sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tavaredde - 2

Igualmente muito curioso, na minha opinião, é um texto escrito por António da Silva Broeiro (sobrinho), um tavaredense que muito novo migrou para Sintra, para cujo jornal, de seu conterrâneo Medina Júnior, recordou a sua terra natal numa evocação saudosa, que igualmente transcrevo. Aproveitando a oportunidade desta recordação, aproveito para agora aqui fazer uma breve transcrição duma reportagem publicada no Jornal de Sintra, em 1935, depois de uma excursão sintrense à Figueira da Foz, e que descreve a nossa terra desta forma:

“Tavarede, aldeia  estranha ao turismo grandioso da Figueira da Foz e afastada desta praia uns quatro quilómetros… em automóvel. Solitária, à primeira vista. Um montão de casas brancas. Uma lezíria com hortas frescas e viçosas. Umas portas muito estreitas. Janelas bem abertas. Não é bonita!!! Aldeia vulgar, vista de avião. Extraordinária, vista do coração. Abraços apertados. Descompostura a quem chega! Porque não prevenimos? Os telegramas chegam muito tarde… 
À casa térrea chama-se adega! Filigrana nas paredes! Cabaças nos barrotes! A garrafa grande que tive a honra de abrir, continha 400 litros, que chegou e sobrou para mais de 300 sintrenses… Fanecas magníficas com batatas cozidas. Brôa, saborosa. Vaquinhas. Água fresca. Os cavalos que passam na estrada, são rijos de linhas. As cachopas são belas…
Algumas igrejas, de estilo… As bilhas que vão à fonte, têm as costas largas e a boca pequenina… como as mulheres… O sangue daquela adega era vermelho e fresquinho. Os foguetes são barulhentos e proíbidos. Tavarede, há poucas aldeias como ela. Tem inédito, que só Herculano, ou Garrett, saberiam descrever! O seu poder de atracção é superior ao centro da terra! Pois não existe a força que nos arranque dali. Promessas de volta, com perigo de lá ficar o resto da vida!!! Aldeia onde ninguém deve ir, sem sentir a franqueza no pensamento, o coração nas mãos, a vontade no trabalho, e o sentimento no peito. Eis Tavarede!!”

Finalmente, irei eu procurar recordar a minha aldeia dos anos quarenta, do século passado. A pacatez e o sossego daqueles tempos…

Continuarei, depois, e sem quaisquer pretenciosismos literários ou, até, sem qualquer ordem cronológica, a contar algumas “historietas” que aqui foram vividas, umas do meu tempo de juventude, outras mais antigas, das quais tive conhecimento pelos jornais ou por me terem sido contadas e que me parecem merecedoras de divulgação e ainda algumas, mais recentes, mas, como todas, verdadeiras.

 

Ao recordar tudo isto e algumas outras figuras de tavaredenses, nada mais farei do que continuar a contar a história da minha terra. São coisas sem importância mas que, no seu conjunto, fazem a verdadeira história de um povo.




