mais ou menos históricos ligados entre si por uma narração a propósito, o que não aconteceu! Terminaram - isso sim – com a feérie dos quadros de revista, todos eles muito bons. Bons em guarda-roupa, em representação, em música, porém muito mal acompanhados por uma orquestra desafinada, desencontrada e pobre de orquestração.
                Gostámos particularmente do quadro dos tanoeiros, pela homonegeidade dos grupo. E do das filarmónicas pelo conteúdo-ligação política dos diálogos.
                É possível que se tornasse mais fastidioso o espectáculo dividido em duas partes: a histórica e a revisteira, mas talvez ganhasse o conjunto com a clareza de narração que se conseguiria.
                À parte isso, é preciso uma vez mais salientar a justeza dos papéis distribuídos, da representação de todos os elementos e das montagens cénicas, algumas de muito bom efeito.
                Com elementos como José Medina, Avelino Fileno, João Medina, Manuel Lontro, José Luís do Nascimento, Manuel Silva, Lurdes Lontro, Olinda Rodrigues, Luísa Lontro, e as vistosas raparigas do coro, não é difícil fazer uma peça que agrade à maioria.
                Parabéns aos actores e aos técnicos.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 22


Foram muitos os requerimentos que João de Almada fez na tentativa de retirar da posse de sua mãe os seus bens. Temia, diz ele, que ela dissipasse os bens que herdara da Viscondessa de Condeixa, da mesma forma que dissipara os bens da Casa de Tavarede. Foram ouvidas muitas testemunhas, de ambas as partes, mas a verdade é que foi dada razão a D. Antónia Madalena, como refere o despacho do corregedor que julgou o caso … seria muito violento privar de modo tão sumário D. Antónia Madalena de uma Casa que era sua por direito próprio… E por decisão do Desembargo do Paço, de 16 de Março de 1829, o assunto ficou encerrado para sempre.

            Parecia, agora, que D. Antónia Madalena, então com 55 anos de idade, iria passar a ter uma velhice tranquila na sua casa de Lisboa. Mas não foi isso que sucedeu. A Morgada de Tavarede era uma liberal. Tinha sofrido enorme desgosto por seu filho ter assumido o absolutismo. Não sei, na verdade, se o liberalismo da nossa fidalga era uma verdade indiscutível ou se seria levada a isso por oposição a seu filho. Na verdade muitas foras as vezes em que ela invocou seus títulos e os de seu marido, defendendo a sua posição.

            Mas sabe-se que o seu mordomo, João Anselmo, e o padre capelão José Vitorino de Sousa, natural de Formoselha, que tomara a seu serviço aquando passara a residir em Lisboa, eram liberais e convictos. E tambem se sabe que, no dia 4 de Julho de 1832, pelas 2 horas da noite, o Corregedor do Crime de Alfama, com o escrivão e acompanhados por tropas da Guarda Real da Polícia e dos Voluntários Realistas de Castro Daire, entraram no seu palácio, sito no ‘pátio da Tavarede’, na Rua do Grilo, levando presos todos quantos ali se encontravam.
           
                A 7 de Julho de 1832, requer D. Antónia, por seus priivilégios e por ser presa por uma denúncia vaga de crime político, por suas doenças perigosas, como há quatro dias se acha sem socorros médicos, incomunicável no segredo da Corte, para Sua Majestade a mandar para onde lhe aprouver, mas onde a suplicante possa evitar a morte. E no dia 10 de mesmo mês, foi emitido um régio aviso,  mandando-a ser transferida do segredo da cadeia da Corte para o Mosteiro de Santa Joana. Alegava-se, então, que havia papéis subversivos apreendidos em sua casa. E no dia 21 de Julho seguinte, foi entregue no referido Convento Real de Santa Joana, para julgar os crimes cometidos contra a Augusta Pessoa de Sua Majestade El-Rei Nosso Senhor e segurança do Estado.

