sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Maria Teresa Oliveira

Maria Teresa Oliveira, na peça 'Alguém terá de morrer' (1969)


Bonita festa a que homenageou D. Maria Teresa de Oliveira, que há meio século se devota ao Teatro e à Benemerência.


Muitos dos seus admiradores foram a Tavarede numa noite de Inverno impiedoso dizer-lhe com a sua presença e os seus aplausos (que atingiram proporções de apoteose) que não olvidam o que a Mariquinhas representa no mundo de hoje. O que vale a sua devoção, o seu exemplo, a sua entrega, total e desinteressada, o uma obra de Arte e Benfazer. Cuidar dia a dia dos mil pormenores que exigem a actividade permanente dum palco e dum grupo de teatro. E tudo desinteressadamente. E tudo tão naturalmente como se respira.


Cuidar da sua vida, dos seus problemas próprios, duma família tão experimentada por tantas vicissitudes, e ainda devotar-se profundamente, dia a dia, ao longo de meio século, a uma tarefa de valorização da Grei. E sem se pôr nos bicos dos pés, sem afrontar ninguém com os seus méritos reais e invulgares.


D. Maria Teresa de Oliveira ajudou a pôr em cena muitas dezenas de peças; estudou muitos papéis; percorreu o País, quase sempre desconfortàvelmente, para que a maior receita possível fosse beneficiar o maior número de necessitados; nunca recusou, nunca voltou as costas, nunca esperou que lhe batessem encarecidamente à porta. Com a Mariquinhas todos, em toda a parte, podiam contar. Todos, sem excepção, num diálogo de cinquenta anos.


O espectáculo decorreu sempre numa permanente comunhão de sentimentos entre o palco e a sala.


Todos sentiam a homenagem que se estava a prestar. O teatro de Gil Vicente, ainda não totalmente despido do ar pesado e duro da Idade-Média, era com o seu forte e intenso humanismo o primeiro clarão da festa. Depois veio a movimentação alegre, a música cheia de vibração e sentimento do Chá de Limonete e Terra do Limonete, as duas peças em que José Ribeiro evoca a história e os costumes da nossa região com tanto carinho. Constantes ovações, quadros repetidamente bisados, fizeram do espectáculo uma noite inolvidável.


Depois foi a parte final: no palco todos os amadores, muitas flores, muitos abraços e felicitações de admiradores de D. Maria Teresa de Oliveira, a quem foi entregue uma mensagem assinada por centenas de pessoas.


O sr. António de Oliveira Lopes, presidente da Sociedade de Instrução Tavaredense, disse das razões da festa, do significado da homenagem, e agradeceu a presença de todos, especialmente da srª. drª. Cristina Torres, professora e figueirense distinta que, muito justamente, toda a Figueira admira e respeita.


A srª. drª. Cristina Torres terminou a festa com uma lição de ternura, numa conversa de amiga para amiga, exaltando com simplicidade todo o valor de Maria Teresa, todo o valor da família Ribeiro, que tinha construído em Tavarede um oásis de Bondade.



Se fosse mais nova, iria com José Ribeiro, por aí fora, construir outros oásis, onde o caminheiro pudesse descansar das longas caminhadas por entre as regiões áridas e hostis da vida dos nossos dias.



Maria Teresa de Oliveira era o exemplo vivo do que é capaz uma pessoa desprovida de bens materiais: capaz de construir uma obra de bondade devotada aos que precisam, aos que carecem de tanta coisa, e que encontram em Maria Teresa e nos amadores de Tavarede um auxílio desinteressado e pronto.


A srª. drª. D. Cristina Torres sugeriu que na Sociedade de Instrção Tavaredense se erguesse uma coluna em que ao nome de Maria Teresa de Oliveira se associasse apenas uma palavra: Bondade.


Num beberete reuniram-se depois os amadores, directores e admiradores da distinta amadora.

(Mar Alto - 26.Fevereiro.1969)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

UM VALENTE COMBATE... GASTRONÓMICO

António Amargo - foto extraída do blogue de Anibal José Matos (a quem agradeço)


Um renhido combate... gastronómico - No domingo, por cerca das 2 horas da tarde e após uma marcha forçada de alguns quilómetros, travou-se na visinha povoação de Tavarede um renhido combate entre nove pares de queixos e um numeroso exército de bacalhau com batatas e bifes de cebolada, superiormente comandados por um hábil garrafão de alguns galões... de palhete.


Dispostos para a refrega os instrumentos de luta e assestadas as baterias... culinárias, perto de trezentos dentes avançaram em colunas cerradas contra o bacalhau à Gomes... d’Almeida, que foi completamente destroçado por entre uma viva fusilaria... de ditos de espirito e outros objectos inflamáveis.


Ao ser dado o sinal pela trombeta portuguesa, Logo o gordo Bordalo, em que se encerra Todo o valor, primeiro se assinala: A tromba, trinca e a pança emfim semeia, De postas para mais de arroba e meia.


Quási no final desta primeira parte do recontro, as tropas fieis ao fiel amigo foram reforçadas com uma salada fresca que nem alface, a qual ficou dentro de pouco tempo feita em salada. E quási à mesma hora, os legionários vermelhos... de satisfação receberam também o reforço dum destacamento de trinta e dois dentes - salvo erro ou omissão — na pessoa do Coelho d’Almeida, o Conquistador, que como é príncipe... do cinema e rei... de bastidores, só poude ir de... baú tremido.


Mal o derradeiro feijão carrapato havia desaparecido pela guela abaixo do comilão mais ronceiro, já um esquadrão de bifes... apeados caía sobre a mesa numa cebolada feroz. Como em tempo de guerra não se limpam armas, os garfos quadridentes tombaram rapidamente de encontro ao inimigo, partindo-o em pedaços e obrigando-o a passar o estreito.


O aspecto dos assaltantes é por demais excelente: o Edmundo, tendo prostrado uma rima., de batatas, sonha com rimas para os Beliscões, que pensa transformar em beliscadelas; o mano dele fez da boca almofariz, onde tritura as drogas para a confecção da pasta... alimentícia, afirmando que os produtos manipulados na botica do ti’João d’Oliveira são superiores aos produtos Sigma; o António de Pádua, que é bom não confundir com o santo do mesmo nome, executa um afinado solo de queixofone com trinados na garganta a variações de copofone; o proprietário cá do jornal, cuja barriga avoluma assustadoramente, perde por cerca de um quarto de bife o campeonato local de velocidade e resistência ingestiva e digestiva, o qual é ganho pelo Bordalo, que fez todo o percurso com uma garfada excelente, sem dar uma carangueja nem um pio, pois segundo êle diz e se não diz devia dizer - quem dá à lingua, não pôde dar aos maxilares; à minha aza esquerda, o Júlio d’Abreu, único acrobata da companhia que tem plantação cabeluda no lábio superior, demonstra ser um garfo sólido, liquidando com limpeza os pratos e pondo em pratos limpos as suas contas com os comestiveis e bebestiveis de ambos os sexos, acusando um grande saldo a favor... do estômago; o Coelho roe as viandas com alma até Almeida, anunciando para o próximo domingo a segunda jornada deste empolgante film regional, cuja acção se deve passar em Buarcos e acabando por dizer que para essa nova bacanal dará o respectivo queijo, a não ser que prefiram uma leitôa... russa; finalmente, o Medina Júnior prova que é sénior em torneios mandibulares, classificando-se terceiro em sólidos e primeiro em liquidos, depois de haver consolidado a sua reputação de cozinheiro amador. Eu... De mim que falem os outros: fiz o que pude, com a agravante de não poder fazer o que fiz...


Desbaratados totalmente os adversários, sucedendo outro tanto a duas ou trez dúzias de pêras, que avançaram ao reconhecimento, os legionários recolheram pacatamente a quartéis, sem nenhuma baixa. O único incidente desagradável foi eu estar outra vez com os pés inchados, pelo que interrompo provisoriamente as hostilidades até completo restabelecimento.


Antes do almoço foi propinado aos convivas este pequeno hors d'oeuvres, que não conseguiu estragar o apetite de nenhum deles:


Se esta vida afinal são só dois dias,

Cada um deve gosal-os com pode,

Buscando horas tranquilas de pagode

E esquecendo tristezas e arrelias.


Em meio do prazer e de alegrias,

Sem que o incerto amanhã nos incomode,

Que cada qual se adapte e se acomode

A bem viver as horas fugidias.


Quando a sorte nos mostra o lado mau,

Bemdigamos o sumo da parreira

E o mar, que p 'ra nós cria o bacalhau.


Tristezas só as tem quem tiver fome:

Só se leva da vida verdadeira
Aquilo que se bebe e que se come.
(António Amargo)

(O Figueirense - 30.7.1925)

COMEMORAÇÕES GARRETTIANAS

2º. acto de 'Frei Luís de Sousa', de Almeida Garrett - 1951


Temos a honra de publicar a notável alocução proferida pelo sr. dr. Calazans no passado dia 30 de Outubro, ao apresentar aos Marinhenses o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense na sessão comemorativa do Centenário da Morte de Garrett.


“Minhas Senhoras e meus Senhores:


Há 50 anos, numa humilde aldeia do concelho da Figueira da Foz, Tavarede, fundou-se a Sociedade de Instrução Tavaredense, com o fim de promover a instrução e educação das classes populares, através duma escola primária nocturna para adultos e menores, da biblioteca e do teatro.


Os homens que tiveram essa ideia e a puseram em prática, eram todos de condição modesta: dois pedreiros, um torneiro, um serralheiro, um fogueiro, um ferreiro, um carpinteiro, um cantoneiro, um comerciante e três cavadores. No entanto apesar da sua modéstia acenderam uma chama que não mais se extinguiu.


Ao seu calor têm-se aquecido muitos desprotegidos da sorte, beneficiários das receitas dos espectáculos dados pelo Grupo Cénico da referida Sociedade, em várias terras do país; no começo deste ano atingiam o total de noventa e oito. À sua luz têm-se iluminado muitos espíritos quer pelos ensinamentos recebidos quer pelo prazer proporcionado pelas suas magnificas representações.


