sábado, 24 de setembro de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 6

A QUINTA E O PINHAL DA BORLATEIRA

Para completar esta pequena história sobre o Senhor do Arieiro, falta descrever os terrenos que ficavam a poente da estrada para a Serra da Boa Viagem e a norte do caminho que ia para Buarcos.

Era nesta parte que se situava o arieiro que deu o nome ao lugar e do qual ainda se extraía o saibro necessário para obras de construção. Já referi o pequeno pinhal então ali existente, ao princípio da estrada para a Serra e onde, muitas vezes, algumas famílias se juntavam para merendar e descansar. Mais adiante, como veremos, havia um outro pinhal, bastante maior e, esse sim, de interesse para a nossa história, pois era o local de reunião para os grandes 'pic-nics' que as colectividades organizavam para seus associados e famílias.

Logo no início do caminho para Buarcos, e conforme referimos no capítulo anterior, foi construída uma casa, em cujo rés-do-chão foi estabelecida uma mercearia e uma taberna. Pertencia este edifício a Arlindo Ferreira da Paz, assim como o pinhal que ficava por trás da casa e junto ao caminho para a Serra da Boa Viagem.

Em Janeiro de 1884, o jornal “Correspondência da Figueira”, publicava o seguinte anúncio: “Vende-se a Quinta da Borlateira, junto o Senhor de Arieira, na freguesia de Tavarede, que se compõe de casa nobre, casa para creados, adega, celeiro, eiras, currais e outras acomodações de lavoura, pomares com poços, pinhais e terras de semeadura. Recebem-se propostas em carta fechada até ao fim do corrente mês de Janeiro, que podem ser dirigidas a Maximiano Monteiro Grilo, Francisco de Matos Abreu e António da Costa Guia”.

Certamente não terão havido interessados na compra, pois não devem ter recebido quaisquer propostas. E em Maio de 1889, uma outra notícia informava “No dia 30 do corrente mês vão à praça pública no tribunal judicial desta cidade: A quinta denominada – Borlateira, que se compõe de casas de residência (com alguns móveis), casa de criados e de lagar, currais, eiras, pátio, pombal, terra alta e baixa com vinha, árvores e pinhal, e é situada próximo do lugar de Tavarede, subúrbios desta mesma cidade, na estrada de Tavarede e Buarcos; e

Um grande pinhal separado da referida quinta, apenas por um caminho.

Estes dois prédios vão à praça por não comportarem divisão cómoda entre os seus com-proprietários os herdeiros de D. Maria José de Sousa Cerqueira da Rocha e outros, sendo o valor do 1º. – 2:500$000 reis e o do 2º. – 500$000 reis, conforme a respectiva avaliação judicial. Para esclarecimentos o sr. Maximiano Monteiro Grilo, administrador da Quinta de Fôja (correio de Maiorca)”.






Uma das últimas fotografias da Quinta da Borlateira, tirada da estrada para Buarcos

Desta vez a venda foi efectuada. “Foi vendida em praça particular, no domingo último, a propriedade denominada Borlateira e mais conhecida pela Quinta das Paulinas, aos Quatro Caminhos, próximo de Tavarede. Adquiriu-a o sr. Abilio Alves Fernandes Águas pelo preço de 3:024$000 reis. O pinhal contíguo foi comprado por um irmão daquele sr. por um pouco mais de 600$000 reis”.

O adquirente da Quinta da Borlateira, Abilio Alves Fernandes Águas, era filho do tavaredense Joaquim Alves Fernandes Águas, o fundador da conhecida e importante firma Águas & Companhia, da Figueira. Faleceu no dia 20 de Janeiro de 1892 e a sua família, em honra de sua memória, procedeu a uma distribuição de esmolas a pobres da freguesia, naquela Quinta, no dia 31 do mesmo mês e ano.

A entrada era feita por um caminho, vedado por um portão de ferro, que conduzia aos edifícios, situados num ponto elevado da quinta. Além do edifício principal, havia também outras instalações, referidas no anúncio da venda. Esta quinta e o pinhal acabaram por ser herdados pela esposa do dr. Manuel Gomes Cruz, tavaredense e advogado na Figueira da Foz.

Este local, junto à casa, era muito frequentado pelos amadores do grupo cénico do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, como prova uma fotografia tirada a todos os intervenientes na opereta “Os Cirandeiros”, em meados da década de 1920.

O grupo cénico do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense,
que representaram a opereta 'Os Cirandeiros', em 1926.

Recordo que, um pouco depois do portão de entrada e do lado direito do citado caminho, existia um enorme laranjal. A rapaziada que frequentava a escola primária, bastante próxima, na época própria, bem olhava para as laranjas amarelinhas, que pareciam chamar-nos, destacando-se por entre a folhagem verde das laranjeiras. Parecia fácil ir lá atravessando o pinhal do sr. Arlindo da Paz, ou dos seus herdeiros. Mas eu nunca tive espírito aventureiro e se alguma vez provei uma laranja daquele pomar, terá sido por me darem. No entanto, alguns rapazes às vezes sempre se arriscavam, embora o “Ti'Júlio” mantivesse uma vigilância eficaz.

Como já referi, o pinhal da Borlateira, logo a seguir à quinta, ao lado poente, era o local ideal para a concentração das famílias associativas, que ali passavam um dia de justo descanso e diversão. Vou recordar uma nota extraída de uma reportagem que o tavaredense António da Silva Broeiro escreveu sobre Tavarede e que foi publicada no Jornal de Sintra.

“... Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações. E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra do Boa Viagem, ou para o pinhal do sr. dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o deste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.