            D. Antónia já havia sido interrogada. Aqui fica a nota deste interrogatório. Ano de 1832. Aos 6 de Julho do dito ano, nesta cidade de Lisboa e cadeira da Corte, onde veio o dr. Jerónimo Moreira Vaz, Corregedor do crime do Bairro de Alfama, comigo escrivão do seu cargo e o assistente no fim assinado, aí mandou chamar à sua presença a D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, presa na dita cadeia, e depois de lhe deferir juramento dos Santos Evangelhos quanto a terceiro, lhe fez as seguintes perguntas. E eu, José Joaquim Galvão, o escrevi.
            E perguntado pelo nome, filiação, naturalidade, morada, estado e idade, respondeu chamar-se D. Antónia Madalena de Quadros, filha de José Juzarte de Quadros e Dona Joana Madalena Leite, natural de Tavarede, moradora da Estrada do Grilo, em Lisboa, é viúva de Francisco de Almada e Mendonça, e tem de idade 58 anos, incompletos.
            E perguntada quando, aonde, por que ordem e por que motivo foi presa, respondeu que fôra presa na noite de 3 para 4 do corrente, em sua casa, por ordem do Ministro e que ignora o motivo.
            E perguntada há quanto tempo viviam em casa dela, interrogada, Joaquim Pessoa da Silva Amorim, natural de Castelo Branco, António Manuel da Silva Broa, natural do Sardoal, e que foi alferes do novo regimento de infantaria de Lisboa, e José Maria Rodrigues, natural da freguesia de Santa Cruz, do cartel desta cidade de Lisboa, e o Padre José Vitorino de Sousa, natural de Formoselha, e que mais pessoas eram frequentes em sua casa, ou por visita ou em efectiva residência.
            Respondeu que Joaquim Pessoa da Silva Amorim, há 5 ou 6 meses na casa dela interrogada, e António Manuel da Silva Vieira Broa, que reside na casa dela, interrogada, há 3 meses, e José Maria Rodrigues residia em casa dela, interrogada, haveria um mês, pouco mais ou menos, e que o seu padre capelão José Vitorino de Sousa, reside na casa dela, interrogada, há 5 anos, e que não tinha visitas.
            E perguntada se antes de admitir na sua casa, e na sua companhia, os referidos Joaquim Pessoa da Silva Amorim, António Manuel da Silva Vieira Broa, José Maria Rodrigues, examinara ela, interrogada, como devia examinar, a conduta religiosa, moral e política destes indivíduos, e os títulos por que eles puderam legalizar a sua residência na Corte, principalmente aqueles que dela não serão naturais.
            Respondeu que há 3 anos, pouco mais ou menos, que Joaquim Pessoa da Silva Amorim frequentou a casa dela, interrogada, visitanto o seu administrador João de Melo Barreto de Eça, com o qual tomou conhecimento numa hospedaria e contraíram tal amizade que o referido Joaquim Amorim, frequentando por este motivo a casa dela, interrogada, lhe pediu o deixasse residir nela, ao que  anuiu ela, interrogada, não lhe investigando a sua conduta, não lhe importando o que ele fazia, e quando o via era a reunião do almoço, jantar e ceia; e que António Manuel da Silva Vieira Broa era conhecido dela, interrogada, há muito tempo, bem como a família dele, e por isso o admitiu em sua casa e lhe permitiu que nela vivesse, ignorando o seu emprego militar, no que reconhece o seu pouco cuidado e sua culpa; e que José Maria Rodrigues foi conduzido a casa dela, interrogada, por um seu tio, chamado Fortuna, caserneiro, por ocasião de visita e jogo de voltarete, e tomando depois conhecimento, o dito José Maria Rodrigues, com os filhos do administrador dela interrogada João José de Melo Barreto de Eça, lhe pediram aqueles que o deixasse persistir em sua casa, ao que ela interrogada anuiu, ignorando que ele tivesse culpas.
            E por ora ele Ministro não fez mais perguntas à respondente, que sendo-lhe lidas disse estarem conformes e que as respostas as ratifica, e assinou com a respondente e nós escrivães, em fé de verdade. E eu José Joaquim Galvão o escrevi e assinei.

