sábado, 29 de novembro de 2014

Histórias e Lendas - 9

Ainda continuamos com as águas do Prazo recordando que, até chegarem à Várzea, eram a força motriz     que fazia mover as cinco azenhas, a segunda das quais, defronte à bica do S. Paio, era local de paragem obrigatória no regresso da romaria à capela do santo. A parede junto à qual girava a enorme roda impelida pela água, estava sempre coberta de viçosas avencas e a fresquidão do sítio era óptimo convite à petisqueira.

Quando as águas correntes chegavam à aldeia, junto da igreja, lá encontravam as lavadeiras de terra lavando as suas roupas ou das suas freguesas da cidade, sempre cantando as bonitas cantigas do teatro.

Claro, que nem sempre era assim. Apesar da enorme quantidade conduzida para a cidade e que no verão fazia diminuir consideralmente o caudal do ribeiro, do que se ressentiam os agricultores das férteis leiras, havia, nos invernos mais chuvosos e rigorosos, cheias que inundavam terras de cultura, quintais e lojas das habitações, não poucas vezes chegando até ao meio da velhinha Rua Direita.

Em Agosto de 1910, encontrámos, na imprensa figueirense, este interessante anúncio: “Tende cuidado com o vosso estomago e intestinos. Uma boa água poderá dar-vosprolongada velhice. Digerir bem é ter alegria e ser feliz. Quereis uma excelente água para a vossa casa? Bebei a da ‘Fonte da Moura (Tavarede) e que vos vai à vossa porta por 100 reis os vinte litros. Depósito e requisições na ‘Farmácia Milheiriço’ rua 11 de Setembro”.

Não conseguimos localizar o local onde nascia esta milagrosa água. E, pelos vistos, seria uma muito boa água. “Nascida no sitio denominado “Fonte da Moura”, na freguezia de Tavarede. Esta excellente agua, que tem tido uma procura extraordinaria, é positivamente das melhores que tem apparecido, sendo o seu preço diminutissimo, pois é vendida á razão de 100 reis os vinte litros. É posta á porta de quem a requisitar sem maior dispendio.
            Leve, crystallina e fresca auxilia e facilita a digestão, bebendo-se por prazer. A falta de uma boa agua na Figueira ao alcance de todas as bolsas está finalmente remediada com a apparecimento da Agua da Fonte da Moura, colhida com o maior rigor de hygiene e captada em fonte hermeticamente fechada e limpa.
            Registamos com prazer este beneficio prestado aos figueirenses e aos seus hospedes, pois uma boa agua vale tanto como a propria vida. É depositaria a Pharmacia Milheiriço, na rua 11 de setembro, onde pode ser requisitada”.

Mas a Companhia do Gaz e da Água resolveu acabar com o negócio, sentindo-se lesada com a concorrência. Fez a respectivas participação à Câmara figueirense, quer tomou a deliberação “... ofício desta data da companhia do gaz e da água desta cidade, acusando a recepção do ofício de 30 do mês findo, agradece o ter sido atendida a sua reclamação sobre a venda ao público de água de uma fonte próxima de Tavarede, continuando a fazer-se a venda. Deliberou-se providenciar”. E assim acabou o negócio.

A fonte da Várzea era célebre, não só pela excelência da sua água, mas igualmente por ser o lugar escolhido para a concentração dos ranchos dos potes floridos que, na manhã do primeiro de Maio, iam à Figueira cantar e dançar.

O lugar da fonte, certamente pelo seu encantamento, inspirou poetas que nos deixaram textos e versos muito inspirados. “... Não há moça de trabalho, que não consuma e môa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote de barro vermelho, - que é grande o despique em apresentar caprichosamente enfeitadas, as cantaras airosas.
            Urdem-se entre folhas de hera, os tenras ramagens de buxo ou loiro, círculos de rosas e cravos em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em aneis pelo talhe grêgo dos bocais, e pelo jeito em ânfora à roda das azas perfeitas.
            E grandes laçadas de fitas de sêda, descem pelos pucaros bem torneados, humidos e apetitosos, que matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...
            Ainda o céu é um crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira, - seguindo no caminho fácil e geitoso da Várzea-de-Tavarede – ranchadas de gente môça e garrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.
            Em roda da Fonte, com seu arco moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às duzias. E andam pelo ar cantigas d’oiro, com résteas de Sol!
            Chegou agora o grupo dos “Amorosos”. São de Brenha. A tuna, é de apetite. Os rapazes trazem bonés forrados de fustão branco. E as raparigas ramos de limonete e pandeiretas de onde pendem tiras vistosas de mil côres. Cantam, com acompanhamento de côro, a velha moda popular “Margarida-vai-à-Fonte”. Que linda voz tem a cantadeira...”.

         Vejamos, ainda, mais uma significativa nota. “ Beber, no alvor da madrugada do 1º. de Maio, água pura, gostosa e fresca, na fonte milagreira da Várzea de Tavarede - é da tradição que fornece saúde, felicidade, alegria e sorte - para o ano inteiro!
            Por isso, tôda a gente das terras ao derredor da linda e risonha aldeia, se agrupa e junta na praxista manhã, no largo onde a bica rumoreja num fio cristalino.
            Não há môça de trabalho, que não consuma e moa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote de barro vermelho - que é grande o despique em apresentar, caprichosamente enfeitadas, as cântaras airosas.
            Urdem-se entre fôlhas de hera, ou tenras ramadas de buxo ou louro, círculos de rosas e cravos em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em anéis pelo talhe grego dos bocais, pelo jeito em ânfora das asas perfeitas.
            E grandes laçadas de fitas de sêda, descem pelos púcaros bem torneados, úmidos e apetitosos, que matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...
            Ainda o céu é um crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira - seguindo no caminho fácil e jeitoso da Várzea de Tavarede - ranchadas de gente môça e gárrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.
            Em roda da fonte, com seu ar moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às dúzias. E andam pelo ar cantigas de ouro, como résteas de sol!”.

Já nada resta da fonte e o largo onde dançavam os ranchos, à sombra do enorme pinheiro manso, deu lugar a uma rotunda e a uma via rápida.

  






O Associativismo na Terra do Limonete- 104

A propósito da reaparição, em cena, da amadora Violinda Medina e Silva, encontrámos a seguinte nota: Já lá vai, talvez, uma trintena de anos, era eu ainda uma criança de calção e bibe.
         Em Tavarede, onde fora ao teatro pela mão de meu pai, recordo que pouco faltou para a casa vir abaixo, tamanha foi a trovoada de aplausos que culminou a representação da peça então em cena. Uma amadora era especialmente distinguida: Violinda Medina e Silva.

