quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Manuel da Silva Jordão

Natural de Lavos, viveu durante muitos anos no lugar dos Carritos, onde era dono de uma quinta. Possuidor de avultados meios de fortuna, foi um grande protector do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense.

Fez um importante donativo à Câmara da Figueira para a compra do terreno onde está construída a escola primária dos Carritos, e doou o terreno necessário para a construção da Capela erigida no mesmo lugar.

Comprou os prédios, sitos na Rua Direita, onde viveu a família Águas e, conhecedor das deficientes condições em que estava instalado o Grupo Musical, cedeu-lhes aquelas casas para sua sede, sem lhes cobrar qualquer renda. Ainda colaborou nas obras ali realizadas para adaptação à sede, pelo que, em Janeiro de 1915, por ocasião da inauguração da referida sede, lhe foi prestada homenagem e descerrado o seu retrato, que foi colocado em lugar de destaque na sala de espectáculos.

Continuou, ao longo do tempo, a proteger aquela colectividade e, em 1924, anuindo à vontade manifestada pelos sócios, vendeu-lhes o aludido prédio em condições muito favoráveis e concedendo-lhes um dilatado prazo para pagamento de metade do valor da venda.

Por várias vezes a colectividade o homenageou e, pela Páscoa, todos os anos a Tuna o ia visitar aos Carritos para lhe desejar as Boas-Festas. No entanto, em 1928, como o Grupo Musical nunca havia feito qualquer amortização ao débito, exigiu a sua liquidação.

Não há muito conhecimento da forma como aconteceu a regularização da dívida, mas tudo terminou pela venda da sede e consequente mudança para outras instalações.

O que se sabe é que, em 1929, o presidente da Direcção da colectividade “deu conhecimento que já havia liquidado contas com o credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo senhor seja suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da Direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propôs também que fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta, o que pôde ser feito acto contínuo, não deixando, no entanto, de ser levado este gesto ao conhecimento da digna Assembleia Geral, na primeira oportunidade”. Não comentamos e não conseguimos encontrar o retrato em questão. Mas sabemos que, em 1930, Manuel da Silva Jordão voltou a colaborar com o Grupo Musical, ofertando-lhe as acções de que era titular.

Também prestou colaboração ao Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense.

Faleceu na sua terra natal, em Fevereiro de 1954, com a idade de 94 anos. Foi casado com Ana Maria da Silva Jordão, brasileira, que faleceu em Fevereiro de 1933, com 54 anos de idade.
Caderno: Tavaredenses com História

D. Francisco de Almada e Mendonça

Nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1757 e morreu em 18 de Agosto de 1804, no Porto. Casou, em 26 de Dezembro de 1791, com D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, 10ª Senhora de Tavarede.

“… a laboriosa gente tripeira conhecia-o pelo ‘Grande Almada’. E foi, de facto, um Homem Grande, pela verticalidade das suas atitudes, pelo seu espírito empreendedor e larga visão das coisas públicas, mas, principalmente, pela magnanimidade do seu coração. Na Misericórdia da Cidade Invicta deixou um rasto de humilde caridade, pouco vulgar no seu tempo, em homens da sua condição. E, pelos vistos, também Tavarede sentiu os efeitos da sua bondade em grau que seria interessante averiguar e divulgar.

No entanto, este Grande Homem, morreu pobre e quase esquecido de todos, por razões que ainda hoje não estão muito aclaradas, mas a que não seria estranha certa política rasteira e cavilosa de almas pequeninas. A estatura moral e cultural do Grande Governador não lhe permitiriam furtar-se às venenosas mordeduras dos invejosos”.

Bacharel em Leis e doutor em Cânones, pela Universidade de Coimbra, foi desembargador do Paço, 1º. Senhor donatário da vila de Ponte da Barca, 1º. Alcaide de Marialva, inspector das Obras Públicas nas províncias do Norte e Juiz-Geral das coutadas reais do Reino, encontra-se perpetuado na cidade do Porto, com o seu nome atribuído a uma das principais ruas. Está sepultado no Prado do Repouso, num mausoléu encimado por um busto esculpido por Soares dos Reis.

Mostrou sempre grande interesse pelo desenvolvimento cultural do povo. Foi ele quem mandou construir, no Porto, o Teatro de S. João, para o qual contratou as melhores companhias estrangeiras e nacionais, de teatro, ópera e bailado.

Passando grandes temporadas, com sua família, em Tavarede, presume-se ter sido ele o introdutor do teatro na terra do limonete, como meio de educação e instrução do povo tavaredense.
Caderno: Tavaredenses com História

Joaquim da Costa e Silva - Padre

Natural da Ereira, concelho de Montemor-o-Velho.

Foi provido no cargo de pároco de Tavarede em Junho de 1894, a que havia concorrido, por vaga devida à saída do padre António Augusto Nobreza. Era, então, coadjutor na paróquia de Paião.

Foi uma figura assaz controversa. Era uma pessoa muito inteligente e exerceu, em simultâneo com as funções paroquiais, o cargo de vereador na Câmara Municipal da Figueira. “Os próprios adversários políticos reconheciam-no como um denodado lutador pelo bem-estar dos povos das paróquias onde esteve”. Depois do Paião e Tavarede, foi transferido para Quiaios, em 1901, onde se manteve até ao seu falecimento em 28 de Dezembro de 1923.

“A doença que há tempo assaltava este sacerdote, há muitos anos colocado na freguesia de Quiaios, acabou na pretérita quinta-feira por subjugá-lo. O padre Joaquim da Costa e Silva que, antes de paroquiar Quiaios, esteve a dirigir a igreja de Tavarede, foi sempre um político activo, pondo a sua influência ao serviço dos homens que aqui defendiam a política regeneradora, antes de proclamada a República e, na vigência desta, dos que, monárquicos ou republicanos, combatiam a política democrática”.

Deve-se à sua influência a instalação da primeira escola primária oficial na nossa terra, no ano de 1896. Morou na casa da família Águas, tendo nós encontrado uma pequena nota que refere “… um ornamento da vida eclesiástica, que bem concebe, perante a ciência do século, qual o seu lugar como padre e como cidadão. Padres assim não destroem; moralmente, edificam”.

Teve uma história muito polémica na nossa terra. Quando teve conhecimento que o Conde de Tavarede, residente em Trancoso, havia resolvido vender a sua propriedade e solar, dirigiu-se àquela localidade para solicitar-lhe “um guarda-roupa para uma aplicação religiosa”.

Foi atendido e o Conde passou-lhe um bilhete para entregar ao seu feitor, no qual lhe ordenava que desse ao pároco “o que fosse preciso para a igreja”. Não vamos questionar o teor da conversa do padre Costa e Silva com o Conde. O que aconteceu é que levou muito mais mobília do que “um simples guarda-roupa”. De tal forma que, quando veio a Tavarede para assinar a escritura da venda e resolver o que fazer do restante de seus bens que aqui possuía, ao tomar conhecimento do que o pároco levara, teve o seguinte desabafo: “se a casa tivesse rodas também era capaz de a levar para casa dele”.

Todas estas notas foram recolhidas da imprensa local da época.
Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 56

Em Maio de 1971 e por proposta dos representantes dos jornais da Figueira da Foz, a nossa Colectividade é distinguida com o prémio “Divulgação e Propaganda da Figueira da Foz”, instituido pela Companhia de Seguros O Trabalho, tendo a respectiva medalha sido entregue durante um almoço efectuado na Piscina Praia.

O 68º aniversário, comemorado nos dias 22 e 23 de Janeiro de 1972, foi, uma vez mais, de excepcional relevo para a Sociedade de Instrução. No espectáculo de gala, foi levada à cena um nova peça de Shakespeare, Conto de Inverno, “pela primeira vez representada em Portugal, numa adaptação correcta e feliz de José Ribeiro. Foi, efectivamente, um êxito. A peça de Shakespeare é cuidadosamente posta em cena. O ritmo do espectáculo, a harmonia da movimentação das massas de figurantes, o luxo e a magnificência do guarda-roupa – são atributos dum espectáculo verdadeiramente invulgar”.

Medalha de Ouro da Cidade da Figueira da Foz - atribuida à Sociedade de Instrução Tavaredense

Na sessão solene, realizada na tarde de 23 de Janeiro, e que foi presidida pelo vereador do pelouro da Cultura da Câmara Municipal da Figueira da Foz, dr. Carlos Albarino Maia, foi anunciado, por este autarca, que havia sido atribuida à nossa Colectividade a “Medalha de Ouro de Serviços Distintos”.

“Por proposta do então vereador do pelouro da Cultura, dr. Marcos Lima Viana, a edilidade cessante, com plena concordância do sr. presidente da Câmara Municipal, aprovou por unanimidade a concessão da “Medalha de Ouro de Serviços Distintos” às prestigiosas colectividades da nossa terra – Sociedade Filarmónica Figueirense e Sociedade de Instrução Tavaredense – galardão a que fizeram mais do que inteiro jus, através duma notável, vasta e prolongada acção cultural, artística e beneficente sobejamente conhecida de todos os figueirenses para que seja necessário referi-la em detalhe, comentá-la e exaltá-la, o que constituiria uma redundância e também de certa forma injustiça aos sentimentos de gratidão dos nossos conterrâneos, que pelas duas agremiações homenageadas nutrem bem sinceras, palpáveis e comprovadas, simpatia, estima e consideração, a que o bairrismo junta o sal de um grande orgulho por as ter no seu seio e pela maneira exemplar como têm servido e honrado a Figueira, orgulho sob todos os aspectos tão compreensível como legítimo”.

No dia 4 de Junho de 1972, durante um espectáculo realizado na Sociedade Filarmónica Paionense, que inaugurou o novo palco desta colectividade, foi prestada homenagem com o descerramento de uma lápida com a inscrição: “Homenagem ao grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense – Inauguração do nosso palco – 4.6.1972”. Foi ali representada a peça “A Forja”, que obteve enormes aplausos.

Fotografia de 'Camões e os Lusíadas'
Ainda neste ano “um outro espectáculo avultou, pelo seu interesse e real valor”. Foram as comemorações do “IV Centenário da Publicação de Os Lusíadas”, com um programa constituido pelo “Auto de El-Rei Seleuco”, de Luís de Camões, e “Camões e Os Lusíadas”, da autoria de Mestre José Ribeiro.

Na apresentação deste espectáculo no teatro do Casino Peninsular, foi entregue à Colectividade a “Medalha de Ouro de Mérito”, que nos havia sido concedida pela Câmara Municipal. E no dia 12 de Novembro do mesmo ano, estas comemorações foram encerradas com o mesmo espectáculo na nossa sede, estando presente o Prof. Dr. Hernâni Cidade, presidente da Comissão de Honra das Comemorações Camoneanas.