            Para recordação, e porque talvez venha a interessar a alguém, a seguir transcrevo algumas passagens do processo: TESTEMUNHAS               João Gregório de Melo Barreto d’Eça, filho de João de Melo Barreto d’Eça e de D. Maria do Carmo Teles de Melo, natural da Figueira, morador na Calçada de Santo André, 68 – 2º andar, não tem emprego… “… é certo que na dita casa de D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa existia um outro réu de lesa-majestade, o doutor Paula, da Figueira, amigo dele interrogado, seus pais e irmãos, a quem davam ali por brincadeira o nome de Thypalos, e que este fôra o que se evadira à justiça na noite de 4 do corrente, em que ali o pai e irmãos dele interrogado, a dona da casa e outras pessoas foram presas…”. (Negou)

            Perguntas a Joaquim Pereira da Silva Amorim – 3ªs perguntas – 23 de Julho de 1832:
            “E perguntado quem era  um outro réu e culpado que se achava em casa de D. Antónia Madalena de Qiadros e Sousa, na noite em que ele interrogado, e outros ali foram presos, escapando-se aquele réu à prisão.
            Respondeu que àquela casa costumava ir de visita, e algumas vezes pernoitava, um outro chamado Paula, da vila da Figueira, e que reside em Lisboa, mas que não tinha dito, a ele interrogado, onde era a sua morada e que ignorava se ali estava.
            E perguntado se ele conhece a letra daquele doutor Paula, respondeu que o viu escrever algumas vezes e que apresentado-se-lhe a letra pode dizer se sim ou não a conhece.
            E perguntado se àquele Paula davam na referida casa o nome de Thypalos, respondeu que um francês, chamado Messidor, que estava em casa de D. Maria de Noronha, vizinha da casa onde estava ele interrogado, e ia este doutor Paula, lhe chamavam muitas vezes Thypalos.
            E perguntado se conhece a letra do bilhete de folhas 86 dos autos e da carta  de folhas 87 dos mesmos, que lhe foi mostrada: que tanto aquele como este estão assinados com o nome de Thypalos. Respondeu que não conhece bem a dita letra e que nunca vira que aquele doutor Paula se assinasse Thypalos. E perguntado onde reside este doutor em Lisboa: reaspondeu que não sabia.

sábado, 15 de setembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 45


1981.01.23     -     ECOS DA TERRA DO LIMONETE (O DEVER)

                Já 77 anos são passados desde que em 1904 nasceu na velha Tavarede a Sociedade de Instrução Tavaredense. 77 anos que tiveram o condão de operar a milagrosa transformação das suas gentes como nos foi dado observar no seu magnífico (mas já pequeno) Teatro. Não exageramos se afirmarmos que, naquela casa, não se fez teatro mas se escreveu história ao reviver-se todo um passado que se perde no distante século XI (Conde D. Sisnando). Aqueles homens, mulheres e crianças, escudadas embora no saber e perspicácia desse “quase lendário” José Ribeiro e que mesmo amparado à bengala continua a ser o Mestre insubstituível, parecem ter dentro de si a arte dos seus antepassados, tão perfeitas são as respectivas actuações.
                Em Tavarede não se aprende teatro, respira-se teatro!
                Mas vamos ao espectáculo.
                Com uma casa à cunha foi levada à cena a fantasia em 2 actos e 13 cenas, “Ecos da Terra do Limonete” que abriu com aplaudidas palavras de José Ribeiro. Desfilaram, em seguida, pelo famoso palco, mais de meia centena de personagens a quem a riqueza da indumentária de Alberto Anahory transmitia uma “realidade histórica” que transportava os espectadores àquele país de “fantasia-verdade” que julgávamos só estar ao alcance de profissionais.
                Como momentos mais altos daquela fantasia salientamos (embora reconhecendo o melindre da tarefa dado o excelente nível de toda a peça):
                = o Velho do Paço (João Oliveira) em que a espectral figura de velho se fundia com as funduras do “postal do Paço de Tavarede”;
                = a riqueza dos vestuários e adequado enquadramento das numerosas personagens em “Onde começa a História” e “O serão das Alfândegas”;
                = a sensibilidade e “vivência histórica” em “Dois Mortos sem sepultura” (João Medina, Antonino Santos e Helena Carvalho);
                = o “Zé da Gaita” (José Luís), “Vitorino da Vaca” (João Medina), “Horta da Figueira”, “Conversa na Rua”, “Canção da Fonte”, a bruxa (Otília Medina), “Milagre da Fonte”, etc. etc.