 
                    Violinda Medina e Silva

          Passaram os anos, tudo naturalmente envelheceu. Se D. Violinda levar hoje os dias agarrada a recordações, não me admira. Eu próprio, bem mais novo, me tenho visto já a debruçar nos terraços do tempo, buscando na memória pessoas e coisas que a emoção gravou. Violinda Medina e Silva é, por exemplo, uma delas. Recordo o seu porte majestoso no papel de D. Madalena de Vilhena; a sua naturalidade exemplar em Os Velhos, de João da Câmara; o seu admirável desempenho em As Árvores Morrem de Pé, de Alejandro Casona. Recordo tudo isso. Mas poderia lembrar muitas outras representações em que interveio o seu talento invulgar.
         Pois Violinda Medina e Silva – essa extraordinária mulher da cena portuguesa – vai regressar ao palco. Em Tavarede, pois onde havia de ser? É ali que ela tem levado toda uma vida de devoção pelo teatro; foi ali que ela conheceu os maiores êxitos da sua carreira; é ainda ali que, religiosamente arrecadadas, velhinhas tábuas de um antigo palco aguardam, sem pressas, o dia de serem a mortalha da actriz.
         Nota: Talvez que o leitor se surpreenda com o último parágrafo, ou melhor, não compreenda bem… Se estiver nesse caso é porque não sabe que Violinda Medina e Silva deseja ter por caixão… as tábuas do antigo palco do Teatro de Tavarede. As tábuas estão arrecadadas, e a sua vontade cumprir-se-á. Oxalá que daqui por muitos anos.

E com vista às comemorações das Bodas de Diamante, copiámos a seguinte nota: A história dos primeiros 50 anos de vida dessa prestigiosíssima colectividade que é a Sociedade de Instrução Tavaredense, está fielmente retratada num livro comemorativo das respectivas “Bodas de Ouro”, da autoria do distinto jornalista, nosso conterrâneo, José da Silva Ribeiro. Que propositadamente a escreveu em linguagem escorreita e cuidada, mas num estilo singelo, que revela clara intenção de pretender interessar pessoas de todos os graus de cultura e ser perfeitamente entendido mesmo pelos mais humildes dos seus leitores. Ela apenas pecará por uma sobriedade da apreciação de excepcional e admirável Obra levada a cabo, que bem se compreende e aceita, por o autor ser desde longa data o grande, esclarecido e proficiente mentor, guia e esteio dessa mesma Obra. O que a nós, estranhos a ela, mas seus incondicionais admiradores, nos cumpre suprir.
         Foi a 15 de Janeiro de 1904, que em Tavarede, ridente povoação dos arredores da Figueira, mas modesto aglomerado rural de menos de mil habitantes, catorze homens, todos de humílima condição social, parcos meios e modestíssimas profissões, resolveram fundar a Sociedade de Instrução Tavaredense. Finalidade: servir de suporte a uma escola para ensino dos sócios e seus filhos. Mas porque na terra havia largas tradições teatrais, logo elas foram reatadas com a criação de brioso grupo dramático, que ainda nesse ano deu o seu primeiro espectáculo.
         Os benefícios prestados à instrução pela escola nocturna desta prestimosa colectividade, no meio em que actuava e durante um período de 38 anos, em que funcionou, ininterruptamente, foram incalculáveis. Infelizmente, porém, em 1942, exigências de legislação totalitária do “santa combismo” forçaram a pôr termo a essa verdadeira campanha de combate ao analfabetismo.
         Apesar das dificuldades e encargos que, em lugar de estímulos e auxílios, lhe foram, num crescente, sendo impostos, o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense é que, longe de perder vitalidade ou mesmo soçobrar, cada vez em ritmo mais acelerado prosseguiu, tão resoluta como triunfantemente, e sob todos os aspectos, a sua brilhante carreira ascencional. Cresceu de maneira notável o seu nível artístico, tanto de reportório como de interpretação. Alargou-se a sua esfera de acção, ultrapassando a própria sede e área do concelho, com várias deslocações a terras como o Porto, Coimbra, Leiria, Tomar, Torres Novas, Pombal, Soure, Marinha Grande, Pampilhosa, Colares, etc. Sendo de registar, neste capítulo, que todas essas deslocações foram sempre para fins de beneficência e atingiram o número de 20 pelo que se refere a Coimbra e de 16 pelo que diz respeito à cidade de Tomar. Chegou-se mesmo ao ponto de levar a cabo uma campanha vicentina que, com o maior êxito e todo o mérito, se tornou extensiva às freguesias rurais do concelho.
         Ao fazer a resenha dos primeiros cinquenta anos de actividade do grupo cénico, que dirigia há já 38 anos, José da Silva Ribeiro interrogar-se-ia: “Como irá ser o futuro?”.
         Mas ele em nada desmereceu do passado. Muito pelo contrário.
         O seu famoso agrupamento manteve o mesmo ritmo de intenso labor. Requintou em primores de interpretação e montagem. Levou à cena cada vez reportório de mais alto nível, categoria e responsabilidade. Representou, entre muitos outros, Almeida Garrett, Luís de Camões, Marcelino Mesquita e D. João da Câmara, novas e várias peças de Gil Vicente, “Romeu e Julieta”, “Dente por Dente”, “Conto de Inverno”, “Tudo Está Bem Quando Acaba Bem”, de Shakespeare, “As Artimanhas de Scapino”, “Médico à Força”, “O Avarento” e “Tartufo”, de Molière. Além de umas tantas peças de José da Silva Ribeiro, que com elas totalizou 19 originais, adaptações e traduções destinadas ao seu grupo cénico.
         Não devendo esquecer-se as suas intervenções valiosas em comemorações como as do: “V Centenário da Morte do Infante D. Henrique”; “Dia Mundial do Teatro”; “IV Centenário de Shakespeare”; “5º. Centenário do nascimento de Gil Vicente”; e “4º. Centenário da publicação dos Luzíadas”.
         Quem ousará, portanto, pôr em dúvida que são na verdade notáveis as “Bodas de Diamante” da Sociedade de Instrução Tavaredense? Ou negar que elas constituem a concludente e irrefutável prova do invulgar amor ao teatro, do bairrismo e da perseverança no esforço colectivo, mesmo dirigido apenas às coisas do espírito, da gente da terra do limonete?
         Entre a qual, neste caso ocupa o primeiro lugar por direito próprio, que ninguém jamais tentou negar-lhe, José da Silva Ribeiro, nobre figura de indefectível democrata, com carácter espartano, que o emérito professor Joaquim de Carvalho considerava seu “companheiro de sentimentos e propósitos”.
         Um homem de invulgar inteligência e craveira intelectual, associadas a perfeita noção da perenidade dos autênticos valores espirituais e sociais, que há 62 anos, com notável estoicismo, é o grande arquitecto de tão admirável Obra, que no presente caso põe em jogo e acção todas as faculdades do espírito tanto de intérpretes como de espectadores. Facto que naturalmente leva a concluir que o teatro, como a música, deveriam fazer parte integrante da cultura geral dos indivíduos.
         Por tudo o que fica dito e o muito mais que ficou por referir, nos parece serem as próximas “Bodas de Diamante”, da Sociedade de Instrução Tavaredense, o ocasião mais oportuna para que a Figueira preste à referida colectividade e ao seu devotado director cénico as homenagens a que ambos têm inteiro jus.
         Com o que, por múltiplas razões, se cumprirá apenas um dever.


