quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os potes floridos do primeiro de Maio







POTE FLORIDO –   
P’ra saudar Maio florido,
 Tão propício aos namorados,
Vem o cortejo garrido
Com seus potes enfeitados”

E as alegres raparigas,
Contentes em seus amores,
Enchem o ar de cantigas
E do perfume das flores… 

E o pote de barro
Tremendo no ar,
Parece bailar
Alegre e bizarro,
Parece brincar
Co’a moça travessa
Que o leva à cabeça,
Feliz, a cantar… 

 “Quando Abril começa a despedir-se, as raparigas animam-se, combinam, organizam o rancho. E na véspera do dia ansiosamente esperado, pedem às vizinhas, correm aos jardins, vão ao mercado – e levam para casa arregaçadas de flores. Arranjam os trajos. Enfeitam os potes, que desaparecem sob os desenhos caprichosos das rosas e malmequeres. Mal pregam olho durante a noite.  E quando a manhã só é adivinhada pelo seu espírito em alvoroço, erguem-se, chamam-se umas às outras, reúnem-se – e as suas vozes fazem a alvorada antes que o chiar das rabecas e o tom-tom dos violões arrepie o ar nos estremeções da afinação.
         E marcham. Estrada fora, marcam em piso leve, airosas e frescas, o compasso da marcha que as suas vozes erguem no espaço, subindo alto, levada muito alto no perfume das flores, até fundir-se na atmosfera da madrugada húmida e ainda pesada dos orvalhos da noite. Sobre as cabeças inquietas levam os potes floridos.  Dentro dos peitos arquejantes uma ansiedade, uma aspiração indecisa que toma forma nas suas bocas e é Amor nos seus lábios vermelhos sem pintura...

            Naquele ano, o tempo estava chuvoso. Mas elas, queriam lá saber da chuva!... O 1º. de Maio era sempre o 1º. de Maio. No 1º. de Maio há sempre sol. Elas não acreditam na chuva. E se a chuva vier – há-de desfazer-se ao calor das suas vozes, dos seus corações ansiosos, da sua mocidade ardente. 

(O Sonho do Passado... A Esperança do Futuro - Vinte anos da morte de Mestre José Ribeiro)

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Tavarede - A terra de meus avós - 3

       Que transacções mantém Tavarede com Mira, Quiaios e Brenha, povoações a quem servirá a estrada distrital?
         Que produtos de indústria poderão trocar com aquelas povoações? Ao nosso mercado concorre diariamente com duas ou três dúzias de cestas de produtos hortenses. Para isto, lá tem a boa estrada que já possui.
         Que Tavarede precise dalguns melhoramentos dentro de si, concordo; que lhe seja de absoluta necessidade passar por dentro a estrada distrital, privando dela os centros mais importantes da sua freguesia, não se pode admitir á face da boa razão.
         Lancemos a vista sobre a bacia em que assenta Tavarede, povoação que é hoje objecto de infundamentadas questões sobre a conveniência de trazer por dentro dela a estrada distrital que há-de ligar-nos a Aveiro.
         Analisemos primeiramente os montes que a rodeiam, as vias de comunicação que encerra, as produções da agricultura do terreno que a forma, e com esse conjunto de apreciações poderemos mais uma vez avaliar a razão de obrigar a um desvio o traçado já estudado.
         Tavarede está situada no fundo da bacia em um vale profundo, apenas a quatro metros acima do nível do mar, na direcção do poente ao nascente até á Cumieira, a serra da Boa-Viagem.
         Duas ramificações desta serra partem - uma do ponto da povoação da Serra, prolongando-se pelos Condados para o sul, até chegar ao lugar do Senhor do Areeiro a 600 metros ao poente de Tavarede, onde termina limitando o horizonte dessa povoação por este lado; - outra - partindo da mesma serra e na direcção de Cabanas, estende-se pelo Saltadouro, Prazo, Araújo, Casal da Robala, e principiando a deprimir-se neste último ponto acaba na margem do Mondego, junto dos Estaleiros.
         Um outro monte principia a elevar-se junto do lugar do Senhor do Areeiro, continuando a ramificação da serra perdida naquele ponto. A partir dali, o monte continua por alguma distância e divide-se depois em três partes: uma que segue para o Sudoeste, e é aquela em que assenta a nossa igreja matriz; a outra, paralela a esta, é a base da rua da Lomba; a terceira, crescendo do Pinhal para Sueste, assenta nela o casal da Lapa, indo depois perder o nome junto dos estaleiros.
         A bacia em que assenta Tavarede, emoldurada do norte, nascente e poente, pelos montes que designei, é aberta ao sul do lado onde passa o Mondego, a dois quilómetros abaixo daquela povoação. Tem de comprimento, do norte a sul 2:500 metros, e de largura 700, sendo atravessada longitudinalmente por um ribeiro que recebe as águas das vertentes da Serra da Boa-Viagem, e do Saltadouro, e, passando á extremidade do lado do nascente de Tavarede, deslizando pela planície abaixo, vai pela fonte da Várzea a desaguar no Mondego. No decurso do trajecto do ribeiro estão montadas três azenhas. A bacia, é em grande parte destituída de terreno próprio para ser agricultado, a parte mais próxima do rio é ocupada por marinhas de sal, cujas propriedades pertencem a indivíduos desta vila, e terá uma área de 150:000 m.q. Segue-se-lhe para o norte quase outro tanto de superfície de terreno em parte apaúlado, e abandonado a pousio e á espontânea vegetação de juncais. Mais para acima, - talvez não erre a estima - um terço da superfície total da bacia que envolve Tavarede serve ao cultivo de cereais e produtos hortenses, mas em tão pequena quantidade, que mal compensam o trabalho do lavrador, tanto que, os proprietários, na maior parte da Figueira, têm preferido trazer arrendadas essas terras a cultivá-las por sua conta. Os rendeiros, não obstante correr por suas mãos todo o serviço do cultivo, tiram bem magros recursos desse trabalho, e tanto que uma grande parte deles, não podendo viver unicamente destes proventos, vem aqui empregar-se quase todo o ano, prestando os seus serviços braçais nos armazéns de vinhos, como carreiros, ou em outros misteres.
         Quase toda aquela planície possui para esta vila um magnífico caminho a macadame, que, partindo da proximidade da quinta do sr. dr. Borges, a quatrocentos metros abaixo de Tavarede, vem para o sul, em volta, a encontrar a fonte da Várzea, e para diante daqui sobe a um alto onde se bifurca para o sul a encontrar a extremidade desta vila pelo lado do Mato, e para o poente vem encostado ao cemitério, a sair do Pinhal.