1981.03.06     -     TEATRO EM TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                Verdadeiramente calorosos os aplausos com que o público tem acolhido, na sua triunfal carreira, a peça de Tavarede “Ecos da Terra do Limonete”. O facto plenamente se justifica: os 2 actos da peça, constituidos por 13 cenas de evocação histórica, de bela e rica fantasia e de comentário alegre e pitoresco, são aliciantes sugestivos – um desfile de figuras e de factos de ontem e de hoje, começando pela tão bela cena de “A Mãe e a Filha” (Tavarede e Figueira), como prolongando a história da vila de Tavarede e do lugar de S. Julião com o Conde D. Sisnando, o Abade Pedro e Cidel Pais em Coimbra, no ano de 1064; passando pelas ruínas do Paço dos Quadros com a sua falada torre com ameias; relembrando Fernandes Tomás; ouvindo o exportador de laranjas junto à casa da Câmara de Tavarede; e a conversa na rua, e o Capador e o Carreiro; e, a fechar, o rancho do 1º de Maio com os potes enfeitados. Tudo isto dentro de linda moldura cénica, com um conjunto de 60 figuras lindamente vestidas por Anahory e boa música enriquecendo e alegrando algumas cenas.
                Quem desejar ver ainda uma vez esta obra da SIT terá de ir amanhã a Tavarede. Será a despedida de “Ecos da Terra do Limonete”.

1981.04.06     -     V JORNADAS DE TEATRO AMADOR (MAR ALTO)

                Quando em 1664, em França, Molière apresenta a sua nova peça, estaria talvez longe de pensar que um escândalo iria abalar durante algum tempo a sociedade da época, mercê da intervenção do poderio eclesiástico face à exibição em Versalhes, pela primeira vez, da última comédia daquele que viria a ser um dos maiores nomes da comediografia francesa, conseguindo durante alguns anos a proibição da sua representação.
                A mais de trezentos anos de distância, a Sociedade de Instrução Tavaredense põe em cena essa polémica obra de Molière, “Tartufo”, uma comédia em 5 actos, numa adaptação literária de António Feliciano de Castilho.
                É evidente que a sociedade actual não comunga dos mesmos preconceitos daquela época, nem o clericalismo de hoje detém a força e a influência política capaz de cercear uma obra tão mordaz como “Tartufo”.
                Em “Tartufo”, Molière satiriza não só uma época, mas perpétua no tempo a visão sombria de todas aquelas figuras sinistras, repelentes, que sugam a cada passo os ingénuos e pobres de espírito que se deixam levar pela matreirice diabólica dos cínicos e oportunistas sem escrúpulos.
                Tartufo é a personagem central desta peça, um falso devoto que mercê das suas habilidades e valendo-se de falsos conceitos morais e religiosos de que se faz possuir, consegue albergar-se no seio de uma família cujas tradições religiosas do senhor e de sua mãe fazem dele a pessoa mais idolatrada da casa – um santo possuidor de todas as virtudes.
                Mas como em todas as histórias, a verdade se sobrepõe à hipocrisia e Tartufo é desmascarado e preso antes de se consumar a sua mais ignominiosa perfídia.
                A actuação da Sociedade de Instrução Tavaredense desempenhou o mais perfeito trabalho que até agora nos foi apresentado nestas Jornadas de Teatro Amador. Numa peça de difícil desempenho, quer pela extensão dos seus diálogos, quer pela extensiva permanência em cena de muitos dos seus personagens, obrigando-os a uma movimentada marcação, mantendo sempre viva a sua presença e a expressivos jogos mímicos de que aliás se saíram com perfeita execução, foi bem posto à prova um conjunto de artistas excelentemente dirigidos, denotando um saber e uma experiência notáveis para um agrupamento amador.
                No plano individual, assistimos a exibições francamente boas, onde não são de apontar excepções negativas à boa interpretação de todos os elementos. Refira-se no entanto a extraordinária interpretação de Ana Paula Fadigas no papel de Dorina, a criada da casa, que apenas como comentário nos apetece alertar os empresários de teatro profissional para, no caso de precisarem de artistas de primeiro plano, aparecerem por Tavarede.
                João de Oliveira, o Tartufo, que não é decerto um refinado hipócrita, fingiu-o muito bem.
                Para a figura irascível do velho Orgon, dono da casa,, também uma excelente interpretação de João Medina, apenas um reparo que não deslustra no entanto a sua boa actuação. Parece-nos que deveria pôr um pouco menos fulgor na voz e mais na expressão, quando Dorina lhe dava as novas da casa e ele apenas pretendia saber de Tartufo, perguntando por ele repetida e energicamente. Este é um dos momentos altos desta peça, pois traduz o desprezo pelos mais elementares deveres para com a família, contrastando com a obcecação fanática posta na veneração quase divina àquele homem que viria a portar-se como um símbolo de hipocrisia e traição.

