sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 123

         Comemorou-se, naquele ano, os 500 anos da primeira representação do auto de Gil Vicente, Monólogo do Vaqueiro.     A Sociedade de Instrução Tavaredense, não ficando indiferente à efeméride, sendo da opinião de que o teatro também serve para nos conhecermos, nada melhor que trazer Gil Vicente para o palco  e aproveitar esta data ‘para lembrar ou relembrar alguns textos vicentinos’. Actores e público, vão ter oportunidade de estar lado a lado e frente a frente, em espaços tidos por convencionais para a prática do teatro, vão poder vivenciar as realidades do século XVI e vão poder compará-las com as realidades do século XXI. ... Na actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do teatro em Portugal e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através das suas obras, sobre tábuas do palco...
         E assim foi. Tavarede é como que uma “ilustre e idosa senhora” que honra e sempre honrou com engenho e arte o culto da representação teatral. O teatro saiu à rua, de alegria estampada no rosto o povo apinhava-se nos recantos sombrios da povoação, a ansiedade sentia-se em cada gesto, o ambiente estava magnificamente ajustado a um pretendido regresso ao passado, as melodias impulsionavam o som de uma sublime flauta encantada, tão típica e marcante da época.
         Os batimentos melodiosos do sino da Igreja de Tavarede despertou Gil Vicente, o povo agitou-se e estava disposto a participar e foliar com sátira vicentina. Em dia quente escaldante, a corte desfilava altaneira as vestes pesadas do tempo, a beleza de luz e brilho de lantejoulas suportadas por artesanais desenhos de purpurina, que nos enchiam a alma e refrescavam os olhos.
         O bôbo da corte saltitava em animação estonteante, em círculos endiabrados e provocatórios, como que aferindo em cada um de nós um potencial e objectivo “réu” de barrete enfiado à sátira de Gil Vicente. O culto vicentino estava agora vivo e bem vivo e pronto para a abertura às eventuais hostilidades satíricas, um palco no meio de um riacho ou recanto escolhido para o “navegar” da dita “Barca do Inferno”.
         Fernando Romeiro era a imagem de um Satanás genuíno, de gargalhadas sonoras e movimentos maquiavélicos, aliciava e justificava passageiros para a sua barca, de diversos extractos sociais e múltiplas artes e ofícios. À sucessão de “Todo o mundo e ninguém”, iniciava-se a caminhada para o Largo de Maria Amália de Carvalho, defronte a um pequenito jardim, como tanto era do agrado de Gil Vicente, assistiu-se ao “Pranto de Maria Parda”, transformado num grande momento de teatro.
         Brilhou uma estrela, feita do povo, e com um dom que Deus lhe deu, e escusado será, que determinados intelectuais do teatro possam pensar que em algum momento deixarei de realçar e individualizar tudo aquilo que me arrepie o coração e estremeça os sentidos.
         Deixe que em primeiro lugar Otília Cordeiro, bem ao estilo medieval, lhe faça uma vénia por uma caracterização a Maria Parda feita de sensibilidade e minúcia e que tanto ajudaram ao êxito de Ilda Simões. Ilda Simões, repito. Encantou tudo e todos, deu espaço ao seu grande talento expressou com uma garra impressionante sentimentos de uma mulher perdida, satirizou, exagerou o quanto baste na procura do culto vicentino, que o diga Simões Baltazar, que ao seu espaço temporal de entrada em acção, no papel de Martim Alho, sorria ao bom sorrir com a performance entusiasmante da sua colega de cena, quase mesmo hipotecando o brilho da sua própria intervenção. Com a “Farsa de Inês Pereira” revelou-se acima de tudo a grande escola de teatro da SIT, onde Cátia, José Pereira e Emanuel Cardoso são a constatação viva de um futuro assegurado para a arte de representação. 
       Do majestoso palácio de Tavarede, o regresso de novo à SIT, onde com o “Monólogo do Vaqueiro”, por mais uma vez, João José soube com mestria interpretar sentimentos distintos de expressão séria e momentos divertidos, num deambular artístico de assinalável mérito. Caíu a noite, na sala de teatro da SIT. Subiu ao palco, na íntegra, “O velho da horta”.
         O professor doutor José Bernardes, convidado especial para as comemorações, fez uma palestra muito interessante, deixando aos presentes indicativos preciosos de como interpretar um autor tão abrangente e complexo como Gil Vicente. Ficaram lamentos de que os 500 anos de teatro em Portugal não sejam motivo de comemorações mais dignas de âmbito nacional e elogiou a SIT por se revelar uma “pedrada no charco” no respeito por tal efeméride.
         Ao momento solene de entrada do Rei D. Manuel na sala e acomodamento nas cadeiras reais, fez-se escuro que nem breu, subiu o palco e lá estava o velho da horta no seu jardim, apaixonado e ao mesmo tempo enganado por si próprio, por um amor inantingivel onde a irreverência da juventude venceu a velhice inconformada. Um jardim verdejante e colorido, onde marcou pontos o magnífico jogo de luzes, que deu um ambiente de cena distinto e com atributos de bom gosto.
         O elenco foi como fechar com chave de ouro, como a fina flor, que divertiu e arrancou gargalhadas e, por fim, fortes aplausos de uma assistência que enchia quase por completo a sala
         O “velho” da horta era Rogério Neves. Senhor de um grande à-vontade no palco, deliciou e divertiu a plateia com momentos de expressão artística ímpares para o dito meio amador. Soube ser rigoroso consigo próprio, porque afinal de contas, não deve ser fácil exibir uma curvatura na coluna durante todo o espectáculo, que não lhe é peculiar na vida real. Por ali haverá, decerto, também o “dedo” de uma encenação cuidada.
         Uma jornada inesquecível, mais uma página escrita no já valioso património cultural da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quanto a Gil Vicente, o agradecimento por continuar, 500 anos depois, mais vivo do que nunca.

