sexta-feira, 26 de novembro de 2010

José Maria Cordeiro (Zé Neto)

Nasceu no dia 20 de Fevereiro de 1910, filho de João Cordeiro e de Maria Joaquina Vaz. Era conhecido por José “Neto”, pois seu avô e um tio tinham o mesmo nome.
Casou com Maria José da Silva Figueiredo e teve uma filha, Helena Maria.
Muito culto, foi um grande coleccionador de “ex-libris”, deixando uma bem organizada colecção, e dedicou-se à história da sua terra, organizando vários cadernos com recortes de jornais, especialmente relacionados com o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Adepto das práticas desportivas, foi um dos fundadores do Sportsinhos Futebol Clube, em 1926, de que foi dirigente e atleta, e no ano de 1940, do Atlético Clube Tavaredense, “que se propõe trabalhar no sentido de chamar ao desporto, alguns “terroristas” que ainda por aí existem, que vêem erradamente no desporto não o revigoramento da raça, mas, sim, o seu definhamento”.
Foi muito dedicado à Sociedade de Instrução, exercendo diversos cargos directivos e de responsável pela biblioteca, que dirigiu durante vários anos com a maior proficiência. A colectividade distinguiu-o com o diploma de sócio honorário, em 1979.
No grupo cénico, onde actuou, como amador dramático, de 1946, na peça Horizonte, até 1965, em Centenário de Gil Vicente, interpretou diversas personagens em peças levadas à cena. No entanto, a sua grande colaboração prestada ao teatro terá sido como ponto, tarefa que desempenhou enquanto teve saúde.
Foi correspondente de jornais figueirenses e, em 1957, escreveu versos para serem cantados com a música da marcha “Tavarede tão airosa”, de António de Oliveira Cordeiro, a que deu o título de “Marcha dos Pacatos”:

Tavarede, aldeia linda,

De perfume sem igual,
Filha da mais bela praia
Deste lindo Portugal.
Foi berço de fidalguia,
Deixou nome na história,
Hoje tem o seu teatro
P'ra lhe dar fama e glória.
Figueira, terra formosa,
Tens o condão de encantar
Quem lá vai a vez primeira,
Por força há-de voltar.
Pequenina, aconchegada,
Cada canto é um alegrete,
Para a cura das 'maleitas'
Tem o 'chá de limonete'.

Temos por nome “Os Pacatos”,
- Esse nome não negamos –
Mas se nos chega a “mostarda”
Com certeza espirramos.

Esta vida são dois dias,
Toca a rir, folgar, gozar…
E se dívidas cá deixarmos
Alguém as há-de pagar.

Sua esposa, Maria José (19.03.1910 – 22.04.1984), filha de Helena Figueiredo Medina, também foi uma excelente amadora teatral, Iniciou-se em 1925, na opereta Em busca da Lúcia-Lima e terminou, em 1929, em A Cigarra e a Formiga, participando em Pátria Livre, Grão-Ducado de Tavarede, O Sonho do Cavador, etc. Igualmente a Sociedade de Instrução lhe concedeu o diploma de sócia honorária, em 1928.


Caderno: Tavaredenses com História

João Jorge da Silva


Natural de Tavarede, onde nasceu no ano de 1882, era filho de José Jorge da Silva e de Ana Cunha. Era conhecido por João da Simôa, certamente porque terá nascido ou morado neste lugar, no caminho da Chã. Casou com Clementina Nunes Proa e tiveram dois filhos: António e Emília. Faleceu a 5 de Maio de 1952, com a idade de 70 anos.
Profissionalmente foi tipógrafo, exercendo funções de impressor na tipografia de “A Voz da Justiça”.
Aderiu, desde a sua fundação, ao Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, onde, em 1912, foi professor de uma aula de música. Dirigia a orquestra dos teatros e foi o organizador e regente da primeira tuna desta associação, à frente da qual esteve cerca de seis anos. Foi nomeado sócio honorário desta colectividade em Dezembro de 1937.
Abandonou a actividade associativa, por volta de 1918. No entanto, em Abril de 1924, aparece uma notícia informando que “decorreu animadíssimo o baile realizado na Sociedade de Instrução Tavaredense no último sábado, por iniciativa do nosso amigo João Jorge da Silva. A concorrência foi grande, reinando a melhor alegria e prolongando-se a dança até alta madrugada de domingo”.
Sua esposa, Clementina, dedicou-se, durante muitos anos, à venda de tremoços, freiras e pevides, com “estabelecimento” no Largo do Paço, junto ao qual moravam.