O Dr. Hernâni Cidade, na evocação a Luís de Camões

“Foi tudo para mim uma impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com simpatia de tão espontânea generosidade e com palavras de tão calorosa eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela interpretação do auto camoneano – “El-Rei Seleuco”. Inteligente a interpretação, adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela – a melhor, a mais comovida e autêntica maneira de lha agradecer...”, escreveu, posteriomente, aquele ilustre visitante numa carta enviada a um seu amigo.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 55


“Dente por Dente” foi o peça seguinte de Shakespeare, apresentada ao público tavaredense. “Trata-se da tragicomédia em 2 partes e 14 quadros “Measure for measure”, na versão de Luís Francisco Rebelo, que em português lhe deu um sugestivo título: “Dente por Dente”. Fez a sua estreia no dia 6 de Julho de 1968.


Dente por Dente - de Shakespeare

A representação, resultou “boa prova de maturidade técnica de palco, cenários, trajos, sons e luzes; representação modesta mas honesta de um esforçado grupo de amadores”. O tradutor desta peça veio propositadamente a Tavarede assistir a uma representação. Depois do espectáculo, o dr. Luís Francisco Rebelo escreveu este apontamento para um jornal local: “Devo à gente de Tavarede, a todos os elementos do seu grupo teatral, desde José Ribeiro ao mais modesto e anónimo, e a todos os espectadores, porque é da conjunção de uns e outros que torna possível esta coisa extraordinária a que assisti – devo a todos, repito, uma das mais belas, mais puras e mais exemplares lições de amor, de verdadeiro amor pelo Teatro”.

Poucos meses depois, a SIT recebeu, uma vez mais, a honrosa visita do Prof. Doutor Paulo Quintela. A 1 de Fevereiro de 1969, em récita oferecida em sua honra, foi representada a comédia “O Avarento”, de Molière, numa tradução daquele ilustre Professor e Homem de Teatro. “Representar deve ser sempre um acto sério, para os amadores de Tavarede; mas representar diante do mestre de Teatro Paulo Quintela, era coisa bem mais grave: imprimia ao acto uma espécie de solenidade... E a prova foi positiva! As figuras gradas não deixaram de o ser e as mais humildes generosamente deram o melhor de si; certas posições no palco ganharam um pouco de à-vontade, algumas vozes adquiriram naturalidade maior, e a representação subiu toda”. E no final, Paulo Quintela foi ao palco. “E deu uma lição. As suas profundas raízes no povo, a sua completa escola de teatro, a sua cultura verdadeira, a sua vivência de professor, tudo ali se juntou, para uma lição inteira, com exposição e crítica, com aplauso e apelo”.

Na récita do aniversário de 1969, foi prestada significativa homenagem “a nossa prestigiosa e incansável amadora Maria Teresa de Oliveira, que desde os 11 anos tem prestado a sua inestimável colaboração ao nosso grupo cénico, e a quem se ficam a dever inesquecíveis criações. Homenagem justa a todos os títulos e que envolveu nesse dia a Maria Teresa de Oliveira do carinho e da simpatia que tão bem merece a mais antiga amadora em actividade no nosso grupo. Festa dum enternecedor encanto, bem digna da modéstia da Maria Teresa, que nos encheu o coração de rara e inesquecível beleza”.

Maria Teresa de Oliveira, homenageada pela Sociedade de Instrução Tavaredense

Seguiram-se novas peças. “Alguém terá de morrer”, de Luís Francisco Rebelo e “Tartufo”, de Molière, foram as representadas. Um dos comentários feitos à primeira, termina assim: “Esta Sociedade de Instrução Tavaredemse seria mesmo um dos casos mais dignos de interesse, no historial da iniciativa particular na Cultura local. Que tema, para uma tese de licenciatura!”. Sobre a segunda “mais uma vez, a representação foi um êxito: casa praticamente cheia, interessada, vivendo o sabor da acção que no palco ocorria, rindo-nos nos momentos de rir, sentindo menos os momentos de sentimento”. Mais adiante, surge este comentário: “... sente-se, de resto, neste precioso grupo amador, uma crise de gerações entre os mais velhos do palco e os novos nele, falta uma meia-idade; de onde, talvez, o desequilíbrio a que acabamos de aludir. Onde estarão os sucessores directos e naturais dos “velhos?”... Parece-nos que seria necessário aos jovens que lá andam que amadurecessem teatralmente depressa, muito depressa. E estará isso ao seu alcance?...”.

Um quadro da fantasia 'Histórias... e histórias de Tavarede', de Mestre José Ribeiro

Para o aniversário de Janeiro de 1971, Mestre José Ribeiro escreveu “Histórias... e História de Tavarede”, uma saborosa e curiosíssima fantasia. Com vistosos cenários, música alegre e guarda-roupa da época, “esta fantasia é, ao mesmo tempo, um regalo para os sentidos e uma proveitosa lição de história, desenvolvida com graça e leveza”.

Em Setembro de 1971, é representada, em Tavarede, “A Forja”, de Alves Redol. Como habitualmente em estreias, Mestre José Ribeiro fez aos assistentes desenvolvido comentário à peça. “...


Cena da tragédia 'A Forja', de Alves Redol

A propósito das críticas terem notado na “Forja” de Redol influência de Lorca e de Brecht, e lembrando outras palestras anteriores em que se falara aos tavaredenses dos estilos e das técnicas do teatro medieval, clássico e burguês, muito resumidamente referiu a técnica brechteriana da distanciação, o teatro épico, oposto à forma dramática do teatro: nesta, o teatro é activo, o actor toma o lugar do próprio personagem, o espectador sente a acção, é arrastado para ela; o teatro épico é narrativo, nele o actor não representa, não sente a acção, narra-a e o espectador não é imiscuido na acção, analisa-a e toma posição”. Mais adiante referiu: “A linha de encenação será diferente... Mesmo assim, a consciência diz-nos que não atraiçoámos Redol, antes o quizemos dar ao povo desta aldeia, com humildade, sim, mas com perfeito sentido de dignidade. Queremos que os actores tavaredenses sintam as suas personagens... desejamos que o público sinta a peça em toda a sua profundidade e extensão...”.

sábado, 18 de setembro de 2010

Uma conversa na Escola de Tavarede

Um dia, já lá vão mais de 12 anos, fui convidado para ir conversar um pouco com os alunos da Escola Primária de Tavarede, sita junto da Junta de Freguesia. Ao procurar ordenar as notas dispersas pelas muitas disquetes que tenho guardadas, encontrei a nota que escrevi e li àqueles alunos, que, diga-se desde já, ouviram com muita atenção e paciência, as divagações que fiz para lhes contar um pouco da história de Tavarede. E parece que gostaram, pois, no final, foram várias as questões postas e sobre as quais conversámos um bocado. Talvez seja ocupar um bocado de espaço desnecessariamente, mas resolvi transcrever aqui aquela conversa e aqui vai:


TAVAREDE - Um bocadinho de história

Se fossem uns anitos mais novos, começaria a nossa conversa sobre Tavarede da seguinte maneira:
“Era uma vez uma aldeia pequenina, muito linda e perfumada, que ficava situada perto da costa do mar e que em tempos muito antigos, ainda antes de haver reis em Portugal, já era uma terra muito importante...”
E, na verdade, a história de Tavarede presta-se bastante a ser assemelhada a um daqueles contos de fadas de que tanto gostávamos de ouvir quando eramos pequeninos. Bastará dizer que até tem uma lenda, uma linda lenda, aliás, em que aparecem cavaleiros andantes e mouras encantadas, tendo uma delas, depois de quebrado o encantamento, sido levada para uma “terra aprazível, rica de plantas aromáticas, de cheiro rústico e agradável, persistente e suave...” Era, nada mais nada menos, do que a nossa terra do limonete.
Mas isso seria para os mais pequeninos. Para vocês, a verdade da história da nossa terra já terá de ser contada de uma forma realista, tal qual ela aconteceu e como, pelo menos até agora, se conseguiu apurar desde os tempos mais antigos.
A primeira vez que, em documento oficial, aparece o nome de Tavarede, é numa doação feita, em 1092, a um poderoso fidalgo beirão, de nome João Gondezendis, do lugar de S. Martinho de Tavarede.
Tem muita curiosidade o facto desta doação, feita por D. Elvira e seu marido, então governador da cidade de Coimbra, falar na nossa terra dizendo: “concedemos-te na mesma já mencionada vila de S. Martinho todos os que outrora ali recebeu Cidel Paiz do Conde D. Sesnando, que Deus tenha, e estão situados no território de Montemor para o lado da praia ocidental”.
Recordando, um pouco, a nossa história, lembremos que a península Ibérica, no ano de 711, foi invadida pelos muçulmanos ou mouros. Os cristãos refugiaram-se nas serranias do norte e do noroeste da península donde, logo que reorganizados, iniciaram lentamente a reconquista do território invadido, a qual, como sabemos, só foi totalmente conseguida já no século XIV.
A cidade de Coimbra, importantíssima pela vasta área que dominava e pela relativa proximidade do mar, foi reconquistada aos mouros por Fernando I, o Magno, rei de Leão e Castela, no ano de 1064.
À medida que os mouros iam recuando no terreno, iam destruindo tudo quanto eram obrigados a deixar para trás. Não sendo cristãos, as igrejas e os templos eram os principais alvos da sua fúria destruídora.
Assim aconteceu nesta nossa região, depois da tomada de Coimbra. Nomeado governador da cidade D. Sisnando, que passou, então, a usar o título de conde, terá de imediato este fidalgo iniciado o repovoamento e reconstrução dos lugares e vilas nos territórios entretanto reconquistados.
Para Tavarede, ou melhor dizendo, para o lugar de S. Martinho da vila de Tavarede, nomeou Cidel Paiz, de quem pouco se sabe, mas que terá sido, com toda a certeza, o repovoador e reconstrutor da nossa terra.
Após a morte do Conde D. Sisnando, toda esta região terá passado à posse de sua filha, a já referida D. Elvira que, como vimos, a doou a João Gondezendis.

* * * * *

Antes de continuarmos com a nossa história, vamos recuar um pouco no tempo.
Sabemos que antes da conquista muçulmana Tavarede era habitado por um povo cristão, talvez lusitanos. Mas... e anteriormente?
Ainda se não sabe qual o origem da nossa terra. Há três ou quatro séculos, foram encontrados no então edifício da Câmara de Tavarede, uns pergaminhos que se não conseguiram ler, pelos seus caracteres estranhos e bastante sumidos, e que se encontram na Torre do Tombo, em Lisboa. Talvez que, quando decifrados, se faça finalmente luz sobre as origens da povoação de Tavarede.
Também do seu nome não há a certeza de que derive. Conhecem-se várias versões. Para nós, a mais convincente e que achamos mais lógica, é a seguinte:
“... uma das características da região tavaredense são os numerosos outeiros que, nos tempos antigos, eram os limites naturais da posse dos terrenos, e que, em liguagem hebraica, se chamavam TAVAH. Por outro lado, sabe-se que toda estava vasta zona por onde agora se estendem as várzeas, eram regiões pantanosas e insalubres. Admitindo, como já se disse, que Tavarede tivesse sido dominada pelos lusitanos e, após a derrota destes, pelos romanos, é natural que para darem o nome a esta região tivessem conservado o radical semita TAVAH e lhe acrescentassem a desinência latina ETUM que, combinadas, teriam levado a TAVAREDE. Aquela desinência é um substantivo latino, comum, que designa grande porção de seres ou objectos idênticos, como arvoredo, vinhedo, mosquedo, etc.
No nosso caso diremos que a palavra TAVAREDE é composta pelo radical TAVAH (outeiro ou limite) e pela desinência ETUM (mosquedo, absolutamente natural em terreno pantanoso).

