sábado, 1 de setembro de 2012

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 19


Seguem-se as assinaturas de mais de trinta pessoas, residentes em Tavarede, Buarcos, Figueira e Maiorca. Não deixa de ser curioso que um destes assinantes terá sido João Adolfo de Crato, Juiz da Alfândega da Figueira, amigo e ‘banqueiro’ do morgado de Tavarede, talvez a maior fortuna local e que veio a adquirir grande parte dos bens da família Quadros.

            Segundo o Dr. Rocha Madahil, a primeira redação deste extraordinário e quase inacreditável libelo… … foi, depois retocada: cortaram-se alguns períodos e o articulado relativo ao desacato feito a Bento da Cunha Terrão e a Bernardo da Cunha; substituiu-se o termo vergalho, com receio, talvez que soasse mal… … toda a palavra vergalho trocada por chicote. Mas, de qualquer forma, chega a impressionar a opressão, crimes e maldades cometidas sobre o pobre e indefeso povo.

            E não se julgue que a posição assumida pelo Cabido era total a favor do povo. Estavam crentes de que, passando a Câmara e Justiças para a Figueira, se acabaria com o despótico poder dos fidalgos. Isso era verdade, mas o Cabido desejava para si continuar a ser o donatário do Couto de Tavarede, continuando a ter direito aos seus privilégios. Falharam os seus cálculos, mas a história de Tavarede, uma história de mais de sete séculos, deixou de ter qualquer significado, ficando dependente da nova vila da Figueira da Foz.

            Apesar da defesa que, a mando de El-Rei, a nobreza e o povo (?) de Tavarede deram, quanto ao pedido do Cabido para a mudança da Câmara e Justiças, não resultou…. É a Justiça inexpugnável fortaleza que não teme os rebates falsos; é Vossa Majestade o sagrado da mesma Justiça, como fonte e manancial dela; esta certeza, e a de que é próprio da real protecção de Vossa Majestade defender os oprimidos das violências, nos constitue na esperança de sair escusado o requerimento do reverendíssimo suplicado que só se induz de circunstâncias inatendíveis e não verdadeiras, e se o foram não podia competir com o direito adquirido e radicado na imemorial posse em que estamos da conservação da casa da Câmara neste Couto, desde a sua fundação, por cuja razão e pelo mais que com pura verdade expomos na presente resposta, deve ser desprezada a suplica, denegando-se ao reverendíssimo suplicado a provisão que intenta e assim o esperamos da equidade com que é distribuida a mesma Justiça pela real mão de Vossa Majestade não obstante a resposta da Câmara, cujos oficiais são este ano as daquele lugar

            Além da mudança da Câmara, as tropelias e crimes do fidalgo morgado de Tavarede não podiam ficar impunes. Acabou por ser levado a julgamento e condenado, tendo acabado os seus dias na cadeia da portagem em Coimbra.
  

 Pedro Joaquim Lopes de Quadros e Sousa
 8º. Senhor de Tavarede - Morgado
  
            Fernão Gomes de Quadros e Sousa faleceu, como atrás foi referido, na cadeia da portagem em Coimbra, no dia 15 de Março de 1767, tendo o seu corpo sido trasladado para ser sepultado na capela do Convento de Santo António, na Figueira da Foz. Já não assistiu, portanto, à concretização da mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira da foz do Mondego, em 1771.

            Seu filho primogénito, Pedro Joaquim Lopes de Quadros e Sousa, que, como herdeiro, deveria tomar posse do morgado e da Casa de Tavarede quando seu pai morreu, não o podia fazer, pois estava preso.

            Como seu pai, havia sido uma pessoa de péssimos instintos. Já na exposição feita pelo Cabido a El-Rei D. José I, são denunciados diversos crimes praticados por ele. O mais grave, todavia, terá sido a morte de seu tio, Frei Aires de Santa Ana, religioso no convento de S. Francisco, em Lisboa. Consta que … morreu, infelizmente, de um tiro de pistola que lhe deu seu sobrinho Pedro Joaquim, estando rezando a uma varanda, por ter sido repreendido de uma desobediência a seu pai… Esta repreensão devia-se aos seus maus procedimentos que vinha de fazer no lugar da Figueira… andando pelas tabernas emborrachando-se. Aliás, diversos autores referem que Pedro Joaquim terá cometido o assassínio num excesso de vinho.

            Creio, porém, que Pedro Joaquim de Quadros foi de facto, pouco tempo após a morte que praticou, remetido preso para a Berlenga Maior, em cujo espaço, que não ultrapassa alguns poucos quilómetros quadrados, viveu do final da sua juventude até ao final da idade madura, escreveu o Dr. Pedro Quadros Saldanha em ‘A Casa de Tavarede’.