         A extremidade norte da bacia tem a boa estrada a macadame que de Tavarede vem á Figueira.
         Além dessas estradas existem ainda uns caminhos menos importantes; um deles tem origem na estrada da Várzea, apoia-se na vertente do monte que limita a bacia pelo poente, e segue àquela povoação. Esta é muito concorrida pela gente que se dirige á Figueira. Pelo lado do sul temos a estrada dos Estaleiros, por onde é feito o serviço das marinhas que há naquele local.
         Aí deixo esboçada a região que deverá servir de base a qualquer argumento material, atinente a querer forçar o traçado a passar por Tavarede.
         Também pretendem trazer a lume, em abono do pretendido desvio, o facto de que ao povo de Quiaios, que agora vai por um ramal ser ligado á estrada de Aveiro, lhe fica muito extenso o caminho que não vem por Tavarede.
         Nunca ninguém se lembrou de tal circunstância, quando se tratou de ligar directamente aquele povo com esta vila, pois que, podendo ir a estrada daqui pelos Condados á Serra e a Quiaios, o que encurtaria em alguns quilómetros a sua distância, foram antes levá-la por Buarcos á Senhora da Encarnação, e deste ponto pela Serra a Quiaios, dando assim uma volta que a torna mais extensa dois quilómetros!
         Agora faz-se questão por que esse povo não pode andar mais uns 800 metros, pois tanto é a diferença que há entre a extensão dos dois projectos pelo Casal da Robala a Tavarede.
         Quem contemplar a sangue frio esta contradança de argumentos fica duvidando da sinceridade das intenções que nutrem os que especulam com a ignorância do povo, fazendo-o pedir o que não deve. Pobre povo! infelizes ignorantes que sempre hão-de representar um papel de actividade nas coisas, quando a sua gerência é passiva e ilusória. Um outro poder especula, movendo esses pobres autómatos a acreditarem na justeza dos princípios pregados por alguns apóstolos dos modernos tempos! Oh luz! quanto tempo estarás velada para deixares nas trevas essas obscuras inteligências?
         Quando se pretendeu dar uma estrada a Buarcos, quebraram-se lanças para que os estudos mandados por ali fazer para uma estrada que daqui seguisse a Quiaios fossem aprovados, e para isso, invocou-se nessa ocasião a representação do clero, nobreza e povo. É aprovado o projecto; fez-se a estrada na parte compreendida entre esta vila e Buarcos, continua depois até á Senhora da Encarnação, e pára neste ponto porque nasceu a ideia de abandonar o traçado por parecer irracional a continuação dele por ali.
         Dorme a lembrança do povo de Quiaios.
         Necessita-se de reparar o caminho que desta vila vai pelos Condados á Serra; faz-se valer o motivo da utilidade para os povos da Serra da Boa-Viagem e Quiaios. Repara-se o caminho até aos Condados, pára a obra, e esquecem os povos que a utilizavam! Trata-se agora da estrada distrital de Aveiro a esta vila, e ressuscita a ideia do ramal que vá ligar Quiaios àquela estrada no lugar de Cabanas! Parece-me que aquela malfadada povoação de Quiaios é o salvatério em todos os apertos, porque só vem a pelo para servir de medianeira e contrapeso a interesses secundários.
         Pode julgar-se de nenhuma importância a consideração de que a estrada deverá tornar-se menos extensa pelo motivo que torna maior a distância a um povo que a ele se liga por um ramal que nela se encontra a seis quilómetros de distância desta vila. E mesmo quando lhe ficasse mais distante o caminho pelo lado de Brenha, poderiam faze-lo pela sua estrada em projecto por Buarcos, por que foi essa que lhe mereceu a sua atenção e desvelo representando na ocasião oportuna pela sua execução, o que lhe era de máxima utilidade indo por aquele lado.
         Sobre esse, teria a povoação de Quiaios e circunvizinhos interesse e autoridade mais directa, ao passo que a sua influência num ponto que lhe fica mais distante não tem o valor que julgam - é menos autorizada por indirecta.
         Ainda assim, pesando em seu favor que lhe ficará por Brenha mais distante o caminho uns 800 metros, tendo o traçado de seguir pelo Casal da Robala e não por Tavarede - ficam bastante compensadas as fadigas dessa distância pela suavidade que deve oferecer-lhes o traçado que reprovam. É preciso que tenham em vista, que o traçado que desejam teria uma subida mais custosa de vencer, do que a distância a maior que pelo outro teriam de percorrer.
         A partir da igreja de Tavarede, pelo caminho em direcção ao Saltadouro, há uma elevação constante de terreno de quase sete por cento por uma distância de 1:600 metros, o que equivale a uma subida de 109 metros de nível de Tavarede ao Saltadouro! Não acham contraproducente o argumento e uma utopia o que desejam!
         Os peões quando carregados e obrigados a subir a uma elevação daquelas que possui o máximo de inclinação que o regulamento de estradas permite chegaria esbaforido ao termo maldizendo dos homens e das coisas.
         Há gente que tudo põe em jogo para conseguir um fim, embora o resultado seja só partilhado por um pequeno número dos meios.
         Aduz-se para aí também ou lançam mão do facto da Figueira possuir uma estrada distrital que lhe dá ingresso pelo nascente, levando a utilidade a essa parte da vila. Outra, municipal, pelo poente, na qual concorre a mesma razão, e só não tem uma estrada distrital que entre na povoação pelo Pinhal!
         A isto anteponho um argumento caseiro. Suponhamos uma casa, com uma única porta por onde diariamente entram doze pessoas levando-lhe para dentro doze mil réis - mil réis cada pessoa. Abram-se nessa casa em vez duma doze portas e faça-se entrar por cada uma sua pessoa e por conseguinte mil réis. Temos obtido o mesmo resultado por que não aumentou a quantia entrando juntos por uma ou em parcelas divididas pelas doze portas.
         Ora, os interesses que resultam á Figueira da sua ligação com Aveiro e outros povos, não ficarão prejudicados por a estrada entrar pelo norte ou nascente, salvo se a parte mais comercial desta povoação está aglomerada em algum daqueles pontos, nas extremidades dela.
         Passaremos agora em revista o terreno que a directriz estudada atravessa, seguindo pelo Saltadouro, Prazo, Araújo e Casal da Robala. Se formarmos um trapézio cuja base maior tenha um dos extremos apoiado na antiga ponte dos Estaleiros, e outro em Brenha; a base menor na Caniveta e Caceira; um dos lados formado por uma linha tirada de Caceira a Brenha, e outro que da ponte dos Estaleiros toque a Caniveta; teremos, circunscrita por esse quadrilátero, uma região agricultada, medindo a nível 9:240000 m.q. que a 60 rs. o metro, valor na verdade insignificante, perfazem a importante quantia de 554:400$! Este valor está muito aquém da verdade, porque só exprime o valor do terreno, sem atenção á parte móbil da região, como pinhais, pomares, casas, etc., e ao aumento de superfície, proveniente das ondulações do terreno. Quando mesmo aqueles terrenos não dêem um rendimento superior a três por cento, esta percentagem dá-lhes um rendimento anual de 16:632$000 réis.
         É, pois, esta importante região agricultada, possuindo excelentes terrenos, mesclada aqui e acolá de vinhas, pinhais, pomares, etc., que querem privar da utilidade da possessão duma estrada!
         Não preciso encarecer a vantagem resultante de cortar aquele grande trato de terreno por uma estrada: ela é manifesta. Naquele espaço há excelentes quintas, bons terrenos produtivos; o que lhe falta são estradas que lhe facilitem os transportes.
         Indo dos Estaleiros para o Casal da Robala, principia-se a caminhar por aqui e ali, marinhando, saltando como as cabras sobre a terra solta dos desaterros duma pedreira em actividade de extracção de pedra que facilita atoleiros, ou sobre as ribas em desagregação dessa eminência, sujeito a precipitar-se; depois entra-se em uma azinhaga dum metro de largo, pouco mais, ladeada de valados de piteiras, que de quando em quando vão cravar os seus bicos no corpo do caminheiro menos cauteloso.
         Antes de entrar nos assordeiros - se não é um assordeiro toda a azinhaga até ao Casal da Robala - o sujeito tem que escolher entre as seguintes contingências: - ficar enterrado na lama até aos joelhos, subir a um dos valados que borda a azinhaga, passar entre as piteiras e ficar cheio de rasgões no fato e no corpo, por último saltar para dentro duma propriedade estranha e sujeitar-se aos enxovalhos do proprietário!
         Quando passar um carro a bois, ter-se-á de optar por qualquer dos meios que indiquei ou voltar para traz, isto sem remissão. Assim todo o caminho!
         Todos sabem que no decurso dos meus escritos apenas expus a verdade. Não me servi de exageros nem tampouco de asserções gratuitas; aí estão os factos, pensem sobre eles para que aqueles a quem interessa a questão possam resolver da forma mais racional.

         Na secretaria do ministério das obras publicas existirão dados, mais que suficientes, para bem poder definir a justiça que há em trazer a estrada distrital de Aveiro para esta vila seguindo-se a directriz já estudada pelo Casal da Robala e não por Tavarede, como se pretende”.

mº. 3 (continua)

O Associativismo na Terra do Limonete -125

As comemorações


         Vamos dedicar este capítulo, exclusivamente às comemorações do primeiro centenário da Sociedade de Instrução Tavaredense. O extraordinário passado da colectividade, pois foram cem anos ao serviço da cultura e da benemerência, justifica este nosso procedimento, assim o entendemos.

