sábado, 4 de abril de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 122

         E em Maio do mesmo ano de 2002, coube ao Grupo Desportivo e Recreativo da Chã festejar o seu 26º aniversário.   O GDRC nasceu há 26 anos, por imperativo da equipa de futebol de onze, que surgiu e que, para se filiar no INATEL, necessitava de uma sede social. A associação foi constituída e, depois dessa mesma sede funcionar, durante algum tempo, num espaço cedido por um dos sócios fundadores, surgiu a oportunidade de comprar um terreno com vista à construção de um edifício que serviria para a instalação da referida sede e onde também se pretendiam arranjar espaços para servir os sócios e toda a comunidade. Com a colaboração de todos os sócios, foi-se dando corpo, pouco a pouco, ao espaço físico hoje existente.
         A actividade mais antiga desta colectividade é a que, como já referido, deu origem à sua criação: o futebol., disputando anualmente o campeonato distrital do INATEL. Depois, seguiu-se a criação de um grupo cénico, que todos os anos participa nas Jornadas do Teatro Amador promovidas pelo Lions Clube da Figueira da Foz.
         O Rancho Estrelinhas da Chã, fundado há 16 anos, tem diversas actuações em todo o país, com a participação em diversos festivais de folclore e organizando todos os anos o seu próprio festival. As duas secções mais recentes do GDRC são o grupo de dança ‘Nice Dance’, composto por 12 meninas entre os 5 e os 14 anos de idade, e a escola de música, neste momento com 10 alunos.
         Apesar do espaço físico, novos projectos e novos objectivos traçam o trabalho para a actual direcção que tomou posse no passado dia 1 de Maio, data em que se festejou 26 anos e que teve lugar a tradicional sessão solene.
         Fátima Trigo, que foi reconduzida no cargo de presidente da direcção, salienta como obra mais importante concretizada no último mandato a sala de espectáculos, para a qual recebeu um apoio financeiro de seis mil contos por parte da Comissão de Coordenação da Região Centro e ainda 900 contos do Governo Civil, pelo que afirma, no capítulo dos apoios, que “não me posso queixar”. A sala ficou dotada de uma plateia fixa, sistema de luzes e som e outros equipamentos de apoio.
         Como projectos mais importantes, e para um futuro próximo, Fátima Trigo destaca “uma alteração ao visual do bar”, com a criação de “um espaço jovem” com salas de máquinas, e ainda uma biblioteca.
         Mas os projectos contemplam ainda a criação de uma área de lazer no prolongamento do terreno da colectividade que “de momento não está a ser rentabilizado”. Pretende-se, nesse local, implementar também um equipamento desportivo de apoio, como um campo de ténis ou basquetebol. Futebol está fora de questão uma vez que coloca-se a possibilidade de, em parceria com a Junta de Freguesia de Tavarede, dinamizar o polidesportivo da Chã (ainda sem luz).
          
         Ainda em Março, e reportando-se ao teatro tavaredense, encontrámos mais a seguinte nota. A SIT apresentou, recentemente, as peças “O meu caso” de José Régio e “O Canto do Cisne” de Anton Tchekov.
         O “Canto do Cisne”, com encenação de Ilda Simões coloca em cena dois personagens, Vassili Vassilievitch (João Medina) e Nikita Ivanitch (Manuel Lontro) na qual um deles, Vassili, sente chegado o fim da sua carreira e relembra o seu passado de entrega ao palco. Curiosamente, o texto de Tchekov é quase uma remake dramática da vida do próprio João Medina, que tem a mesma idade que o personagem, mas certamente mais de 45 anos de teatro.
         Medina revela mais uma vez ser um actor de valor e a contra-cena com Manuel Lontro chega a ser comovente, pois a saga dos personagens confunde-se com a dos actores. Mau grado alguma dicção pouco marcada e com dificuldades de entendimento para a sala, os gestos, a inquietação, a dor e as emoções do personagem Vassili transferem-se para o público com facilidade.
         Em “O meu caso”, de José Régio, a situação é contrária. Valdemar Cruz tem dificuldade em ser credível dando pouca autenticidade ao personagem. A peça, que tem falhas de ritmo, conta com duas soberbas interpretações: uma inexcedível Paula Simões, que faz o papel de uma actriz fútil e vazia, vivendo da sua vaidade e narcisismo e uma Maria da Conceição Mota, segura, rítmica, convincente no seu papel de “autora”. Boa nota para o conjunto e para a “coragem” estética da encenadora.