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Retomemos a nossa história.
Os bens doados a João Gondezendis, voltariam, pela sua morte, a fazer parte integrante dos bens pertencentes ao entretanto fundado Condado Portucalense, passando, depois, para a coroa portuguesa, logo que o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, conquistou a independência.
Seu filho e herdeiro, D. Sancho I, a quem a história deu o nome de “Povoador”, procurou continuar a obra já anteriormente começada pelo Conde D. Sisnando, repovoando e fixando as populações nos seus vastos domínios.
A igreja teve um papel importantíssimo nesta tarefa. As várias ordens religiosas, a quem o rei fazia grandes concessões, instalavam-se em vastas zonas e, pelos seus conhecimentos, desenvolveram variadíssimas actividades próprias à fixação das populações.
Toda esta enorme zona do baixo Mondego foi doada à Sé de Coimbra. No nosso caso, foi aquele rei D. Sancho I e sua mulher, a rainha D. Dulce, quem fez a doação do lugar de S. Martinho de Tavarede à igreja de Santa Maria de Coimbra, ao mesmo tempo que, coutando-a, lhe dava categoria para estabelecer as suas justiças.

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Tudo correu bem durante muitos e muitos anos.
O Cabido da Sé de Coimbra, como donatário de Tavarede, foi vendendo ou dando de arrendamento as várias parcelas de terreno dos seus domínios, para serem cultivados e explorados.
A agricultura sempre foi a principal actividade em Tavarede. Amanhando as suas terras, compradas e de que pagavam um fôro anual, ou arrendadas, e a renda normal era o chamado dízimo (décima parte da colheita), os lavradores tiravam das mesmas o seu sustento e de suas famílias, vendendo o excedente, normalmente nas feiras que periodicamente se realizavam.
É claro que Tavarede sempre teve outras actividades importantes, muitas ligadas à agricultura, como, por exemplo, a pastorícia, para produção e venda de leite. A saliência, no entanto, e naqueles tempos recuados, vai para uma outra: a extracção do sal. Havia, então, muitas marinhas de sal na nossa terra.
Toda aquela zona da Várzea, que em tempos mais recuados foi pantanosa, era banhada por um braço do rio Mondego que, em dimensão bastante superior, tinha o curso que agora segue o nosso ribeiro, desde o largo da igreja até perto da actual estação do caminho de ferro.
Nas suas margens, até perto da actual Vila do Robim, estavam instaladas marinhas de sal. Como centro principal, os barcos (os chamados batelões) vinham até Tavarede, pois era aqui que tinham que pagar as suas licenças e tributos.
Nos finais do século passado (XIX) ainda existiam, perto do largo de igreja, enormes argolas de ferro onde os barcos eram amarrados, para cargas e descargas.
Também toda aquela baixa das encostas da Vergieira e do Casal da Robala até Caceira era sede de muitas marinhas para produção de sal.
A propósito das marinhas em Tavarede, recordemos dois factos reais. Nos princípios do século XIV era dona de vastas propriedades na nossa terra, entre as quais algumas marinhas, uma fidalga de nome D. Maria Mendes Petite. Esta senhora era mãe de Pero Coelho, um dos assassinos da célebre D. Inês de Castro, ao qual, anos mais tarde, o rei D. Pedro mandou justiçar, sendo-lhe arrancado o coração pelas costas, como castigo pelo seu crime.
Esta fidalga, talvez para fugir ao mundo, fez doação dos seus bens em Tavarede a uma instituição religiosa estabelecida em Vila Nova de Gaia, acabando por lá se recolher.
O outro facto foi o de que, na primeira metade do século XVI, o fidalgo António Fernandes de Quadros, que havia estabelecido a sua casa em Tavarede, tomou de arrendamento a ilha da Morraceira, então denominada Insua da Oveirôa, e ali, e nas marinhas de Tavarede, activou enormemente a produção de sal, que se tornou a principal fonte de receita desta casa fidalga.
Outra actividade que também deixou nomeada em Tavarede foi a produção e exportação de laranja, especialmente para Roma, onde esta fruta foi bastante apreciada conforme documentação existente.
Naturalmente que outras actividades eram desempenhadas pelos tavaredenses para sua subsistência. De entre elas lembremos a pesca, nomeadamente no rio Mondego.
Para regulamentar estas actividades teria que haver leis. E se primeiramente elas tinham sido elaboradas pela Sé de Coimbra, foram definitivamente fixadas no ano de 1516 pelo foral que el-rei D. Manuel I deu a Tavarede.

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Referimos atrás que nos inícios do século XVI se estabeleceu em Tavarede o fidalgo António Fernandes de Quadros. Amigo e protegido do rei, possuidor de grande fortuna, casou com D. Genoveva da Fonseca, natural de Montemor e que em Tavarede era proprietária de diversas casas e terras.
Deste casamento surgiu a chamada casa dos fidalgos de Tavarede, os Quadros. Começou, então, uma terrível luta. Este fidalgo e os seus descendentes iam adquirindo terras aos pequenos proprietários para aumentarem os seus domínios, mas, contra o estabelecido legalmente, não pagavam o respectivo tributo ao donatário, a Sé de Coimbra.
Por sua vez, sentindo-se, e com razão, prejudicada pela perda destes valores, esta queixava-se continuamente à justiça real.
A luta travada foi longa e dura. Chegaram a estar presos e condenados a multas e indemnizações, mas os fidalgos, considerando-se superiores a tudo, insistiam em nada pagarem.
Acabou ingloriamente para a nossa terra esta luta. Cansado de tantas quezílias, e para acabar de vez com a situação, o poder real aproveitou a oportunidade. O célebre Marquês de Pombal, inimigo declarado do clero e da nobreza, resolveu, dum só golpe, eliminar os dois adversários. Elevou, em 1771, o lugar da Figueira da foz do Mondego a vila e para ali transferiu a câmara e justiças até então existentes em Tavarede. Perdeu a nossa terra, com esta transferência, todo o poder e grandeza que deteve durante séculos.
Antes de concluirmos esta parte, digamos que os fidalgos de Tavarede, os Quadros, não foram todos uns tiranos ou maus para o povo da nossa terra. Alguns foram-no em demasia, é verdade. Mas, também, tiveram alguns membros ilustres, até, ironicamente, figuras notáveis na igreja que combatiam, notabilizando-se em obras e trabalhos religiosos.
E também tiveram alguns que, na India, em África e nas nossas fronteiras da Beira, morreram em combate na defesa do nosso país. Como em tudo, tiveram o bom e o mau. O que é difícil é avaliar se a sua vida em Tavarede terá sido mais benéfica ou mais prejudicial para a nossa terra e suas gentes.
Mas o que é muito importante é não esquecer que se a Figueira se desenvolveu e cresceu o fez à custa de Tavarede.

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Mas não nos esqueçamos de, embora resumidamente, falar da tal lenda da moura encantada.
O castelo de Montemor, importante praça forte em toda a zona centro, foi conquistado aos mouros no ano de 848, pelas forças do rei de Leão, Ramiro I, que depois entregou o seu governo ao abade D. João de Montemor.
Os mouros, no entanto, não se conformaram com a perda desta praça de guerra e puzeram novo cêrco ao castelo. Quando julgavam que a vitória seria certa, obrigando os sitiados a renderem-se vencidos pela fome, eis que aquele abade, juntando as suas forças e pedindo-lhes um último esforço, saiu do castelo, rompeu o cêrco e travando batalha, derrotou os sitiantes, perseguindo-os até Seiça. Este feito é histórico, mas deu ocasião a uma outra lenda que também estamos certos de que irão gostar.
Os cristãos de Montemor estavam absolutamente convencidos de que iriam ser derrotados pelos mouros. Não querendo deixar refens nas mãos de tais inimigos, resolveram sacrificar todas as crianças e mulheres que viviam no castelo e mataram-nas, degolando-as.
Qual não foi o seu espanto quando, após a vitória e regressando ao castelo chorando as vítimas inocentes que haviam imolado, viram vir ao seu encontro todas aquelas mulheres e criamças não mortas mas cheias de vida.
Um dos chefes mouros tinha consigo as suas oito filhas. Antes da batalha, com receio de que o matassem e elas caissem nas mãos do inimigo, os cristãos, lançou-lhes um feitiço.
A uma delas, Katija, que seria a sua preferida, disse que o seu encanto somente seria quebrado quando um cavaleiro cristão se aproximasse dela e lhe dissesse, por três vezes, “sois bela como o sol”. Mais lhe disse, que quando fosse libertada, seria levada para a tal terra perfumada por uma planta rústica e delicada.
Já sabemos que o conde D. Sisnando enviou Cidel Pais para repovoar e reconstruir Tavarede. Um dos cavaleiros que resolveu acompanhar Cidel Pais, ao passar perto de Montemor, viu á entrada duma gruta, no monte de Santa Olaia, um grupo de mouras que fugiram quando o viram aproximar-se. Ficou uma para trás, Katija. Chegado junto dela, o cavaleiro, maravilhado com sua beleza, não se conteve e disse; “sois bela como o sol”, não uma nem três, mas sete vezes. Assim se desfez o encanto e a moura encantada seguiu o seu cavaleiro andante para a nossa terra, perfumada com o cheiroso limonete.
Sabe-se que esta planta é originária da América do Sul ou da Ásia. Certamente terá sido trazida por qualquer navegante ou soldado de uma das viagens áquelas paragens e que gostou do seu perfume.
Numa peça de teatro, representada em Tavarede nos primeiros anos deste século, e que foi escrita pelo poeta e jornalista João Gaspar de Lemos, que aqui viveu grande parte da sua vida, na sua Quinta da Mentana, agora em urbanização sob o nome de Vale do Pereiro, e a que deu o nome de “Em busca da lúcia-lima”, diz que o limonete foi trazido do Malabar, nas costas da Ásia, no ano de 1502, pelo capitão-mor D. Sancho Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede na primeira metade do século XVI e que era aparentado com os Quadros.
A grande verdade é que, vinda da América ou de qualquer outro ponto de mundo, o limonete, ou lúcia-lima, bela-luísa, doce-lima, verbena, etc., conquistou o coração dos tavaredenses, pois, desde sempre, em quasi todos os quintais ou terrenos ajardinados, há um ou mais pés de limonete, que, além do seu delicado perfume, também é utilizado para fazer um chá que, se não faz bem também não faz mal.