            Com a morte de seu pai e com a sua prisão, perpétua, nas Berlengas, foi sua mão que assumiu o governo do morgadio, ajudada pelo seu segundo filho, António Leite. Este, devido às circunstâncias verificadas, estaria crente que seria declarado o herdeiro da casa de Tavarede, certo que seu irmão não viveria muitos anos nas Berlengas.

            Terá sido enorme a sua surpresa, bem como a de sua mãe, D. Brites Josefa da Silva e Castro, quando, já reinando a rainha D. Maria I, apareceu em Tavarede Pedro Joaquim Lopes de Quadros e Sousa, então com 46 anos de idade, e liberto graças a um perdão real que lhe fôra concedido.

            Pouco foi o tempo em que Pedro Joaquim esteve de posse do seu morgado. Nos cadernos do Dr. Mesquita de Figueiredo refere-se que … fez tais loucuras que foi mandado de vez para ela (prisão das Berlengas), onde morreu. A verdade é outra. Ele foi, na realidade, preso, mas foi encarcerado em Coimbra, na mesma prisão onde seu pai morrera.

            Tentou a sua defesa, como é natural. As acusações, no entanto, foram fortes. Como exemplo disso, transcrevo a informação que foi prestada pelo então Corregedor de Coimbra. O suplicante matou um tio seu religioso com um tiro por cuja causa se mandou para a Fortaleza das Berlengas, em que esteve muitos anos e dela saíu na ocasião do indulto geral do Fidelíssimo Senhor Rei D. José I. Veio para a sua casa de Tavarede e companhia de sua mãe, e se entregou a vícios, andando publicamente e escandalosamente amancebado e frequentemente ébrio. Costuma trazer consigo armas de fogo e em uma noite estando umas criadas de sua mãe à janela e desconfiando que elas o estavam espreitando e a uma concubina lhe atirou um tiro, mas não as ofendeu. E por estes factos é temido não só dos estranhos como também dos domésticos. Apareceu nesta cidade continuando a sua irregular vida, e imprópria do seu nascimento, causando escândalo e temor que rompesse nos seus costumados excessos e para se evadirem achando-me eu na comerca em correição e o juiz do crime doente, se deliberou o juiz de fora do cível mandá-lo prender e dar conta a Vossa Majestade pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, que me veio a informar, e remeti a informação em 14 de Dezembro próximo passado de 1778. Já anteriormente o juiz de fora da vila da Figueira representou a Vossa Majestade as desordens do suplicante e o temor daquele povo, que vindo-me também a informar expedi em 19 de Outubro do dito ano sem que de uma ou da outra tenha havido resolução. Não consta que o suplicante tenha culpas judicialmente formadas nem é razão esteja perpetuamente preso em uma cadeia pública; porém para se evadir a própria injúria e a de seus parentes, e eminente perigo da sua liberdade, me pareceu ser justo se tornasse a mandar para as Berlengas ou para outra alguma fortaleza deste reino onde se lhe administrasse o necessário para a conservação da vida, como já informei a Vossa Majestade ou dar alguma outra providência e sobre tudo mandará Vossa Majestade o que for servido.

            Pode depreender-se de tudo isto, que a própria família o desejava preso. E apesar do recurso apresentado e do testemunho favorável de pessoas influentes, a rainha não concedeu perdão. Mas, talvez até por simples curiosidade, transcrevo uma pequena parte dos testemunhos de sua defesa. 1 . O suplicante é quieto e pacífico e não costuma nem descompuzera pessoa alguma, antes acomoda as desuniões e rixas que sucede haver no dito couto e nesta vila e suas circunvizinhanças, sem que para este fim use de despotismos e tenha espancado pessoa alguma que não queira obedecer-lhe nos seus petitórios. Com bons modos pede que se acomodem algumas desuniões pois ‘o seu génio é de acomodar várias rixas que há entre algumas pessoas’. 2 . O couto de Tavarede é lugar triste e esta vila muito alegre por ser porto de mar, aonde entram várias embarcações com gentes civilizadas com quem o suplicante trata, sem que haja notícia tenha ofendido pessoa alguma. Tavarede era lugar pequeno e o suplicante tem algumas vezes vindo passear a pé e de cavalo à Figueira, sem que nela tenha ofendido pessoa alguma, antes tratando todos com muita cortesia. 3 . O suplicante é morgado e senhor da sua casa e por ser muito obediente a sua mãe, D. Brites Joséfa da Silva e Castro, lhe tem largado a administração de toda sua casa, sem que em nada encontre as determinações da referida sua mãe. Tem desistido da administração da casa, que entrega à mãe.

            Alguma coisa não está certa. Mentia o Corregedor de Coimbra ou mentiam as testemunhas de defesa? 

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