1981.05.01     -     TARTUFO DE MOLIÈRE À JOSÉ RIBEIRO (O DEVER)

                O famoso grupo cénico da S. I., Tavaredense desceu à Figueira, mais uma vez, para, com todo o valor que lhe é justamente reconhecido, levar à cena a conhecida comédia de Molière, Tartufo, na versão de António Feliciano de Castilho.
                Obra célebre, de autor célebre, encontrou no experimentado Grupo de Tavarede e estudo abalisado de José Ribeiro o pulso forte que a sua erudição exigia e possibilitou uma exibição de nível e que apenas estará à mercê de equipas altamente profissionalizadas. Os amadores (?) de Tavarede mostraram, assim, ter atingido um grau de maturidade teatral tal que só estará ao alcance de minguado número de grupos cénicos no nosso país.
                Tartufo não é uma peça fácil. Não sei mesmo se é possível vê-lo, com tal nível, em Portugal. Só artistas evoluídos, estudiosos, superiormente dirigidos, têm acesso a Molière. Ora, todo o elenco que pisou o palco do Peninsular, sem excepção, chegou a Molière. Assim – e porque seria injustiça realçar nomes – aqui fica a lista de todas as personagens que tornaram possível tal espectáculo que entusiasmou a numerosa assistência que quase enchia a sala e dispensou ao famoso grupo calorosa ovação que só terminou quando José Ribeiro, principal responsável pelo êxito obtido, apareceu no palco.
                Personagens: Madame Pernelle, mãe de Orgon, Lurdes Lontro; Orgon, marido de Elmira, João Medina; Elmira, esposa de Orgon, Maria Conceição Mota; Damis, filho de Orgon, Vitor Medina; Mariana, filha de Orgon, Ana Maria Bernardes; Valério, noivo de Mariana, José Manuel Vitorino; Cleanto, cunhado de Orgon, José Luis Nascimento; Tartufo, falso devoto, João de Oliveira; Dorina, creada de Mariana, Ana Paula Fadigas; Leal, oficial de diligências, Manuel Lontro; Meirinho, Antonino Santos e Filipa, creada de Mme. Pernelle, Teresa Lontro.

1981.05.07     -     JORNADAS DE TEATRO AMADOR (A VOZ DA FIGUEIRA)

                O teatro aconteceu no passado dia 27 com a apresentação do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.
                Esta é a “troupe” do concelho com mais experiência de palco e de maiores créditos dados até agora.
                Não por isso, mas pela linha de conduta imposta ao grupo, ele constitui um grande exemplo a seguir pelos demais. Desde a subida do pano (rigorosamente à hora marcada) até ao final da peça, respirou-se disciplina.
                Qualquer pessoa, habituada a ver teatro, notou ali a mão de um mestre conduzindo cada elemento e a harmonizar o todo da encenação. No final, alguém nos informou que, efectivamente, a venerável figura que apareceu em palco, trazida pelos actores, era o devotado artífice de tão homogéneo grupo: - José Ribeiro.
                Verdadeiro sacerdote do teatro, ele conseguiu, ao longo dos anos, uma obra que poderá (e quanto a nós DEVERÁ) apresentar em qualquer festival de teatro, mesmo no estrangeiro.
                Talento e bom senso demonstraram todos os elementos em palco, mas – que me perdoem os demais – João Medina, na figura de Orgon fez-nos lembrar Jacinto Ramos. E não temos dúvida nenhuma em afirmar que Ana Paula Fadigas (na criada Dorina) poderá ser se o quizer – um grande vulto do teatro português.
                E que bem que Lurdes Lontro traçou a figura da mãe de Orgon! O próprio Tartufo, cuja aparência de João Oliveira igualmente ajudou, além da rigorosa interpretação.
                Tão emocionada nos deixou o vosso esforço, tavaredenses – ele bem se adivinha pela obra apresentada – que um dia vos procuraremos.