         Como já referimos, uma comissão, em colaboração com os corpos directivos, assumiu os trabalhos, pois houve, desde o início, a pretensão de levar a efeito umas comemorações memoráveis, durante as quais, recordando os antepassados que tão dedicada e esforçadamente levaram a cabo tão edificante obra, também se conseguisse chamar à associação os jovens, mostrando-lhes que, sendo eles os continuadores desta obra, a colectividade centenária era merecedora do seu esforço e da sua dedicação.

         Havia, no entanto, enorme carência de fundos. Foi então que se adoptou a ideia dos almoços mensais, que teve muito bom acolhimento. Há que reconhecer o esforço, o trabalho e a dedicação do elevado número de senhoras, que de imediato se prontificaram a colaborar. Ainda no ano de 2003, a generosa colaboração do hábil artista figueirense Francisco Simões, grande amigo e admirador desta instituição, traduziu-se no desenho da medalha comemorativa da efeméride e do logótipo usado durante o evento, que generosamente ofertou.

         Pediu-se o orçamento para a feitura das medalhas. Ao ser recebida a resposta, a comissão logo se deparou com uma dificuldade: era exigido o pagamento, contra a confirmação da encomenda, de 50% do custo total. Valeu a colaboração do então presidente da Junta de Freguesia local que, tomando conhecimento desta exigência, que a comissão divulgou durante um dos almoços, se prontificou a emprestar a importância precisa. Confirmada a encomenda, a mesma foi entregue em Fevereiro seguinte, o que, considerando a necessidade de pagar a parte restante, obrigou a comissão a de imediato proceder à venda da medalha. E foi em Outubro que, em conferência de imprensa convocada para esse fim, se fez a apresentação do anteprojecto criteriosamente elaborado.

... Tornando público um programa que considera ‘ambicioso’, e para cuja concretização a falta de verbas apresenta o principal problema, a Comissão do Centenário da SIT mostra-se esperançosa de que ‘os apoios venham a aparecer’, e aposta nas mais diversas manifestações culturais para marcar uma importante data da colectividade. As actividades de angariação de verbas não têm parado, sendo que os almoços mensais realizados por senhoras da SIT, e a participação da ExpoACIFF  têm dado frutos. Diversas entidades oficiais ligadas à cultura já foram abordadas mas, apesar de se mostrarem ‘receptivas a colaborar, a resposta não varia muito: não há dinheiro’. No entanto, afirmam, ‘não vamos deixar de celebrar esta data condignamente’.
Cumprindo o programa, foi já editada a medalha comemorativa do centenário, e está garantida uma exposição de teatro, no CAE, que exporá o espólio da SIT. O hino do centenário, da autoria de João Cascão, também se encontra em fase de orquestração para a Tuna, e deverá estar pronto no final do ano.



O dia 15 de Janeiro vai começar com o hino da colectividade e o comemorativo do evento, tocados pela Tuna de Tavarede, realizando-se depois, à noite, o jantar de gala no pavilhão gimnodesportivo. O grande espectáculo está agendado para 17, e a sessão solene realiza-se a 18, data provável do lançamento do livro do centenário, coordenado por José Bernardes, e que ‘conta a história da colectividade e dos 100 anos de teatro, ao longo de 250 páginas ilustradas com cerca de 180 fotos’.
Realizar-se-ão ainda vários saraus e conferências, e homenagens a Violinda Medina, João de Oliveira Júnior e José Ribeiro.
Programados estão ainda jogos florais, encontro de tunas, concurso de fotografia e desenho, jogos tradicionais e a criação de um memorial, em azulejo, que ostente o nome daqueles que mais deram à SIT, ao longo de 100 anos.
Apesar das dificuldades, a comissão está confiante no surgimento de apoios: ‘a cidade vai estar, por certo, ao nosso lado’.

         E no dia 15 de Janeiro de 2004, pela manhã, a população ouviu o estralejar da salva comemorativa, após o que a tuna de Tavarede tocou o hino da colectividade centenária, enquanto a bandeira era hasteada. Pelas 21 horas, no pavilhão desportivo, teve lugar o ‘Jantar do Centenário’. As paredes encontravam-se revestidas com alguns cenários representativos de cenas da nossa aldeia e o tecto forrado com faixas de tecido azul e vermelho, as cores da associação, o que dava ao pavilhão um aspecto atraente e agradável.

         Presidiu o representante do Governo Civil de Coimbra, que esteve ladeado por diversas entidades oficiais, bem como pelas representantes dos corpos gerentes da SIT.
Estiveram presentes cerca de 200 pessoas, que lotaram completamente o recinto. Durante o jantrar, ouviu-se o piano tocado pelo nosso conterrâneo e consócio João da Silva Cascão, após o que se fizeram escutar várias intervenções oratórias, a que seguiu a actuação do Orfeão Académico de Coimbra, patrocinado pelo Governo Civil.



No pavilhão da colectividade, virado ‘museu’ com algumas das relíquias de cenários que marcaram o historial invejável de cem anos de devoção ao teatro no seio da Sociedade de Instrução Tavaredense a engalanar as paredes do amplo recinto e criar uma envolvência onde se ‘respirava’ teatro por todo o lado, decorreu o ‘Jantar do Centenário’, 1º acto do longo programa de realizações que ao longo do ano irão enriquecer as celebrações deste marco histórico: ‘primeiro centenário da SIT’. Solenidade que reuniu cerca de 200 pessoas, a maior parte delas amadores que pisaram o palco, para além dos muitos convidados que honraram o evento em representação do Governo Civil, Câmara Municipal da Figueira e autarquia local.
         E o primeiro gesto de saudação à histórica entrada da colectividade no galarim dos ‘Centenários’ veio da apresentação pública da ‘Marcha do 1º Centenário’, referencial honroso de uma caminhada de muitos êxitos a envolver gerações e que guindou Tavarede ao lugar de destaque – houve quem a elegesse ‘Catedral do Teatro Amador’ – que extravasou o Concelho e mesmo o Distrito.
         Depois, abrilhantado pela suavidade musical saída do piano tocado por João Cascão, o banquete de sabores apadrinhados por celebridades ligadas à arte de Talma – entradas à Molière; creme à Garrett; bacalhau à D. João da Câmara; lombo assado à Gil Vicente; sobremesa à Shakespeare; café Pirandello, tudo regado a vinhos e digestivos à Terra do Limonete, com a novidade da ‘prova’ do Vinho do Centenário da SIT, uma recordação que pode ser comprada na colectividade -; a confraternização saudosa de cenas vividas naquele palco de tantas representações que moldaram vidas e criaram escola e as mesas davam vida nos dísticos que as distinguiram: ‘Romeu e Julieta’, ‘Frei Luís de Sousa’, ‘Os Velhos’, ‘As árvores morrem de pé’, a ‘chamar para a mesa’ ilustres desaparecidos cuja memória não poderia estar ausente deste momento alto do centenário, tudo serviu de motivo para solenizar esta data marcante de 15 de Janeiro de 2004.
         E na hora das intervenções, num momento em que já havia saído o ‘fumo branco’ da eleição para os corpos gerentes do próximo mandato da colectividade, pondo fim ao preocupante impasse referido na imprensa, Ilda Simões, presidente da Assembleia Geral, depois de saudar os presentes, saltou no tempo cem anos atrás para agarrar o fio daquela longa meada de história iniciada por 14 tavaredenses que para abrirem uma Escola de Ensino em Tavarede criaram a Sociedade de Instrução Tavaredense, iniciando uma caminhada onde os obstáculos não faltaram mas veio a marcar a vida dos tavaredenses com ‘os anónimos’ que tornaram possível o êxito desta colectividade.
         Também Teresa Machado, vereadora da Câmara Municipal, aqui representada por Martins de Oliveira, se associou às felicitações em honra do Centenário, pondo em realce o papel que o teatro cultivado na SIT teve na divulgação do nome do Concelho da Figueira, curvando-se mesmo ante a mensagem saída dos valiosos cenários que enriqueciam as paredes do Pavilhão. Aplaudindo ‘o muito que aqui se tem feito pelo teatro… e o que, por certo, irão continuar a fazer’, razão por que a Câmara não deixará de apoiar este serviço a bem da Cultura. Em nome da Assembleia Municipal coube ao Engº Daniel Santos reflectir sobre o honroso passado desta colectividade, afirmando que ‘tão bom passado não pode deixar de fazer prever um bom futuro’.
         E após curta intervenção de homenagem da SIT, pelo Engº Muñoz de Oliveira a quem reconhecimento por esta obra ‘obrigou à saída de clandestinidade na sala’, usou da palavra o representante do senhor Governador Civil, Ricardo Alves, para ‘aceitar o desafio de relacionar os cenários expostos com as pessoas e com os discursos’ uma vez que o entusiasmo que encheu este salão, fazendo dele uma ‘casa viva’ é a prova inequívoca de que esta atitude é certeza de… ‘futuro garantido