E relativamente a estas comemorações, queremos aqui recordar um caso interessante. Era, então, presidente da Câmara da Figueira, o reverendo Dr. José Manuel Leite, grande e devotado amigo desta colectividade. Como membro da comissão organizadora das festas, pedimos uma entrevista. Havíamos pensado em conseguir a presença de uma figura importante, na cultura nacional, para presidir à sessão solene. Ocorreu-nos o nome do prof. Dr. David Mourão Ferreita, na ocasião secretário de Estado da Cultura. Solicitámos a colaboração do referido presidente da Câmara. Amável, como sempre, concordou com a nossa sugestão, prometeu-nos a sua diligência, mas adiantou: A Câmara vai tentar, e decerto conseguirá, a vinda do secretário de Estado da Cultura. Mas, vocês, vão prometer que conseguem que, nessa sessão solene, Mestre José Ribeiro aceitará receber, publicamente, a medalha de ouro da cidade, que lhe foi atribuida há cerca de dois anos e ainda não recebeu

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Histórias e Lendas- 8

Curiosamente a primeira notícia que recolhemos, na imprensa figueirense, relativa à nossa água, é precisamente sobre as fontes, que eram as principais fornecedoras de água à população de Tavarede e da vizinha Figueira. A Fonte da Várzea, quando no anno de 1861 com ella se gastou inefficazmente a somma de 308$855, alem de valiosos materiais que estavam para diversa applicação, foi pela tentativa d'uma mina para serem aproveitados os repares, e o resultado foi, que tendo-se perdido nesses trabalhos a direcção da origem desconhecida, deu que fazer aos encarregados para readequirir a antiga, cujo veio chegaram a perder, é no entretanto é extrahida a púcaros pela profundeza do nivel, sendo mister derregar as aguas externas por meio de vala de communicação com o ribeiro, e esta é a encosta do norte do monte a que o correspondente se refere. A fonte da Lapa está em igual profundidade, e é a continuação do monte. Em Tavarede é a fonte abundante e de excellente qualidade, porém ao nivel da parte mais baixa da povoação situada na planicie”.
Foi o jornal O Figueirense que punblicou esta nota no dia 6 de Setembro de 1863. A partir desta data as notícias sobre a água na nossa terra são muitas.


Mas as águas em Tavarede nem sempre foram abundantes. E se água para se beber e para os gastos caseiros várias vezes teve complicações, maior escassez tiveram os nossos antepassados com a água para as regas das suas sementeiras. Isto aconteceu, por exemplo, no verão do ano de 1876.
                “Pediram há dias alguns proprietários de Tavarede à Câmara Municipal providências sobre a distribuição das águas para regas. Como, porem, não fosse até agora escutado este pedido, houve hontem alli uma grande desordem entre vários indivíduos que se utilisam das águas, desordem esta que pode repetir-se a cada momento, em quanto a câmara não se decidir a nomear um homem para a distribuição”.
Mas nem a fonte de Tavarede escapou. “Há uma fonte em Tavarede que está em condições tristíssimas. Todos os dias alli há scenas de pugilato por causa da escassez da água”. Na verdade foi mandada reparar, mas logo surgiram problemas, pois os operários, enquanto procederam às obras, “privam o público da água da água para as regas das suas propriedades”.
O verão daquele ano terá sido de muito calor e seco. Até a fonte da Várzea, de tantas e tão antigas tradições, não escapou. ...... Vamos atravessar este anno uma crise terrível. Vem bater-nos à porta, sinistro, como as visões esquálidas de um cérebro em febre, o medonho espectro da sede. Lavra por ahi um clamor espantoso, como se a villa estivesse soffrendo os horrores de um prolongado sítio. Não há água! A fonte da Várzea, completamente arruinada, não pode ocorrer às necessidades da localidade. Ouve-se em torno d’ella um côro de imprecações e de blasphemias que faz lembrar a gritaria descomposta dos sabbats mysteriosos das noites nebulosas da Germania. Os chefes de família vêem-se obrigados a augmentar o numero de creados, por causa do longo tempo consummido junto à fonte, à espera do ténue fio d’água que não pode supprir as necessidades de uma povoação populosa como esta..........      Próximo da fonte da Várzea há uma propriedade, pertencente ao sr. José Maria da Silva, onde o zelo d’este cavalheiro fez sair do solo um copioso veio d’água, que, na crise actual, tem sido a providencia de muitos habitantes da villa”.

            Mas no ano de 1880 a situação foi agravada. A cidade da Figueira, cujo desenvolvimento foi rápido e enorme, teve de resolver o problema do fornecimento necessário aos habitantes. As fontes existentes eram insuficientes e sentiu-se a necessidade da distribuição domiciliária da água necessária ao consumo da população.

         Estudado o assunto pelas respectivas entidades, foi publicado, no referido ano, o relatório efectuado que, apesar de extenso, julgamos de interesse publicar na parte que diz respeito à nossa terra.