1981.05.15     -     TARTUFO (BARCA NOVA)

                ... o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense optou por ser “fiel à obra”, o que não surpreende por estar de acordo com os seus trabalhos anteriores e as ideias do se encenador. Apesar de fazer apenas dois intervalos, entre o 2 e 3º actos e o 4º e 5º actos, o pano de boca desce sempre no final de todos os actos e não podem ser designados por intervalo só porque os espectadores não saiem da sala. Pequeno pormenor sem interesse pensarão alguns, mas que demonstra bem que nem todas as novas técnicas de produção teatral foram seguidas neste espectáculo. No final desta montagem de Mestre José Ribeiro tivemos a sensação de que Tartufo não tinha mostrado a sua verdadeira face dos dias de hoje, apesar de todas as qualidades que o espectáculo encerra.
                O bom trabalho da maioria dos actores, apesar da sua representação convencional não impede a impressão de termos estado na sala de um museu onde às obras expostas não são fornecidas as melhores condições para serem admiradas na sua plenitude. Porém, tudo isto não nos impede de afirmar que este é até agora o melhor espectáculo destas V Jornadas de Teatro Amador da Figueira da Foz, e que Ana Paula Fadigas confirma as suas grandes potencialidades como actriz.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 21


            
              
              Depois do falecimento de seu marido resolveu vir viver para Tavarede. Chegada à nossa terra, decidiu passar peocuração a seu primo António Xavier Juzarte de Quadros, morador em Coimbra, que, anos mais tarde, acabaria por ter grande influência nos factos que ocorreram e que tiveram enorme consequência no seu destino.        Também foi em Tavarede que D. António Madalena tomou amizade com João Anselmo de Melo Barreto de Eça, natural de Águeda, que adiante participará na história e o qual viria a ser nomeado seu mordomo e administrador.

            Embora possuidora de rendimentos elevados, isto durante os anos de 1805 a 1809, várias foram as causas que, especialmente a partir dos finais de 1807, trouxeram a decadência à Morgada de Tavarede. … As dívidas que ficaram de seu marido, a necessidade (e vontade) de viver de acordo com a sua condição social, a necessidade de dar destino aos filhos, alguma inabilidade e a certa falta de preparação para a gestão dos seus bens, os muitos interesses de terceiros que giravam à volta dessa administração e principalmente as consequências locais das invasões francesas serão as causas mais seguros para o descalabro económico… (A Casa de Tavarede).

            Terá sido para sua segurança que D. Antónia Madalena resolveu ir para Lisboa, por volta do ano de 1810, acompanhada de sua filha, a qual, por ordem do principe regente D. João, havida sido recolhida no convento da Visitação, em Lisboa, como educanda, tendo seu filho sido educado no Colégio dos Nobres.

            Entretanto seu filho, feito barão e mais tarde conde de Tavarede, como veremos, casou em 1810, tendo então 16 anos, com D. Maria Emília da Fonseca Pinto de Albuquerque Araujo e Meneses, de Trancoso, tendo D. Antónia Madalena dotado seu filho com a propriedade e o usufruto de um terço dos bens livres e administração e uso da Casa de Tavarede, vínculos e prazos, bens livres, em cujo governo entraria logo que casasse… … ficando este obrigado a pagar-lhe 2 800 000 reis anuais, em mesadas iguais… vivendo ela separada do filho.

            No caso de seu filho faltar às obrigações nomeadas no dote, D. Antónia Madalena poderia tomar de novo a administração da casa de Tavarede, ficando, no entanto, com a obrigação de lhe dar 6 000 cruzados anualmente, a título de alimentos.

            O jovem casal passou a residir em Tavarede, conjuntamente com os  pais da noiva. Desentimentos vários, inclusivé a falta do pagamento das verbas estipuladas, levaram D. Antónia Madalena a ir residir para Lisboa, acolhendo-se no Convento de Santos, juntamente com sua filha, pois tivera de a retirar do convento da Visitação, por não ter possibilidades económicas de ali a manter.

            Devido a várias tropelias cometidas por seu filho e, especialmente, pelo pai de sua nora, retirados, entretanto, para Trancoso, D. Antónia, na tentativa de evitar que a Casa de Tavarede, da qual recobrara a administração, fosse consumida pelas exigências dos credores, recorreu à administração judicial de sua casa. A administração foi concedida por provisão de 12 de Novembro de 1810, tendo sido nomeado juiz administrador o Desembargador José António da Silva Pedrosa.