 E foi em ambiente de grande entusiasmo que o Orfeão Académico de Coimbra encerrou o histórico Jantar de Abertura do Centenário.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tavaredde - 2

Igualmente muito curioso, na minha opinião, é um texto escrito por António da Silva Broeiro (sobrinho), um tavaredense que muito novo migrou para Sintra, para cujo jornal, de seu conterrâneo Medina Júnior, recordou a sua terra natal numa evocação saudosa, que igualmente transcrevo. Aproveitando a oportunidade desta recordação, aproveito para agora aqui fazer uma breve transcrição duma reportagem publicada no Jornal de Sintra, em 1935, depois de uma excursão sintrense à Figueira da Foz, e que descreve a nossa terra desta forma:

“Tavarede, aldeia  estranha ao turismo grandioso da Figueira da Foz e afastada desta praia uns quatro quilómetros… em automóvel. Solitária, à primeira vista. Um montão de casas brancas. Uma lezíria com hortas frescas e viçosas. Umas portas muito estreitas. Janelas bem abertas. Não é bonita!!! Aldeia vulgar, vista de avião. Extraordinária, vista do coração. Abraços apertados. Descompostura a quem chega! Porque não prevenimos? Os telegramas chegam muito tarde… 
À casa térrea chama-se adega! Filigrana nas paredes! Cabaças nos barrotes! A garrafa grande que tive a honra de abrir, continha 400 litros, que chegou e sobrou para mais de 300 sintrenses… Fanecas magníficas com batatas cozidas. Brôa, saborosa. Vaquinhas. Água fresca. Os cavalos que passam na estrada, são rijos de linhas. As cachopas são belas…
Algumas igrejas, de estilo… As bilhas que vão à fonte, têm as costas largas e a boca pequenina… como as mulheres… O sangue daquela adega era vermelho e fresquinho. Os foguetes são barulhentos e proíbidos. Tavarede, há poucas aldeias como ela. Tem inédito, que só Herculano, ou Garrett, saberiam descrever! O seu poder de atracção é superior ao centro da terra! Pois não existe a força que nos arranque dali. Promessas de volta, com perigo de lá ficar o resto da vida!!! Aldeia onde ninguém deve ir, sem sentir a franqueza no pensamento, o coração nas mãos, a vontade no trabalho, e o sentimento no peito. Eis Tavarede!!”

Finalmente, irei eu procurar recordar a minha aldeia dos anos quarenta, do século passado. A pacatez e o sossego daqueles tempos…

Continuarei, depois, e sem quaisquer pretenciosismos literários ou, até, sem qualquer ordem cronológica, a contar algumas “historietas” que aqui foram vividas, umas do meu tempo de juventude, outras mais antigas, das quais tive conhecimento pelos jornais ou por me terem sido contadas e que me parecem merecedoras de divulgação e ainda algumas, mais recentes, mas, como todas, verdadeiras.

 

Ao recordar tudo isto e algumas outras figuras de tavaredenses, nada mais farei do que continuar a contar a história da minha terra. São coisas sem importância mas que, no seu conjunto, fazem a verdadeira história de um povo.




Tavarede e a estrada de Aveiro à Figueira



  
“Tem sido objecto de considerações mais ou menos justas, de arbitrárias e infundamentadas proposições, a questão motivada pela direcção que o respectivo encarregado dos estudos deu ao projecto da estrada distrital que há-de vir a ligar esta vila com Aveiro.
         Conheço por tradição o sr. Freire, digno condutor encarregado dos estudos em questão; e pelo que é sabido do seu reconhecido mérito, provado demasiadamente na execução de muitos outros trabalhos de igual natureza, posso avançar que não é infundada a sua persistência na adopção do traçado que estudou, sem dúvida o mais conveniente às povoações a que vai servir, o mais exequível pela facilidade e economia da sua realização.
         Relativamente a esses estudos, vi há tempos uma correspondência das Alhadas, que elogiava o sr. Freire pela forma como havia executado a parte material deles, revelando ao mesmo tempo a completa inutilidade do projecto, debaixo do ponto de vista da comodidade, interesse e utilidade dos povos, e especialmente das povoações de Brenha e Tavarede. Acabava por considerar perdido todo o dinheiro nela empregado, atendendo a que ficaria uma estrada... in nomine.
         Antes de entrar em mais preliminares, cumpre-me pedir licença ao digno correspondente para lhe fazer algumas observações e agradecer-lhe pela parte que me toca - o interesse que lhe merecem estas coisas de ao pé da porta.
         Conceda-me que diga, que, pelo facto duma estrada seguir de preferência esta ou aquela parte duma região - a não ser no deserto de Sahará ou outra - e passar a alguns centenares de metros de Brenha e Tavarede, não há razão para que se avente com fundamento que será uma estrada in nomine, a não querermos atribuir e limitar a essas povoações todo o comércio e toda a indústria dos povos que se acham disseminados pela região que ela se destina a servir.
         Estou certo que o sr. Freire não deixaria de considerar, antes do estudo material, a influência que pode e deve necessariamente exercer uma estrada no progresso industrial e comercial das regiões que é destinada a atravessar, para não perder naquele estudo o conceito que tem granjeado noutros.
         Reflectindo nós detidamente no conjunto de razões que motivam e autorizam a adopção do seu traçado, optaremos logo pelo abandono daquele que partindo de Brenha viesse por Tavarede á Figueira.
         Dizem-me que a directriz do projecto, chegando a Brenha, povoação a 5 quilómetros para o nordeste desta vila, vem pelo Saltadouro, Prazo, Casal da Robala ao Estaleiro, entrada desta terra pelo nascente.
         Agora parece que foi sugerida a ideia de trazer a estrada de Tavarede á Figueira pelo Pinhal! Isto causa admiração a todos, porque ninguém pode acertar com a verdadeira utilidade de desviar a directriz do traçado já estudado!
         Tavarede tem uma boa estrada reparada e modificada há anos pela nossa câmara municipal, e pela qual, se liga pelo Pinhal a esta terra, e se a causa do seu desenvolvimento disso estava pendente - já a possui.
         Apontam-se agora a estrada de macadame, o bom caminho, que possuem as povoações que a estrada atravessará vindo de Brenha pelo Saltadouro, Prazo e Casal da Robala à Figueira.
         Têm, têm aquelas ínvias azinhagas legadas por Adão aos povos, onde os precipícios, os assordeiros, se encontram a cada passo. Daqui a Tavarede pelo Pinhal pode-se ir de carrinho - daqui ao casal da Robala pelos Estaleiros, ou outras povoações, será acto digno de intrepidez dum herói percorrer o caminho a pé! Contestem-no se podem.
         Ora, na preferência duma a outra directriz, temos a considerar a importância das respectivas povoações que a estrada liga, o seu desenvolvimento comercial e industrial, não só o existente, mas aquele que pela nova via se possa desenvolver, assim como o maior número de povoações a que possa servir.
         Tavarede - todos o sabem - é uma povoação de insignificante importância. À falta de dados, não posso precisar-lhe o número de habitantes que em si encerra, mas não excederá a duzentos e cinquenta, pela maior parte trabalhadores, jornaleiros, alguns pequenos agricultores, carreiros e mais um pequeno número que se emprega noutros misteres. A freguesia tem 980 habitantes. Dentro da povoação não há um estabelecimento industrial qualquer em exercício, e se alguns elementos querem que possua, susceptíveis de a engrandecer economicamente, têm eles um desenvolvimento tão lento e obscuro, que escapam à percepção do observador consciencioso, e nem se têm manifestado sob qualquer forma a despeito da sua provecta idade de mais de oito séculos, que lhe dá uma avoenga autoridade sobre a Figueira.
         É a expressão da verdade dizer-se que Tavarede se arrasta na definhada decrepitude, sem que se lhe possam descobrir uns restos de vitalidade capazes de a remoçar, ajudando-os com a arte pela ciência; decai à falta de recursos próprios, absorvida e ensombrada por esta terra, á qual deve esses lampejos de vida que ainda lhe restam.

