Que transacções mantém Tavarede com Mira,
Quiaios e Brenha, povoações a quem servirá a estrada distrital?
Que
produtos de indústria poderão trocar com aquelas povoações? Ao nosso mercado
concorre diariamente com duas ou três dúzias de cestas de produtos hortenses.
Para isto, lá tem a boa estrada que já possui.
Que
Tavarede precise dalguns melhoramentos dentro de si, concordo; que lhe seja de absoluta
necessidade passar por dentro a estrada distrital, privando dela os centros
mais importantes da sua freguesia, não se pode admitir á face da boa razão.
Lancemos
a vista sobre a bacia em que assenta Tavarede, povoação que é hoje objecto de
infundamentadas questões sobre a conveniência de trazer por dentro dela a
estrada distrital que há-de ligar-nos a Aveiro.
Analisemos
primeiramente os montes que a rodeiam, as vias de comunicação que encerra, as
produções da agricultura do terreno que a forma, e com esse conjunto de
apreciações poderemos mais uma vez avaliar a razão de obrigar a um desvio o
traçado já estudado.
Tavarede
está situada no fundo da bacia em um vale profundo, apenas a quatro metros
acima do nível do mar, na direcção do poente ao nascente até á Cumieira, a
serra da Boa-Viagem.
Duas
ramificações desta serra partem - uma do ponto da povoação da Serra,
prolongando-se pelos Condados para o sul, até chegar ao lugar do Senhor do
Areeiro a 600 metros
ao poente de Tavarede, onde termina limitando o horizonte dessa povoação por
este lado; - outra - partindo da mesma serra e na direcção de Cabanas, estende-se
pelo Saltadouro, Prazo, Araújo, Casal da Robala, e principiando a deprimir-se
neste último ponto acaba na margem do Mondego, junto dos Estaleiros.
Um
outro monte principia a elevar-se junto do lugar do Senhor do Areeiro,
continuando a ramificação da serra perdida naquele ponto. A partir dali, o
monte continua por alguma distância e divide-se depois em três partes: uma que
segue para o Sudoeste, e é aquela em que assenta a nossa igreja matriz; a
outra, paralela a esta, é a base da rua da Lomba; a terceira, crescendo do
Pinhal para Sueste, assenta nela o casal da Lapa, indo depois perder o nome
junto dos estaleiros.
A
bacia em que assenta Tavarede, emoldurada do norte, nascente e poente, pelos
montes que designei, é aberta ao sul do lado onde passa o Mondego, a dois quilómetros
abaixo daquela povoação. Tem de comprimento, do norte a sul 2:500 metros, e de
largura 700, sendo atravessada longitudinalmente por um ribeiro que recebe as águas
das vertentes da Serra da Boa-Viagem, e do Saltadouro, e, passando á
extremidade do lado do nascente de Tavarede, deslizando pela planície abaixo,
vai pela fonte da Várzea a desaguar no Mondego. No decurso do trajecto do
ribeiro estão montadas três azenhas. A bacia, é em grande parte destituída de
terreno próprio para ser agricultado, a parte mais próxima do rio é ocupada por
marinhas de sal, cujas propriedades pertencem a indivíduos desta vila, e terá
uma área de 150:000 m.q. Segue-se-lhe para o norte quase outro tanto de superfície
de terreno em parte apaúlado, e abandonado a pousio e á espontânea vegetação de
juncais. Mais para acima, - talvez não erre a estima - um terço da superfície
total da bacia que envolve Tavarede serve ao cultivo de cereais e produtos
hortenses, mas em tão pequena quantidade, que mal compensam o trabalho do
lavrador, tanto que, os proprietários, na maior parte da Figueira, têm
preferido trazer arrendadas essas terras a cultivá-las por sua conta. Os
rendeiros, não obstante correr por suas mãos todo o serviço do cultivo, tiram
bem magros recursos desse trabalho, e tanto que uma grande parte deles, não podendo
viver unicamente destes proventos, vem aqui empregar-se quase todo o ano,
prestando os seus serviços braçais nos armazéns de vinhos, como carreiros, ou
em outros misteres.
Quase
toda aquela planície possui para esta vila um magnífico caminho a macadame,
que, partindo da proximidade da quinta do sr. dr. Borges, a quatrocentos metros
abaixo de Tavarede, vem para o sul, em volta, a encontrar a fonte da Várzea, e
para diante daqui sobe a um alto onde se bifurca para o sul a encontrar a
extremidade desta vila pelo lado do Mato, e para o poente vem encostado ao
cemitério, a sair do Pinhal.
A
extremidade norte da bacia tem a boa estrada a macadame que de Tavarede vem á
Figueira.