         Depois de ter participado nas Jornadas do Teatro Amador com a peça de Pirandello, o grupo cénico da SIT voltou a apresentar uma nova peça do dramaturgo português, Luís Francisco Rebelo. E é relativamente a esta peça que encontrámos este apontamento. Luiz Francisco Rebello, ao ter conhecimento através da Antena 1, que a SIT estaria a ensaiar a peça “É urgente o amor”, contactou-nos para nos informar que tinha escrito uma segunda versão e que gostaria que nós a representássemos. Ficámos muito sensibilizados e de imediato lemos esta versão que o autor teve a amabilidade de nos enviar, dado ainda não estar publicada. Como houve necessidade de fazer algumas alterações, pois já estávamos numa fase de trabalho adiantada, tivemos um encontro com o Dr. Luiz Francisco Rebello para lhe dar conhecimento da forma que tinhamos encontrado para solucionar o problema que esta segunda versão nos colocava. Tendo o autor concordado com a forma que encontrámos para representar a peça na sua segunda versão, de imediato fizemos as alterações e estamos prontos para levar à cena este drama magnífico e bastante actual.
A par de amadores com larga experiência de Palco, temos gente com pouca ou nenhuma experiência no Teatro mas com uma enorme vontade de aprender. Esperamos de novo ter a colaboração da Imprensa para a divulgação deste espectáculo e gostaríamos de no dia 24 de Abril poder contar com a vossa presença.

O Doutor Luiz Francisco Rebello assistirá à estreia da nossa peça, o que muito nos honra. Embora já não seja a primeira vez que este autor se desloca à SIT é sempre um enorme prazer ter a presença de uma pessoa de tão grande mérito na nossa Casa.
          A primeira representação teve lugar no dia 24 de Abril de 2002. Apresentando em estreia, com lotação esgotada e honras de presença do autor da peça – Luís Francisco Rebello – e também do engº Duarte Silva com alguns dos seus vereadores, a peça “É urgente o amor”, a Sociedade de Instrução Tavaredense deu uma lição de como é possível pôr a evolução tecnológica ao serviço do teatro de qualidade, aspecto a merecer uma referência muito especial para os homens que do escuro dos bastidores souberam fazer dos efeitos de luz “actores” decisivos na espectacularidade da representação, prescindindo das tradicionais descidas de pano para mudanças de acto.
         E foi, apoiados nessa mais-valia dos desenhos de luz, que os oito personagens “viveram” a tragédia da jovem Branca (Luísa Rosmaninho, com a naturalidade espantosa de transformar os problemas de há meio século em chagas de hoje) vítima daquela encruzilhada de vidas sombrias onde a mãe (Ilda Manuela Simões essa continuadora da escola de mestre José Ribeiro que lhe permite ser “pau para todo o serviço” – actriz a fazer inveja a muitos profissionais, encenadora de méritos reconhecidos e que nesta peça soube ganhar o desafio desta coabitação com os desenhos de luz, onde é justo deixar um aceno de muito apreço para José Miguel Lontro) soube assumir a mentira que serviu de suporte à peça em que os papéis de maus do enredo tiveram magnífica interpretação nas pessoas de João José Silva (Alberto, o ausente da terra mas sempre presente no palco e direcção de cena, peça da mobília), e José Medina, um “Jorge” à medida das circunstâncias (dificílimas) em que se viu envolvido naquela teia de mentiras tão bem realçadas na penumbra da repartição de polícia onde o chefe (António Barbosa) e o seu agente (João Pedro Amorim) cumpriram as formalidades de assinalar o desenlace fatal esquecendo as denúncias de Margarida (Paula Sofia Simões), esposa traída, e da Madalena (Susana Neves), a falsa amiga da vítima
         Porque as exigências técnicas de apoio à peça não deverão permitir a representação desta fora do Teatro da SIT, razão porque não está integrada nas Jornadas de Teatro Amador, e porque a alta qualidade do desempenho justificam plenamente a presença de quem tem gosto pelo bom teatro, aconselhamos uma deslocação a Tavarede para assistir a “É urgente o amor” numa das repetições que a muita afluência registada justificam.