         Passando por lá a estrada distrital, continuará a ser o que tem sido - um ponto de passagem sem motivo de detenção para o passageiro. - Senão, que alguém me diga, fundado na experiência do passado, com dados estatísticos verdadeiros, que ramo de comércio ou indústria ali se poderia desenvolver com resultados certos. Aquela povoação, pela sua proximidade da Figueira, está destinada a partilhar dos seus proventos, da sua vida, porque a não tem própria, ajudando-nos com a sua população mercenária, porque em tudo de nós depende e não das povoações que lhe estão para o norte.

(Tavarede . a terra de meus avós - 3)

O Associativismo na Terra do Limonete. - 124

         É certo que já iam muito longe os tempos do analfabetismo, não sendo mais precisas as antigas escolas nocturnas, que tantos dos nossos antepassados frequentaram e onde aprenderam a ler e a escrever... As actividades recreativas e desportivas eram mais apelativas na cidade vizinha... Mas, a sua função social, o convívio e a confraternização tinham nas associações locais lugar privilegiado. Daí o surgirem, com certa regularidade certos apelos. ... Quem conhece as várias associações e colectividades, verifica que apesar de ser um grupo mais restrito a desenvolver o trabalho, na maioria das freguesias rurais, a adesão das pessoas em torno dos projectos e das diversas actividades é maior do que nas freguesias urbanas.
         Tavarede é uma freguesia urbana, que cresceu muito ao ser escolhida por muitos casais para ali viverem. Da antiga Tavarede ficou um núcleo mais restrito e é nesse núcleo que se encontram as pessoas que trabalham e dinamizam as colectividades.
         Torna-se necessário que estas se adaptem às novas realidades, saibam cativar os novos residentes e estes possam participar mais nas diversas actividades, enraizando-se no local onde vivem. Por vezes a vida familiar e profissional o não permite, noutras é um certo comodismo e desconhecimento.
         A integração numa comunidade será maior, quanto melhor a conhecemos e nela interviemos. No caso concreto de Tavarede, a SIT, tal como as outras colectividades podem desempenhar essa função integradora.

         Mas, retomemos as nossas recordações. Para o aniversário de Janeiro de 2003, o grupo cénico da SIT orgasnizou um programa aliciante. Reviveu Gil Vicente e apresentou uma nova peça da autoria de Luiz Francisco Rebelo, respectivamente, o Velho da Horta e Páginas arrancadas.

         Quanto a Gil Vicente, e como nos recordamos, tinha sido apresentado, poucos meses antes, em actuações inéditas na nossa terra, com a apresentação de fragmentos de obras suas em diversos locais da aldeia. Gil Vicente não é um desconhecido da nossa casa: é, pelo contrário, nossa grata visita desde há muitos anos, a quem sempre temos procurado honrar e servir com dignidade.
Na actividade teatral da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do Teatro em Portugal e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através das suas obras, sobre as tábuas do palco. Isto se verifica através da breve resenha que segue:
A primeira peça vicentina dada ao público tavaredense foi o Auto da Mofina Mendes, representado em 1946. Neste período decorrido de quase 20 anos, repetidamente Gil Vicente subiu ao palco de Tavarede. Ali se representaram, além do Auto da Mofina Mendes já referido, o Auto da Barca do Inferno, Todo o Mundo e Ninguém (do Auto da Lusitânia), Auto Pastoril Português, Farsa do Velho da Horta, a tragicomédia Dom Duardos (que propositadamente se traduziu), o monólogo da Visitação e Pranto de Maria Parda. – In Programa do V Centenário do Nascimento de Gil Vicente.
Não podia a Sociedade de Instrução Tavaredense deixar de assinalar o V Centenário da 1ª representação Vicentina (Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação). Neste espírito e com o programa que temos o prazer de apresentar aos Associados, resolveu a Direcção, com o seu grupo cénico e o apoio da Câmara Municipal e Junta de Freguesia celebrar tão importante data do Panorama Cultural Português”.
À noite houve espectáculo na sede com a representação da peça “O Velho da Horta”. Antes da representação o Professor Doutor José Bernardes proferiu uma palestra sobre “Teatro Vicentino”.
“Feliz terra, Tavarede, que tem entre os seus filhos amantes da Arte de Talma que não esquecem o nascimento dessa educadora ocupação a que se chama Teatro. Teatro Profissional e Teatro de Amadores são designações que normalmente se associam ao tipo de teatro representado com menor ou maior exigência e com maior disponibilidade de meios, criando também diferentes expectativas. Acontece, porém, que na Figueira da Foz, mais propriamente em Tavarede se apresenta teatro que, quanto a nós, já não se enquadra naquelas duas designações. Não são profissionais de teatro os tavaredenses da SIT, mas, também, não se faz Teatro Amador. Ali a norte de São Julião da Figueira da Foz, no Condado de Tavarede, na Vila de Tavarede, na Freguesia de Tavarede, - façam as senhoras da SIT o favor de escolher a designação, formal ou não, que mais lhes agradar – vive-se o Teatro! Ama-se o Teatro! Então o que por lá se vê, frequentemente, é Teatro de Amantes! Quase se podia dizer que o Grupo Cénico da SIT – dirigentes e restantes elementos – vive em união de facto com o Teatro se é que não há por lá bigamia. Por isso, quando se vai a Tavarede assistir a uma peça representada pelo Grupo do Mestre José Ribeiro, - já ausente mas sempre presente – há a convicção de que não se vão ver profissionais, mas há também a certeza, já quase exigência, de que se irá ver algo de muito bem feito na arte de representar, ainda que possa ser qualquer peça invulgar ou menos comum. É isto que nos apraz escrever depois de termos visto os tavaredenses trazerem o “Teatro para a rua”, para as ruas de Tavarede, na tarde de sábado passado. Gil Vicente, o pai do Teatro Português, andou por lá e até fez parar o trânsito à hora anunciada. (Não sabem o que perderam os figueirenses que ali não foram recuperar-se da maior desilusão nacional deste século, ocorrida com o tão mediaticamente cantado desporto de pintos descontrolados. Adiante!...). Trouxeram para a rua o Teatro para comemorar o V Centenário de 1ª representação Vicentina e as apresentações fizeram nos largos, não muito largos, diga-se, da velha urbe, perante muita assistência numa linguagem teatral, com laivos dum arcaico português, conseguindo até fixar a atenção dos mais jovens, certamente ainda mais encantados pelo guarda-roupa, pelas piruetas e os esgares que as representações exigiam. Não é nossa intenção escalpelizar aqui tudo o que vimos, mas não queremos deixar de referir a felicidade da escolha de locais como: o ribeiro de Tavarede onde estava o Demo e a sua Barca; a zona fronteira ao pequeno jardim onde está perpetuada a Professora Maria Amália e onde uma impressionante Maria Parda, com uma incrível caracterização, teve espaço para se expandir, vis a vis com a assistência; a proximidade do Paço de Tavarede, em obras de restauro, dando, simbolicamente, à Violinda Medina possibilidades de assistir ao que se representou, porque está ali perpetuada com uma placa a dar nome à artéria central da terra, e pôde ver actuar o futuro do teatro tavaredense: uns jovens que por lá cavalgaram em duas bestas, uma delas invisível, na Farsa de Inês Pereira; e indo terminar, o teatro de rua, com a representação do Monólogo do Vaqueiro, no melhor local, em frente da sede da colectividade, tendo na primeira fila, fila com lugar único e exclusivo, Mestre Zé Ribeiro – Alma Mater do Teatro em Tavarede, na Figueira da Foz. Não se ficaram por aí as comemorações porque, à noite, houve palestra de grande nível com a duração qb pelo Dr. José Bernardes que, falando sem pauta, evidenciou, com uma nota pessoal, quão valioso lhe foi o contacto com o teatro de Gil Vicente naquela casa, antes do seu reencontro na escola – acrescentamos convictos e beneficiários: os contactos na vida antes da escola são vitais, acreditem. Depois seguiu-se mais uma peça vicentina “O Velho da Horta” pelos Amantes de Tavarede e podíamos terminar escrevendo apenas mais isto: Viveu-se uma vez mais Teatro em Tavarede. Mas, não! Queremos acrescentar que nesta peça, a que assistiu a “comitiva real”, demos conta duma “senhora alcoviteira”, com uma bem audível e clara voz, que se destacou, sem que os restantes comparsas, e particularmente o entroncado e já encaracolante hortelão, perdessem o seu mérito. E por aqui nos ficamos.