Além
dessas estradas existem ainda uns caminhos menos importantes; um deles tem
origem na estrada da Várzea, apoia-se na vertente do monte que limita a bacia
pelo poente, e segue àquela povoação. Esta é muito concorrida pela gente que se
dirige á Figueira. Pelo lado do sul temos a estrada dos Estaleiros, por onde é
feito o serviço das marinhas que há naquele local.
Aí
deixo esboçada a região que deverá servir de base a qualquer argumento
material, atinente a querer forçar o traçado a passar por Tavarede.
Também
pretendem trazer a lume, em abono do pretendido desvio, o facto de que ao povo
de Quiaios, que agora vai por um ramal ser ligado á estrada de Aveiro, lhe fica
muito extenso o caminho que não vem por Tavarede.
Nunca
ninguém se lembrou de tal circunstância, quando se tratou de ligar directamente
aquele povo com esta vila, pois que, podendo ir a estrada daqui pelos Condados
á Serra e a Quiaios, o que encurtaria em alguns quilómetros a sua distância,
foram antes levá-la por Buarcos á Senhora da Encarnação, e deste ponto pela Serra
a Quiaios, dando assim uma volta que a torna mais extensa dois quilómetros!
Agora
faz-se questão por que esse povo não pode andar mais uns 800 metros, pois tanto é
a diferença que há entre a extensão dos dois projectos pelo Casal da Robala a
Tavarede.
Quem
contemplar a sangue frio esta contradança de argumentos fica duvidando da
sinceridade das intenções que nutrem os que especulam com a ignorância do povo,
fazendo-o pedir o que não deve. Pobre povo! infelizes ignorantes que sempre
hão-de representar um papel de actividade nas coisas, quando a sua gerência é
passiva e ilusória. Um outro poder especula, movendo esses pobres autómatos a
acreditarem na justeza dos princípios pregados por alguns apóstolos dos
modernos tempos! Oh luz! quanto tempo estarás velada para deixares nas trevas
essas obscuras inteligências?
Quando
se pretendeu dar uma estrada a Buarcos, quebraram-se lanças para que os estudos
mandados por ali fazer para uma estrada que daqui seguisse a Quiaios fossem
aprovados, e para isso, invocou-se nessa ocasião a representação do clero,
nobreza e povo. É aprovado o projecto; fez-se a estrada na parte compreendida
entre esta vila e Buarcos, continua depois até á Senhora da Encarnação, e pára
neste ponto porque nasceu a ideia de abandonar o traçado por parecer irracional
a continuação dele por ali.
Dorme
a lembrança do povo de Quiaios.
Necessita-se
de reparar o caminho que desta vila vai pelos Condados á Serra; faz-se valer o
motivo da utilidade para os povos da Serra da Boa-Viagem e Quiaios. Repara-se o
caminho até aos Condados, pára a obra, e esquecem os povos que a utilizavam! Trata-se
agora da estrada distrital de Aveiro a esta vila, e ressuscita a ideia do ramal
que vá ligar Quiaios àquela estrada no lugar de Cabanas! Parece-me que aquela
malfadada povoação de Quiaios é o salvatério em todos os apertos, porque só vem
a pelo para servir de medianeira e contrapeso a interesses secundários.
Pode
julgar-se de nenhuma importância a consideração de que a estrada deverá tornar-se
menos extensa pelo motivo que torna maior a distância a um povo que a ele se
liga por um ramal que nela se encontra a seis quilómetros de distância desta
vila. E mesmo quando lhe ficasse mais distante o caminho pelo lado de Brenha,
poderiam faze-lo pela sua estrada em projecto por Buarcos, por que foi essa que
lhe mereceu a sua atenção e desvelo representando na ocasião oportuna pela sua
execução, o que lhe era de máxima utilidade indo por aquele lado.
Sobre
esse, teria a povoação de Quiaios e circunvizinhos interesse e autoridade mais
directa, ao passo que a sua influência num ponto que lhe fica mais distante não
tem o valor que julgam - é menos autorizada por indirecta.
Ainda
assim, pesando em seu favor que lhe ficará por Brenha mais distante o caminho
uns 800 metros,
tendo o traçado de seguir pelo Casal da Robala e não por Tavarede - ficam
bastante compensadas as fadigas dessa distância pela suavidade que deve
oferecer-lhes o traçado que reprovam. É preciso que tenham em vista, que o
traçado que desejam teria uma subida mais custosa de vencer, do que a distância
a maior que pelo outro teriam de percorrer.
A
partir da igreja de Tavarede, pelo caminho em direcção ao Saltadouro, há uma
elevação constante de terreno de quase sete por cento por uma distância de 1:600
metros, o que equivale a uma subida de 109 metros de nível de
Tavarede ao Saltadouro! Não acham contraproducente o argumento e uma utopia o
que desejam!