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Vamos agora fazer um pequenino comentário à família Quadros, que já referimos e que dominou em Tavarede durante três séculos.
O primeiro foi António Fernandes de Quadros. Foi ele que mandou construir a casa do paço, embora não lhe tivesse dado aquele aspecto gracioso dos torriões que, apesar das ruínas, se apercebem ainda. Tinha, então, uma torre de ameias, o que denota a importância desta família, pois que só era autorizada a fidalgos muito poderosos.
Foi ele quem estabeleceu o morgadio de Tavarede. Morgadio é o conjunto de bens vinculados que se não podiam dividir nem alienar, e que por morte do titular passariam ao filho primogénito que, com os bens, também herdava o título de morgado.
Como era preciso autorização real para o estabelecimento dos morgadios, pediu ela concessão a el-rei, D. João III. No entanto, quando a autorização chegou já tinha falecido aquele fidalgo, pelo que, em nossa opinião, a primeiro morgado de Tavarede terá sido o seu filho primogénito e herdeiro.
O morgadio existiu até ao ano de 1804, data em que foi nomeado barão de Tavarede João d’Almada Quadros Sousa de Lencastre que, no ano de 1848, viu o seu baronato elevado a condado.
O último conde de Tavarede faleceu em 1903 e, com ele, extinguiu-se o título, embora tenha deixado descendentes directos.
Como curiosidade, lembremos apenas um dos imensos privilégios de que a casa de Tavarede foi senhora. Este, além de bastante gravoso, era mesmo vexatório para o povo de Tavarede e da Figueira, pois continuou durante bastante tempo depois da elevação a vila. Era o chamado “forno da poia”.
Em que consistia: Simplesmente nisto. Ninguém podia ter em casa um forno. Para coser pão ou broa, assar galinhas, coelhos ou qualquer carne, até para assar fruta, teriam de ir fazê-lo ao forno da poia, onde teriam que pagar o tributo estabelecido.

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É claro que a história de Tavarede não é só isto. Mas não é ocasião de ser demasiado minucioso. Tentamos fazer um resumo e dar uma ideia do que foi e aconteceu de mais significativo na nossa terra, ao longo dos seus dez séculos conhecidos.
Antes de descrever alguns dos principais costumes e tradições de Tavarede, vamos contar-lhes uma breve história de cada um dos três mais conhecidos santos venerados na nossa terra: S. Martinho, Santo Aleixo e S. Paio.
Todos nós sabemos que o S. Martinho está ligado ao vinho. Diz-se: em dia de S. Martinho vai á adega e prova o vinho. Porquê? É esta a história: um dia apareceu ao santo um mendigo, cheio de fome e andrajoso, pedindo-lhe esmola. S. Martinho que nada mais tinha que a sua capa, rasgou-a ao meio e deu metade ao mendigo.
Este entrou numa taberna e pediu de comer dando como paga a metade da capa. O taberneiro, tavez com pena do mendigo, deu-lhe de comer e agarrando na capa, atirou-a desdenhosamente para cima duma pipa. Passado tempo verificou que o vinho daquela pipa nunca acabava. Tirou-lhe de cima a capa e imediatamente o vinho parou de correr. Recolocando-a em cima, novamente o vinho voltou a jorrar pela torneira.
Há outras histórias sobre este santo, mas esta é a que o deixou ligado ao vinho.
O santo Aleixo terá vivido em Roma, como pedinte e com grande santidade. A sua capela, edifício bastante antigo, terá servido de hospício e acolhimento aos peregrinos.
O terceiro santo também tem uma história curiosa na nossa terra.
A sua pequena capela, lá em cima no prazo, na encosta da serra, foi mandada construir pelos frades de Santa Cruz, os crúzios. Com o correr do tempo caíu em ruínas. Quando, no século passado, a Igreja de Santa Cruz vendeu toda aquela propriedade impôs como condição a reconstrução da capela. Assim aconteceu. Quanto á imagem do santo ela foi encontrada na adega da casa ali existente, onde algumas vezes servia para calçar as pipas. Foi mandada restaurar e lá está na capela. Como facto intrigante, pelo menos para mim, é que S. Paio era um menino quando foi sacrificado pelos mouros e a imagem existente na capela é a figura de um homem com uma barba bem cerrada, nada condizente com os doze anos de S. Paio.
Outras histórias sobre outros santos de que veneraram em Tavarede também seriam interessantes de contar. Ficará para outra oportunidade.

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No século passado e princípios deste, Tavarede festejava com grandiosidade o S. João. Não deixa de ser interessante que sendo S. Martinho o orago da terra e havendo outras capelas, as únicas festas profanas e religiosas eram as de S. João.
Nunca se realizavam no dia deste Santo, a 24 de Junho. Normalmente, tinham lugar no segundo fim de semana de Julho. Eram grandiosas, com ruas ornamentadas, ranchos, muita música e a missa religiosa. Não havia procissão. Mas faziam as chamadas cavalhadas. Arranjavam um enorme número de cavalos e burros e, com a bandeira de S. João á frente, acompanhados de muita gente a pé, iam em cortejo até á Figueira da Foz com regresso por Buarcos. Como nota curiosa diremos que nestas cavalhadas se juntavam bastantes máscaras, pois na altura, o carnaval não era festejado nas ruas.
As ruas eram vistosamente engalanadas e cheias de balões que à noite se acendiam. Sabemos que havia danças nos largos da Paço, do Forno (actual jardim) e da Igreja.
Mas a festa popular que mais saudades deixou a todos os tavaredenses foi a da manhã do primeiro de Maio.
Diz a tradição que a fonte da Várzea era um local verdadeiramente aprazível, onde a água fresca e pura corria das suas bicas. A fonte agora já não existe e o local está coberto de silvas e ervas.
Manhã muito cedo, os músicos formavam a tuna e os pares, levando as raparigas à cabeça os potes cobertos de flores, que na véspera haviam cuidadosamente enfeitado, dirigiam-se a cantar até àquela fonte. Ali, o rancho de Tavarede juntava-se a outros: da Chã, da Vila do Robim, do Casal da Robala. Dançavam, bebiam a fresca água, descançavam e prosseguiam a viagem até à Figueira onde percorriam as ruas, sempre cantando e dançando.
Esta última parte seria, mais ou menos, como agora, em que se tenta reatar a tradição do rancho do primeiro de Maio e dos potes floridos de Tavarede.
Não vamos ser mais maçadores. Queremos, no entanto, ainda lembrar que, verdadeiramente, havia e ainda há duas grandes tradições em Tavarede: o teatro e a música.
Para lhes contar a história do teatro e da música em Tavarede seria preciso outro tanto tempo. Bastará dizer-vos que há notícia de teatro na nossa terra desde há cerca de duzentos anos. Antes das colectividades agora existentes outras houveram. E, dedicando-se a estas duas artes, muito fizeram pela divulgação da cultura na terra do limonete. A título de exemplo, sempre diremos que, muitos anos antes de haver escola primária em Tavarede, já as colectividades de então mantinham escolas nocturnas, para crianças e adultos, e que foi nelas que muitos tavaredenses aprenderam a ler e a escrever.
Muito, mas mesmo muito, haveria a contar sobre a história de Tavarede.Uma grande parte dessa história encontra-se contada nas peças de teatro , escritas pelo sr. José da Silva Ribeiro, e que foram representadas na Sociedade. Aos que quizerem saber um pouco mais sobre a nossa terra podem ler os livros “Chá de Limonete” e “Terra do Limonete” que encontram na biblioteca daquela colevctividade. Também o livro que em Março passado foi editado pela Junta e a que dei o título de “Tavarede - a terra de meus avós” se encontra bastante desenvolvida a história que resumidamente agora lhes contei.
Se quizerem, e não estiveram muito saturados, podemos conversar um pouco mais sobre qualquer assunto. Ou guardar para outra ocasião. Se a isso estiveram dispostos digo-lhes que, pela minha parte, gosto imenso de conversar sobre a história da minha e da vossa terra.

1997.12.10
(Nota - Devo referir, embora todos os tavaredenses o saibam, que a lenda da moura Katija, não é uma 'lenda real'. Ela deve-se, na verdade, à extraordinária imaginação do nosso saudoso Mestre José Ribeiro, que a escreveu para um quadro (o segundo) da sua fantasia 'Terra do Limonete')

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Augusto da Silva Jesus



Filho de José Maria de Jesus e de Maria da Silva, nasceu em 1919 e faleceu na Figueira no dia 12 de Fevereiro de 1990.

Casou com Berlarmina de Oliveira, tendo uma filha Maria Manuela.

Empregado nos escritórios da Companhia dos Caminhos de Ferro, foi dedicado e trabalhador elemento directivo do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, presidindo a diversos elencos. A colectividade nomeou-o sócio honorário no ano de 1951.

Um dos seus passatempos favoritos era a pesca amadora. Acompanhámo-lo muitas vezes. Quase sempre ia para o velho “Trapiche”. O seu sistema era interessante. Tinha uns ganchos em arame, com uma ponta aguçada que cravava nas tábuas e onde fixava as linhas, que deixava cair a prumo, com dois ou três anzóis iscados com sardinha. Presa ao gancho tinha, também, uma pequena lata, das de graxa, com pequenas pedras dentro. Quando as enguias ferravam e puxavam a linha, logo as latas tilintavam, dando-lhe a conhecer qual devia puxar. Era um sistema simples, mas que resultava.

Caderno: Tavaredenses com História

Belarmino Pedro

Nasceu em Almalaguês a 5 de Março de 1909, filho de Jacinto Pedro e de Maria de Jesus Filena. Casou com Maria Ascensão Coelho, não tendo descendência.

Veio, com sua família, para a nossa terra, ainda muito novo, residindo na Vila Robim.

Dedicou-se ao associativismo local e deu a sua colaboração ao Grupo Musical e, quando este vendeu o edifício da sua sede e mudou as suas instalações, aderiu ao Grémio Educativo, fazendo parte do seu grupo cénico e corpo directivo. Escreveu, para os amadores desta colectividade, o drama “O Vicentino”, que “pelo seu profundo carácter vicentino e pela óptima representação que teve, agradou plenamente e valeu ao seu autor uma chamada e uma calorosa salva de palmas”.

Em 1938 tentou fundar em Tavarede uma Casa do Povo, procurando comprar à Diocese de Coimbra a casa onde estivera instalado o Grémio Educativo que, depois da sua extinção em 1935, se encontrava abandonada e em adiantado estado de degradação. Não o conseguiu, mas do caso ficou registada uma violenta polémica que travou com o padre Abrantes do Couto, responsável, naquela ocasião, pela paróquia de Tavarede.