         Sobre o espectáculo de gala do referido aniversário, aqui copiamos uma das notícias encontradas. Integrada nas comemorações do 99º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) iniciadas em 11 de Janeiro e que tiveram o seu momento alto na Sessão Solene realizada no passado dia 19, acto muito prejudicado pelo mau tempo que afastou muitos dos habituais frequentadores, realizou-se neste último sábado mais uma noite de teatro com a representação das peças “O Velho da Horta” (de Gil Vicente) e “Páginas Arrancadas” (de Luís Francisco Rebello), “duas peças portuguesas distantes no tempo cerca de 500 anos, que nos remetem para dois mundos diferentes, o riso e o choro, o cómico e o trágico lado a lado, o teatro nas suas duas grandes vertentes”, duas escolas de representação, numa demonstração inequívoca de que em Tavarede a arte de representar está preparada para os desafios dos mais evoluidos conceitos do novo teatro.
         Ninguém ignora que Gil Vicente se tornara “pessoa de família” no Teatro de Tavarede onde o saudoso Mestre José Ribeiro o “chamava a palco” sempre que era preciso dar uma lição, genuína, de bem o representar. Desde Violinda Medina, que na “pele” de Maria Parda ganhou jus, a nível nacional, à honrosa distinção de melhor intérprete daquela figura no nosso país, a muitos outros nomes grandes da Escola de Tavarede que serviram de modelo até a grupos profissionais.
         Com este “Velho a Horta” voltou agora ao de cima o virtuosismo herdado da escola de Mestre José Ribeiro com a interpretação superior de Rogério Neves a mostrar-nos um velho à medida de Gil Vicente, genuinamente à século XVI, até na naturalidade do uso das roupagens, gestos e salameques tão característicos da idade média, interpretação modelar só ao alcance de um amador de excepção a um nível que qualquer profissional não enjeitaria. Peça onde os restantes intervenientes mostraram a arte e o talento de emprestar ao enredo o “sal” que contribuiu para o sucesso – traduzido em muitos aplausos da assistência! – deste “O Velho da Horta”, transplantado, com mestria, do original.
         Gil Vicente não poderá estar ausente do centenário, a comemorar no próximo ano, nem a deixar de coabitar o palco centenário por muitos mais anos.
         Preenchendo a 2ª parte do espectáculo, a peça de Luiz Francisco Rebello, “Páginas Arrancadas” é um “psico drama” de outra concepção de teatro, assente num diálogo mais intelectualizado e de aproveitamento político em que os personagens se duplicam num jogo de mudanças de situação em que os meios técnicos assumem um papel fundamental – caso de mudanças de cena através de jogo de luzes, espelhos e transparências, sem necessidade do tradicional descer do pano ou mudanças de cenários, particularidade a exigir muitos conhecimentos técnicos e grande eficiência dos bastidores (palmas para os responsáveis por tão melindrosa operação!) – e sobretudo, a nível de encenação e direcção de cena, pela forma como souberam dar resposta às exigências desta nova metodologia de teatro de vanguarda, um teatro diferente a quem muitos apontam o dedo como responsável pela menor afluência de pessoas ao teatro.
         É por isso que queremos deixar aqui um aceno de muito apreço pela coragem de Ilda Simões e Fernando José Romeiro (encenadora e director de cena) pelo alto risco que correram ao apresentar uma peça de tão difícil “digestão” e a forma meritória como souberam “dar a volta ao texto”. Graças, sem dúvida, ao traquejo invulgar das “três estrelas da companhia” – os consagrados José Medina, Fernando Romeiro e António Barbosa – pela sagacidade como souberam tornear a “intelectualidade” dos textos atribuidos aos Jorge 1, Jorge 2 e Cristóvão, classe que constituíu a chave que “deu a volta” àquele complicado “registo psicodramático”, graças também à preciosa prestação de serviços dos restantes figurantes, com destaque para o “mau da fita” (Toni) a quem coube a “fava” de uma intervenção “chocante” com selo de “palavrão” tão característico do tal teatro de vanguarda mas que ele soube “adoçar” com um bom desempenho.

         Não fôra o talento destes amadores de fina água e talvez esta peça de “risco” não tivesse a aceitação que teve.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Tavareede - 1

A Terra do Limonete





  


         Tavarede, a alegre terra do limonete oloroso:

                            Limonete para o meu lenço
                            sempre o meu amor me pe
                             Limonete, rico incenso
                                 das Várzeas de Tavarede.

         Região agrícola que alimenta o nosso Mercado, da mais fresca hortaliça e das mais rescendentes frutas, apresentava o seu carro alegórico, uma síntese da vida agrícola da região, com as modalidades – Hortas, Eiras e Vinha. A alegoria era representada por uma meda de trigo, símbolo da abundância de pão; um homem com um mangual, representando a actividade das Eiras; uma linda rapariga representando a

Vinha; e, dominando o conjunto, uma outra gentil moçoila simbolizando as Hortas. Um grupo de Ceifeiras e Cavadores, como se voltassem, contentes e felizes, da faina do trabalho, vinham à frente deste feliz conjunto alegórico e, dando a nota dos folguedos tão peculiares do nosso povo, ainda nas horas que se seguem ao mais incessante labor, dois harmónios tocavam as “modas” popularizadas na aldeia. (Jornal Reclamo, em Julho de 1940, noticiando a participação tavaredense no cortejo realizado na Figueira)

         Dois anos antes, em 1938, também se organizara na Figueira um cortejo de actividades das freguesias. Como não podia deixar de ser, a nossa terra mandou uma representação da sua principal, praticamente única, actividade: a agricultura.