Os
peões quando carregados e obrigados a subir a uma elevação daquelas que possui
o máximo de inclinação que o regulamento de estradas permite chegaria
esbaforido ao termo maldizendo dos homens e das coisas.
Há
gente que tudo põe em jogo para conseguir um fim, embora o resultado seja só
partilhado por um pequeno número dos meios.
Aduz-se
para aí também ou lançam mão do facto da Figueira possuir uma estrada distrital
que lhe dá ingresso pelo nascente, levando a utilidade a essa parte da vila.
Outra, municipal, pelo poente, na qual concorre a mesma razão, e só não tem uma
estrada distrital que entre na povoação pelo Pinhal!
A
isto anteponho um argumento caseiro. Suponhamos uma casa, com uma única porta
por onde diariamente entram doze pessoas levando-lhe para dentro doze mil réis
- mil réis cada pessoa. Abram-se nessa casa em vez duma doze portas e faça-se
entrar por cada uma sua pessoa e por conseguinte mil réis. Temos obtido o mesmo
resultado por que não aumentou a quantia entrando juntos por uma ou em parcelas
divididas pelas doze portas.
Ora,
os interesses que resultam á Figueira da sua ligação com Aveiro e outros povos,
não ficarão prejudicados por a estrada entrar pelo norte ou nascente, salvo se
a parte mais comercial desta povoação está aglomerada em algum daqueles pontos,
nas extremidades dela.
Passaremos
agora em revista o terreno que a directriz estudada atravessa, seguindo pelo
Saltadouro, Prazo, Araújo e Casal da Robala. Se formarmos um trapézio cuja base
maior tenha um dos extremos apoiado na antiga ponte dos Estaleiros, e outro em
Brenha; a base menor na Caniveta e Caceira; um dos lados formado por uma linha
tirada de Caceira a Brenha, e outro que da ponte dos Estaleiros toque a Caniveta;
teremos, circunscrita por esse quadrilátero, uma região agricultada, medindo a
nível 9:240000 m.q. que a 60 rs. o metro, valor na verdade insignificante, perfazem
a importante quantia de 554:400$! Este valor está muito aquém da verdade,
porque só exprime o valor do terreno, sem atenção á parte móbil da região, como
pinhais, pomares, casas, etc., e ao aumento de superfície, proveniente das
ondulações do terreno. Quando mesmo aqueles terrenos não dêem um rendimento
superior a três por cento, esta percentagem dá-lhes um rendimento anual de
16:632$000 réis.
É,
pois, esta importante região agricultada, possuindo excelentes terrenos,
mesclada aqui e acolá de vinhas, pinhais, pomares, etc., que querem privar da
utilidade da possessão duma estrada!
Não
preciso encarecer a vantagem resultante de cortar aquele grande trato de
terreno por uma estrada: ela é manifesta. Naquele espaço há excelentes quintas,
bons terrenos produtivos; o que lhe falta são estradas que lhe facilitem os
transportes.
Indo
dos Estaleiros para o Casal da Robala, principia-se a caminhar por aqui e ali,
marinhando, saltando como as cabras sobre a terra solta dos desaterros duma
pedreira em actividade de extracção de pedra que facilita atoleiros, ou sobre as
ribas em desagregação dessa eminência, sujeito a precipitar-se; depois entra-se
em uma azinhaga dum metro de largo, pouco mais, ladeada de valados de piteiras,
que de quando em quando vão cravar os seus bicos no corpo do caminheiro menos
cauteloso.
Antes
de entrar nos assordeiros - se não é um assordeiro toda a azinhaga até ao Casal
da Robala - o sujeito tem que escolher entre as seguintes contingências: -
ficar enterrado na lama até aos joelhos, subir a um dos valados que borda a
azinhaga, passar entre as piteiras e ficar cheio de rasgões no fato e no corpo,
por último saltar para dentro duma propriedade estranha e sujeitar-se aos
enxovalhos do proprietário!
Quando
passar um carro a bois, ter-se-á de optar por qualquer dos meios que indiquei
ou voltar para traz, isto sem remissão. Assim todo o caminho!
Todos
sabem que no decurso dos meus escritos apenas expus a verdade. Não me servi de
exageros nem tampouco de asserções gratuitas; aí estão os factos, pensem sobre
eles para que aqueles a quem interessa a questão possam resolver da forma mais
racional.
Na
secretaria do ministério das obras publicas existirão dados, mais que suficientes,
para bem poder definir a justiça que há em trazer a estrada distrital de Aveiro
para esta vila seguindo-se a directriz já estudada pelo Casal da Robala e não
por Tavarede, como se pretende”.
mº. 3 (continua)