Aliás, Belarmino Pedro terá sido o tavaredense, natural ou residente, mais polemista de sempre. Além desta, travou duros combates na imprensa local, especialmente com “A Voz da Justiça”, ou, melhor dizendo, com José Ribeiro, em defesa do padre Cruz Dinis e, anos mais tarde, com António Jerónimo, igualmente por questões religiosas, mas, também, políticas. Outras ficaram registadas, mas de menor impacto local.

Foi funcionário na secretaria da Câmara Municipal da Figueira da Foz e dedicou-se ao jornalismo, dando a sua colaboração não só a jornais locais, mas a muitos outros de âmbito regional e nacional e diversas revistas.

Escreveu diversas obras, de que destacamos o opúsculo “5 Momentos em 14 Anos” , que publicou em honra de António Lopes, de quem foi grande amigo e admirador da sua obra à frente da Junta de Freguesia.
Com José Maria de Carvalho colaborou na fundação do jornal “A Voz da Figueira”, de que foi chefe da redacção, passando, em Julho de 1969 e até ao seu falecimento, no dia 17 de Setembro de 1980, a exercer o lugar de director.

“… o nosso director, o amigo, o jornalista de garra, o polémico sem tréguas, o homem íntegro e vertical, o esposo amantíssimo, o católico de uma só fé, o guerreiro que teceu armas toda uma vida em defesa da sua dama e da sua divisa – Por Portugal e pela Figueira.

A nossa emoção não nos deixa transmitir ao papel tudo o que se podia dizer de Belarmino Pedro, tal o gigantismo da sua inconfundível personalidade de intelecto, sobejamente admirado e até criticado (porque não confessá-lo?), que fez estremecer muita gente pela sua determinação, pela sua coragem, pela sua coerência, pela sua imparcialidade e lealdade e de sentimentos patrióticos. O seu ideal de servir e não se servir, apontam-no como homem com H grande, de verdadeiro exemplo de cidadão das mais nobres virtudes, hoje pouco comuns nos dias conturbados e bem confusos em que vivemos. O seu exemplo de jornalista impoluto e sem nunca ter sido capaz de virar a cara ao medo, por se sentir intransigente na defesa da verdade e da justiça, deixa-nos um raio de luz que jamais de apagará do caminho bem difícil, e por vezes incompreendido, que temos de percorrer”.

Caderno: Tavaredenses com História

Alzira de Oliveira Fadigas Serra



Natural de Tavarede, onde nasceu no ano de 1907, era filha de António Migueis Fadigas e de Constança de Oliveira Alhadas. Casada com José Fernandes Serra, teve uma filha, Aurélia, e um filho, José António. Faleceu em 1992.

Amadora do grupo cénico da Sociedade de Instrução durante os anos de 1924 a 1930, começou a representar em Noite de S. João e acabou na peça Noite de Agoiro, participando em Em busca da Lúcia-Lima, Pátria Livre, Grão-Ducado de Tavarede, O Sonho do Cavador e A Cigarra e a Formiga.

Dotada de excelente voz, há críticas muito elogiosas à sua interpretação na Canção da Cotovia, na opereta Em busca da Lúcia-Lima, além de outras. Era sócia honorária da colectividade.


Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 54


“Para Cada Um Sua Verdade”, “O Processo de Jesus” e “As Artimanhas de Scapino” foram três novas peças postas em cena. “Peças de altíssimo valor que muito prestigiaram o nosso grupo cénico, trazendo à nossa bela sala de espectáculos numeroso público, que foi pródigo em aplausos e elogios ao alto nível atingido pelas representações”.

Entretanto, e com a nova plateia, surgiu um problema novo. Sempre havia sido costume a colectividade realizar outras festas, como bailes. E se anteriormente resolveram o problema com a montagem de um estrado por sobre a plateia, essa medida deixou de ser praticável. Então, quando se realizavam bailes, as cadeiras eram desmontadas e recolhidas, de forma a deixar vazio o salão. Além de pouco prática, depressa este tirar e montar das cadeiras começou a causar prejuízos.

Ainda não haviam conseguido amortizar o empréstimo que havia sido pedido para as obras inauguradas em 1965, mas, de imediato, logo pensaram na construção de um pavilhão no campo de jogos anexo à sede. “Esperamos, pois, do espírito associativo de todos os nossos associados, que esta realização se concretize, dada a imperiosa necessidade de preservarmos a nossa bela sala de espectáculos dos prejuízos que se vêm verificando no salão, sempre que dele carecemos para se realizarem nele quaisquer festas, com a deslocação do mobiliário. Mãos à obra, pois!”.

As receitas conseguidas com as peças acima referidas, permitiram à colectividade, no ano de 1967, amortizar totalmente as suas dívidas.

No jornal figueirense “Mar Alto”, surgido havia pouco tempo, foi, em Novembro de 1966, publicada uma crónica, da autoria do também amador António Jorge da Silva, sobre a nova peça “As Artimanhas de Scapino”. Não resistimos a transcrever um pouco dos seus comentários, quanto à leitura das peças por Mestre José Ribeiro.


“... Dizemos prazer, porque realmente assistir à leitura duma peça por José Ribeiro, é quase a mesma coisa que ver uma representação, tal a verdade que imprime a cada personagem e o ambiente que dá a cada cena. Poucas pessoas terão tido a satisfação de assistir àquele espectáculo. Quando lê, interpreta o velho, o galã, a ingénua, a pessoa bondosa ou má, assim como o cínico ou o avarento. Todas as reacções, todos os gestos, ele os faz quase inconscientemente, mas os amadores, ao ouvi-lo atentamente, vão gradualmente aprendendo nos sorrisos, nas lágrimas (às vezes chora), na ternura como na violência. E é assim que trabalha, é assim que consegue verdadeiros milagres dos seus velhos amadores ou dos seus estreantes. Uns e outros beneficiam sempre da sua cultura teatral. Uns e outros aprendem com as suas lições antes e durante as leituras ou, mais tarde, nos ensaios de palco, que ele conduz do seu lugar na plateia...”.


Imensos comentários fomos sempre encontrando sobre as representações dadas pelo nosso grupo cénico, tanto em Tavarede como noutras localidades. Não é possível estar a transcrever todas essas notícias, ainda que em pequenos retalhos. Embora o façamos, numa ou noutra situação, procuraremos debruçarmo-nos mais sobre a documentação existente na colectividade, como relatórios, etc. Depois daquelas três peças, novamente Molière sobe à cena, desta vez com a peça “O Médico à Força”.

Os resultados financeiros obtidos começam, porém, a diminuir. Sobre este facto escreveu, então, a direcção: “O grupo cénico, a mais substancial fonte de receita da SIT, não pôde canalizar para os nossos cofres aquelas verbas com que habitualmente para eles contribui. E não foi pelo facto de todos os seus elementos não se terem esforçado para esse fim, com a mesma boa vontade de sempre e até sacrificando-se mais. Mas a verdade é que quanto mais trabalhamos no teatro, menos compreendemos os gostos do público. Se se ensaia uma peça dramática, ou uma alta comédia com sentido humano, exaltando os melhores sentimentos com que a humanidade foi dotada e que obrigue a pensar, a tirar conclusões, o público diz que farto de problemas anda a humanidade e o que quer é rir-se: não vai a esse Teatro. Tenta-se a comédia, e no nosso caso especial, um dos expoentes máximos, nesse género, Molière, e o público não vai à mesma e nem sequer apresenta explicação... Apesar disso, continuamos a remar contra a maré, montando espectáculos dignos e de mérito, que sirvam a cultura e a elevação do nosso povo, sem transigirmos com o mau gosto das massas”.


Fotografias da peça 'O Processo de Jesus'

Sociedade de Instrução Tavaredense - 53


Das festas da inauguração da nova sede, e das quais se publicaram extensas reportagens, vamos transcrever, unicamente, uma nota do relatório da direcção. “... o facto de maior projecção registado, pelo seu conteúdo de grande satisfação e alegria que a todos nós proporcionou, foi a festiva inauguração do nosso edifício-sede, depois das obras de remodelação que lhe foram introduzidas, com a presença honrosa, na Sessão Solene comemorativa desse memorável acontecimento, do senhor Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, que a ela presidiu, de outras entidades oficiais, civis e religiosas, dos estandartes de muitas associações amigas e de grande quantidade de povo, desse povo generoso que nunca regateia a sua presença estimulante, quando se trata de fazer justiça e homenagear aqueles, indivíduos ou agremiações, que pelos seus actos ou pelo trabalho realizado em prol do bem comum, são credores dessas homenagens.

Chegada, a Tavarede, das diversas entidades oficiais e outros convidados

Foram horas inesquecíveis essas que se viveram, momentos altos da nossa vida associativa, que tiveram o condão de fazer assumar lágrimas de ternura e de orgulho aos olhos dos bons tavaredenses, de todos os verdadeiros amigos da SIT, de todos os que estiveram presentes nas cerimónias realizadas, alguns dos quais se deslocaram das mais diversas localidades do País para nos manifestarem o seu apoio e a sua solidariedade, assim como nos demonstrando que o caminho que pisamos é trilho seguro, é o bom caminho. Produziram-se afirmações da maior fé nos destinos da nossa Associação, e ao ouvi-las, nós sentimos, como vós sentistes, com certeza, prezados consócios, frémitos de entusiasmo e uma alegria incontida, mesclada de orgulho por pertencermos a uma terra que tal colectividade tem. São estes momentos altos, que de longe compensam todas as canseiras, todas as arrelias e incompreensões, todos os dissabores que é impossível não ter na gerência duma associação que, como a nossa, é formada por uma massa tão heterogénea”.


Outra imagem de 'O Pranto de Maria Parda' - Violinda Medina e Silva

Nesse mesmo ano, o grupo cénico colaborou nas comemorações do V Centenário de Gil Vicente. Na nossa sede e no Peninsular, em espectáculo promovido, mais uma vez, pela Biblioteca Pública Municipal, foram apresentados o “Auto da Barca do Inferno”; fragmentos das obras vicentinas “Auto Pastoril Português”, “Romagem dos Agravados”, “Breve Sumário da História de Deus” e “Pranto de Maria Parda”; e o “Auto da Feira”.

“Noite grande de teatro a que tivemos o grato prazer de assistir. Espectáculo inesquecível, dominante, iamos a dizer de glória para o Teatro Tavaredense. E ousamos fazer esta afirmação em face das opiniões que nos foram manifestadas por grande parte dos espectadores e que eram unânimes em reconhecer que a SIT possui, presentemente, em boa verdade, um esplêndido conjunto de amadores que honra sobremaneira a terra do limonete. É que a sua actuação em qualquer das obras de Gil Vicente representadas, foi de molde a merecer os maiores encómios do público”.


Auto da Visitação ou o Monólogo do Vaqueiro

No dia 4 de Dezembro de 1965, o grupo cénico levou à cena uma nova peça, “O Fim do Caminho”. “Peça em que, com rara felicidade artística, se conjugam três modalidades de teatro: do “Romantismo”, a violência dos sentimentos, sem cair no melodramático; do “Realismo”, a graça gentil, cheia de humanidade bondosa evitando as truculências do “naturalismo”; do “Simbolismo”, nos oferece o que teve de mais duradoiro: a poesia fina, sem snobismos, nem perturbações mórbidas”.