Como tem sido possível em tão diminuta população, alimentar uma chama tão alta e tão viva, a arder há cinquenta anos ininterruptos, sem se consumir? Que alfobre de artistas há nessa pequena aldeia para em tão longo espaço de tempo se terem podido renovar os quadros e manter actividades intelectuais tão dignas de elogio?


Como é estranha no nosso meio onde aos entusiasmos delirantes se sucedem a breve trecho, a indiferença e o desânimo, esta continuidade que dura há meio século, dum penoso e abnegado esforço! E isto sem qualquer esperança de lucro material – é esse um dos pontos de honra da Sociedade – apenas por dedicação, por civismo.


Admirável povo o nosso. Vejo-me diante dum grupo de pessoas humildes, os olhos marejados de lágrimas. Tinham-nos tirado aos meus e a mim, cobertos de sangue, de dentro dum automóvel desfeito. Julgaram que não escapávamos, e ali estávamos diante deles, a agradecer-lhes o bem que nos tinham feito, os cuidados que nos tinham dispensado.


Quis gratificá-los, não para pagar-lhes o que não tem preço mas para que eles pudessem festejat o que julgavam ujma ressurreição. Recusaram, todos recusaram, e um teve esta frase que só um português poderia pronunciar: Não insista, Senhor, não nos estrague a nossa alegria.


Sempre amei o povo mas desde então – e já passaram bastantes anos – enterneço-me sempre que penso na nossa gente, tão pobre e tão boa, capaz dos feitos mais heróicos - a nossa História aí está a atestá-lo – e das mais sublimes dedicações.


A população de Tavarede, representada hoje junto de nós pelo Grupo Cénico da sua Sociedade, na população da Marinha Grande, terra de trabalhadores, herdeira da tradição dos Stephens que há quase dois séculos construíram um teatro que este substituiu para educar e distrair os operários da sua Fábrica, saúdo o povo de Portugal.


Ao Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, que há meses nos visitou, sucede-se o Grupo de Tavarede.


Os primeiros trouxeram-nos Gil Vicente, o rude plebeu do século XVI, que em linguagem mordaz causticou os vícios e os desmandos dos seus contemporâneos, de todas as categorias, desde o sapateiro até ao Papa. Os últimos trazem-nos Garrett, o árbitro das elegâncias do seu tempo, espírito requintado, aristocrático no verdadeiro sentido da palavra.


Parece um paradoxo mas não é. Aos dois Grupos, em qualquer peça que representem, liga-os a arte, sem a qual não há civilização, a cultura. Ambos estão ao serviço do povo.


Chefia um dos Grupos o Professor Catedrático, Doutor Paulo Quintela; o outro tem a dirigi-lo o senhor José da Silva Ribeiro, um autêntico intelectual.


Não sei se Vossas Excelências conhecem o célebre poema do grande escritor inglês Kipling: “Se”.


Se podes conservar a serenidade quando todos à tua volta
A estão perdendo e censurando-te por isso;
Se podes confiar em ti próprio quando todos duvidam de ti,
Mas aceitando, também, a sua dúvida;
Se podes esperar, sem que a demora te canse;
Ou, sendo caluniado, não recorrer a mentiras,
Ou, sendo odiado, não corresponder com ódio,
E, contudo, não parecer bom demais, nem presumir de sábio;
……………………
…………………….
Se podes falar com a multidão e manter a tua virtude,
Ou privar com Reis – sem deixar de ser simples;
Se nem inimigos nem amigos queridos conseguem magoar-te;
Se todos os homens contam contigo, mas nenhum mais do que outro;
Se podes preencher o implacável minuto
Com o valor de sessenta segundos de caminho percorrido,
É tua a Terra e tudo o que ela contém
E – o que é mais – serás um Homem, meu filho!


Assim é o senhor José da Silva Ribeiro. Sofreu contrariedades sem conta, viu o curso da sua vida modificado, frustradas as suas mais legítimas aspirações. Não só não desanimou mas, facto ainda mais raro, conseguiu afastar do seu espírito, o corrosivo representado por esses dois males, que tanto afligem a humanidade: a intolerância e o ódio.


Firme e sereno, tem-se mantido fiel a si próprio e por isso, amigos e adversários o admiram e respeitam.


O brilho, o alto nível das representações do Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, a ele, à sua sólida cultura, à sua devoção se devem em grande parte.


Manifesto-lhe publicamente o meu apreço e dirijo-lhe e aos seus colaboradores os meus sinceros agradecimentos pelo prazer espiritual que a convite do Sport Operário Marinhense nos vão proporcionar.


Na inauguração deste Teatro recordei o que Edison disse a um grupo de industriais que tinham ido agradecer-lhe os serviços que ao seu génio devia o cinema: Lembrai-vos sempre de que o vosso dever é procurar educar o povo e não corrompê-lo.


Que ao fazer-se o balanço da minha acção como director deste Teatro, me sejam levadas em conta as representações como a desta noite, para compensar, se isso é possível, tantas fitas corruptoras que – ai de mim! – por aqui têm passado.



(Região de Leiria - 18.11.1954)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Peças e amadores

Recebi, hoje, o comentário que o meu amigo Rogério Neves me enviou e que está inserido no blogue, após a listagem das peças representadas.



Quero só informar que, por ocasião do centenário, fiz uma compilação dos espectáculos que o grupo cénico levou a efeito, em dois cadernos (um para cada 50 anos), onde constam, além dos espectáculos, notas diversas, as principais críticas publicadas e a listagem de todos os amadores que participaram no grupo, indicando quais os papéis desempenhados e o ano da apresentação.



Como exemplo, e a título informativo para este meu amigo, envio a nota referente à sua actividade teatral na SIT (até 2004). Ressalvo qualquer possível omissão.

sábado, 24 de setembro de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 6

A QUINTA E O PINHAL DA BORLATEIRA

Para completar esta pequena história sobre o Senhor do Arieiro, falta descrever os terrenos que ficavam a poente da estrada para a Serra da Boa Viagem e a norte do caminho que ia para Buarcos.

Era nesta parte que se situava o arieiro que deu o nome ao lugar e do qual ainda se extraía o saibro necessário para obras de construção. Já referi o pequeno pinhal então ali existente, ao princípio da estrada para a Serra e onde, muitas vezes, algumas famílias se juntavam para merendar e descansar. Mais adiante, como veremos, havia um outro pinhal, bastante maior e, esse sim, de interesse para a nossa história, pois era o local de reunião para os grandes 'pic-nics' que as colectividades organizavam para seus associados e famílias.

Logo no início do caminho para Buarcos, e conforme referimos no capítulo anterior, foi construída uma casa, em cujo rés-do-chão foi estabelecida uma mercearia e uma taberna. Pertencia este edifício a Arlindo Ferreira da Paz, assim como o pinhal que ficava por trás da casa e junto ao caminho para a Serra da Boa Viagem.

Em Janeiro de 1884, o jornal “Correspondência da Figueira”, publicava o seguinte anúncio: “Vende-se a Quinta da Borlateira, junto o Senhor de Arieira, na freguesia de Tavarede, que se compõe de casa nobre, casa para creados, adega, celeiro, eiras, currais e outras acomodações de lavoura, pomares com poços, pinhais e terras de semeadura. Recebem-se propostas em carta fechada até ao fim do corrente mês de Janeiro, que podem ser dirigidas a Maximiano Monteiro Grilo, Francisco de Matos Abreu e António da Costa Guia”.

Certamente não terão havido interessados na compra, pois não devem ter recebido quaisquer propostas. E em Maio de 1889, uma outra notícia informava “No dia 30 do corrente mês vão à praça pública no tribunal judicial desta cidade: A quinta denominada – Borlateira, que se compõe de casas de residência (com alguns móveis), casa de criados e de lagar, currais, eiras, pátio, pombal, terra alta e baixa com vinha, árvores e pinhal, e é situada próximo do lugar de Tavarede, subúrbios desta mesma cidade, na estrada de Tavarede e Buarcos; e

Um grande pinhal separado da referida quinta, apenas por um caminho.

Estes dois prédios vão à praça por não comportarem divisão cómoda entre os seus com-proprietários os herdeiros de D. Maria José de Sousa Cerqueira da Rocha e outros, sendo o valor do 1º. – 2:500$000 reis e o do 2º. – 500$000 reis, conforme a respectiva avaliação judicial. Para esclarecimentos o sr. Maximiano Monteiro Grilo, administrador da Quinta de Fôja (correio de Maiorca)”.






Uma das últimas fotografias da Quinta da Borlateira, tirada da estrada para Buarcos

Desta vez a venda foi efectuada. “Foi vendida em praça particular, no domingo último, a propriedade denominada Borlateira e mais conhecida pela Quinta das Paulinas, aos Quatro Caminhos, próximo de Tavarede. Adquiriu-a o sr. Abilio Alves Fernandes Águas pelo preço de 3:024$000 reis. O pinhal contíguo foi comprado por um irmão daquele sr. por um pouco mais de 600$000 reis”.

O adquirente da Quinta da Borlateira, Abilio Alves Fernandes Águas, era filho do tavaredense Joaquim Alves Fernandes Águas, o fundador da conhecida e importante firma Águas & Companhia, da Figueira. Faleceu no dia 20 de Janeiro de 1892 e a sua família, em honra de sua memória, procedeu a uma distribuição de esmolas a pobres da freguesia, naquela Quinta, no dia 31 do mesmo mês e ano.

A entrada era feita por um caminho, vedado por um portão de ferro, que conduzia aos edifícios, situados num ponto elevado da quinta. Além do edifício principal, havia também outras instalações, referidas no anúncio da venda. Esta quinta e o pinhal acabaram por ser herdados pela esposa do dr. Manuel Gomes Cruz, tavaredense e advogado na Figueira da Foz.

Este local, junto à casa, era muito frequentado pelos amadores do grupo cénico do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, como prova uma fotografia tirada a todos os intervenientes na opereta “Os Cirandeiros”, em meados da década de 1920.

O grupo cénico do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense,
que representaram a opereta 'Os Cirandeiros', em 1926.