Caderno: Tavaredenses com História

Francisco de Carvalho

Nasceu em Tavarede, filho de António Carvalho e de Joaquina da Silva Cascôa. Morreu, em Buarcos, no dia 11 de Fevereiro de 1980.
Prestou serviço militar no Regimento de Infantaria 28, sendo incorporado no Corpo Expedicionário que foi combater em França, na I Grande Guerra, donde regressou em Maio de 1919.
Durante cerca de 50 anos fez parte dos amadores da Sociedade de Instrução. Iniciou a sua colaboração em 1914, em Os Amores de Mariana, acabando na peça A Conspiradora. Representou papéis em peças como Amor de Perdição, Entre duas Ave-Marias, Noite de S. João, Em busca da Lúcia-Lima, Pátria Livre, Grão Ducado de Tavarede, O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, Os Fidalgos da Casa Mourisca, Justiça de Sua Majestade, Entre Giestas, A Morgadinha de Valflor, Ana Maria, Peraltas e Sécias, A Conspiradora, etc.
Tinha uma excelente voz de barítono, refere uma crítica de A Cigarra e a Formiga. Em 1954, por ocasião da Bodas de Ouro da colectividade, reviveu o papel de Ti Martinho Grave, da peça Entre Giestas, que interpretara muitos anos antes.
Certamente por ter inalado gazes nocivos durante a campanha militar, sofreu graves perturbações psíquicas, o que forçou ao seu internamento num hospital para doentes mentais, durante bastante tempo.
Foi sócio honorário da SIT, em 1967.
Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 68

(continuação) … Pedis-te-me uma nota para o teu jornal que devia ser breve. E escrevi este artigo leguapoveiro, muito extenso e que diz pouco. Perdoa. E já agora, com um pouco mais de espaço talvez queiras aproveitar a página de memórias, - Memórias que não se escrevem – que aqui junto. Em Agosto de 81 tinha eu concluído a “Viagem na Nossa Terra” para ser representada pelo 78º aniversário da SIT, em Janeiro de 82. Seria a ocasião própria para o reaparecimento de Violinda Medina no palco de Tavarede. Escrevi para o efeito a cena 12ª – “Gente da Enxada”, dividida em duas partes:

1) Regresso ao Lar – Eram os cavadores de Tavarede (já muito poucos…) que apareciam ao fundo da plateia e, descendo pelo centro, subiam ao palco, enxada ao ombro, cantando
Lá vão!
Lá vão
Os ranchos do labor
… … … … … … …
e, apagando-se ao longe o coro das enxadas, seguia-se a 2ª parte. Transcrevo: 2) Génio Alegre – Surge à frente da cortina a figura do Génio Alegre:

Violinda – “Foram eles, os cavadores de Tavarede, que me chamaram aqui… As badaladas do sino e as vozes dos cavadores no seu hino do trabalho evocaram no meu espírito uma cena em que também se viam homens no trabalho da terra e se ouviam badaladas e repiques de sinos barulhentos. (Transição) Foi há muitos anos!... Que saudades! Eu não era então a velha que hoje aqui está convosco. Era ainda jovem, uma rapariga alegre, contente, risonha, cheia de saúde e chamava-me Consuelo!... Parecia trazer o sol na alma e nos olhos e no coração e na boca a graça das cantigas andaluzas. Foi em Alminar de la Reina: estava em casa de minha tia, a nobre senhora Dona Sacramento, Marquesa do los Arrayanes. Era um belo palácio antigo, donde parecia ter desertado a alegria, se alguma vez houve alegria dentro daquelas vetustas paredes. No pátio andaluz existia um gracioso tanque com repuxo, mas não corria água no repuxo nem havia flores no pátio; enchi o pátio com vasos de flores e fiz correr água no repuxo; e aquele palácio velho e triste parecia agora rejuvenescido e alegre. (Transição) Certo dia, eu e várias cachopas e rapazes tínhamos ido a um casamento de ciganos. Quando já voltávamos do casamento, a palrar e a rir, muitos alegres”……………………………





Génio Alegre - 1938
(António Broeiro e Violinda Medina
)



E vem então o belo monólogo dos sinos que a alegre e irrequieta Consuelo (a Violinda) dizia, cantava, vivia assombrosamente, com os olhos, a boca e a alma cheios de riso, de luz, de alegria transbordante. Tu, meu velho Medina, não viste, não podes fazer ideia, e eu não posso contar-te, descrever-te de maneira que tu entendas e sintas o que foi no Teatro do Casino Peninsular a estreia do “Génio Alegre” e a cena genial em que a Violina, com o João Cascão e o Manuel Nogueira, faziam renascer para a beleza e para a alegria o pátio sombrio da velha Marquesa de Arrayanes, fazendo correr a água no repuxo e enchendo o pátio de vasos floridos, numa cena rica de movimento, de alegria, de risos, de vida feliz. E a plateia, e o balcão, toda a gente de pé, batendo palmas, contentes, muitos rindo, alguns chorando – que também se chora de contentamento, de alegria.