Quando terminou a récita do aniversário de 1966, o pessoal do grupo cénico prestou homenagem a Mestre José Ribeiro. Naquele dia, 15 de Janeiro de 1966, fazia 50 anos de encenador do grupo tavaredense. Certamente se recordam, das primeiras histórias, que foi a 15 de Janeiro de 1916, com a opereta “Entre duas Avé-Marias” que José Ribeiro iniciou a sua actividade à frente deste grupo.

“E nessa caminhada gloriosa, não isenta de espinhos, ao longo de 50 anos, trabalhando na valorização do elemento humano através do Teatro e pelo Teatro, quantas arrelias e quantas canseiras, mas também quanto saber e quanto carinho, dispendidos em benefício da elevação moral, cultural e educativa também, que nem só a escola é detentora dessa prerrogativa, pois o teatro é um manancial inesgotável de ensinamentos.

Trabalho árduo esse, feito sem um desfalecimento, muitas vezes com prejuízo da própria saúde, e desprezando até os seus interesses pessoais, tudo sacrificou sem um desfalecimento em prol do seu sonho de criar um teatro digno em Tavarede, um teatro desempenhado com arte pelo povo humilde, para toda a gente. E ninguém de boa-fé o pode negar, esse objectivo foi amplamente atingido, e a atestá-lo aí está esta realidade esplêndida que é o nosso grupo cénico, que realiza um trabalho talvez sem paralelo no nosso País”.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

César da Silva Cascão


Filho de António da Silva Cascão e de Aurélia Silva, faleceu em Tavarede no dia 4 de Agosto de 1956, com 68 anos de idade. Foi casado com Maria Ascensão Marques e tiveram dois filhos: João e Aurélia.

Um dos fundadores da Sociedade de Instrução Tavaredense, em Janeiro de 1904, foi o primeiro secretário da Direcção.

Serralheiro de profissão, exerceu a sua actividade na Figueira da Foz, na oficina Mota, então instalada no Rua do Paço, e que mais tarde adquiriu e teve continuidade com seu filho João.

Ainda antes da fundação da S.I.T., já se dedicava ao associativismo, fazendo parte dos directores da Estudantina, instalada no Teatro Duque de Saldanha, na Casa do Conde de Tavarede. Também foi membro da Junta de Paróquia local.

Foi sempre um dirigente associativo activo e participativo. Na associação de que fora um dos fundadores, desempenhou diversos cargos, quer na Direcção, quer na Assembleia Geral. Foi sócio honorário da colectividade.

Era proprietário de algumas pequenas fazendas agrícolas que amanhava cuidadosamente. Na sua residência, frente ao actual Largo D. Maria Amália de Carvalho, tinha instalado um alambique, que, na época própria, era muito solicitado para destilação do bagaço resultante das vindimas. É com certa nostalgia que recordamos os bocados que nós, rapazolas de então, ali passávamos, depois da saída da escola. Ficávamo-nos a olhar, admirados, o delgado fio que corria para a garrafa em pé, dentro duma bacia com água fria. Com frequência era pesada para ver a graduação. Quando baixava de um grau determinado, deixavam de a aproveitar. Era, então, altura de nós comermos uns figos, que íamos apanhar às figueiras das redondezas, e bebermos umas gotas daquela “água quente” que muito apreciávamos
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Caderno: Tavaredenses com História

Elói Domingues

Natural da freguesia de Maiorca, onde nasceu no dia 28 de Março de 1903, filho de José Domingues e de Maria da Luz Pinto, casou com Pureza Pinto Lourenço, tendo um filho, António. Faleceu, em Tavarede, a 8 de Setembro de 1995.
Elói Domingues e esposa, Pureza Lourenço, numa reunião familiar pelo Natal

Padeiro de profissão, tomou conta da padaria existente em Tavarede, no antigo Largo do Forno. Ao mesmo tempo, amanhava as terras que possuía na nossa terra e em Maiorca, e sendo um pequeno agricultor, fabricava vinho que, na altura própria, vendia ao copo na sua loja, cuja porta enfeitava com uma pernada de loureiro, costume antigo que assinalava local de venda de vinho.
Também tinha um pequeno alambique onde, além do seu, destilava o bagaço daqueles que fabricavam vinho e faziam aguardente.

Foi das últimas casas em Tavarede onde se matava o porco. Era sempre dia de festa para todos os amigos. Desde madrugada, com a morte do porco até à desmancha, havia reunião onde não faltavam os tradicionais petiscos, como o sarrabulho e as papas de moado, regadas abundantemente com o seu vinho e jeropiga, que ele também preparava.

Talvez pelo horário da sua profissão, nunca deu colaboração ao associativismo, havendo nota de unicamente ter feito parte de uma gerência do Grupo Musical. Era sócio do grupo de amigos “Os Inseparáveis”.

Caderno: Tavaredenses com História

José Medina


Natural de Verride, Montemor-o-Velho, onde nasceu no ano de 1870. Contava 57 anos de idade quando morreu, no dia 26 de Novembro de 1927. Era filho de Joaquim Medina e de Maria da Cruz.

Serralheiro na Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, veio, com sua mãe e seus irmãos, António e Tobias, morar para o antigo Casal do Rato, quando seu pai faleceu.

Amador teatral e musical na Filarmónica Verridente, logo se integrou no meio associativo figueirense. Casando com a tavaredense Maria Lopes Raposeiro, veio residir para a nossa terra. Era uma família numerosa, pois tiveram cinco filhos: Jorge, João, Gracinda, Joaquim e Manuel. Este último, aliás, um pouco tardiamente, pois já então contava 54 anos. Como nota curiosa, o correspondente em Tavarede de um periódico figueirense noticiou o facto assim: “ O nosso querido sr. José Medina, - o espirituoso Zé Medina – depois de enveredar na idade em que lhe parecia melhor passar à categoria de avô, teve o prazer de encomendar mais um né-né, que lhe chegou a casa há poucos dias. Como não houve, felizmente, qualquer desastre na encomenda, pois mãe e filho se encontram bem, queremos abraçar cordialmente o nosso bom e velho amigo, dando-lhe por conselho – se o permitir – que suspenda tais transacções, visto que elas acarretam muitas despesas e cuidados”.

Entretanto, e para fazer face às despesas familiares, abrira uma barbearia em Tavarede, onde, depois do emprego, atendia a sua clientela.

E continuou entusiasticamente no teatro e na música. Como amador teatral, colaborou representando na Estudantina Tavaredense, na Sociedade Recreio Operário e no Teatro Boa União, estes dois na Figueira, na Casa do Terreiro, com João dos Santos a ensaiar, e na Filarmónica Figueirense. “… humilde rapaz que, no teatro, tem sempre sido alvo das mais entusiásticas e sinceras manifestações de aplauso, das quais é bem digno, pela extrema graça e naturalidade que sabe imprimir a todos os papéis que lhe são confiados”.

Nunca rivalizava os grupos onde representava. Sempre que o convidavam, e desde que estivesse disponível, aceitava o convite. Representou, também, no Grupo de Instrução e, depois, na Sociedade de Instrução até ao ano de 1911, saindo para, juntamente com seu irmão António, fundarem o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, em Agosto daquele ano.

“Um amador dotado de excepcionais faculdades histriónicas, cómico de grande naturalidade e fantasia e que no drama se impunha pelo vigor e verdade da sua representação”, escreveu, a seu respeito, Mestre José Ribeiro.

No Grupo Musical fez parte da secção dramática até à sua morte, desempenhando variadíssimos papéis, encontrando-se diversas referências elogiosas nas críticas da época. Igualmente fazia parte da Tuna, onde tocava violão.

“Após alguns dias de doença, faleceu no pretérito sábado, nesta localidade, o sr. José Medina, ferreiro nas oficinas da Beira Alta. O funeral, realizado no mesmo dia à tarde, foi muito concorrido, seguindo o féretro coberto com a bandeira do Grupo Musical, de que o extinto fora fundador e era, entre os seus amadores dramáticos, um dos mais valiosos elementos…”. O Grupo Musical havia-o homenageado em 1925, descerrando o seu retrato, que está exposto no seu salão.

Caderno: Tavaredenses com História

Raul Martins

Nasceu em Mourão, Évora, em 1891 e morreu na Figueira da Foz, no dia 31 de Janeiro de 1979.
Veio para a Figueira da Foz no ano de 1913, integrado no Regimento de Infantaria 28, aquartelado nesta cidade, onde serviu com o posto de segundo sargento. Fez campanhas em França e em África durante a 1ª. Grande Guerra.

Foi atleta e remador da Associação Naval 1º. de Maio, fazendo parte, como timoneiro, da tripulação que ganhou a “Taça Alzira”. Também colaborou com o Sporting Clube Figueirense, praticando ginástica e tiro, e onde introduziu as modalidades de basquetebol e campismo.

Foi, igualmente, grande entusiasta pelo teatro amador. Escreveu três peças: O Pintassilgo, Mãe Maria e Noite de Santo António. “A peça decorre num meio tipicamente português, tornando-se bastante agradável. E, além de revelar uma apreciável aptidão do seu autor, é de entrecho fácil e profundamente sentimental, tanto do agrado das nossas plateias populares” (Noite de Santo António). Como amador e ensaiador, prestou colaboração em muitos grupos cénicos, tanto da Figueira como de algumas das suas freguesias.

Em Tavarede, foi ensaiador e intérprete no grupo cénico do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense. Dotado de excelente voz, foram muito elogiados pela crítica os duetos que cantou com Violinda Medina, especialmente naquelas suas duas últimas peças.

Foi nomeado sócio honorário desta colectividade, no ano de 1928.

No mês de Agosto de 1930, foi realizado “um espectáculo dedicado ao nosso mui digno ensaiador, exmo. sr. Raul Martins, sendo-lhe oferecida uma recordação, não para lhe compensar o seu trabalho valioso, mas para que ele veja nessa simples recordação, a estima e admiração em que por todos nós é tido”.

Quando o Grupo Musical terminou com a sua secção dramática, Raul Martins passou a colaborar com o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense, que teve curta existência. Em 1934, pouco antes de acabar com a sua actividade, esta associação prestou-lhe homenagem descerrando o seu retrato.

Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 52

O 4º centenário de William Shakespeare foi, também, comemorado pelo grupo cénico tavaredense. Pela primeira vez, em Maio de 1964, foi dado ao povo de Tavarede a oportunidade
de conhecer uma obra daquele genial dramaturgo. Apresentaram a peça “Romeu e Julieta”.