Recordo que, um pouco depois do portão de entrada e do lado direito do citado caminho, existia um enorme laranjal. A rapaziada que frequentava a escola primária, bastante próxima, na época própria, bem olhava para as laranjas amarelinhas, que pareciam chamar-nos, destacando-se por entre a folhagem verde das laranjeiras. Parecia fácil ir lá atravessando o pinhal do sr. Arlindo da Paz, ou dos seus herdeiros. Mas eu nunca tive espírito aventureiro e se alguma vez provei uma laranja daquele pomar, terá sido por me darem. No entanto, alguns rapazes às vezes sempre se arriscavam, embora o “Ti'Júlio” mantivesse uma vigilância eficaz.

Como já referi, o pinhal da Borlateira, logo a seguir à quinta, ao lado poente, era o local ideal para a concentração das famílias associativas, que ali passavam um dia de justo descanso e diversão. Vou recordar uma nota extraída de uma reportagem que o tavaredense António da Silva Broeiro escreveu sobre Tavarede e que foi publicada no Jornal de Sintra.

“... Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações. E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra do Boa Viagem, ou para o pinhal do sr. dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o deste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.

As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos... Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.

E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços... São assim, alegres, os pic-nics da minha terra... … E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que,










Preparando o almoço...

... confraternização...

... tocando e dançando...

(foto de António Broeiro)










descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete... … e dançava, alegre, o vira e o malhão...”.

E referindo o pinhal da Borlateira, aproveito para relembrar a quinta que lhe ficava seguinte, a Quinta da Calmada, da família Ramos Pinto. A pedido da Junta de Freguesia de Tavarede fiz, há já bastante tempo, uma pesquisa sobre esta quinta. Vou aqui transcrever essa nota. “A Quinta da Calmada era, à data do 1º. registo na Conservatória do Registo Predial, um prédio composto de três casas (da Calmada, do Moço e da Malta), terreno lavradio ou de pinhais, pomares e vinhas, sito no sítio da Quinta da Calmada, freguesia de Tavarede.

Confrontações: norte, com herdeiros de Joaquim Alves Fernandes Águas; do sul, com pinhal dos herdeiros de Luiz Duarte da Encarnação e com o caminho superior dos loureiros até à extrema do prédio dos herdeiros de Manuel Dias; do nascente, com herdeiros de Manuel Dias e Roque Gasio; e do poente, com caminho público (inflectindo um pouco para o norte) para a Serra da Boa Viagem. Pertenceu a Joaquim Marques Ramos Pinto.

Teve como herdeiros: António Mateus Ramos Pinto, nascido em 29 de Novembro de 1889 e falecido na Quinta da Calmada, em 30 de Junho de 1932. Foi empregado superior da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, passando depois ao Porto, com a actividade de negociante e exportador de vinhos. Por motivo de doença adquirida no Porto, regressou à sua quinta em Tavarede, onde faleceu. E Joaquim Mateus Ramos Pinto, que à data da morte do irmão, residia em Leiria já há anos.










Foto actual do antigo pinhal da Borlateira

Em 16 de Outubro de 1942, foi feito um averbamento anexando, no mesmo prédio, dois artigos (33593 e 33594), ficando a constituir um só prédio, composto de terras de semeadura, pomar, pinhal e outras árvores, tais como oliveiras, loureiros, eucaliptos e vinha, com vários poços de rega, uma mina de água, duas casas de habitação, currais, palheiros, eira, mais logradouros e tudo o mais que lhe pertença, e denominado “Quinta da Calmada”, que confronta do norte com o Dr. Manuel Gomes Cruz, do sul com a estrada pública de Buarcos a Tavarede, do nascente com Rosa Francisca e com o Cónego José Duarte Dias de Andrade, e do poente com herdeiros de Luiz Duarte da Encarnação e com estrada pública.

Passou à propriedade da Mútua de Pescadores - Sociedade Mútua de Seguros, com sede em Lisboa, que, por escritura de 29 de Dezembro de 1962, a vendeu à Câmara Municipal da Figueira da Foz, pelo valor de 600 000$00, para instalação do Parque de Campismo, presentemente ampliado com outros terrenos que lhe foram anexados.

O edifício principal foi utilizado, no final da década de 1910/1920 e princípios da década seguinte, como hospital para doentes atacados com a peste bubónica, que, posteriormente à primeira grande guerra, grassou em Portugal, tendo causado muitas vítimas nesta região”.




A actual Quinta da Borlateira vista do lado norte


CONCLUSÃO


Muito fica por contar sobre o lugar do Senhor do Arieiro, nos tempos em que eu conheci e frequentei a escola primária ali localizada.

No entanto, parece-me que o descrito já dá uma informação, bem sei que pálida e pouco descritiva, de como era aquele arrabalde da terra do limonete. Merecia muito mais, pois foi um lugar que teve uma relativa importância, com as suas feiras, a sua indústria e, acima de tudo, com a sua escola, por onde milhares de crianças tavaredenses passaram e aprenderam a ler, escrever e contar.

É certo que não fiz mais averiguações à procura da imagem do Senhor dos Milagres, posteriormente chamada de Senhor do Arieiro ou da Arieira. Não deverá estar perdida. Por mim, e se ainda tiver essa possibilidade, mais tarde farei nova tentativa de a localizar.

Também poderia ter ido mais longe, desenvolvendo a história das quintas ali vizinhas. Bem perto, ficam as quintas do Contrapezo, do Alto de S. João, da Esperança, do Pezo e dos Condados, por exemplo. E todas elas terão as suas histórias.

Agora, como referi ao princípio, salvo o edifício da escola, tudo está irreconhecível. Melhor? Muito mais desenvolvido? Certamente que sim. Não esqueço, porém, uma questão pertinente: Se a Companhia da Beira Alta tivesse levado por diante a construção da linha férrea, até ao Cabo Mondego, e passando pelo Senhor do Arieiro, como estaria agora este lugar e, mesmo, a nossa terra?”.

Bem sei que é uma pergunta que não tem resposta, mas, com toda a certeza, seria bastante diferente do aspecto actual.

Mas eu por aqui me fico. Tenho outros projectos em mente. Veremos se os conseguirei realizar, pois todos eles servirão, unicamente, para recordar alguns retalhos da história de Tavarede, nossa terra natal e de que tanto nos orgulhamos.

Mas, confesso a verdade, o lugar dos Quatro Caminhos dos Senhor do Arieiro, talvez devido aos anos em que frequentei a escola primária, sempre esteve em primeiro lugar no meu pensamento.


Lugar dos Quatro Caminhos do Senhor da Arieira – Actual Rotunda do Limonete

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sociedade de Instrução Tavaredense

Talvez haja algum interessado na lista que segue. Estão referidas todas as peças que, desde a sua fundação em Janeiro de 1904, o grupo cénico apresentou no seu palco e em variadíssimos palcos por esse País fora. É, unicamente, uma recordação do teatro apresentado pela colectividade durante cem anos de vida. Acrescento que totalizaram mais de 1450 espectáculos.


1904
Os Medrosos
Páscoa e Quaresma
Livrem-se Lá Desta!

1905
O Casamento da Grã-Duquesa
Dois Estudantes no Prego
Milagre de Santo António
Vida Airada

1906
Gaspar, o Serralheiro
O Rei Ló-Ló

1907
O Rei Ló-Ló
João, Corta-mar
Cabo de Ordens

1908
Espadelada
Influências Eleitorais
A Hospedaria do Tio Bonifácio
Olaré Quem Brinca

1909
Escravatura Branca
Influências Eleitorais
A Hospedaria do Tio Bonifácio
Malditas Letras
Zé d’Alhada
Milagre de Santo António
A Baronesa dos Dentes
Amor Maternal
Não é o Mel...

1910
Raros são... mas ainda os há
As Lutas Civis
O Tio Mateus
O Cornetim do meu Vizinho
Valente a Fingir
O Ressuscitado
A Filha do Saltimbanco
Como o Diabo as tece...

1911
Martírios e Rosas
Cada Doido...
Por Causa do Badalo!
Jocelyn, o pescador de baleias
Um Rapaz distraído
A Tomada da Bastilha
O Judeu
Casa de Babel

1912
A Tomada da Bastilha
Casa de Babel
Na Terra do Limonete
As Birras do Papá
O Judeu
A Mãe dos Escravos
Morte de Galo
D. Ferrabrás d’Alexandria
Ora esta...

1913
João José
D. Ferrabrás d’Alexandria
Uma Situação Complicada
Dona Várzea
Os Amores de Mariana

1914
Expediente de Sogra
Os Amores do Coronel
Os Amores de Mariana
Amanhã
Preciosidades de Família
O Voluntário de Cuba
Tire dali a Menina
Morte de Galo
Falsa Adúltera

1915
A Pupila do Corregedor
A Madrinha do Carlos
D. Ferrabrás d’Alexandria
Amor de Perdição
Os Amores de Mariana
O Cão e o Gato
Os Trinta Botões

1916
Entre Duas Avé-Marias
Expediente de Sogra
Os Trinta Botões
O Telefone
Patos Bravos
O Tio Mateus
O Gabinete do Sr. Regedor
O Presépio

1917
Os Milagres de Santo António
Os Amores do Coronel
Estudantes no Prego
Um Julgamento no Samouco
A Vida Airada
A Ceia Amargurada


1918
Honra e Dever
Um Julgamento no Samouco


1919
Um Servo Perigoso
Cada Doido...
Um Julgamento no Samouco
Entre Duas Avé-Marias


1920
Nono: Não Desejarás...
Entre Duas Avé-Marias
Depois de velhos... gaiteiros
D. Ferrabrás d’Alexandria
Os Amores de Mariana
O Grande Hotel de Sarilhos


1921
A Espadelada
Zázá
O Grande Hotel de Sarilhos
Um quarto de hora em Rilhafoles
Depois de velhos... gaiteiros
Loucuras de Amor
Uma Revolução
Sexta feita... e 13