As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos... Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.

E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços... São assim, alegres, os pic-nics da minha terra... … E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que,










Preparando o almoço...

... confraternização...

... tocando e dançando...

(foto de António Broeiro)










descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete... … e dançava, alegre, o vira e o malhão...”.

E referindo o pinhal da Borlateira, aproveito para relembrar a quinta que lhe ficava seguinte, a Quinta da Calmada, da família Ramos Pinto. A pedido da Junta de Freguesia de Tavarede fiz, há já bastante tempo, uma pesquisa sobre esta quinta. Vou aqui transcrever essa nota. “A Quinta da Calmada era, à data do 1º. registo na Conservatória do Registo Predial, um prédio composto de três casas (da Calmada, do Moço e da Malta), terreno lavradio ou de pinhais, pomares e vinhas, sito no sítio da Quinta da Calmada, freguesia de Tavarede.

Confrontações: norte, com herdeiros de Joaquim Alves Fernandes Águas; do sul, com pinhal dos herdeiros de Luiz Duarte da Encarnação e com o caminho superior dos loureiros até à extrema do prédio dos herdeiros de Manuel Dias; do nascente, com herdeiros de Manuel Dias e Roque Gasio; e do poente, com caminho público (inflectindo um pouco para o norte) para a Serra da Boa Viagem. Pertenceu a Joaquim Marques Ramos Pinto.

Teve como herdeiros: António Mateus Ramos Pinto, nascido em 29 de Novembro de 1889 e falecido na Quinta da Calmada, em 30 de Junho de 1932. Foi empregado superior da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, passando depois ao Porto, com a actividade de negociante e exportador de vinhos. Por motivo de doença adquirida no Porto, regressou à sua quinta em Tavarede, onde faleceu. E Joaquim Mateus Ramos Pinto, que à data da morte do irmão, residia em Leiria já há anos.










Foto actual do antigo pinhal da Borlateira

Em 16 de Outubro de 1942, foi feito um averbamento anexando, no mesmo prédio, dois artigos (33593 e 33594), ficando a constituir um só prédio, composto de terras de semeadura, pomar, pinhal e outras árvores, tais como oliveiras, loureiros, eucaliptos e vinha, com vários poços de rega, uma mina de água, duas casas de habitação, currais, palheiros, eira, mais logradouros e tudo o mais que lhe pertença, e denominado “Quinta da Calmada”, que confronta do norte com o Dr. Manuel Gomes Cruz, do sul com a estrada pública de Buarcos a Tavarede, do nascente com Rosa Francisca e com o Cónego José Duarte Dias de Andrade, e do poente com herdeiros de Luiz Duarte da Encarnação e com estrada pública.

Passou à propriedade da Mútua de Pescadores - Sociedade Mútua de Seguros, com sede em Lisboa, que, por escritura de 29 de Dezembro de 1962, a vendeu à Câmara Municipal da Figueira da Foz, pelo valor de 600 000$00, para instalação do Parque de Campismo, presentemente ampliado com outros terrenos que lhe foram anexados.

O edifício principal foi utilizado, no final da década de 1910/1920 e princípios da década seguinte, como hospital para doentes atacados com a peste bubónica, que, posteriormente à primeira grande guerra, grassou em Portugal, tendo causado muitas vítimas nesta região”.




A actual Quinta da Borlateira vista do lado norte


CONCLUSÃO


Muito fica por contar sobre o lugar do Senhor do Arieiro, nos tempos em que eu conheci e frequentei a escola primária ali localizada.

No entanto, parece-me que o descrito já dá uma informação, bem sei que pálida e pouco descritiva, de como era aquele arrabalde da terra do limonete. Merecia muito mais, pois foi um lugar que teve uma relativa importância, com as suas feiras, a sua indústria e, acima de tudo, com a sua escola, por onde milhares de crianças tavaredenses passaram e aprenderam a ler, escrever e contar.

É certo que não fiz mais averiguações à procura da imagem do Senhor dos Milagres, posteriormente chamada de Senhor do Arieiro ou da Arieira. Não deverá estar perdida. Por mim, e se ainda tiver essa possibilidade, mais tarde farei nova tentativa de a localizar.

Também poderia ter ido mais longe, desenvolvendo a história das quintas ali vizinhas. Bem perto, ficam as quintas do Contrapezo, do Alto de S. João, da Esperança, do Pezo e dos Condados, por exemplo. E todas elas terão as suas histórias.

Agora, como referi ao princípio, salvo o edifício da escola, tudo está irreconhecível. Melhor? Muito mais desenvolvido? Certamente que sim. Não esqueço, porém, uma questão pertinente: Se a Companhia da Beira Alta tivesse levado por diante a construção da linha férrea, até ao Cabo Mondego, e passando pelo Senhor do Arieiro, como estaria agora este lugar e, mesmo, a nossa terra?”.

Bem sei que é uma pergunta que não tem resposta, mas, com toda a certeza, seria bastante diferente do aspecto actual.

Mas eu por aqui me fico. Tenho outros projectos em mente. Veremos se os conseguirei realizar, pois todos eles servirão, unicamente, para recordar alguns retalhos da história de Tavarede, nossa terra natal e de que tanto nos orgulhamos.

Mas, confesso a verdade, o lugar dos Quatro Caminhos dos Senhor do Arieiro, talvez devido aos anos em que frequentei a escola primária, sempre esteve em primeiro lugar no meu pensamento.


Lugar dos Quatro Caminhos do Senhor da Arieira – Actual Rotunda do Limonete

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