“Qualquer pessoa habituada a ver teatro, depressa chega à conclusão de que esta peça é difícil e de dispendiosa montagem. Só um homem com o querer e a proficiência de José Ribeiro se arrojaria a fazê-lo representar num palco de província e tirar dele o partido que ele conseguiu. Não é porque no palco de Tavarede se não tenha movimentado número mais elevado de figuras do que aquele que “Romeu e Julieta” apresenta perante os espectadores, mas pelas dificuldades naturais da peça. Todas essas dificuldades foram ladeadas e se “Romeu e Julieta” não fizer – porque não faz – carreira compensadora das canseiras e das despesas que a sua apresentação em cena ocasionou, isso deve-se única e exclusivamente ao violento clima passional em que decorre, clima que contende com os desejos de evasão dominantes no geral da massa frequentadora dos espectáculos teatrais. O público de hoje procura o teatro alegre, ainda que roce pela obscenidade. A representação de “Romeu e Julieta” patenteia equilíbrio, homogeneidade”.

Romeu e Julieta

Especialmente para ser representado aos participantes do Congresso de Medicina do Trabalho, realizado na Figueira em Setembro de 1964, ensaiou-se uma “Noite de Teatro Português”, que se compunha dos autos vicentinos “O auto do Vaqueiro” e o “Pranto de Maria Parda”, do segundo acto de “Frei Luís de Sousa” e da peça “O Dia Seguinte”.

Auto da Visitação ou do Vaqueiro

Nesse ano, e com o fim de subsidiar a aquisição de apetrechamentos do palco, a Fundação Calouste Gulbenkian concedeu novo subsídio, no valor de 98.690$00. Para o espectáculo do aniversário de 1965, o grupo cénico preparou um espectáculo extraordinário. Pela primeira vez, em Portugal, foi representada uma peça do dramaturgo hispano-mexicano Sigfredo Gordon. Foi a peça “Omara”. Sobre este dramaturgo, disse José Ribeiro numa entrevista que concedeu: “Foi o figueirense dr. Francisco Montezuma de Carvalho, crítico de alta craveira e apaixonado estudioso das literaturas latino-americanas, que nos proporcionou o feliz ensejo de travarmos conhecimento com o autor de “Omara”. Poeta e escritor, Sigfredo Gordon é um grande, um autêntico dramaturgo, com uma vasta obra de teatro: aos 54 anos de idade, 33 peças, 12 das quais já publicadas nos seus 4 volumes de teatro. E, deixe-me que lhe diga, é uma lástima que os nossos palcos, onde tantas vezes se exibem produções de obras cujos méritos residem somente no facto de serem estrangeiras, não tenham apresentado até hoje nenhuma deste notável escritor de teatro, que tão bem usa a forma clássica como a moderna e cuja apurada técnica é servida por uma linguagem de riquíssima expressão teatral, um grande poder de síntese criador de belas e vigorosas situações dramáticas e uma extraordinária facilidade de dialogar, seja nos domínios da arrojada fantasia ou da teatralização realista”.

E no espectáculo realizado no dia 30 de Janeiro de 1965, novamente Tavarede teve uma honrosa visita. Desta vez, a SIT recebeu, na sua sede, o sr. D. Juan Enrique Bécquer, representante na Europa do dramaturgo de “Omara”, que se dignou vir à nossa terra assistir à representação da peça que, com a autorização do autor, consentira fosse representada pelo nosso grupo cénico, pela primeira vez em Portugal.

Omara

“D. Juan Bécquer, chamado ao palco por entre estrondosas salvas de palmas, confessou o seu espanto pelo que vira e ouvira! “Omara” era uma peça difícil, até mesmo para alguns profissionais... Não fôra, pois, sem alguma preocupação, que acedera a permitir a sua representação pelos amadores de Tavarede. Entretanto, acabava de constatar uma encantadora realidade, uma verdadeira revelação! E não regateou elogios ao amigo D. José da Silva Ribeiro (como afirmou no seu saboroso espanhol) e a todos os amadores da terra do limonete, a quem abraçou cordialmente”.
Finalmente, nos dias 8 e 9 de Maio de 1965, procedeu-se à inauguração da nova sede, “belo edifício que, entre outras confortáveis instalações, comporta um magnífico teatro, grande aspiração daquela benemérita Sociedade, cujo grupo cénico, constituído por distintos amadores e dirigido pelo talentoso Mestre José da Silva Ribeiro, tem sido, a par de outras actividades educativas da SIT, um magnífico veículo de cultura e fonte de bem-fazer, levando a muitas terras do país, com o mais elevado nível artístico, as peças mais representativas do nosso teatro, com o que grangeou para a sua terra e para a Figueira da Foz títulos de merecida glória aureolados com a mais bela expressão de solidariedade humana, ao representar essas peças para fins puramente beneficentes”.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 51

Até ao final do ano de 1962 “Terra do Limonete” deu 24 representações. No dia 4 de Agosto daquele ano, a colectividade homenageou a amadora Violinda Medina e Silva. “Em cena aberta e depois do presidente da direcção e do director do grupo cénico proferirem palavras de louvor às admiráveis qualidades do talento de Violinda Medina e Silva, foram-lhe entregues, entre vibrantes e inesquecíveis aplausos da numerosa assistência que enchia completamente a sala de espectáculos, várias e significativas lembranças, entre as quais uma artística mensagem assinada por todos os seus companheiros de palco e pela direcção, que muito sensibilizaram a nossa amadora”.

Violinda Medina e Silva, em 'Terra do Limonete'

Violinda Medina agradeceu por carta. “Por não ter cumprido o meu dever, na ocasião própria, por me ter sido impossível devido à forte comoção em que me encontrava e como não pude exprimir o que o meu coração sentia, venho hoje, por este meio, agradecer a todos, direcção, grupo cénico e a todos os que tanto se interessaram para que o brilhantismo da festa que me dedicaram, na noite de 4 do corrente, noite para mim inesquecível, em que recebi tantas provas de carinho e amizade nessa linda festa, e que tão alto me colocaram, que por momentos imaginei que não passava de um sonho.

Grande recompensa me deram, amigos, por um trabalho que não é para mim nenhum sacrifício, antes pelo contrário, que só me dá alegria e satisfação. Creio mesmo que não poderia viver sem o meu rico e querido teatro, portanto tenho fé de poder continuar na nossa casa, por muitos anos, isto se o seu bondoso mestre, a quem tudo devo, tiver paciência para aturar esta má aluna, que tanto o tem arreliado, a quem daqui lhe peço muita desculpa e que o mestre aceite a minha maior gratidão”.

Terra do Limonete - O Rancho dos Potes Floridos na Fonte da Várzea

Na representação de 3 de Fevereiro daquele ano, 10ª récita, foi prestada pequena homenagem aos autores, José da Silva Ribeiro e Anselmo Cardoso. “Quando Helena Figueiredo Medina e Violinda Medina e Silva, amadoras mais antigas do grupo dramático, entregaram àqueles autores bonitos ramos de cravos e a veneranda senhora D. Maria Augusta Águas Cruz levou ao nosso ilustre conterrâneo um perfumado ramo de violetas, ao mesmo tempo que lhes eram lançadas flores, muitas flores, foi um momento de indescritível entusiasmo, de verdadeira apoteose aos autores da fantasia, que, há mais de dois meses, vem deliciando a plateia tavaredense, pela qual já passaram mais de quatro mil espectadores”.

A SIT, em Março de 1963, comemorou o “Dia Mundial do Teatro”, primeiro na sede e depois na Figueira da Foz, num espectáculo organizado pela Biblioteca Pública Municipal, em oferta ao povo figueirense. Foram três actos de Gil Vicente. Recortemos um pouco de uma das críticas desta récita.

“José Ribeiro é, talvez, o último abencerragem para cometimentos heróicos no tablado. A sua direcção e o seu saber, deram-nos um admirável espectáculo, triunfaram com mérito absoluto no teatrinho do Peninsular... ... Não podemos nem nos atreveríamos a apreciar as obras do Grande Mestre agora representadas. Sobre Gil Vicente, os maiores investigadores e mais notáveis literatos, têm escrito milhares de páginas... ... Os distintos amadores de Tavarede, que há dez anos tanto temos apreciado, elevaram a espinhosa incumbência de José Ribeiro, a um verdadeiro caso no Teatro Português, no à-vontade do desempenho, no diapasão das vozes e no ritmo dos movimentos. Velhos e novatos, mestres e discípulos, todos bem, homogéneos, sem um desfalecimento ou uma nota discordante. Contudo, permito-me destacar a – Amadora Grande Artista – Violinda Medina, no seu admirável trabalho de Maria Parda, difícil de aguentar em todo o extensíssimo monólogo, sem cair no grotesco, mas sem desfalecimentos, sem diminuir o interesse, medindo as pausas e os movimentos, com a Arte e o Saber de uma verdadeira profissional. Simplesmente notável!”.


O Fim do Caminho

Em Dezembro de 1963, foi promovida uma homenagem ao Prof. Alberto de Lacerda, “prova do apreço e gratidão pelos relevantes serviços prestados por sua excelência à nossa colectividade, quer como Artista de méritos notáveis, pintor consagrado e autor de algumas obras do repertório do nosso grupo cénico”. “Depois de representar mais uma vez a encantadora e lindíssima peça “O Fim do Caminho”, seguiu-se um acto de homenagem, com a evocação das figuras das peças “Ana Maria”, “A Cigarra e a Formiga” e “Justiça de Sua Majestade”, o que constituíu um magnífico e soberbo espectáculo, a reviver aquelas famosas peças que são, muito justamente, verdadeiras coroas de glória da SIT”.

Fizeram o elogio do homenageado o presidente da direcção e o director do grupo cénico que “destacou a preciosa dádiva da colaboração de Artista e Poeta que Alberto Lacerda tem prestado à colectividade, que vê nele um amigo dedicado, que lhe entregou o seu coração de verdadeiro criador de arte e cultor do mais belo e puro teatro”. O homenageado agradeceu a fidalga homenagem de simpatia que os seus queridos amigos lhe haviam dedicado, “não com palavras, que não podia proferir, mas com as lágrimas da mais profunda gratidão...”.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

José Vigário

Tavaredense, sapateiro, era filho de José Vigário e de Emília Monteiro. Nasceu no ano de 1899 e faleceu em Janeiro de 1973.

Vivia com a Ti Marquitas do Pires, que, nas escadas da casa onde viviam, no Largo do Terreiro, era “comerciante” de freiras e pevides.

Começou a representar no grupo cénico da Sociedade em 1924, na opereta Noite de S. João, mantendo-se em actividade até ao ano de 1961, na fantasia Terra do Limonete.

Entre muitas outras, participou nas peças Em busca da Lúcia-Lima, Pátria Livre, Grão-Ducado de Tavarede, O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, Os Fidalgos da Casa Mourisca, As pupilas do Senhor Reitor, Justiça de Sua Majestade, Génio Alegre, Entre Giestas, Auto da Barca do Inferno, Chá de Limonete, Frei Luís de Sousa, Peraltas e Sécias, etc.