1922
A Morte do Tibúrcio
O casamento do “Descasca-Milho”
Nono: não desejarás


1923
Rosas de Nossa Senhora
Os Amores de Mariana


1924
Máscara Verde
Sol de Ouro
Quem procura sempre alcança
Atribulações dum estudante
O casamento do “Descasca-Milho”
Amor tudo vence
O Genro do Caetano
Um casamento em Branc’Annes
Os Amores de Mariana
Noite de S. João


1925
Entre Duas Avé-Marias
Ninguém diga...
O casamento do filho do Vaqueiro
Em busca da Lúcia-Lima
Sol de Ouro
Um casamento em Branc’Annes
Os Mentirosos
Rosas de Nossa Senhora




1926
Má Sina
Os Mentirosos
Pátria Livre
Sol de Ouro
Ressonar sem dormir
Atribulações dum estudante
AMO
Noite de S. João
A porta falsa


1927
Uma Teima
Marido de duas mulheres
Simão, Simões & Cª
A porta falsa
Uns comem os figos...
Grão-ducado de Tavarede
Em busca da Lúcia-Lima


1928
Uma Teima
Retalhos e Fitas
Santos & Cª
D. Ferrabrás d’Alexandria
Uma Revolução
O Sonho do Cavador


1929
As duas mantas do Diabo
O Sonho do Cavador

O Grande Hotel de Sarilhos
A Cigarra e a Formiga


1930
O Caso de Consciência
Evocação
O 66
O casamento da Vasca
A Cigarra e a Formiga

O Sonho do Cavador

Noite de Agoiro


1931
Evocação
Noite de Agoiro
O 66
Luz de Alvorada
A Cigarra e a Formiga

Os Fidalgos da Casa Mourisca


1932
As Três Gerações
A Herança do 103
As Pupilas do Senhor Reitor
Os Fidalgos da Casa Mourisca
Canção do Berço


1933
Canção do Berço
As Três Gerações
Os Fidalgos da Casa Mourisca
O Senhor Roubado
A Morgadinha dos Canaviais
O 66
O Sonho do Cavador



1934
As Três Gerações
A Porta falsa


1935
O Cabelo Branco
Evocação
Justiça de Sua Majestade

A Cigarra e a Formiga
As Pupilas do Senhor Reitor
Os Fidalgos da Casa Mourisca
As Três Gerações



1936
A Cigarra e a Formiga
Canção do Berço
A Morgadinha de Valflor
As Três Gerações
O Sonho do Cavador


1937
O Sonho do Cavador
O Grande Industrial
A Morgadinha de Valflor
Justiça de Sua Majestade


1938
A Morgadinha de Valflor
Entre Giestas
Génio Alegre


1939
Génio Alegre
Entre Giestas
Recompensa
A Morgadinha de Valflor


1940
Recompensa
Sem mulher e sem dinheiro
Não subam escadas às escuras...
Génio Alegre
Entre Giestas
Envelhecer
O Presépio


1941
Envelhecer
Génio Alegre
Sonho duma Noite de Agosto
Recompensa
O Presépio


1942
Sonho duma Noite de Agosto
Génio Alegre
O Senhor Tibúrcio
A Morgadinha de Valflor
O Sonho do Cavador
Recompensa
Envelhecer
Entre Giestas


1943
Recompensa
Lá diz o ditado...
Um homem que nunca mente
Entre Giestas
Génio Alegre
A Nossa Casa
Envelhecer


1944
A Nossa Casa
O Grande Industrial
O Sonho do Cavador
Recompensa
A Morgadinha de Valflor
Entre Giestas


1945
A Morgadinha de Valflor
Horizonte
A Nossa Casa
Injustiça da Lei


1946
Génio Alegre
Injustiça da Lei
Horizonte
A Nossa Casa
Auto da Mofina Mendes
Cobardias


1947
Auto da Mofina Mendes
Cobardias
As duas bengalas
Uma teima
Os dois surdos
Noite de Teatro Português
O Natal no Teatro


1948
Oh! da Guarda... ladrões...
As duas bengalas
Não subam escadas às escuras...
O Nascimento do Messias
Noite de Teatro Português
Horizonte


1949
Todo o Mundo e Ninguém
Auto Pastoril Português
A Herança
As Três Gerações
Os dois Inseparáveis
Raça
Auto da Barca do Inferno
Uma Teima
Noite de Natal
Não mentirás
O lençol de noivado


1950
Raça
O Cão e o Gato
Pé de Vento
A Herança
As Três Gerações
Uma Teima
Chá de Limonete


1951
Pé de Vento
Na boca do lobo
Auto da Barca do Inferno
Horizonte
Chá de Limonete
Frei Luís de Sousa


1952
Horizonte
V.Exª desculpe...
Raça
Auto da Barca do Inferno
Auto da Mofina Mendes
As Três Gerações
Frei Luís de Sousa


1953
Pé de Vento
Casar por anúncio
Major!
A Inês do Castro
Cobardias
As Três Gerações
Chá de Limonete
Serão Homens Amanhã


1954
Serão Homens Amanhã
Os Medrosos
Revivendo o Passado
Comédia e Tragédia
Frei Luís de Sousa
Catão
D. Filipa de Vilhena
Um Auto de Gil Vicente
O Tio Simplício


1955
Serão Homens Amanhã
Major!
O Tio Simplício
Frei Luís de Sousa
Auto da Mofina Mendes
Entre Giestas
Israel
Ana Maria


1956
Entre Giestas
Israel
Peraltas e Sécias
Auto da Barca do Inferno
O Tio Simplício
Frei Luís de Sousa



1957
A Conspiradora
A Nossa Casa


1958
A Nossa Casa
Frei Luís de Sousa
Os Velhos


1959
Os Velhos
A Inês do Castro
As Árvores Morrem de Pé
Frei Luís de Sousa


1960
AsTrês Gerações
As Árvores Morrem de Pé
Frei Luís de Sousa
O Beijo do Infante
O Dia Seguinte
Os Velhos


1961
Terra do Limonete


1962
Terra do Limonete
O Escalda Favais
O Festim do Baltazar
A Conspiradora


1963
Farsa do Velho da Horta
Pranto de Maria Parda
Dom Duardos
O Fim do Caminho
A Conspiradora


1964
Romeu e Julieta
Uma Noite de Teatro Português


1965
Omara
Terra do Limonete
Auto da Barca do Inferno
Fragmentos Vicentinos
Auto da Feira
O Fim do Caminho


1966
Omara
Para cada um sua verdade
O Processo de Jesus
As Artimanhas de Scapino


1967
O Processo de Jesus
As Artimanhas de Scapino
Todos eram meus filhos


1968
Médico à força
Dente por dente
O Avarento


1969
O Avarento
Quem tem farelos?
Prato de Maria Parda
Chá e Terra do Limonete
Alguém terá de morrer


1970
O Tartufo
O Processo de Jesus


1971
O Tio Simplício
História... e histórias de Tavarede
A Forja


1972
Conto de Inverno
A Forja
Auto de El-Rei Seleuco
Camões e Os Lusíadas


1973
Médico à força
A Forja



1974
Auto da Barca do Inferno
Todo o Mundo e Ninguém
Pranto de Maria Parda
O último adeus
Uma teima


1975
Mesa Redonda
O jogo do amor e do acaso


1976
Monserrate


1977
Cântico da Aldeia


1978
Tudo está bem quando acaba bem
O Processo de Jesus


1979
Ontem, Hoje e Amanhã

O Processo de Jesus


1980
Rosalinda
Comédia da Vida e da Morte


1981
Ecos da Terra do Limonete

O Tartufo


1982
Viagem na nossa terra

O Fim do Caminho


1983
Manta de Retalhos
O Fim do Caminho


1984
Na Feira de Gil Vicente
D. Ferrabrás d’Alexandria
Viagem na Nossa Terra


1985
A Nossa Casa


1986
Chá de Limonete
As Artimanhas de Scapino


1987
O Sonho do Cavador
Alguém terá de morrer


1988
Horizonte
Mesa Redonda


1989
Noite de Teatro Português


1990
Os Velhos
Evocação de José Ribeiro


1991
Terra do Limonete


1992
O Avarento


1993
Tá Mar


1994
Omara
Os Amores do Coronel
Palavras de uma vida


1995
Palavras de uma vida
O Burrinho insatisfeito
É preciso dar as mãos
Estranhos amigos
O jardim do tio Ricardo
Pendurados na Lua
Raminho de Limonete
Natal Florido


1996
O Dia Seguinte
A história do pão
Lembranças
E nessa noite os animais falaram


1997
O Grilo e companhia
A Carochinha
O Livro e os Amigos
Na Feira dos Malandrecos
Um estranho no Natal


1998
A Forja


1999
O Festim do Baltazar
Recordando
A Forja
Na presença de Garrett


2000
Instantes de Teatro
Pranto de Maria Parda
O Pecado de João Agonia


2001
O Urso
O canto do Cisne
Um pedido de casamento
O meu caso


2002
O Homem, a Besta e a Virtude
É urgente o amor
Auto da Barca do Inferno
O Pranto de Maria Parda
A farsa de Inês Pereira
Auto da Visitação
A farsa do Velho da Horta


2003
Páginas arrancadas

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

José da Silva Ribeiro - 25 anos depois

1999.04.11 - A ALDEIA DO L1MONETE EVOCOU O GÉNIO DE JOSÉ RIBEIRO

A função do Teatro de Amadores, escrita pela pena brilhante do saudoso Mestre José da Silva Ribeiro, nascido, criado e sepultado na sua aldeiazinha chamada Tavarede e que alguém cognominou de "terra do limonete ", foi assim lida na cerimónia a que nos vamos reportar e que ocorreu na sede da SIT no passado dia 27:


O Teatro é Divertimento e Cultura. Temos por isso de considerar a sua influência no público a que se dirige como nos próprios elementos que o praticam.


O TEATRO é aquela eterna ARTE que desperta e apela para todas as faculdades da inteligência e para todos os sentimentos da alma.