         Ainda sobre esta peça e sobre a sua apresentação pelo grupo dramático da SIT, vamos transcrever mais uma nota encontrada. Sorririas, mestre Ribeiro, se ao lado de todos nós, presenciasses a todo um ideal que defendeste, a toda uma postura fiel a uma escola por demais viva e marcante, onde os teus princípios se traduziram não só na escolha do grande autor dramaturgo Luís Francisco Rebelo, mas em toda a envolvência programática feita de rigor, disciplina e método, aliado a uma grande alma e teatro, bem patente na dedicação, talento e garra desta gente do “povo comum”, que te honra e te segue passo a passo.
         Foi a primeira vez, mestre Ribeiro, que pisei esta sua segunda casa, quando junto à Igreja de Tavarede iniciei caminhada a pé, escalando o pequeno percurso das ruas estreitas em direcção à SIT. Depois da primeira subida, o corte à direita, uma grande luz iluminava a colectividade e logo a dita “catedral do teatro” estava ali, em frente aos meus olhos.
         A azáfama era grande entre os que organizavam as entradas e acomodamento do público e aqueles que metodicamente colocados nos seus postos, se preparavam para dar corpo à envolvência da representação, com um ambiente cenográfico adequado e, diga-se com justiça, perfeitamente conseguido.
         Às pancadas de Molière sucedeu-se um grito de angústia e morte, ao silêncio espectante da plateia, a envolvência arrepiante do resgate de uma causa perdida, o barulho ritmado das hélices de um helicóptero, as luzes em movimento estonteante, num bailado aflito de desespero e drama, e o público ali no meio, tomando conhecimento e certificando-se do inevitável fim de Branca, uma jovem que entre o inconformismo e a esperança, procurou o amor, sem nunca o ter conseguido. 
         Orgulhosa poderá e deverá estar esta autêntica equipa da SIT, porque para além do mais, apresentou aspectos técnicos que tiraram um maior rendimento à pretensão da mensagem transmitida. No palco, um ambiente tão curioso quanto enigmático, onde a determinados “espaços de acção”, se juntavam a totalidade ou quase totalidade dos personagens, embora em ambientes perfeitamente definidos, a delegacia policial, Branca no além, ora prostrada no chão representando a morte, ora em acesas discussões e interpelações, com um alinhamento à sua volta, das pessoas da sua relação, ou ainda no exercício do regresso ao passado no espaço íntimo do seu próprio quarto. Tudo isto com o auxílio caprichado de um jogo de luzes onde cada individualidade alternava a acção com um silêncio presente, quedo e mudo, na penumbra do palco e numa postura comprometedora de conivência e sentido e culpa pelo desenlace fatal. Foi o prender da plateia a cada um dos intervenientes, mantendo uma relação forte entre o público e aquilo que cada uma significava para a procura da verdade.
         António Barbosa e João Amorim, ou melhor dizendo, o chefe e o agente Simões, de forma segura, serena e tranquila, conseguiam materializar a imagem pretendida de uma força de autoridade, que por função tinha deslindar um caso de hipotético acidente, suicídio ou homicídio, mas com um tal empenho de carácter duvidoso, entre a investigação dos factos e o interesse preferencial de umas boas palavras cruzadas, onde o saber qual o imperador romano com oito letras se lhes afigurava um objectivo de primordial importância.
         Susana Neves, no papel de Madalena, evidenciou atributos de uma artista em potência, com uma forte sensibilidade e uma margem enormíssima de progressão. Esta Madalena, nada arrependida de considerar os homens todos iguais e a mesmo tempo nutrir um carinho demasiadamente “especial”... por Branca.
         João Silva mostrou talentosamente como um drama não é só representação “séria” como pensará o “senso comum”. Com passos de quem bem conhece os caminhos de um palco, levou à cena o personagem Alberto, naquele que se pode afirmar tratar-se de um “chulo de cinco estrelas” que não via com bons olhos quando o dr. Jorge ameaçava deixar Branca, sua namorada, o que obviamente lhe colocaria instabilidade financeira. Por acréscimo da sua falsidade e cobardia, fugia a sete pés quando via o mar mais alto que a terra, nas discussões de Branca com sua mãe, provocando momentos de grande divertimento na plateia.
         Um elenco acima de tudo experiente, onde José Medina assume essa forte mensagem em cada palavra e em cada gesto, de como o tempo amadurece e dá consistência, como na vida também no teatro. E assim foi a melhor escolha para um dr. Jorge, com uma bonita idade para... não ter juízo assumindo-se com um verdadeiro mecenas que vivia entre o adultério e o conceito de família respeitosa, que não podia ser beliscada fosse por que preço fosse.
         Ilda Simões estará decerto duplamente feliz, porque na qualidade de encenadora viu a sua gente dar expressão aos seus desejos, com actuações de grande qualidade artística,  que ao facto não será alheio a sua galvanizante presença em palco, onde no papel de mãe de Branca, fez jus a uma brilhante interpretação feita de engenho e arte, num apelo muito forte ao estado de alma que apenas advém de uma genuina artista de teatro.
         Mãe de Branca era, como dizia Alberto, um “velho coiro” que incentivava a sua filha a uma relação amorosa com o dr. Jorge, de forma a tirar dividendos financeiros de tal situação.
         O bom e o bonito foi o aparecimento de Margarida, esposa do dr. Jorge e autêntica figura mistério, com acção apenas na parte final da história. Revelou a todos, e especialmente ao seu marido, que afinal de contas sabia de tudo, sofrendo no silêncio e na ânsia de recuperar só para si o dr. Jorge. Acabou por interferir também no labirinto de desencanto que levou à morte de Branca. Paula Simões, num menor tempo de actuação, provou com Margarida não deixar créditos por mãos alheias e chegar aos níveis altos dos seus colegas.
         Luísa Rosmaninho (Branca), que excelentes momentos nos proporcionou, mais um grande exemplo de que não é só preciso saber-se fazer teatro, isto no que concerne puramente aos aspectos técnicos de representação, mas também sentir o teatro, e se assim se pode dizer, com a sensibilidade do coração, numa aproximação de como quase fosse uma situação real.
Procurou dentro de si as suas qualidades inatas, que não se compram, não se vendem, não se aprendem, mas apenas teremos que lhes dar espaço para se revelarem. Luísa Rosmaninho é sem dúvida um nome a fixar.

Em tempos de tão badalada crise teatral, em boa hora organizou e apoiou o Lions Clube da Figueira da Foz estas jornadas de teatro amador, e se crise existe, então digo eu com toda a certeza, de que afinal não é geral e Tavarede é mais um bom exemplo e como o teatro no concelho da Figueira da Foz está forte e vivo e, sinceramente, recomenda-se.

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