         “A freguesia de Tavarede foi uma das que mandou uma numerosa e não menos luzida representação. A terra do limonete (Lúcia-Lima) como ela se designa, abria a sua representação com um vaso desta planta. Seguiam-se uma charrua e uma grade, tiradas por bois atrás das quais vinha um grupo de alegres ceifeiras, de blusas e lenços de cores vivas, e saias traçadas, conduzindo foices ao ombro e molhos de trigo nas mãos. Vinham em seguida os malhadores com manguais, pás e forcados. Ao pescoço, traziam lenços vermelhos, para impedir que a pragana penetrasse no corpo. Um lindo grupo de raparigas, com os chailes traçados e conduzindo cestas à cabeça, animava a representação. Eram vendedeiras de hortaliças, frutas e flores. Seguiam-se os cavadores de enxada ao ombro, ramo de limonete nos chapéus, casaco ao ombro, polainas, cinta e lenço vermelho, bolsa do farnel e cabaça cheia de vinho. O Grupo Musical e de Instrução animava os festeiros”.   

O terceiro caderno de “TAVAREDE – A TERRA DE MEUS AVÓS”, vai servir para recordar, ainda que de forma resumida, o que era a nossa pequena aldeia até quatro, cinco décadas atrás, pois foi
 a partir de então, que Tavarede deixou de ser “aquela pequena aldeia pitoresca e aprazível”, muito visitada, especialmente no verão, por aqueles que gostavam de apreciar a natureza e saborear, à fresca sombra das árvores frondosas, apetitosos farnéis. “… metemos ao vale idílico de Tavarede, com seu palácio condal, aldeia do limonete, aninhada entre o arvoredo e quintas fartas. Lembra a mancha clara do povoado, vista de longe, uma daquelas vilórias que nas páginas de “Ilustre Casa de Ramires”, surgem, com seu nome bucólico, abençoado por cândidas graças portuguesas…” (O Figueirense – Maio de 1928)

“Debruçam-se sobre a terra rescendente de saúde, cheirosa a seiva, dálias aos montes. Cravos de Tavarede, pequenos mas olorosos, atapetam canteiros onde rosas vivem a felicidade da sua beleza, fundindo o seu perfume com o ar embalsamado pelo cheiro do limonete! Nem um palmo de terra sem verdura!
Cantam ribeiros, noite e dia, levando a água aos recortes das fazendas que vivem na fartura das hortaliças tenras e pomares saborosos. Quando a gente ali vai, volta sempre com esta certeza: não deve haver recanto de Portugal que seja mais florido, que possua mais alegria de cor, quer seja quando a primavera começa começa a vestir de verde-moço o tapete humedecido da terra amiga e acolhedora, quer seja quando os últimos malmequeres fenecem, para os crisântemos nascerem e florirem, do que o velho condado de Tavarede”. (Carlos Sombrio, em A Voz da Justiça, Julho de 1927)

A partir de 1960 / 1970, as quintas e os pinhais, apelativos a uma boa merenda, saboreada em doce calmaria, que então rodeavam a povoação, deram lugar a modernas urbanizações. O progresso, digamos, chegou à velha terra do limonete, transformando-a e tornando-a irreconhecível.

Mas, e como mencionei no primeiro destes cadernos, este meu modesto trabalho, eu considero-o mais um passatempo do que um trabalho,  tinha e tem por finalidade principal, deixar reunidos diversos apontamentos, que se encontram dispersos pela imprensa figueirense, e não só, e por diversas publicações, de forma a permitir o conhecimento, no futuro, do passado histórico e cultural da minha terra natal, ainda que muito sintético e resumido. Gostaria que um dia, os meus netos, e os netos de todos os meus conterrâneos, pudessem, de forma fácil, saberem que a pequena aldeia de seus avós, teve um papel bem importante na história do concelho da Figueira da Foz, pois foi terra de gente importante, com foros de fidalguia.

No primeiro caderno, procurei relatar o passado histórico da aldeia, a vida do seu povo e alguns costumes, entretanto caídos no esquecimento. O segundo, dediquei-o às duas grandes tradições culturais de Tavarede: o Teatro e a Música, bem como fiz uma breve resenha das suas colectividades, tanto das actuais com das já desaparecidas. E completei o caderno com a evocação de “aqueles que da morte se libertaram honrando e dignificando Tavarede”.

Desnecessário se torna dizer que, tanto no primeiro caderno como no segundo, muito mais haveria a acrescentar. Aliás, e quanto mais vou relendo e revendo os meus inúmeros apontamentos, mais vou reconhecendo as involuntárias omissões. Há factos e figuras que merecem umas linhas evocativas, ainda que poucas. Há histórias que será pena ficarem esquecidas na poeira dos anos passados…

Pois este meu caderno vai ser, como referi, uma tentativa de recordar a minha aldeia dos tempos em que “menino e moço” aqui me criei despreocupadamente e de alguma maneira corrigir possíveis omissões, não todas, certamente, mas as que me parecem mais interessantes.

Começarei por dar conhecimento de como era a pequena aldeia. Já sabemos, pelo soneto de Frei Manuel de Santa Clara, que, no século dezoito, Tavarede era um local aprazível e idílico, a fazer fé na veia poética e sensível do frade franciscano. E no século dezanove, na sua segunda metade, Tavarede foi muito falada na imprensa figueirense, a propósito da discussão pública que então se travou àcerca do traçado que se estava a escolher, para a estrada que haveria de ligar a Figueira a Aveiro, passando por Mira.


É um fragmento desta polémica que eu aqui transcrevo. Ernesto Fernandes Tomás, o mesmo que nos deixou uma interessantíssima reportagem sobre a nossa terra, bastas vezes referida nos anteriores cadernos, para apresentar a sua opinião, quanto ao traçado daquela estrada, deixou-nos descrita a nossa terra, na sua localização e caminhos, de uma forma muito interessante.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 123