Ver e compreender, interpretar, discutir, criticar, aprovar ou rejeitar, aplaudir ou censurar, aderir ou repudiar. Assim o Teatro estimula e valoriza o mais nobre sentimento do Homem, sentimento sem o qual verdadeiramente o Homem deixará de o ser: o da Dignidade da Pessoa Humana.


Na interpretação duma peça de teatro depara-se-nos aquela multidão de sentimentos e de desafios às faculdades da nossa inteligência: a alegria e a tristeza, amor e ódio, orgulho e humildade, calma e arrebatamento, tranquilidade e exaltação, firmeza e pusilanimidade, coragem e cobardia, renúncia e egoísmo. Entusiasmo, perseverança, desânimo, ansiedade, retraimento, angústia - toda a extensa gama dos sentimentos, dos conflitos e das reacções humanas.


Assim, o Teatro dá-nos enriquecimento do espírito, maleabilidade de raciocínio, alargamento de horizontes, mais amplo sentido de humana compreensão.


Constituíram a mesa as seguintes entidades: dr. Luís de Melo Biscaia, vereador do pelouro da Cultura; António Simões Baltazar, presidente da Junta de Freguesia; drª Ana Maria Caetano, palestrante oficial da sessão; drª Ilda Manuela Simões, e Manuel Gaspar Lontro, presidente da SIT.


Depois de breves palavras justificativas do presidente da SIT, a drª Ilda Simões leu uma mensagem alusiva ao dia e emanada da UNESCO.


A oradora oficial apresentou um valioso e profundo trabalho sobre o trajecto do Teatro em Tavarede (a merecer outro espaço mais dilatado nas nossas colunas, que não hoje devido à escassez do mesmo) desde o princípio do século (as salas de teatro nasciam como "tortulhos", chegando a haver mesmo seis), até aos nossos dias.


Enalteceu também o trabalho de tantos e tantos amadores que pisaram os palcos de Tavarede, destacando figuras como as de António Graça, Irmãos Broeiros, João Cascão, António Jorge da Silva, João de Oliveira Júnior, Nogueira e Silva, e, sobretudo, a grande dama do Teatro Amador Português que se chamou Violinda Medina e Silva.


A última intervenção foi a do dr. Luís de Melo Biscaia, que evocou figura de José da Silva Ribeiro e a Sociedade de Instrução Tavaredense, dada a sua actividade sempre perspectivando a elevação do nível cultural das gentes de Tavarede.


E para encerrar a sessão cultural, visionou-se um trabalho em vídeo, com extractos de entrevistas com José Ribeiro e de peças representadas no palco da SIT.


(A Voz da Figueira)

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 5

(continuação)


Em Março daquele ano, novas notícias davam conta do desenvolvimento desta cerâmica. “Para a Cerâmica e Exportadora, Limitada acaba de chegar um excelente motor Mietz de 36 HP destinado ao desenvolvimento da sua fábrica, ao Senhor da Arieira, Tavarede. É uma máquina aperfeiçoadíssima de procedência americana, fornecida pela importante firma Costa & Ribeiro, Limitada, de Lisboa, societária da Cerâmica e Exportadora, Limitada, e que pôs, neste fornecimento, como em todos de que se encarrega, os maiores escrúpulos e cuidados.

A Cerâmica e Exportadora, Limitada, que também acaba de adquirir, por compra, mais um importante barreiro não longe da sua fábrica, está imprimindo um notável desenvolvimento à montagem de instalações não só para a exploração da indústria cerâmica como de outras. Por estes dias deve vir à Figueira, a fim de visitar os terrenos da sociedade e delinear o plano das novas instalações, um conceituado engenheiro de casa Costa & Ribeiro, Limitada, que acaba de regressar duma larga viagem pelos mais importantes centros da Europa e da América, onde estudou os processos mais modernos de fabricação e o sistema de edificações mais simples e económicas que procurará adaptar, com grandes vantagens, entre nós”.

Com a vinda do mencionado engenheiro, foi delineado o plano de novas edificações e montagem de maquinismos para desenvolvimento das indústrias de cerâmica e derivados. “A fábrica ao Senhor da Arieira já hoje em nada se parece com as acanhadas instalações que ali havia há poucos anos ainda e em breve, com a realização dos planos já estudados, a Cerâmica disporá de uma fábrica com todos os recursos que permitam assegurar uma produção intensa e perfeita. Tudo indica que esta indústria vá ter, entre nós, um notável e bem necessário desenvolvimento”.

Eram muitas e bem fundamentadas as esperanças do desenvolvimento industrial daquele local. E vou agora abrir um pequeno parêntisis para justificar aqueles esperanças. Numa entrevista publicada em “A Voz da Justiça”, em Outubro de 1921, feita ao dr. Manuel Gaspar de Lemos, então vereador da Câmara Municipal, lê-se: “...A Beira Alta teria naturalmente todas as vantagens em a levar pela cidade, seguindo pela linha, ou antes, pela trajectória corrigida da actual linha dos americanos do Cabo Mondego, de preferência a levá-la por Tavarede. Você compreende, evitaria a reversão incómoda na actual estação do caminho de ferro, dispendiosas expropriações e creio que nivelamentos a que seria obrigada indo por Tavarede...........”

Mas o projecto já estava programado. “A linha, saindo da estação da Figueira por meio de uma reversão, utilizaria o vale da Várzea, ganhando cota, até atingir os quatro caminhos, na estrada da Figueira a Quiaios. Desse ponto em diante seguiria, provavelmente, o traçado da estrada de Tavarede a Buarcos, até ao entroncamento desta estrada com o caminho que prolonga a rua da Liberdade. Este ponto deve estar a uma altitude de cerca de 30 metros. Não disponho de planta, nem tenho do terreno um conhecimento suficiente, para imaginar qual seria o traçado da linha desde este ponto até ao Cabo Mondego. Mas quere-me parecer que teria de passar entre Buarcos e a Senhora da Encarnação, atingindo aí a cota de 40 metros, aproximando-se em seguida da orla marítima. O traçado pelo sul de Buarcos obriga a uma rampa muito áspera, que tornaria bastante precárias as condições de exploração. De um modo geral, pode ainda afirmar-se que este traçado por Tavarede exige obras de arte importantes e grandes movimentos de terras.

Segundo julgo, este traçado é o que tem mais adeptos na Figueira. E, não há dúvida que, para a cidade, oferece grandes vantagens, sendo a principal o deixar intacta toda a orla fluvial e marítima até bastante além de Buarcos. Com este traçado, seria de prever um rápido alargamento da cidade para os lados de Tavarede e a urbanização do vale das Abadias, onde deveria ficar instalada a estação de passageiros. Um dos defeitos que tenho visto imputar a esta solução, parece-me susceptível de ser corrigido: é o da reversão da estação da Figueira. A configuração do terreno permite perfeitamente que, a partir do entroncamento das duas linhas, da Beira e da Companhia Portuguesa, se dirija directamente uma curva de largo raio para o vale da Várzea. Bastaria, pois, remover a actual estação de passageiros para além dessa curva, despesa essa que, numa questão desta natureza, pouco pode influir. Note-se que a actual “gare” é insuficiente mesmo para o movimento de inverno; e que, se se construir um ramal ao longo da Avenida, para o serviço do porto, o acesso desta “gare” fica péssimo, por ter de cruzar esse ramal. Pelo contrário, seria fácil ligar de uma forma elegante a nova “gare” do vale da Várzea com o sistema de viação da Figueira. ..................O mais grave defeito, porém, que encontro na solução de Tavarede, é de servir mal o Bairro Novo............ Mas, independentemente deste defeito, aliás de natureza transitória, a solução de Tavarede podia ser considerada como boa para os interesses da cidade”.

E em Maio de 1922, o Inspector Geral da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, durante uma visita que fez a esta cidade, informou que, em reunião com as autoridades locais “resultou assentar-se na construção da linha férrea até ao Cabo Mondego, seguindo por Tavarede”. Não se encontrou mais nada sobre o assunto. E a linha de caminho de ferro até ao Cabo Mondego, passando por Tavarede ou por outro lado, acabou no esquecimento. Não vou especular sobre o assunto, mas ponho uma questão: se tivesse sido concretizada esta linha, facilitando assim o transporte, quer das matérias primas quer dos produtos acabados, a fábrica de cerâmica, dado o desenvolvimento que adquirira, teria acabado logo nos finais da década de 1930/1940? Ou o desenvolvimento industrial daquela área e mesmo da nossa terra não teria sido uma realidade?

É que, curiosamente, em Novembro de 1922, um edital tornou pública a informação de ter sido requerida licença, por Herculano de Matos Sarmento Beja, para pesquisas de “uma mina de ouro e outros metais”, no Alto de S. João, ali mesmo ao lado...





Fonte de Tavarede – fornecedora da água para o fabrico do gelo

E, entretanto, a Cerâmica Exportadora, Lda., dotou a Figueira de mais um melhoramento. “... nas suas fábricas do Senhor da Arieira iniciou o fabrico, diariamente, de gelo da melhor qualidade, pois encontrou na água de Tavarede um excelente componente que dá ao produto da sua nova indústria um aspecto apreciável e, portanto, digno de recomendar-se”.

Em pleno funcionamento, no mês de Setembro de 1922, a imprensa local foi convidada para uma visita às suas instalações. A reportagem foi a seguinte: “A convite do sr. dr. Ernesto Gomes Tomé, activo gerente da Cerâmica e Exportadora Lda, desta cidade, visitámos, segunda-feira passada, todas as instalações da fábrica do Senhor da Arieira.

Fabricava pela primeira vez louça branca, razão porque o activo gerente convidou os representantes dos 3 bi-semanários locais. A secção de louças, primeira instalação que visitámos, estava engalanada com verduras, flores e bandeiras. Pelo chão em pequenos montes, estendia-se a louça da primeira fornada, fabricada com perfeição, que se nota, fazendo-a vibrar, tocando-a. Além de pratos, malgas, canecas, bacias e jarros de pintura vulgar, notou-se a tentativa que alguns operários fizeram



Jarra fabricada na Cerâmica e Exportadora, Lda.





em alguns pratos, pintando figuras nuns e frases ingénuas noutros, com sejam, Amor, Vivam os Noivos, etc.