Chá de Limonete - José Vigário (S.Pedro) e João Oliveira Júnior (Frei Manuel de Santa Clara)

Em Janeiro de 1968, esta colectividade atribuiu-lhe o diploma de sócio honorário.
Caderno: Tavaredenses com História

Fernando Duarte Santos

Natural de Tavarede, onde nasceu no ano de 1905. Era filho de João Santos e de Maria José Duarte Caldeira. Foi casado com Idalina Fernandes dos Santos e morreu no dia 29 de Março de 1985. O casal não deixou descendentes.

Sapateiro de profissão, era habilíssimo na sua arte. Tinha a oficina em sua casa, na sua Direita.

Foi um devotado elemento da Sociedade de Instrução Tavaredense e do seu grupo dramático, participando sempre em papéis secundários, mas sempre mostrando a melhor vontade em servir o seu grupo.

Como director, fez parte de diversas direcções, reservando para si o cargo de porta-estandarte. Também foi dedicado cobrador da colectividade. No ano de 1979, a Sociedade de Instrução Tavaredense nomeou-o seu “Sócio Honorário”.
Peça 'Ana Maria' - Fernando Santos é o quarto a contar da esquerda

Haviam-lhe posto a alcunha de “Xanato”. É que, por diversas vezes, chegava atrasado aos ensaios ou às reuniões e, pedindo desculpa, sempre se justificava por “ter estado a acabar um xanato” (conserto de sapatos).

Humilde e simples, fazia gosto em apresentar-se, dentro da sua modéstia, nas melhores condições. Não raras eram as vezes, quando o grupo se deslocava de camioneta a qualquer terra, ir de pé. “Para não engelhar as calças”, dizia ele…

Sua esposa, Idalina, foi amadora teatral na Sociedade de Instrução, desde 1920, na peça Os Amores de Mariana, até 1929, em A Cigarra e a Formiga.

Idalina Fernandes, que faleceu no dia 3 de Outubro de 1972, com 73 anos de idade, era filha de Manuel Fernandes Júnior, um dos fundadores da Sociedade de Instrução, e de Maria Augusta de Oliveira. Curiosamente, encontrámos uma indicação, numa acta do Grupo Musical, que diz o seguinte, referindo-se a esta tavaredense, em Março de 1926: “pelo sr. Manuel Fernandes, foi informado o vice-presidente da direcção, que sua filha Idalina, havia acedido ao pedido que lhes fora feito para fazer parte da nossa secção dramática. Pelo presidente, sr. António Vítor Guerra, estando aquela senhora presente, foram-lhe apresentadas as boas-vindas, ao mesmo tempo que lhe solicitou encarecidamente para que, quando desejasse fazer qualquer reclamação, por qualquer inconveniência, em que se sentisse melindrada, portas adentro do Grupo, que se dirigisse a esta Direcção, a qual estaria sempre pronta a resolver o assunto de forma a desaparecerem mal entendidos…”. Não temos mais qualquer nota da sua participação neste grupo cénico.

Também foi nomeada sócia honorária da SIT.

Caderno (Tavaredenses com História)

Adriano Augusto da Silva

Natural de Tavarede, onde nasceu no dia 18 de Agosto de 1898, filho de Augusta da Cruz e de António Francisco da Silva. Casou, em Maio de 1921, com Maria Joana da Cruz, filha de José Maria Cordeiro e de Ana da Cruz, da qual se divorciou em Outubro de 1924. Em segundas núpcias, casou com a conhecida amadora teatral Violinda Nunes Medina, em Julho de 1925. Faleceu no dia 26 de Outubro de 1979.


Exerceu actividade profissional nos escritórios da Companhia dos Caminhos de Ferro na Figueira, tendo sido destacado, ainda que por curtos períodos, para Celorico da Beira, onde ocupou o lugar de chefe da estação, especialmente durante uma doença de sua esposa, a amadora Violinda Medina, que, por recomendação médica, carecia dos puros ares da Serra.


Foi destacado elemento nas colectividades locais. No Grupo Musical e de Instrução, além de director, foi professor na sua escola nocturna e fez parte do seu grupo cénico, revelando-se um razoável amador, especialmente em operetas, pois era dotado de boa voz de tenor.

Era um dos três cantores que cantava no coro daquela colectividade nas festas religiosas para que era solicitado.


Quando aquele grupo cénico cessou a sua actividade, em 1931, acompanhou sua esposa na mudança para a Sociedade de Instrução, onde, enquanto a saúde lho permitiu, colaborou, no desempenho das funções de contra regra.


Também teve uma passagem, ainda que relativamente breve, pelo grupo cénico do Ginásio Clube Figueirense.


Como músico, fez parte da Tuna do Grupo Musical, tocando flauta. No ano de 1923, foi eleito membro da Junta de Freguesia.
Um dos trabalhos de Adriano Silva

Ocupava os seus tempos livres com uma actividade muito curiosa: vasculhava os locais onde sabia que despejavam lixos, procurando “cacos” de louça pintada, especialmente tigelas e chávenas. Utilizava, pacientemente, os pequenos retalhos em colagens que fazia em jarras e vasos, formando interessantes peças decorativas.
Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 50


As obras de ampliação e transformação do edifício da sede iniciaram-se, simbolicamente, no dia 28 de Maio de 1960. No final do espectáculo então realizado, no qual se fez a estreia de duas novas peças, “O Beijo do Infante” e “O Dia Seguinte”, todos os amadores, antigos e actuais, foram convidados a irem ao palco para, em despedida, pisarem as suas velhas tábuas pela última vez. “Sobre aquelas tábuas carunchosas, onde tantas e tantas horas de alegria e aborrecimentos imperecíveis eles passaram, assistiram ao arranque da primeira tábua, operação esta que foi executada pela categorizada e premiada amadora, srª D. Violinda Medina e Silva, e receber as entusiásticas saudações da numerosa assistência, que bem traduziam o seu reconhecimento pelos momentos de prazer que lhes haviam proporcionado”.
Esqª. - O Beijo do Infante


Dirtª - O Dia Seguinte



Enquanto esta singela cerimónia se realizava, “caíam sobre os amadores milhares de pétalas de flores”. E no dia imediato, durante um baile, a direcção procedeu a um leilão do camartelo que, pela meia noite, iria dar início às demolições. Coube à srª D. Conceição Ferreira Sotto-Maior a honra de dar a primeira martelada, pois foi ela quem ganhou esse direito naquele leilão.
Recordemos que, quando foi iniciado o arranque das velhas tábuas, a amadora Violinda Medina e Silva formulou o seguinte pedido, aos responsáveis: “Por favor, guardem umas tábuas, do proscénio, para irem comigo no meu caixão”. Foi-lhe feita a vontade. E algumas daquelas tábuas, onde o seu grande talento se manifestou em tantas e tantas representações, foram religiosamente guardadas e, cumprindo o seu desejo, acompanharam-na na sua derradeira viagem, no ano de 1982.
Com o decorrer das obras pararam os espectáculos na nossa terra. Mas, durante alguns meses, ainda prosseguiu a actividade do grupo cénico. Já haviam ido a Alcobaça e a Ourém. Seguiram-se, depois, deslocações a Torres Vedras, Amarante, Vila Real e, novamente, Vila Nova de Ourém. A propósito da deslocação a Amarante e Vila Real, uma jornada triunfante organizada pelo saudoso figueirense, Engenheiro António Maria Gravato e sua esposa, então residentes na primeira daquelas localidades, respigámos, das palavras proferidas à despedida: “... nós, aqui na Serra, orgulhamo-nos de possuir “águias”, mas lá para as bandas da Figueira da Foz, nos choupos e salgueiros do ribeiro da pitoresca aldeia de Tavarede, também se “criam” extraordinários “rouxinóis” que, pelas suas melodias e cantares, nos transportam, por momentos, às regiões do sonho”.
As obras caminharam com grande vontade. No entanto, o seu custo não tardou em ultrapassar as disponibilidades existentes. E assim, “entendeu a direcção, com perfeita concordância do director do grupo cénico, que seria grande erro dispor desde já de um excelente Teatro e não o utilizar, à espera que se concluissem, noutras dependências da sede, obras cuja realização a falta de recursos não permite encarar imediatamente. Reconhecida por todos a conveniência de o grupo cénico retomar, tão depressa quanto possível, a sua actividade, interrompida há um longo ano, resolveu-se pedir as vistorias à casa e à instalação eléctrica, que foram aprovadas. Assim, o teatro foi posto a funcionar, tendo-se dado o primeiro espectáculo no dia 16 de Dezembro de 1961, com a peça em 2 actos e 24 quadros “Terra do Limonete”.
É enorme a lista de entidades públicas e particulares, empresas e amigos da colectividade que, reconhecendo o merecimento da SIT, acorreram a prestar o seu generoso auxílio. Em materiais, oferecidos ou com preços mais reduzidos, mão de obra, transportes e dinheiro, imensas foram as ofertas. As associações congéneres do concelho e, até, algumas de fora do concelho, também contribuiram. Volumosa correspondência confirma o que referimos.
“A data de 16 de Dezembro de 1961 ficará assinalada nos anais da história da nossa querida terra, como marco imorredoiro. Em cerimónia simples, imposta pelas circunstâncias, retomou a sua actividade o grupo dramático da prestante associação. Lotação esgotada, contando-se entre a numerosa assistência figuras de relevo da distinta sociedade figueirense e muitos amigos de Tavarede, vindos das mais diversas localidades do País”

Na Terra do Limonete

Do êxito que foi a apresentação desta “Terra do Limonete”, não vamos referir nenhum comentário da imprensa. Preferimos transcrever a opinião de um “velho” amigo da colectividade, ilustre pedagogo e estudioso das “coisas” da nossa terra e da Figueira, que é o Professor Dr. José Pires de Azevedo, que assistiu, tempos depois, a uma récita e escreveu a Mestre José Ribeiro. “Dizer-lhe que gostámos, dizer só isso, positivamente não chega; mas também não estamos habilitados a fazer uma verdadeira crítica; até porque nos falta o tempo e assistimos a uma única exibição; e uma crítica requer estudo, meditação, revisão das cenas, coisas todas impossíveis para nós. Assim optamos por uma solução intermédia, apontando o que mais nos impressionou. Agradou-nos a sua “fantasia” salpicada de história; agradou-nos o carácter do mobiliário e encantaram-nos alguns cenários; agradaram-nos alguns números de lindo efeito coreográfico e a riqueza do guarda-roupa; agradaram-nos certos passos evocativos (por exemplo, as “velhas” do Garrett e o “palácio em ruínas”) e agradaram-nos os artistas (nunca vi melhor “Auto do Vaqueiro”, o melhor quadro, para mim); e alguns jogos de luz, alguma música e certos movimentos, em cena e fora de cena, igualmente nos agradaram. Mas nós fomos a Tavarede também para apreciar a “casa nova”. E é uma acolhedora salinha: a melhor actualmente existente na zona”.


Sessão solene da inauguração da nova sede (reconstrução)