ABASTECIMENTO DE ÁGUA À FIGUEIRA             Todo o projecto de abastecimento de águas compreende especialmente duas partes distintas, que podem constituir o objecto de dois projectos diferentes:
            1º - aquisição das águas e execução das obras necessárias para as conduzir à povoação;
            2º - distribuição destas pelas fontes e pelos domicílios.
            Foi do estudo da primeira parte deste vasto problema com relação à vila da Figueira da Foz que a respectiva municipalidade, por intermédio do seu exmo. Presidente, me fez a honra de incumbir, e cujo resultado eu agora apresento.
            O projecto que ofereço compõe-se de três partes principais:
            1ª Drenagem do solo por um sistema de galerias subterrâneas para a captagem das águas na região superior do vale da ribeira de Tavarede, no sitio denominado o “Prazo”.
            2º Assentamento da canalização de ferro para a condução das águas à vila.
            3ª Construção de um reservatório no alto do Pinhal numa altitude superior à de todas as casas da vila, para a fácil e regular distribuição da água pelos chafarizes, que se julgue conveniente estabelecer, e pelos domicílios, quando mais tarde se pretenda este desideratum.
            É claro que, pertencendo o reservatório propriamente ao sistema de distribuição, deve considerar-se formar um projecto à parte, tornando-se a sua construção independente da execução dos outros trabalhos, e podendo provisoriamente substituir-se por um grande chafariz, se a Municipalidade não estiver desde já habilitada com os meios necessários para toda a despeza.
            Primeira parte – Trabalhos de exploração subterrânea
            Não havendo à superfície do solo nos arredores da Figueira nenhuma nascente assas copiosa que fornecesse por si só o volume de águas necessário para o abastecimento da vila, era forçoso recorrer à exploração subterrânea ensaiada já em Portugal com grande proveito pelo distinto engenheiro chefe dos trabalhos geológicos, sr. Carlos Ribeiro, para o abastecimento de Lisboa. Há três anos sucessivos a água fornecida pelos trabalhos de exploração nas visinhanças de Belas à nossa capital durante a estação calmosa tem sido o suficiente para permitir continuamente o abastecimento nos domicílios, o que sem este auxílio seria impossível, como mostraram os estios de 1874, 1875 e 1976.
            Demonstrada a proficiência do sistema, e sendo as condições para a exploração nas visinhanças da Figueira incomparavelmente mais favoráveis do que em Belas, não hesitei um momento em adoptá-lo no meu projecto, confiando firmemente nos resultados.
            O sítio escolhido para a exploração deveria satisfazer simultaneamente às duas condições principais: fornecer água em abundância, e fornecê-la em altitude bastante para que, chegando à Figueira com cota assas elevada, pudesse a todo o tempo distribuir-se pelos domicílios sem haver necessidade de a levantar. Estas condições realizam-se maravilhosamente no vale do Prazo, acrescendo de mais a circunstância importantíssima, que os trabalhos podem ali estabelecer-se, de modo que se desenvolvam quase indefinidamente para o futuro, quando o aumento da população e as crescentes necessidades do consumo deste precioso elemento o exijam.
            O vale de Tavarede é, de todos os que descem da Serra da Boa Viagem, o que corre em mais baixo nível, cortando transversalmente um espessíssima série de camadas permeáveis, é nos seus flancos que brota o maior número de nascentes. A água vê-se com efeito romper por toda a parte, e especialmente no fundo dos vales e das quebradas uma vegetação activa e louçã plenamente atesta a frescura do solo.
            Seguindo os nossos trabalhos de exploração em nível inferior ao alveo da ribeira, é claro que as galerias que abrirmos colherão toda a água que as camadas contiverem no massiço superior ao plano em que elas forem estabelecidas, massiço importantíssimo, pois o relevo do solo sobe rapidamente nos dois flancos do vale, não havendo, como se disse, em toda a extensão da serra nenhuns pontos de descarga mais baixos do que este vale.
            Já dissemos noutra ocasião e agora repetimos: não é simplesmente no facto da existência das nascentes visíveis à superfície do solo do vale do Prazo, nascentes aliás valiosas, que me baseei para aconselhar a exploração de águas nesta localidade; foram principalmente considerações geológicas que me firmaram nesta escolha. Com efeito, além destas manifestações exteriores, que revelam a existência de consideráveis massas de água, no interior do solo, a garantia da permanência dessas nascentes, sobretudo quando sejam exploradas em nível inferior ao alveo da ribeira, está assegurada pela composição íntima e estrutura do solo, que é constituído por camadas pela maior parte muito permeáveis, sobrepondo-se do Sul para o Norte concordantemente, e com fraco pendor umas às outras, e inflectindo-se do Cabo Mondego para Maiorca em forma de bacia, da qual a Figueira ocupa o centro.
            A exploração que propomos será por estes motivos, pois, a mais produtiva, e muito de presumir (ou quase certo) que poderá suspender-se muito antes do limite que lhe assinamos no nosso projecto. Os trabalhos são além disso estabelecidos de modo em que não comprometem as explorações futuras, antes podem sucessivamente desenvolver-se quando convier, sem que esta ampliação do fornecimento embarace nunca o abastecimento usual.
Para isso bastará abrir pelo mesmo sistema, em nível superior ao dos trabalhos existentes, e para montante do extremo superior da galeria colectora, uma rede de galerias análogas, que poderá estender-se até às nascentes do Olho de Perdiz, onde nasce a ribeira de Tavarede, ou ainda além através da serra; estabelecendo-se a ligação dos novos trabalhos com os trabalhos antigos só depois que aqueles estejam terminados.
            Tendo apresentado os fundamentos do nosso projecto, resta agora descrever as obras aconselhadas.
            O sistema de galerias de exploração que propomos consta de uma galeria longitudinal colectora seguindo proximamente a linha do thalweg do chamado vale de Sampaio, e de várias galerias transversais ou travessas partindo desta, e seguindo a direcção das principais quebradas ou valeiros, que cortam um e outro flanco, e vem convergir naquele vale. Por agora, para assegurar permanentemente um abastecimento diário de 1.500 ou mesmo de 1.800 metros cúbicos, parece-me mais que suficiente a abertura da galeria longitudinal e das travessas indicadas na planta e nos perfis respectivos. Aquela galeria começando a 60 m. a Sul 6º E da ermida denominada na localidade do Santo Sampaio, num pequeno tanque de depuração que serve de origem ao canal, seguirá para o norte com a inclinação constante de 0.001 até 108,10 m. para montante da desembocadura do vale do Custódio, medindo ao todo 817,40 m. de extensão.
            Deste aqueduto ou galeria geral partirão para um e outro lado as travessas de exploração, cada uma de 100,0 m. de comprimento, pouco mais ou menos, também com a inclinação de 0.001 ou ainda menor, correspondendo respectivamente aos vales do Cipriano, do Bandeira, dos Gamelas, dos Ferreiras e do Custódio, vindo assim a medir todo este sistema de galerias 1.352,50 m. de extensão. Mas, repetimos, julgamos desnecessário concluir estes trabalhos para se obter a quantidade de água razoavelmente reputada necessária para um amplo abastecimento da Figueira, nestes primeiros tempos, mesmo supondo o desenvolvimento que ela deve ter por efeito da construção do caminho de ferro da Beira.
            As travessas, a que assinámos proximamente o limite de 100,0 m. (mas que poderão prolongar-se até onde o permitir a ventilação dos trabalhos, ou nalguns casos especiais suspender-se antes daquele limite, quando por exemplo as dificuldades do trabalho ou a conveniência de não causar  inutilmente alguma nascente o aconselhem) serão todas fechadas por barragens próximo da sua junção com a galeria geral, reservando-se a água que elas recebem para suprir durante a estiagem ou quebras das nascentes que alimentam directamente esta galeria. Estas travessas, algumas das quais seguem aproximadamente a direcção da estratificação (N 60º O magnº) serão abertas nas camadas de grés que durante o avanço da galeria geral se vir que são mais produtivas, ou, se elas cruzarem obliquamente aquela direcção, inflectir-se-ão de modo que vão procurá-las.
            Nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e distanciados entre si em média 118 metros, abrir-se-ão poços, que servirão para a extracção de entulhos, e ao mesmo tempo para a ventilação dos trabalhos, para o que se farão corresponder verticalmente à galeria geral, e quanto possível ao alinhamento das galerias transversais. Um deles (o nº 3) convenientemente revestido, será destinado a servir mais tarde como clarabóia de serviço, para as reparações que por acaso seja necessário fazer na galeria.
            Devendo evitar-se na execução destes trabalhos o enorme dispêndio que ocasiona a elevação das águas (dispêndio multiplamente nocivo, porque a elevação de águas estorva o regular andamento dos trabalhos, e é tanto maior quanto maior é a quantidade de água que se vai obtendo) a abertura desses poços não será simultânea mas sucessiva, e só depois que esteja concluído o lanço de galeria que a cada um respectivamente lhe fica a juzante.
            Em casos especiais mesmo, quando a ventilação permitir o prosseguimento dos trabalhos na galeria geral, o poço só se abrirá quando esta tiver passado por baixo do ponto que ele deve ocupar, podendo assim dispensar-se talvez a abertura de alguns deles, ou substituir-se por um simples furo de sonda. Em todo o caso, como a inclinação das camadas é para o quadrante do S (530º O magnético, mediana) isto é, para a origem da galeria, quando o poço vier a abrir-se já terão sido sangradas num nível inferior as camadas que ele irá atravessar.
            O único sistema, pois, que aconselho, e ao qual está ligada essencialmente a economia da obra, consiste em o trabalho seguir sempre de baixo para cima por uma só frente de ataque para cada lanço de galeria, e empregando portanto só dois grupos de mineiros. Começando os trabalhos simultaneamente na origem da galeria geral junto ao tanque de depuração, e no poço 1, que tem imediata descarga para o barranco dos Grilos, podendo rasgar-se a galeria numa das fases para que não haja que elevar os entulhos, ter-se-á completado aquele primeiro túnel e o lanço da galeria até à vertical do poço 2 proximamente ao mesmo tempo. (Para maior brevidade do trabalho poderiam atacar-se ao mesmo tempo os dois topos do túnel e a galeria do poço 1, vindo então a agrupar-se três grupos de mineiros).
            Executada esta primeira parte do trabalho, e logo que um dos grupos de mineiros tiver concluído a abertura do poço 2 (aliás de pequena profundidade, 5,574 m.), prosseguirá o avanço da galeria geral para o poço 3, ocupando-se simultaneamente o outro grupo de mineiros da abertura da travessa de exploração para o nascente, seguindo o vale de Cipriano. Concluída esta segunda parte do trabalho, e bem assim aberto o poço 3, poceder-se-á simultaneamente à abertura da travessa de exploração do vale do Bandeira, e do lanço da galeria geral até à vertical do poço 4; e assim por diante até se ter obtido a quantidade de água que se deseje.
            O poço nº 1, que será a verdadeira testa dos trabalhos de exploração, não carecerá de revestimento, porque precisamente nesse ponto passa um banco de calcáreo pisolítico de 5 a 6 metros de espessura, muito grosseiro, trechiforme,  com muitos grãos e fragmentos rolados de quartzo, na verdade rijíssimo, mas única única camada desta natureza que os nossos trabalhos terão de cortar.
            Seguindo a galeria para juzante do poço 1 quase perpendicularmente à direcção geral da estratificação consideramos que haverá somente 8,0 m de galeria e 5,638 m de poço a abrir em calcáreo. Mas como é pequena a espessura do grés (3,0 m em média acima do tecto da galeria) o melhor será remover este prisma de grés, abrindo como acima dissemos uma trincheira, isto é, rasgando a face S do poço, profundando e regularizando o barranco para fazer todo o desmonte a céu aberto, com o que se conseguirá entre outras vantagens, dar uma entrada ampla de ar para o interior dos trabalhos e portanto estabelecer uma ventilação mais perfeita, o que poderá mais tarde traduzir-se talvez numa grande economia dispensando-se a abertura de alguns poços.
            Em vista da descrição sucinta que apresentamos deve concluir-se que a descarga das águas que correrem pela galeria durante a execução dos trabalhos poderá fazer-se para o barranco dos Grilos sem que seja necessário percorrerem o túnel entre este barranco e o tanque de depuração. Assim o túnel, além de contribuir eficazmente para o abastecimento, porque romperá uma formação de grés muito grosseiras em geral e muito permeáveis, levantando-se muitíssimo o terreno que elas constituem para o poente até às cabeceiras dos vales de Pijeiros e dos Condados, prestará ainda a vantagem de isolar a testa dos trabalhos subterrâneos da dos trabalhos à superfície, tornando durante a construção totalmente independentes os dois serviços, na verdade de índole bem diferente, e portanto exigindo o emprego de pessoal distinto.
            Tendo em atenção que as nascentes descobertas pelos trabalhos subterrâneos geralmente nos primeiros tempos (o que aliás bem se compreende pela pressão que a água experimentava antes de ter aquele ponto de descarga) julgo prudente que os trabalhos de exploração se não suspendam antes que se tenha obtido pelo menos o dobro da água que se julgue necessária para abastecimento da vila, e que muito largamente pode imputar-se hoje em 500 mc ou 600 mc diários.
            O trabalho de abertura dos poços e galerias deverá fazer-se por empreitada, e seguidamente às tarefas, dia e noite sem nenhuma interrupção. Os revestimentos deverão ser feitos por administração, ou pelo menos devem ser constantemente vigiados por um mestre hábil e de inteira confiança, para que não haja a recear para o futuro desabamentos, ou mesmo pequenas reparações, que em todo o caso se tornarão dispendiosíssimas, e até poderão embaraçar ou interromper o abastecimento.
            Durante a execução dos trabalhos muito provavelmente o traçado das galerias, que indicamos, terá de modificar-se ligeiramente nalguns pontos, quando por exemplo se reconhecer a inconveniência de seguir por maior espaço uma camada de grés rijo, permeável, porventura muito aquífero, e em que a galeria não carecerá de revestimento, evitando-se desta arte uma camada de argila  pelo contrário improdutiva e difícil de suster.
            O perfil da galeria será do tipo ordinário de volta inteira, com 2,0 m de altura e 0,75 m de largura. Ao meio da soleira correrá um passeio de lagedo tosco (pedra sava) ou de grés, que dividirá as duas caleiras, e servirá para a passagem da gente, quando seja necessário visitar o aqueduto, e dos carrinhos de mão quando se careça de fazer a limpeza das caleiras ou alguma reparação, sem que a água se turve. Este passeio terá 0,35 m de largura, e elevar-se à altura de 0,25 m sobre o pavimento da galeria, vindo portanto cada uma das caleiras a ter 0,20 m de largura e 0,25 m de profundidade. (Com uma inclinação de 0,001 m por metro, segundo as permissas de M. M. Darcy e Bazin, cada uma das caldeiras laterais da galeria com 0,20 de largura e igual profundidade, dará passagem proximamente a 800 mc por dia supondo-se pouco lisa, isto é, oferecendo a superfície natural do grés, sendo a velocidade média da corrente de 0,232 m e supondo-se lisa, isto é, rebocada de cimento hidráulico misturado com areia, dará passagem a mais de 1.300 mc sendo a velocidade média de 0,402 m por segundo.
            As caleiras comunicarão entre si repetidamente, afim de alongar o trajecto que a água tem de percorrer, diminuindo-lhe a velocidade, e portanto aproveitando os depósitos dentro da galeria; esta comunicação estabelecer-se-á, quer deixando estreitos intervalos de espaço a espaço no assentamento das pedras que formam o passeio, quer talhando estas de propósito para o objectivo conforme mostra o desenho.