Depois de constatarmos a perfeição do fabrico e tomarmos nota de todas as fases por que passa o barro até se tornar na louça perfeita que saiu dos fornos da Cerâmica e Exportadora Lda., visitámos um operário que com o auxilio da roda modelava um vaso e que à nossa vista modelou diversas peças de louça vermelha. Seguidamente visitámos as instalações do motor, da máquina do gelo, do moinho de fazer pão, das oficinas de serralharia, etc, sempre acompanhados na visita pelos sócios gerentes da Cerâmica, srs. dr. Tomé e Cardoso Sant’Iago.

E depois de termos percorrido todas as dependências da fábrica, tivemos de confessar que estávamos muito longe da vida industrial que a pouco e pouco ali se tem desenvolvido, à custa de muito esforço e dedicação pela indústria da louça e cerâmica. A produção das fábricas, segundo confissão dos gerentes, está toda vendida, lutando com muita falta de pessoal para satisfazer as encomendas que diariamente chegam ao seu escritório.

O Figueirense, que tem como principal objectivo do seu programa, o progresso moral e material desta cidade, folga imenso por ter ocasião de poder constatar os progressos da fábrica Cerâmica e Exportadora Lda., desta cidade, e faz votos para que os desejos dos seus gerentes, de mais e muito mais produzir, em breve seja uma realidade que possamos constatar. Numa dependência da fábrica foi servido aos representantes da imprensa e outros convidados, champagne e bolos, tendo o sr. dr. Tomé brindado pela imprensa e agradecido o concurso que esta tem prestado à sua empresa, brinde que foi retribuído pelos representantes dos 3 jornais, com as afirmações de que nada mais tem feito do que ajudar uma iniciativa feliz que caminha a passos seguros”.

Dois anos depois, Fevereiro de 1924, nova actividade ali começou a ser exercida. “A Cerâmica e Exportadora, Lda que tem as suas importantes instalações ao Senhor da Arieira, Tavarede, ensaiou há dias, com resultado satisfatório, o fabrico de azulejos. Vimos já duas interessantes amostras de azulejos com pinturas diferentes, ambas, a par da competência do pessoal, demonstrando a excelência da matéria prima e dos fornos de que a Cerâmica dispõe. Sabemos que aquela empresa vai completar a aquisição do material necessário ao desenvolvimento do fabrico de azulejo, estando esperançada em tornar tal indústria uma das suas mais importantes secções. Oxalá a esses esforços corresponda o mais lisonjeiro êxito”.

Até que, em Novembro de 1929, encontrei esta notícia: “A primeira notícia que ontem de manhã amargamente nos surpreendeu foi a da morte do nosso prezado amigo e patrício António Pereira Correia. .................. Regressando depois à Figueira, as iniciativas organizadas durante a guerra prenderam-no à exploração da Cerâmica e Exportadora, Lda., instalada ao Senhor da Arieira, em Tavarede, onde se conservara até agora, como seu gerente; e, não obstante as condições a que actualmente tem de subordinar-se a acção destas empresas, o extinto procurou desenvolver as suas instalações e acreditar a sua produção por forma a converter aquela fábrica num excelente elemento de trabalho.................... Que nos recorde, vimos representar as suas operetas Princesa de Caceira (esta escrita de colaboração com o sr. João Gaspar de Lemos), o Barão de Antanholes, e Os Vidinhas, a revista Zás! Trás!, a peça burlesca O Casamento da Vasca, etc.”.

Entretanto, em Março de 1927, uma nota do correspondente local informa que “o sr. Arlindo Ferreira da Paz tenciona abrir ao público no próximo domingo 3 de Abril, um estabelecimento de mercearias e vinhos numa casa que acaba de construir no Senhor da Arieira, perto da Cerâmica Exportadora, Lda. Como se vê, é mais um melhoramento com que a nossa terra fica dotada. Que seja muito feliz nesta sua iniciativa é o que lhe desejamos”. O antigo estabelecimento que a família Russo ali abrira e explorara, certamente teria sido encerrado para dar lugar a algumas das novas instalações da fábrica de cerâmica.

A esperança depositada no desenvolvimento industrial diluiu-se para sempre. Anos mais tarde, uma empresa de Matosinhos, a firma Lopes Valeiras, Lda., adaptou um dos edifícios para o fabrico de conservas de peixe. Não durou muito tempo... E acabo este capítulo, também com um belo trecho de Mestre José Ribeiro, “O Pardieiro”, incluído na peça “Cântico da Aldeia”. Foi seu intérprete o também saudoso João de Oliveira Júnior.

Junto a ti, ó velha Quinta saudosa,
Aqui me tens - o Pardieiro,
Teu vizinho e na desgraça dolorosa
Companheiro.
Também saudades são meu alimento.
O que eu fui... e o que hoje sou!
O recordar, para mim, é tormento...

No tempo de meu avô,
Dos Ruços, do Serol, vindos de Brenha,
Meus fornos queimaram muita lenha
A cozer barro vermelho,
Telha e tijolo, cerâmica grosseira
Que se espalhava por todo o concelho
Da presunçosa Figueira.

Vieram depois outros oleiros
E com os Ribeiros
Surgiu a faiança, barata e graciosa:
Travessas e pratos bem pintados,
Os potes vidrados,
Louça para a cozinha e para a mesa,
De pintura ingénua e maliciosa,
Com arte e com beleza.

Depois... nos fornos o fogo se apagou,
E na mão hábil do oleiro
- Dedos cariciosos, o pé ligeiro -
A roda enfim parou.
Do barro dúctil não mais saíram peças
De variado jeito:
Os pratos, as canecas, as travessas,
As cântaras airosas,
Com pinturas ingénuas, caprichosas,
De pitoresco efeito,
Ricas de intenção e vária fantasia...
Morreu a olaria!

Depois... Da cerâmica a outras mãos passei.
Que alvoroço! Que nova e grande esperança!
Vinha a indústria, o progresso, a abastança,
Nem eu sei!
E uma outra fábrica se ergueu!
E levantou-se a grande chaminé
Que, como em grito de fé,
Parecia assim anunciar ao céu:
- Eu sou a Fábrica de Conservas, de sardinha
E de outros peixes também!
Aqui não faltará trabalho a ninguém!!

Mas... má sina atrás de nós caminha...
Parece que medonho vendaval,
Terramoto brutal,
Em campo de ruínas a Fábrica mudou!
Triste pardieiro - eis o que ora sou!


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SOCIEDADE FILARMÓNICA GUALDIM PAIS

Dando excelente contributo para um maior brilhantismo das comemorações do 77º. aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, a Filarmónica Gualdim Pais, de Tomar, realizou na tarde do dia 17, um concerto na sede daquela colectividade de Tavarede.


Assim que ele foi iniciado, ficámos logo com a certeza de se tratar de um agrupamento de real categoria.


E a presença desta banda, que foi fundada no ano de 1877, contanto portanto 104 anos, constituiu um acontecimento artístico que atraiu ao teatro de Tavarede, numerosa assistência.


Tendo dado inúmeros concertos em Portugal, nomeadamente na nossa terra, no Grande Casino Peninsular e em Espanha, e agora, pela segunda vez, na sede da Sociedade Teatral (perdoem-nos o baptismo...) como que um encontro emocionante, como um abraço fraternal de velhas amizades entre as duas antigas associações, conquistou o 1º. prémio no concurso das bandas musicais do concelho de Santarém, tendo sido finalista no Concurso das Bandas Portuguesas.


Trata-se de uma banda experiente, contando imensos sucessos em outros tantos concertos, que lhe concederam justificado prestígio.


A execução dos números do programa, além da linda marcha de abertura “Margens do Tejo”, de Sousa Morais; “Alto Minho”, de Miguel de Oliveira; “Campo das Flores”, de Sousa Morais; “Alma Maiato”, e, no final, o hino da Sociedade de Instrução Tavaredense, foram escrupulosamente interpretados.


Uma prova bem significativa do que dizemos, em toda a sua verdade. A Filarmónica Gualdim Pais honra a linda cidade de Tomar, onde, por motivos de deveres profissionais, vivemos durante nove anos.


Mas, voltando ao concerto, foi pena – que nos perdoe o seu insigne maestro – que dadas as possibilidades artísticas, o grande sentido musical de cada instrumentista, apesar de se tratar de simples amadores (o que lhes confere maior mérito) não tivesse presenteado o numeroso auditório com a execução de, pelo menos, uma peça de um autor célebre, cujo teor, no que respeita a dificuldades técnicas e interpretativas, pusesse à prova as tendências e as aptidões de todos os elementos, proporcionando-nos uma completa imagem do seu real valor.


A música não é algo mais ou menos limitado e sonoro. É bela, transcendente. Sublime, desde que a entendamos por música e nos seja transmitida como obra de arte e consciência.


Consideramos o maestro – sublinhe-se – como um dos bons regentes portugueses da actualidade. Para ele os nossos parabéns pela perfeição obtida nos vários naipes, responsabilidade, saber profissional, regência e eficiente uniformidade de conjunto, confirmando o prestígio de que muito justamente disfruta.


O público gostou. Compreendeu. Aplaudiu calorosamente todos os números neste excelente concerto.




(A Voz da Figueira - 29 Janeiro 1981)

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 4


O SENHOR DO ARIEIRO INDUSTRIAL

Pelos nossos apontamentos, sabemos que, em 1892, já existia uma cerâmica, no Senhor do Arieiro, pertencente a Joaquim Russo, e que, em Novembro daquele ano, ali fora instalada uma máquina para fazer tijolo furado, que havia sido feita nas Oficinas Mota de Quadros, da Figueira da Foz.

Diz a notícia que esta máquina “é notável, pela rapidez e excelência do trabalho”, produzindo diariamente 3.500 tijolos e que “já por capricho dos operários fabricou 4.800 tijolos num dia do estio passado”.