         O centenário da Sociedade aproximava-se. Uma comissão, conjuntamente com a direcção da colectividade, assumiu o encargo da realização das comemorações. Uma das principais preocupações era estabelecer um programa em tudo digno do passado da associação. A primeira iniciativa, com o objectivo de começar a angariar fundos, pois havia a intenção de suportar todos os custos, através de subsídios a angariar e de realizações a efectuar, foi a de realizar mensalmente um almoço, no pavilhão desportivo, aberto a todos os associados, suas famílias e amigos da colectividade. E na reunião de 21 de Agosto de 2002 foi aprovada a ideia da organização de um almoço mensal a realizar no nosso pavilhão, para o que foi pedida a colaboração a um grupo de senhoras que habitualmente colaboram com a Colectividade, para a preparação e serviço destes almoços. Como curiosidade, registamos que o primeiro destes almoços teve lugar no dia 13 de Outubro de 2002, tendo o prato principal sido “sopa da pedra”.

São sobretudo mulheres. Justiça seja, porém, feita aos homens que também suam as ‘estopinhas’, mais na preparação da sala e da tenda – onde se vendem rendas e bordados e se pode ‘brincar’ às rifas -, do que propriamente na cozinha, com a mão na massa ou, no caso deste último domingo, na feijoada. Eles ajudam, é certo, mas elas trabalham, desde cedo, para que, por volta da uma da tarde, tudo esteja pronto. Parecem abelhas operárias, incansáveis no seu entra e sai entre a cozinha e a copa, espreitando panelas e descascando batatas ou golpeando castanhas. Entre o cheirinho da comida caseira e gracejos, vão dizendo que estão ali por gosto, porque quase nasceram na SIT, porque sentem orgulho em contribuir para que a festa do centenário da SIT, em 2004, ‘seja em grande’.
         …………………..
         A estas mulheres não se coloca sequer a questão de poderem não alinhar nestas iniciativas. Em pleno século XXI, tempo áureo do egoísmo e do lucro, estas mulheres (pronto, e os homens também, que sempre dão uma mãozinha), entregam-se sem pedir ou esperar nada em troca.
         Ainda que a comida não fosse caseira e, segundo informações de testemunhas no local, saborosíssima, mesmo assim, valia a pena uma visita. Há dúvidas? Então acabe com elas (e com o cozido à portuguesa) no próximo almoço, a 7 de Dezembro”.

         Em Dezembro de 2002, encontrámos uma notícia que nos interessou imento. ‘Amigos do Teatro Os Carolas’ é a denominação de um grupo cénico residente nas instalações do Grupo Musical de Instrução Tavaredense, que se estreou no passado domingo. A apresentação contou com uma sessão de fados e rábulas de revista com assinalável êxito. O grupo volta a actuar no próximo domingo, pelas 17 horas, na festa de Natal destinada às crianças da colectividade. Refira-se ainda que esta colectividade da ‘terra do limonete’ reabriu, no passado fim de semana, a sala de convívio e bar, alvo de uma recente remodelação.

         Vamos, agora, fazer uma brevíssima pausa na nossa história do associativismo em Tavarede. Havia já quatro ou cinco décadas que a Figueira sofrera um enorme desenvolvimento, graças à instalação de diversas e importantes unidades industriais, bem como à dinamização do seu porto marítimo. A população teve um aumento extraordinário. No entanto, grande parte dos novos habitantes, optou por se instalar, com seus agregados familiares, nos subúrbios citadinos. Tavarede, pela sua proximidade com a cidade, foi um dos lugares mais escolhidos. A densidade populacional da nossa freguesia em breve se tornou uma das maiores do nosso concelho.

         Isso não trouxe, contudo, igual aumento ao associativismo local. Os novos residentes, certamente como reflexo da sua própria vida privada, isolavam-se no seu lar. Saíam cedo para os seus trabalhos e só regressavam à noite, hora a que a família se juntava. Tal facto acabou por trazer novos hábitos. Natural o serão familiar em casa, com a leitura dos jornais e vendo televisão. Era o isolamento. As colectividades passaram a ser pouco frequentadas.


         Uma das principais consequências passou a ser a dificuldade da formação dos chamados ‘corpos directivos’, pelo que começaram a surgir pequenas crises. Já vimos que a Sociedade de Instrução, por exemplo, foi necessário o aparecimento de um grupo de senhoras que, para manter a colectividade em funcionamento, tomaram a deliberação de assumir a gerência da associação. Outras houve que fecharam as suas sedes, somente as reabrindo a vontade e dedicação de alguns sócios mais corajosos. E, acentue-se, as colectividades continuavam a ser necessárias às populações. 

Sem comentários:

Enviar um comentário