            Como o terreno que as galerias têm de atravessar é constituído de grés e de marnes, dominando porém muito as camadas de grés rijos sobre as de grés brandos e de marnes, calcularei que somente a terça ou quarta parte das galerias a abrir terá de ser revestida. E ainda, como só a galeria principal terá de conservar-se desembaraçada para ser visitada, podendo o traçado das travessas modificar-se à vontade, considerarei que todas estas ficam em bruto; porque para o prosseguimento dos trabalhos de avanço, nos raros casos em que as travessas terão de cortar rochas brandas, poderá empregar-se um revestimento provisório de madeira (cofragem), que será ao depois reforçado, quando a abertura da galeria estiver terminada, com os entulhos de grés vindos de outro ponto dos trabalhos, e que poderão ali acumular-se em vez de serem extraídos para a superfíoie
            Medindo a galeria geral projectada 807,40 m considerei pois que somente 250,0 m terão que ser revestidos, apreciação que certamente está acima da verdade, pois que, como dissemos, não julgamos indispensável por agora, para satisfazer às mais urgentes necessidades do abastecimento, levar a abertura desta galeria até ao extremo norte.
            Em compensação as despesas de desmonte da rocha deverão ser relativamente grandes, porque algumas camadas de grés grosseiros, contendo grossos e abundantíssimos fragmentos quartzosos, comportar-se-ão quase como as quartzitas com respeito à acção do fogo, e ao estrago das brocas e outras ferramentas.
            Também a abóbada da galeria, quando tiver de construir-se, deverá ser relativamente de grande espessura, porque de ordinário só terá de empregar-se em terreno muito frouxo, nas camadas argilosas, que alternam com as camadas rijas, as quais pelo contrário não carecem absolutamente de revestimento. O tipo que adoptámos é o de 0,40 m de espessura para os pés direitos, tendo a abóbada 0,30 de espessura no fecho. Os pés direitos serão construídos ordinariamente de alvenaria hidráulica, e a abóbada deste mesmo material ou de beton. Excepcionalmente, e só quando as circunstâncias impreterivelmente exijam, serão construídos de enxelharia.
            Pela mesma razão acima notada supomos que a maior parte da extensão dos poços de serviço que tem de abrir-se não carecerá de revestimento; todavia, como nesta espécie de obras, que estão mais expostas, há mais a recear os desabamentos, considerei que a entivação dos poços abrangerá metade da sua extensão total.
            A secção dos poços basta que seja de 2 m x 1,60 m para que, mesmo revestidos de madeira, dêem passagem fácil aos baldes com o entulho. Ao poço nº 3, destinado a servir de clarabóia, dar-se-á a forma circular com 2,0 m de diâmetro interior, a menos que ele seja aberto em rocha muito rija que não careça de revestimento, porque em tal caso conservará a forma rectangular. Deixando de fora as paredes do poço, ou dos lados do quadrado circunscrito ao circulo que o representa a largura de 0,50 m para poder assentar-se um sarilho, fechar-se-á este espaço dentro de uma casa rectangular ou quadrada, com a porta de entrada numa das faces, e uma fresta ou olhal na parede oposta, e superiormente coberta por uma abóbada de volta inteira, de beton ou alvenaria hidráulica.
            Correspondendo este poço à vertical da galeria geral convirá cobrir no fundo as caleiras com uma capa de lagedo, afim de que a água não se suje, mormente quando tiver de fazer-se alguma reparação.
            Para facilidade do serviço terá de cobrir-se a soleira da galeria com um estrado seguido de madeira, formado de taipais soltos, por baixo dos quais passará a água sem o que o movimento dos carros dentro da mina se tornaria muito moroso e incómodo. É este um elemento de despesa a que há que atender, mas de pouca importância aliás, porque os mesmos taipais, poderão servir sucessivamente, passando-os de um  lanço de galeria já concluída para o outro em avanço.
            Finalmente no primeiro lanço de galeria a juzante do poço 1, as caleiras serão revestidas de uma capa de reboco hidráulico, para que seja mais fácil a limpeza, podendo conservar-se a caldeira daquele poço na largura da galeria para servir como um primeiro tanque de deposição. No resto das galerias as caleiras só serão revestidas onde for absolutamente indispensável.
            As águas exploradas pelos trabalhos subterrâneos serão recebidas num tanque completamente enterrado, onde começa a canalisação de ferro. Este tanque, a que chamaremos de depuração ou de deposição, porque as águas depositarão ali as matérias sólidas, areia ou argila, que arrastarem, reputo-o de indispensável, porque sendo a canalisação de ferro de pequeno calibre, (0,15 m) e seguindo em repetidas ondulações para se adaptar à configuração do solo, é da maior importância que a água entre nela o mais límpida possível.
            Este tanque, de que os desenhos dão uma perfeita ideia, é dividido longitudinalmente por um muro em dois compartimentos distintos e independentes, cada um com a sua descarga especial para a ribeira para se fazer a limpeza, e além disso divididos transversalmente por três septos, o do meio móvel (corrediça ou adufa submersível), formando uma espécie de labirinto, que a água é obrigada a percorrer antes de chegar à tubagem de ferro.
            Na extremidade de cada uma das caleiras há uma adufa, de forma que, estando levantadas ambas e abertas as duas torneiras de passagem na origem da canalisação, a água passará simultaneamente por ambos os compartimentos do tanque; pelo contrário, se se fechar uma das adufas e a torneira de passagem correspondente, obrigar-se-á a passar toda por um dos compartimentos, podendo fazer-se a limpeza do outro, sendo preciso, sem a mínima interrupção no fornecimento.
            Para quebrar a velocidade da água, à sua entrada no tanque há uma espécie de descarregadouro a juzante de cada adufa, crescendo sucessivamente a inclinação do fundo da caleira, e ao mesmo tempo alargando a superfície onde pode desdobrar-se a lamina de água.
            O tanque será encerrado numa casa rectangular de 2,0 m x 5,25 m de área interior, servindo as paredes laterais do tanque em parte de alicerce às suas duas paredes mais extensas, e coberta por uma abóbada de volta inteira de beton ou de alvenaria hidráulica.
            O acesso ao tanque far-se-á por um lanço de 5 degraus, disposição necessária para que a tubagem saia do tanque enterrada à profundidade de 1 m que deverá manter em todo o seu trajecto, e para que a parede oposta à porta ganhe a altura conveniente para se poder nela abrir uma fresta ou olho-de-boi para iluminar a casa e para ventilação.
            O muro divisório do tanque será coberto por um capeamento de lajedo de 0.50 m de largo, para permitir a passagem para dentro da galeria ao guarda, que deve inspecioná-la, e fazer a manobra das válvulas de descarga quando seja preciso. Como é óbvio, o fundo deve ter escoante para estas válvulas.
            O fundo do tanque será formado por uma camada de betão; as paredes laterais e o muro da divisória central, de alvenaria hidráulica; e as paredes da casa, de alvenaria ordinária. As paredes do tanque e bem assim as da casa serão revestidas interiormente de uma capa de reboco hidráulico.
            O curso que a água tem de percorrer até à sua chegada ao alto do Pinhal é muito difícil, porque o solo a que tem de sujeitar-se a canalisação é muito acidentado. Como se vê na planta a direcção geral da canalisação não se afasta muito da da direcção rectilínea; no plano vertical é que é obrigada a dobrar-se em repetidos sifões, seguindo-se sem interrupção uns aos outros, até que o traçado chega à estrada frente à quinta de S. João, para transpor as quebradas do solo, que não poderiam tornear-se sem um grandíssimo desenvolvimento no traçado, e algumas delas nem mesmo assim. (Este relatório continua a publicar-se em vários números seguintes para explicarem a condução das águas para a Figueira e a sua distribuição, o que não copiei por não interessar directamente a Tavarede)
  