            Foram duas as causas principais para a grande quebra de rendimentos da Casa de Tavarede. A primeira causa era devida às invasões francesas que trouveram grande instabilidade a quem vivia de seus rendimentos. A segundo, e principal, terá sido o péssimo exercício da administração que, sendo exercida por juizes residentes em Lisboa, permitiam negócios e concluios altamente lesivos da a Casa.

            Parece que a culpa de tudo o que se passava era do Desembargador Pedrosa, que passou a julgar-se dono e senhor da Casa de Tavarede. Deixou de cumprir o pagamento da pensão a que D. Antónia tinha direito, ficando esta de tal forma que, em Julho de 1811, teve de sair do convento de Santos, visto não ter com que ali pudesse sobreviver decentemente.

            Por aviso régio de Fevereiro de 1811, obtivera o favor de mandar recolher, até ao final de Março, sua filha no convento da Visitação, a título de acabar a sua educação. A pensão estabelecida era de 60 000 reis mensais, que só davam para tenda, aguadeira e lavadeira.

            De qualquer forma procurava não descurar os negócios da Casa de Tavarede. Diz D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, Senhora de Tavarede, viúva de Francisco der Almada e Mendonça, que tendo obtido de Sua Majestade a graça de lhe conceder uma administração judicial para a sua Casa de Tavarede, de que V.Exª. é digníssimo Juiz, vem a Suplicante informar que representam a sua Casa com mágoa e defraudação, pelo que a sua Casa está sofrendo em alguns dos seus direitos. E principia, agora no presente requerimento, pelo abuso que várias pessoas da Figueira, Lavos e Vila Verde, têm feito da passagem para a Ínsua da Morraceira, sem reconhecimento, licença ou facultado deste Juizo ou da Suplicante.
            Entre os bens desta Casa se compreende a dita Ínsua da Morraceira, que é uma ilha próxima à foz do Mondego, cuja ilha é toda da Suplicante, e compondo-se de salinas, é a passagem para a dita ilha privativa da Casa da Suplicante, e ninguém pode atravessar por ela senão nos barcos estabelecidos para esse fim, e de cuja passagem pagam direitos, desde tempo imemorial, à Casa da Suplicante, tendo havido já sentenças obtidas pela Suplicante e seus antepassados a favor destes direitos.
            Acontece, pois, que ao presente muitas pessoas, com ofensa destes direitos, põem barcos para a passagem para a Morraceira, sem quererem reconhecer este Juizo ou a Suplicante, como senhora exclusiva deste direito, e por isso ela recorre a esta administração para que se digne mandar ordem ao Juiz de Fora da Figueira, a fim de se evitar este abuso, fazendo-se citar quaisquer pessoas que tenham barcos para a dita passagem, para mais o não praticarem, sem reconhecimento a este Juizo ou à Suplicante, com a pena de que fazendo o contrário lhe serem apreendidos e inutilizados os barcos, intimando-se igualmente Domingos José da Costa, da vila da Figueira, actual recebedor das rendas da Casa da Suplicante, para que com o seu conhecido zelo, fiscalize o exacto cumprimento da ordem sobredita, pondo os barcos necessários, fazendo os ajustes convenientes e recebendo o produto destes direitos, da mesma forma que recebe as mais rendas da Casa da Suplicante.
            A V.Senhoria se digne assim o haver por bem. D. António Madalena de Quadros e Sousa

            D. Antónia Madalena nunca negou as dificuldades que passou e que, para lhes fazer face, tivera de vender bens e contrair dívidas. … ocultava a venda do prazo de Torres Vedras e a das jóias, móveis, carruagens e bestas… E para encobrir a sua prodigalidade fingia despesas arbitrárias que jamais poderia comprovar… (A Casa de Tavarede)

            Entretanto o Desembargador Pedrosa foi substituido, em Dezembro de 1811, pelo Desembargador da Casa de Suplicação José Guilherme de Miranda. E em Março de 1813, a morgada regressou a Tavarede, onde passou a viver.e em Junho daquele ano tem lugar o casamento de sua filha, D. Ana Felícia, com D. Tomás da Cunha Manuel Henriques de Melo e Castro, senhor do morgadio da Roliça, moço fidalgo da Casa Real, tenente coronel do Regimento de Milícias da Figueira da Foz, condecorado com a medalha da Guerra Peninsular e que havia nascido em 1777.