Não encontrámos mais elementos na imprensa figueirense do século dezanove, sobre este assunto. Mas, em 1906, uma notícia diz-nos que, nos Carritos, existia uma fábrica de faiança e que, pertencentes ao mesmo dono, existiam, no sítio do Senhor do Arieiro, três fornos de cozer telha ordinária e depois descreve-nos um pouco da actividade destes fornos.

“ Estes fornos têem dois pavimentos, sendo o inferior a fornalha e o superior a câmara de cozedura, sendo muito abobadados; a comunicação do fogo da fornalha com a câmara de cozedura não é feita por pequenos buracos espalhados por toda a abóboda da fornalha, mas por um buraco maior colocado no centro dessa abóboda; o fogo, atravessando esse buraco, vai bater na abóboda da câmara e, reflectindo-se, vai então espalhado por entre as telhas efectuar a cozedura. Apesar de não ser perfeito, este sistema de cozedura é inquestionavelmente o melhor dos usados e a telha sai bem cozida, obtendo um preço bastante elevado para telha desta natureza.

O barro empregado no fabrico é extraído na mesma propriedade onde estão os fornos, é branco com uns pequenos laivos vermelhos. Para darem à telha uma cor vermelha mais intensa, pintam-na depois de mais de meio secas, com lambugem de barro (água muito grossa de barro vermelho que vão buscar a Caceira). Os utensilios empregados e o processo de fabrico são os usuais, não tendo por isso nada a acrescentar ao que já por várias vezes tenho dito. Os produtos fabricados e os preços de venda são os seguintes:

Telha ordinária, a 5$000 reis o milheiro.
Tijolos cheios, de 0m,22 por 0m,11 por 0m,06, a 6$000 reis o milheiro.
Tijolos ocos, de 0m,24 por 0m,12 por 0m,7, a 6$000 reis o milheiro.
Ladrilhos, de 0m,15 por 0m,25 ou 0m,30 por 0m,30, de 20 a 30 reis cada um.
Telhões, a 90 reis cada um.
Manilhas, de 0m,05 ou 0m,18 de diâmetro, 70 a 200 reis cada uma.
As manilhas são vidradas a zarcão.
A produção anual deve ser pouco mais ou menos a seguinte:
Manilhas, 400.
Telhões, 400.
Telha: 60 milheiros.
Tijolos e ladrilhos, 200 milheiros.
O rendimento anual pode calcular-se em 1:700$000 reis.
Os mercados de venda são a própria freguesia e as vizinhas, mas principalmente a Figueira da Foz.
Os operários que estes fornos empregam são 5 homens, 2 rapazes e 2 mulheres.
Os jornais dos diferentes operários são os seguintes: 400 reis para os homens, 160 reis para as mulheres e 100 reis para os rapazes”.

No ano de 1916 lemos a seguinte notícia: “Ouvimos que o sr. José Russo, de sociedade com o sr. Luís João Rosa, querem explorar na propriedade desde nosso amigo o fabrico de telha e tijolo, montando para isso ali o respectivo forno e necessárias dependências. A instalação será feita na parte da quinta junto ao Senhor da Areeira, que é onde abunda mais o barro próprio para tal indústria. A confirmar-se esta informação, será de louvar a iniciativa dos srs. Rosa e Russo, porque são louváveis todos os esforços tendentes a desenvolver o trabalho local”. Mas, dias depois, José Russo (devia ser o filho e herdeiro do primeiro dono dos fornos acima referidos) anuncia que tinha resolvido não se associar para montar uma tijolaria na Quinta de Luís João Rosa embora, na verdade, tenham pensado nisso em tempos passados.

No “Anuário Figueirense”, em 1918, numa descrição da nossa freguesia, vem o seguinte apontamento: “... além dos trabalhos agrícolas a que esta povoação principalmente se consagra, há aqui um regular número de operários de diversas indústrias que trabalham na ou para a Figueira, havendo também uma fábrica de tijolo dos srs. José Russo & Companhia”.

Alguns dias depois, e num semanário figueirense, o correspondente local insere a seguinte nota: “ Ao Senhor da Arieira, nas instalações do forno da telha do nosso bom amigo José Russo, tem este activo cidadão feito algumas obras, para estabelecer-se com forno para cozer pão e broa, venda de vinho, tabaco, etc. etc. A sua abertura será no dia 1º. de Maio, e ali apresentará o bom vinho de Brenha. Local de bastante movimento, não deixará de ser muito concorrido, principalmente aos domingos, pelos apreciadores da bela pinga, que ali se farão acompanhar das respectivas merendas. Ao nosso amigo José Russo desejamos bastas felicidades no seu empreendimento”.

Noticiando a abertura do estabelecimento, encontrámos a seguinte nota: “... abriu naquele pitoresco recinto e no dia primeiro de Maio corrente, um estabelecimento comercial no qual vende as afamadas pinguinhas de Brenha, tabacos, petiscos, etc., não faltando uma bem montada padaria, indispensável na nossa terra, que de uma carecia há já muitos anos”.

A propósito deste estabelecimento, não resisto a transcrever aqui uma nota, de Dezembro de 1918, relatando uma caçada que terminou em patuscada na loja do Senhor do Arieiro:

“Aqui na nossa terra há, como se sabe, grande número de caçadores dignos deste nome, que este ano têem abatido muitos coelhos, perdizes, etc., etc. Nesse número de bons caçadores figuram os srs. Manuel Leonor, Manuel Migueis, José Russo, e tantos outros cujos nomes agora nos não recorda que, ainda num dos dias da pretérita semana, reunidos em grupo, resolveram fazer uma caçada ao coelho, levando na sua companhia grande número de principiantes na caça, como Amaral, Arménio, A. Silva, Zé Noca, etc., e o impagável António Cação Russo, mais conhecido por Antonio da Quinta.

Nas alturas do Prazo, o perspicaz e fino olho de detective deste nosso amigo avistou uma galinhola e, não se fiando em si mesmo, diz aos seus mestres que lhe atirem, porque a ave está boa. Há uma artilharia pegada e a galinhola sempre se vai embora. Eis porém que o António da Quinta, ripando da sua bela espingarda de dois canos, dispara sobre o pássaro um bem acertado tiro que, alvejando-o (diz ele) o fez cair imediatamente!... Morta a galinhola, foi pelos velhos caçadores conferido ao herói da tarde um diploma de atirador especial, dando-lhes todos a sua direita...

Chegou a noite e, deviam ser aproximadamente 7 horas, começaram todos os caçadores por comer o opíparo jantar que haviam mandado fazer em honra de António da Quinta, isto em casa do Zé Russo, ao Senhor da Arieira. A ampla sala achava-se ricamente engalanada com colchas de damasco, flores naturais e artificiais, balões à veneziana, etc., tudo a incitar para a festa e para a alegria, pois é incontestável que foi um dia festivo e alegre para todos que naquela caçada haviam tomado parte...

Ao toust usaram da palavra vários convivas, brindando todos em honra do António da Quinta, que no fim comovidamente agradeceu aos seus amigos as “imerecidas palavras com que o haviam distinguido”. Hurras e mais hurras, aclamações, etc., põem termo à festa, tudo na melhor... ordem e harmonia, todos no mais elevado grau de alegria, ficando gravado no espírito de todos o memorável dia em que António da Quinta foi honrado com um diploma, com um jantar, e com discursos, por ter dado provas abundantes da sua audácia e finura na soberba caçada em que tomou parte num dos dias da semana que passou. Sabendo isto, não podemos de forma alguma deixar de felicitar o nosso amigo, e com um abraço vão os nossos mais ardentes desejos de que este ano mate mais galinholas, mas que já estejam, porém, com 7 ou mais tiros na pele, como sucedeu àquela que o amigo António da Quinta matou um destes dias, graças a um certeiro tiro disparado pelo exímio caçador Zé Russo, pois foi ele quem primeiro a alvejou e que ficou sendo alvo da inveja e do despeito...”.

Passados dois anos já estava constituida uma firma, sob a denominação de “Cerâmica Exportadora, Lda”, e, em Agosto desse ano, “as instalações continuavam a ser ampliadas e melhoradas mal podendo, pela afluência de pedidos, satisfazer as encomendas de telha e tijolo que diariamente lhe chegam”.








Fábrica da Cerâmica e Exportadora, Lda., ao Senhor do Arieiro (foto da Junta de Freguesia)

No início de 1921, esta empresa sofreu um grande impulso nas suas diferentes secções e aumentou o capital social para 150 contos. “... Além da fábrica de telha, tijolo e telhões, ao Senhor da Areeira, Tavarede, de cujos fornos sai diariamente larga produção, faz a Cerâmica importantíssimas transacções com a venda de óleos, gasolina, material eléctrico, etc., tendo a representação de algumas das mais consideradas casas de Lisboa, Porto e estrangeiro. A gerência da Cerâmica está confiada ao sr. António Pereira Correia, a cuja iniciativa ela muita deve já, e agora, mais larga e desafogadamente desenvolvidos os seus negócios, não deixarão estes de acentuar-se com correspondente recompensa para os que pugnam pelos seus progressos. É este o nosso desejo”.

Como mera curiosidade, aqui dou nota dos sócios e gerência da sociedade, conforme a escritura daquele aumento: “dr. Ernesto Ferreira Gomes Tomé, 15.000$00; António Pereira Correia, 15.000$00; Frutuoso Veiga da Silva Gomes, 15.000$00; António Justino da Costa, 15.000$00; Costa & Ribeiro, Lda., 10.000$00; Joaquim Reis Pinto, 9.000$00; Pessoa & Veiga, 10.000$00; Alfredo Pedro de Almeida, 10.000$00; Filipe Manuel da Silva, 9.000$00; Fernando Alves de Azevedo, 6.000$00; António Ferreira da Assunção, 8.000$00; José Martins, 5.000$00; José Maria Costa, 5.000$00; Joaquim Alfredo Pessoa, 4.000$00; Julio Leopoldo Fernandes de Matos, 3.000$00; Alberto Perreira Correia, 6.000$00; e D. Celeste Vieira Gomes, 5.000$00. A gerência e administração, cujos escritórios funcionavam no Largo do Carvão, na Figueira, sem remuneração e com dispensa de caução, incumbia especialmente ao sócio António Pereira Correia, “que será auxiliado, quando o julgue conveniente, pelos sócios Filipe Manuel da Silva e António Justino da Costa”. O presidente do conselho fiscal era o dr. Ernesto Gomes Tomé”.