O Associativismo na Terra do Limonete - 103

Mais uma vez, regressemos um pouco atrás. Já sabemos que o dia primeiro de Maio era, nos bons velhos tempos, um dia muito desejado na nossa terra. O rancho dos potes floridos era sempre esperado pelas gentes da Figueira, que acorria a aplaudi-lo à sua passagem e o seguia até aos locais onde exibia as suas danças, ao som da tuna bem afinada,e cujas frescas vozes dos garbosos pares subiam aos ares, onde se misturavam com o delicado perfume das nossas flores e do sempre bem cheiroso limonete.

Pois foi este dia, primeiro de Maio, o escolhido para o surgir de uma nova associação na nossa freguesia, o Grupo Desportivo e Recreativo da Chã. Foi no ano de 1976. Ainda somos do tempo em que este local era muito pouco habitado. Com o desenvolvimento da cidade, a Chã foi um dos lugares mais procurados para habitação. O sítio era excelente e proporcionava excelente qualidade de vida aos residentes. Com o aumento populacional, breve se tornou necessário criar um local que oferecesse possibilidades de convívio e de recreio. E foi desta forma que nasceu a nova colectividade. As suas primeiras actividades, além do recreio e convívio proporcionado aos locais, foram o desporto e o folclore. Uma equipa de futebol foi criada e o Rancho Infantil Estrelinhas da Chã foi formado. Em breve se desenvolveriam estas e outras actividades.

Em Maio de 1978, o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, que se encontrava instalado no velho solar dos condes de Tavarede havia cerca de cinquenta anos, enfrentava enormes dificuldades devidas ao estado ruinoso do edifício. De notar que, logo que o novo proprietário adquiriu o imóvel, exigiu a saída da colectividade, a qual chamou a sua atenção para a dificuldade que haveria em arranjar um edifício para colocar os haveres do Grupo. O senhorio recusou-se a colaborar com a associação e, nos termos legais, o valor da renda passou a ser depositada em estabelecimento bancário.

Tentando resolver o assunto, verifica-se que, em Abril de 1977, foi realizada uma assembleia geral extraordinária. Foi apresentada uma proposta de venda em regime horizontal, da parte que ocupamos, por parte do senhorio, cuja proposta se cifrava em 300.000$00. Foi encarado o assunto em pormenor, chegando-se à conclusão de ser inviável não só a responsabilidade na compra, como ainda no futuro, para a hipótese de obras, muito especialmente no quer diz respeito ao exterior, atendendo a que contrairiamos a responsabilidade em 1/3 do referido prédio em possíveis obras exteriores. Foram tiradas diversas conclusões, mas pairando sempre entre todos os presentes, a situação caótica em que todos os pontos sensíveis do prédio estão em decadência total, referiu-se não só ao telhado como ainda as paredes, muito especialmente a do lado que ocupamos. Foi ventilada a hipótese de fazer seguir até à Junta de Freguesia as nossas grandes preocupações, quanto ao futuro na continuidade do Grupo nesta casa, na medida em que somos todos da opinião geral de que a detereorização do prédio se está a acentuar dia a dia, atendendo a que não só a parte que ocupamos, como a parte que pertence ao senhorio, se encontra em perspectiva de ruina.