Tavarede e a estrada de Aveiro à Figueira



  
“Tem sido objecto de considerações mais ou menos justas, de arbitrárias e infundamentadas proposições, a questão motivada pela direcção que o respectivo encarregado dos estudos deu ao projecto da estrada distrital que há-de vir a ligar esta vila com Aveiro.
         Conheço por tradição o sr. Freire, digno condutor encarregado dos estudos em questão; e pelo que é sabido do seu reconhecido mérito, provado demasiadamente na execução de muitos outros trabalhos de igual natureza, posso avançar que não é infundada a sua persistência na adopção do traçado que estudou, sem dúvida o mais conveniente às povoações a que vai servir, o mais exequível pela facilidade e economia da sua realização.
         Relativamente a esses estudos, vi há tempos uma correspondência das Alhadas, que elogiava o sr. Freire pela forma como havia executado a parte material deles, revelando ao mesmo tempo a completa inutilidade do projecto, debaixo do ponto de vista da comodidade, interesse e utilidade dos povos, e especialmente das povoações de Brenha e Tavarede. Acabava por considerar perdido todo o dinheiro nela empregado, atendendo a que ficaria uma estrada... in nomine.
         Antes de entrar em mais preliminares, cumpre-me pedir licença ao digno correspondente para lhe fazer algumas observações e agradecer-lhe pela parte que me toca - o interesse que lhe merecem estas coisas de ao pé da porta.
         Conceda-me que diga, que, pelo facto duma estrada seguir de preferência esta ou aquela parte duma região - a não ser no deserto de Sahará ou outra - e passar a alguns centenares de metros de Brenha e Tavarede, não há razão para que se avente com fundamento que será uma estrada in nomine, a não querermos atribuir e limitar a essas povoações todo o comércio e toda a indústria dos povos que se acham disseminados pela região que ela se destina a servir.
         Estou certo que o sr. Freire não deixaria de considerar, antes do estudo material, a influência que pode e deve necessariamente exercer uma estrada no progresso industrial e comercial das regiões que é destinada a atravessar, para não perder naquele estudo o conceito que tem granjeado noutros.
         Reflectindo nós detidamente no conjunto de razões que motivam e autorizam a adopção do seu traçado, optaremos logo pelo abandono daquele que partindo de Brenha viesse por Tavarede á Figueira.
         Dizem-me que a directriz do projecto, chegando a Brenha, povoação a 5 quilómetros para o nordeste desta vila, vem pelo Saltadouro, Prazo, Casal da Robala ao Estaleiro, entrada desta terra pelo nascente.
         Agora parece que foi sugerida a ideia de trazer a estrada de Tavarede á Figueira pelo Pinhal! Isto causa admiração a todos, porque ninguém pode acertar com a verdadeira utilidade de desviar a directriz do traçado já estudado!
         Tavarede tem uma boa estrada reparada e modificada há anos pela nossa câmara municipal, e pela qual, se liga pelo Pinhal a esta terra, e se a causa do seu desenvolvimento disso estava pendente - já a possui.
         Apontam-se agora a estrada de macadame, o bom caminho, que possuem as povoações que a estrada atravessará vindo de Brenha pelo Saltadouro, Prazo e Casal da Robala à Figueira.
         Têm, têm aquelas ínvias azinhagas legadas por Adão aos povos, onde os precipícios, os assordeiros, se encontram a cada passo. Daqui a Tavarede pelo Pinhal pode-se ir de carrinho - daqui ao casal da Robala pelos Estaleiros, ou outras povoações, será acto digno de intrepidez dum herói percorrer o caminho a pé! Contestem-no se podem.
         Ora, na preferência duma a outra directriz, temos a considerar a importância das respectivas povoações que a estrada liga, o seu desenvolvimento comercial e industrial, não só o existente, mas aquele que pela nova via se possa desenvolver, assim como o maior número de povoações a que possa servir.
         Tavarede - todos o sabem - é uma povoação de insignificante importância. À falta de dados, não posso precisar-lhe o número de habitantes que em si encerra, mas não excederá a duzentos e cinquenta, pela maior parte trabalhadores, jornaleiros, alguns pequenos agricultores, carreiros e mais um pequeno número que se emprega noutros misteres. A freguesia tem 980 habitantes. Dentro da povoação não há um estabelecimento industrial qualquer em exercício, e se alguns elementos querem que possua, susceptíveis de a engrandecer economicamente, têm eles um desenvolvimento tão lento e obscuro, que escapam à percepção do observador consciencioso, e nem se têm manifestado sob qualquer forma a despeito da sua provecta idade de mais de oito séculos, que lhe dá uma avoenga autoridade sobre a Figueira.
         É a expressão da verdade dizer-se que Tavarede se arrasta na definhada decrepitude, sem que se lhe possam descobrir uns restos de vitalidade capazes de a remoçar, ajudando-os com a arte pela ciência; decai à falta de recursos próprios, absorvida e ensombrada por esta terra, á qual deve esses lampejos de vida que ainda lhe restam.

         Passando por lá a estrada distrital, continuará a ser o que tem sido - um ponto de passagem sem motivo de detenção para o passageiro. - Senão, que alguém me diga, fundado na experiência do passado, com dados estatísticos verdadeiros, que ramo de comércio ou indústria ali se poderia desenvolver com resultados certos. Aquela povoação, pela sua proximidade da Figueira, está destinada a partilhar dos seus proventos, da sua vida, porque a não tem própria, ajudando-nos com a sua população mercenária, porque em tudo de nós depende e não das povoações que lhe estão para o norte.

(Tavarede . a terra de meus avós - 3)

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