Escritórios da Cerâmica e Exportadora, na Figueira (foto Arquivo Municipal)

(continua)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Fernando da Silva Ribeiro



Filho de Gentil da Silva Ribeiro e de Emília Coelho de Oliveira, casou com Maria de Jesus Fernandes Serra, tendo duas filhas: Fernanda e Aurélia.


Faleceu no dia 9 de Setembro de 1978, com a idade de 79 anos.


Foi aferidor da Câmara Municipal da Figueira da Foz, pelo que percorria, frequentemente e de mota, que era o seu meio de transporte habitual, todo o concelho, para aferição de pesos e medidas dos diversos estabelecimentos.


Elemento preponderante do grupo cénico da Sociedade de Instrução, onde se evidenciou como ponto. Também exerceu as funções de professor na antiga escola nocturna desta colectividade, “tendo conquistado a simpatia de todos os seus conterrâneos e de inúmeras pessoas que a ele recorriam para tratar de assuntos comerciais”.


Aliás, foi dele a iniciativa da construção de um estrado em madeira para cobertura da plateia da sala de espectáculos que, em dias de bailes, transformava aquela sala num enorme salão de dança. Ainda nesta colectividade, foi, durante vários anos, o responsável pela biblioteca. Em sua memória, foi dado o seu nome à sala onde a mesma se encontra instalada. Foi sócio honorário em 1974.


Além de se dedicar, nos tempos livres, à carpintaria e ao amanho de umas terras de cultura, era emérito caçador e sócio dedicado do grupo de amigos “Os Inseparáveis”.


Ainda foi, por algumas gerências, presidente da Assembleia Geral do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense.

Futebol do grupo 'Os Inseparáveis' - Fernando Ribeiro é o primeiro da esquerda, em pé




Caderno: Tavaredenses com História

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 4




A QUINTA DO PAÇO


De frente da escola primária situava-se a Quinta do Paço. Estendia-se desde a estrada para a Figueira da Foz, até ao palácio dos Condes de Tavarede, ao princípio da povoação, vindo do lado poente. Do sul, era limitada pelo caminho da Várzea, naquele tempos um caminho bastante impróprio para qualquer viatura, e pela Quinta da Esperança.

Desde a estrada da Figueira, logo acima dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro, até ao caminho da Várzea e ladeando a Quinta da Esperança, ficava a mata, então conhecida pelo nome de “mata ou pinhal do Rosa”. Era a velha mata da Quinta do Paço onde, fazendo fé em Ernesto Fernandes Tomás, nas suas “Recordações de Tavarede”, deveria ter andado a fidalga D. Maria Mendes Petite, chorando e lamentando a morte de seu filho Pero Coelho, “um dos carrascos de D. Inês de Castro”, a mando do rei D. Afonso IV e mandado justiçar pelo rei D. Pedro I.

A mata, nos tempos do morgadio, deveria ser bastante maior, abrangendo terrenos que teriam, depois, sido desanexados. Perto do caminho da Várzea já referido, ficava uma pequena fonte, com azulejos bastante antigos, que no meio de enormes acácias e pinheiros, era um local muito frequentado por grupos familiares, e não só, que ali iam, devidamente autorizados pelo dono, merendar e passar uma bela tarde de descanso, nos dias encalorados do verão. Muitas vezes se organizavam lá festas, com danças e jogos populares.

Junto aos Quatro Caminhos e logo no início da subida para o Alto de S. João, havia um enorme barranco que as chuvas do inverno enchiam de água. Era um barranco resultante da extracção de barro para o fabrico de telha e tijolo na cerâmica sita em frente. Como ficava junto ao pinhal, ou mata, muitas eram as vezes que para ali iam, nos dias em que o calor era intenso, alguns tavaredenses armar um bebedouro e montar a respectiva rede para caçarem pardais e, sobretudo, rolas, que haviam em abundância naquela zona muito arborizada. Era proibido e arriscado pois ficava mesmo à beira da estrada, mas... “quem não arrisca, não petisca!”...


Quinta e Palácio dos Condes de Tavarede, vista do Senhor do Arieiro (foto José Relvas)


Ora desse local e até ao edifício do Paço, a quinta, do lado da escola, era limitada por um velho muro. Pouco ou nada cuidado, o muro era “habitado” por imensos lagartos, os sardões, que aproveitavam o sol para se aquecerem no cimo do muro. Era uma quantidade enorme destes bichos. A rapaziada divertia-se a atirar-lhe pedras, fazendo-os fugir para as suas tocas. Alguns, mais habilidosos, usavam as suas fisgas e muitas vezes acertavam em cheio nos inofensivos répteis. Mas, voltemos à Quinta do Paço.

Como sabemos, o fundador da Casa de Tavarede, o fidalgo António Fernandes de Quadros, casou com D. Genoveva da Fonseca, uma rica fidalga de Montemor-o-Velho, que era proprietária de vastos bens patrimoniais na nossa terra. “Foi António Fernandes de Quadros, senhor da Casa de Buarcos e Vila Verde, sendo esta a base e fundamento de sua Casa de Tavarede..... …...mandou fazer naquele lugar de Tavarede umas casas nobres, que para aquele tempo em que a vaidade não lançava os seus alicerces, são em tudo grandes: tem uma torre com ameias, o que não se permitia senão a pessoas de grande qualidade, e são o solar desta família neste reino”.

Tinha uma torre com ameias e tinha, também, nas suas fundações, “uns estreitos cárceres com argolões que se desfaziam ao tocar-lhe, como se fora madeira podre – resistindo, aliás, muito bem à oxidação o chumbo que os fixava à pedra, e que se achou perfeitamente conservado”.

Diz a tradição que o poderio dos Senhores de Tavarede era tanto que, quando procurados pelas autoridades reais, os mancebos que se encostassem ao muro da quinta não poderiam ser recrutados para prestação do serviço militar.






Acampamento cigano – cenário da SIT


Além disso, a velha quinta também era coito de famílias ciganas, que ali procuravam, e obtinham, a protecção dos morgados. Nesta quinta, e noutras propriedades do morgadio, os ciganos encontravam segurança, mesmo quando foragidos às autoridades. De alguns, até, parece que os fidalgos chegaram a ser compadres, como padrinhos dos filhos...

Nos finais do século dezanove, o terceiro Conde de Tavarede vendeu ao negociante de gado e comerciante Luís João Rosa, o solar e a quinta. A escritura foi feita no dia 24 de Fevereiro de 1898, tendo a venda sido efectuada pelo valor de 5.000$000 reis.


O terceiro Conde de Tavarede


Após o seu falecimento, em Outubro de 1916, os seus herdeiros venderam a propriedade a Marcelino Duarte Pinto, também ele comerciante e negociante de gado. O solar deixou de ser habitado, pelo que a sua degradação, já iniciada no tempo do anterior proprietário, embora ali residisse, foi-se acentuado cada vez mais. A enorme quinta já não era cultivada... Eram terrenos de pastagem para os gados.

Ainda teve outro proprietário que, em permuta feita com a Câmara Municipal da Figueira da Foz, cedeu o velho e ruinoso solar e a quinta que, posteriormente, foi urbanizada, recebendo o nome de 'urbanização da Quinta do Paço'.

Foi um episódio bastante complicado a referida urbanização. Não interessa, agora, detalhar a mesmo. Vou somente, para terminar este capítulo, recordar um belo poema que Mestre José Ribeiro escreveu e integrou na peça “História... e histórias de Tavarede”, que intitulou “Elegia da Quinta do Paço” e que foi interpretado pela saudosa actriz-amadora Violinda Medina e Silva.

Nobre Quinta do Paço, tão famosa,
Tão alegre e buliçosa,
Hoje és silêncio e tristeza.
Morta é já tua passada beleza
Em tristeza foi cruelmente mudada:
Eis-me de luto vestida.
Minha graça é já perdida.
Desolada,
Ao peso da desdita assim sofrida,
Cobre-me negro véu.
E eu, que altiva olhava o céu,
Agora, sucumbindo à desventura,
Olho a sepultura.

De quão longe minha memória vem...
Saudades de alegrias, e tristezas também.

Ai! com que enorme ansiedade
Eram esp’rados os serões
Que enchiam de alegre mocidade,
De risos e de vozes, os salões
Onde brilhava a graça feminina
Da Isabel Peregrina
E das irmãs Alfândegas, gentis,
Maliciosas, subtis
Na arte de queimar os corações!
A quinta silenciosa
É o refúgio do par enamorado
Que vem sonhar, e amar
À luz cariciosa
Do indiscreto luar...

Do recreio passáste à agricultura,
E os frutos do pomar
E o vinho do lagar
Foram beleza, alegria e fartura.

Sombras, verduras prateadas,
Amorosas terras cultivadas,
Canteiros perfumados de mil flores
Em opulentas manchas de mil cores...
Árvores e arbustos em recantos
Que o sol desconhece
E a amável lua esquece,
Caminhos atraentes
P’rá verde mata de acácias frondentes
Que tem pertinho a fonte graciosa
Que por mão do Senhor Conde ali nasceu...
Já nada existe, tudo ali morreu!...

Que vejo agora? Uma desolação!
Ouço chorar, dorida, a magoada terra,
Como se ali passara o turbilhão da guerra!...
Sucumbe à dor meu pobre coração!
(Canção da Quinta do Paço)

Quinta do Paço velhinha
Que viveste qual rainha
E agora descaída
Em tristeza e saudade!
Foi-se a tua majestade,
Tua nobreza é vencida
Quinta do Paço velhinha!...

Quinta do Paço velhinha,
Pobrezinha,
Hoje caída em desgraça!
Choras tua desventura.
Foi-se a beleza e a graça...
És a Quinta da Amargura,
Quinta do Paço velhinha.





Palácio dos Condes de Tavarede – frente – desenho de António da Piedade