         Comemorou-se, naquele ano, os 500 anos da primeira representação do auto de Gil Vicente, Monólogo do Vaqueiro.     A Sociedade de Instrução Tavaredense, não ficando indiferente à efeméride, sendo da opinião de que o teatro também serve para nos conhecermos, nada melhor que trazer Gil Vicente para o palco  e aproveitar esta data ‘para lembrar ou relembrar alguns textos vicentinos’. Actores e público, vão ter oportunidade de estar lado a lado e frente a frente, em espaços tidos por convencionais para a prática do teatro, vão poder vivenciar as realidades do século XVI e vão poder compará-las com as realidades do século XXI. ... Na actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do teatro em Portugal e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através das suas obras, sobre tábuas do palco...
         E assim foi. Tavarede é como que uma “ilustre e idosa senhora” que honra e sempre honrou com engenho e arte o culto da representação teatral. O teatro saiu à rua, de alegria estampada no rosto o povo apinhava-se nos recantos sombrios da povoação, a ansiedade sentia-se em cada gesto, o ambiente estava magnificamente ajustado a um pretendido regresso ao passado, as melodias impulsionavam o som de uma sublime flauta encantada, tão típica e marcante da época.
         Os batimentos melodiosos do sino da Igreja de Tavarede despertou Gil Vicente, o povo agitou-se e estava disposto a participar e foliar com sátira vicentina. Em dia quente escaldante, a corte desfilava altaneira as vestes pesadas do tempo, a beleza de luz e brilho de lantejoulas suportadas por artesanais desenhos de purpurina, que nos enchiam a alma e refrescavam os olhos.
         O bôbo da corte saltitava em animação estonteante, em círculos endiabrados e provocatórios, como que aferindo em cada um de nós um potencial e objectivo “réu” de barrete enfiado à sátira de Gil Vicente. O culto vicentino estava agora vivo e bem vivo e pronto para a abertura às eventuais hostilidades satíricas, um palco no meio de um riacho ou recanto escolhido para o “navegar” da dita “Barca do Inferno”.
         Fernando Romeiro era a imagem de um Satanás genuíno, de gargalhadas sonoras e movimentos maquiavélicos, aliciava e justificava passageiros para a sua barca, de diversos extractos sociais e múltiplas artes e ofícios. À sucessão de “Todo o mundo e ninguém”, iniciava-se a caminhada para o Largo de Maria Amália de Carvalho, defronte a um pequenito jardim, como tanto era do agrado de Gil Vicente, assistiu-se ao “Pranto de Maria Parda”, transformado num grande momento de teatro.
         Brilhou uma estrela, feita do povo, e com um dom que Deus lhe deu, e escusado será, que determinados intelectuais do teatro possam pensar que em algum momento deixarei de realçar e individualizar tudo aquilo que me arrepie o coração e estremeça os sentidos.
         Deixe que em primeiro lugar Otília Cordeiro, bem ao estilo medieval, lhe faça uma vénia por uma caracterização a Maria Parda feita de sensibilidade e minúcia e que tanto ajudaram ao êxito de Ilda Simões. Ilda Simões, repito. Encantou tudo e todos, deu espaço ao seu grande talento expressou com uma garra impressionante sentimentos de uma mulher perdida, satirizou, exagerou o quanto baste na procura do culto vicentino, que o diga Simões Baltazar, que ao seu espaço temporal de entrada em acção, no papel de Martim Alho, sorria ao bom sorrir com a performance entusiasmante da sua colega de cena, quase mesmo hipotecando o brilho da sua própria intervenção. Com a “Farsa de Inês Pereira” revelou-se acima de tudo a grande escola de teatro da SIT, onde Cátia, José Pereira e Emanuel Cardoso são a constatação viva de um futuro assegurado para a arte de representação. 
       Do majestoso palácio de Tavarede, o regresso de novo à SIT, onde com o “Monólogo do Vaqueiro”, por mais uma vez, João José soube com mestria interpretar sentimentos distintos de expressão séria e momentos divertidos, num deambular artístico de assinalável mérito. Caíu a noite, na sala de teatro da SIT. Subiu ao palco, na íntegra, “O velho da horta”.
         O professor doutor José Bernardes, convidado especial para as comemorações, fez uma palestra muito interessante, deixando aos presentes indicativos preciosos de como interpretar um autor tão abrangente e complexo como Gil Vicente. Ficaram lamentos de que os 500 anos de teatro em Portugal não sejam motivo de comemorações mais dignas de âmbito nacional e elogiou a SIT por se revelar uma “pedrada no charco” no respeito por tal efeméride.
         Ao momento solene de entrada do Rei D. Manuel na sala e acomodamento nas cadeiras reais, fez-se escuro que nem breu, subiu o palco e lá estava o velho da horta no seu jardim, apaixonado e ao mesmo tempo enganado por si próprio, por um amor inantingivel onde a irreverência da juventude venceu a velhice inconformada. Um jardim verdejante e colorido, onde marcou pontos o magnífico jogo de luzes, que deu um ambiente de cena distinto e com atributos de bom gosto.
         O elenco foi como fechar com chave de ouro, como a fina flor, que divertiu e arrancou gargalhadas e, por fim, fortes aplausos de uma assistência que enchia quase por completo a sala
         O “velho” da horta era Rogério Neves. Senhor de um grande à-vontade no palco, deliciou e divertiu a plateia com momentos de expressão artística ímpares para o dito meio amador. Soube ser rigoroso consigo próprio, porque afinal de contas, não deve ser fácil exibir uma curvatura na coluna durante todo o espectáculo, que não lhe é peculiar na vida real. Por ali haverá, decerto, também o “dedo” de uma encenação cuidada.
         Uma jornada inesquecível, mais uma página escrita no já valioso património cultural da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quanto a Gil Vicente, o agradecimento por continuar, 500 anos depois, mais vivo do que nunca.

         O centenário da Sociedade aproximava-se. Uma comissão, conjuntamente com a direcção da colectividade, assumiu o encargo da realização das comemorações. Uma das principais preocupações era estabelecer um programa em tudo digno do passado da associação. A primeira iniciativa, com o objectivo de começar a angariar fundos, pois havia a intenção de suportar todos os custos, através de subsídios a angariar e de realizações a efectuar, foi a de realizar mensalmente um almoço, no pavilhão desportivo, aberto a todos os associados, suas famílias e amigos da colectividade. E na reunião de 21 de Agosto de 2002 foi aprovada a ideia da organização de um almoço mensal a realizar no nosso pavilhão, para o que foi pedida a colaboração a um grupo de senhoras que habitualmente colaboram com a Colectividade, para a preparação e serviço destes almoços. Como curiosidade, registamos que o primeiro destes almoços teve lugar no dia 13 de Outubro de 2002, tendo o prato principal sido “sopa da pedra”.

São sobretudo mulheres. Justiça seja, porém, feita aos homens que também suam as ‘estopinhas’, mais na preparação da sala e da tenda – onde se vendem rendas e bordados e se pode ‘brincar’ às rifas -, do que propriamente na cozinha, com a mão na massa ou, no caso deste último domingo, na feijoada. Eles ajudam, é certo, mas elas trabalham, desde cedo, para que, por volta da uma da tarde, tudo esteja pronto. Parecem abelhas operárias, incansáveis no seu entra e sai entre a cozinha e a copa, espreitando panelas e descascando batatas ou golpeando castanhas. Entre o cheirinho da comida caseira e gracejos, vão dizendo que estão ali por gosto, porque quase nasceram na SIT, porque sentem orgulho em contribuir para que a festa do centenário da SIT, em 2004, ‘seja em grande’.
         …………………..
         A estas mulheres não se coloca sequer a questão de poderem não alinhar nestas iniciativas. Em pleno século XXI, tempo áureo do egoísmo e do lucro, estas mulheres (pronto, e os homens também, que sempre dão uma mãozinha), entregam-se sem pedir ou esperar nada em troca.
         Ainda que a comida não fosse caseira e, segundo informações de testemunhas no local, saborosíssima, mesmo assim, valia a pena uma visita. Há dúvidas? Então acabe com elas (e com o cozido à portuguesa) no próximo almoço, a 7 de Dezembro”.

         Em Dezembro de 2002, encontrámos uma notícia que nos interessou imento. ‘Amigos do Teatro Os Carolas’ é a denominação de um grupo cénico residente nas instalações do Grupo Musical de Instrução Tavaredense, que se estreou no passado domingo. A apresentação contou com uma sessão de fados e rábulas de revista com assinalável êxito. O grupo volta a actuar no próximo domingo, pelas 17 horas, na festa de Natal destinada às crianças da colectividade. Refira-se ainda que esta colectividade da ‘terra do limonete’ reabriu, no passado fim de semana, a sala de convívio e bar, alvo de uma recente remodelação.

         Vamos, agora, fazer uma brevíssima pausa na nossa história do associativismo em Tavarede. Havia já quatro ou cinco décadas que a Figueira sofrera um enorme desenvolvimento, graças à instalação de diversas e importantes unidades industriais, bem como à dinamização do seu porto marítimo. A população teve um aumento extraordinário. No entanto, grande parte dos novos habitantes, optou por se instalar, com seus agregados familiares, nos subúrbios citadinos. Tavarede, pela sua proximidade com a cidade, foi um dos lugares mais escolhidos. A densidade populacional da nossa freguesia em breve se tornou uma das maiores do nosso concelho.

         Isso não trouxe, contudo, igual aumento ao associativismo local. Os novos residentes, certamente como reflexo da sua própria vida privada, isolavam-se no seu lar. Saíam cedo para os seus trabalhos e só regressavam à noite, hora a que a família se juntava. Tal facto acabou por trazer novos hábitos. Natural o serão familiar em casa, com a leitura dos jornais e vendo televisão. Era o isolamento. As colectividades passaram a ser pouco frequentadas.


         Uma das principais consequências passou a ser a dificuldade da formação dos chamados ‘corpos directivos’, pelo que começaram a surgir pequenas crises. Já vimos que a Sociedade de Instrução, por exemplo, foi necessário o aparecimento de um grupo de senhoras que, para manter a colectividade em funcionamento, tomaram a deliberação de assumir a gerência da associação. Outras houve que fecharam as suas sedes, somente as reabrindo a vontade e dedicação de alguns sócios mais corajosos. E, acentue-se, as colectividades continuavam a ser necessárias às populações.