Foi, então, que a direcção do Grupo fez publicar o seguinte comunicado: Presentemente a sua actividade está relativamente parada, pois que houve um autêntico abandono pelas pessoas que nos parecem deveriam e tinham obrigação de olhar mais de frente para uma Colectividade que os seus antepassados tanto ajudaram a sua continuidade.
         Apresenta-se-nos a nós, Directores de momento, um aspecto de continuidade muito sombrio, pois como V. Exa. deve saber as instalações desta estão situadas desde 1935 mais ou menos, no Palácio de Tavarede, o qual como é do vosso conhecimento está em completa degradação. Entretanto vamos orientando a sobrevivência desta, abrindo a porta mais ou menos todos os dias para alguns dos seus associados que queiram vir até cá divertir-se um pouco, vendo Televisão, ouvindo telefonia e pouco mais.
         Vamos entretanto, a partir deste momento, organizar uma pequena Biblioteca, pois que acabamos de receber da Câmara Municipal, um subsídio de 5 000$00 para esse fim, aliás ao que temos conhecimento, nunca houve em momento algum passado, qualquer subsídio em favor desta. E vamos ficar por aqui na medida em que também não podemos ter a continuidade de bailes dada a situação caótica do referido Palácio, como já atrás referenciámos. 
         Quanto a projectos em curso, estão limitados, no entanto há um sonho, que embora continuando, se vai desvanecendo com o tempo, que seria uma Colectividade mais capaz, no entanto temos um grande obstáculo que é a falta de terreno, do qual está muito pendente uma possível continuidade desta.
         Continuamos na expectativa, no entanto como devem ter conhecimento as Direcções destas Casas são normalmente substituidas de ano a ano, o que torna sempre dificil uma solução a largo prazo. No nosso caso e como atrás foi dito, por desinteresse absoluto esta presentemente conta apenas com umas boas vontades de jovens, embora poucos, que não querem deixar que encerre as suas portas.
         Isto torna-se como é de calcular num martírio contínuo de sofrimento sem que se veja a cura a aplicar-lhe. Não temos dúvida nenhuma em que se assim o entenderem e se quizerem mais algum pormenor que achem conveniente, inclusivé vir até esta para mais de perto estar em cima das realidades e também porque talvez se pudessem aflorar mais alguns assuntos de maior interesse, estar à vossa disposição, pois que entendemos que assuntos desta natureza, deveriam vir mais vezes e portanto com maior realce na imprensa quer regional quer ainda mesmo na maioria dos casos na Nacional.
         Há um pormenor que nos ficou retido e que vamos dar-lhe algum realce: sendo isto uma casa de Sócios e para Sócios, implica sob pena de multa dar todos os anos relação às Finanças do seu movimento de bufete, achamos absurdo, entretanto tivémos já há três anos a esta parte isenção de pagamento de contribuição, no entanto temos que ter escrita montada de compras e vendas como qualquer estabelecimento, se houver qualquer esquecimento no preenchimento obrigatório e anual dos elementos da Contribuição, é certo e sabido que de seguida vem uma multa, no nosso caso é muito fácil acontecer pois como atrás foi dito as Direcções mudam de ano para ano.
         Também continuamos a pagar à Polícia o funcionamento do nosso Bufete melhor dizendo a licença para a sua abertura, outra anomalia, mas vamos cumprindo, também ainda não deixamos de pagar a taxa da Televisão, que também consideramos uma das maiores injustiças que se podem fazer.
         É evidente que estou neste caso a falar de nós e por outras que concerteza estão nas circunstâncias idênticas às nossas”. Apesar da precariedade das instalações, ainda se tentava a continuidade.   

No mês de Outubro do mesmo ano, o grupo cénico da Sociedade fez a reposição da peça O processo de Jesus. Este acontecimento ficará para sempre registado na história da colectividade. A sua amadora, Violinda Medina e Silva, que abandonara o palco, havia dois anos, devido ao falecimento de sua única filha, reapareceu em cena neste espectáculo.

No mês seguinte, a Sociedade iniciou os preparativos para comemorar as suas Bodas de Diamante. Não é vulgar o caso da Sociedade de Instrução Tavaredense – fiel à sua origem e durante mais de meio século trabalhando, lutando e persistindo numa obra de educação e cultura do Povo.
         Ao fundá-la, há 75 anos, aquele grupo de humildes tavaredenses foi movido por um pensamento que, sem dúvida alguma, enobrece: assegurar a existência de uma escola nocturna para ensino de adultos e menores. Sentiam, talvez mais do que sabiam, que sem instrução não é possível alcançar os direitos morais e materiais que distinguem o homem. Criaram a escola e, logo no primeiro ano, deixaram a funcionar um grupo dramático, que reacendeu a tradição local do teatro.
         Vinte anos depois, ao aprovar os estatutos actualmente em vigor, a Sociedade de Instrução Tavaredense definiu mais concretamente, de harmonia com a maior amplitude da acção que vinha desenvolvendo, os fins que se propunha: a instrução e educação das classes populares, através de uma escola nocturna para adultos e menores, da biblioteca e do teatro.
         À instrução associava-se a educação. A obra meritória de ensinar a ler e a escrever completavam-se com a acção educativa e cultural.
         Os 50 anos de vida desta instituição de Tavarede, uma das freguesias consideradas meio-termo entre urbano e rural, constituem uma afirmação honrosa, que o passado comprova cabalmente, de forma elogiosa. Mas, e o futuro?
         As modestas e tão úteis colectividades de educação e recreio, de há tempos a esta parte vêem-se acumular dificuldades ao cumprimento da missão que a si próprias impuseram. A Sociedade de Instrução Tavaredense sente-lhes o peso, como não podia deixar de ser. A sua escola nocturna, que funcionou ininterruptamente até 1942, teve de encerrar. E a acção educativa e cultural do teatro também já chegou a estar ameaçada, embora ainda não esteja completamente livre de perigo.
         Com o errado critério de ver fontes de receita em actividades que não deviam sê-lo, as colectividades de educação e recreio suportam encargos que o Estado e as autarquias locais bem podiam isentá-las, já que lhes não prestam o auxilio material que era dever conceder-lhes. A esta, outras razões haveria a juntar. O certo, porém, é que, com maior ou menor sacrifício, suportanto esta e aquela dificuldade, as colectividades em causa não desanimam na sua actividade, ao ponto de se deixar morrer. Elas são, em certos casos, a alma de um povo. E a Sociedade de Instrução Tavaredense não foge à regra.
         E é precisamente esta colectividade que se apresta para comemorar o seu 75º aniversário (foi fundada em Janeiro de 1904). A direcção da Sociedade, pretendendo comemorar convenientemente as suas “Bodas de Diamante”, resolveu juntar a si um grupo de sócios, com o fim de elaborar um programa comemorativo, de acordo com o passado de que Tavarede tanto se orgulha.

         Assim, no dia 1 de Dezembro abrirão as comemorações com uma exposição evocativa da história da SIT; terá lugar a publicação de um livro (“75 Anos… e Caminhando”, de José da Silva Ribeiro), de continuação ao anterior, “50 Anos ao Serviço do Povo”, em que são passados em revista os principais momentos da história da Sociedade; em Janeiro, estrear-se-á uma nova peça escrita pelo director cénico, na linha das anteriormente dedicadas, também elas, à história de Tavarede (“Chá de Limonete”, “Terra do Limonete”, “Cântico da Aldeia”, etc.); serão, também, realizados espectáculos culturais e desportivos, a par de confraternização entre sócios.