Esta cena com o monólogo dos sinos seria a grande homenagem a Violinda Medina, genial intérprete da deliciosa comédia dos Quintero, ali no Teatro de Tavarede, com os seus companheiros e o povo da sua terra e os seus admiradores de todo o concelho da Figueira. Falei com a Violinda – escondi-lhe o propósito da homenagem -, li-lhe o papel e ela, mesmo sentindo o peso dos anos e as tristezas da sua vida sem ventura, como que se animou à ideia de dizer ainda uma vez o seu belo, luminoso, arrebatador monólogo dos sinos, cheio de sol, de alegria de viver, de risos e de sons que vinham no repique destrambelhado dos sinos barulhentos. Para dias depois ficara combinado um ensaio de recordação, que já se não fez: a Helena – relíquia também do Teatro de Tavarede – trouxe-me a desilusão – que a Violinda não tinha forças para transmitir ao papel o movimento e a graça, a luz e a alma daquela irrequieta Consuelo, cheia de saúde e rica de alegria…

E lá ficaram, agrafadas e sepultadas no caderno que servia ao ponto, as folhas 44, 45 e 46 com a cena irrepresentada do Génio Alegre que seria a Violinda. No verso da folha 43 da “Viagem na Nossa Terra” escrevi: “Com grande mágoa se exara aqui a nota que segue: Este quadro do Génio Alegre preparou-se para ser erguido no palco, na noite da estreia desta Viagem na Nossa Terra, no aniversário da SIT, em Janeiro de 1982. Seria então a grande homenagem à Violinda dos amadores da SIT e do público que tanto admira esta nossa querida amadora – a maior de quantas conheci, como ensaiador, do Teatro de Tavarede. Infelizmente, a doença não lhe permite pisar de novo o palco. Por isso, tive de substituir o quadro. Tavarede, 3-11-81. José da Silva Ribeiro”.

Bem sabemos que foi demasiada extensa esta cópia. Mas, parece-nos, era absolutamente indispensável na história da Sociedade de Instrução Tavaredense.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 67






Sobre a fantasia anteriormente referida e que tanto êxito alcançou, vamos somente transcrever um pouco mais. “… Esta peça, a que chamamos “Fantasia Histórica”, é mais um original de Mestre José da Silva Ribeiro, que, com os seus oitenta e muitos anos, continua a transportar para o palco toda a juventude do seu enorme talento. Esta peça de teatro é mais um documento histórico da nossa terra, e Mestre José Ribeiro a escreveu em louvor do I Centenário da cidade da Figueira da Foz, pois que alguns quadros o expressam na sua maior clareza. Cavando mais um pouco da história longínqua da sua terra, que tanto ama, - Tavarede -, José Ribeiro não deixou de fazer a sua crítica a momentos actuais e de abraçar a Figueira da Foz neste momento alto da sua existência, que é a comemoração do I Centenário da elevação a cidade.

Pensamos, temos a certeza, de que este é, até ao momento, o mais alto contributo para as Comemorações. Julgamos mesmo, que seria imperioso a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário, fazer todas as demarches para que esta relíquia e rica peça de teatro fizesse uma digressão por todas as freguesias, e povoações onde fosse possível, para que a população do nosso concelho aprendesse um pouco da história da nossa cidade. – De Afonso Henriques até aos nossos dias, à mistura com quadros de fantasia, é mostrada a história de um povo…”.

No dia 16 de Março de 1982, faleceu Violinda Medina e Silva, a grande amadora do nosso teatro amador. A pedido do Jornal de Sintra, Mestre José Ribeiro escreveu uma notícia sobre esta Mulher tavaredense. É uma carta enorme, que não permite aqui a sua total transcrição. Mas não podemos deixar de para aqui transportar alguns fragmentos da mesma: “ O corpo de tua irmã ainda estava ali na igreja no caixão em que ela quis levar algumas tábuas do palco que durante tantos anos pisara; o espírito da Violinda já tinha voado, mas eu sentia-o vivo, bem vivo no turbilhão das minhas saudades. E eis que vem o teu rapaz pedir-me uma nota sobre a Violinda para o teu jornal – uma breve nota sobre a admirável Mulher e grande e querida Artista de Tavarede – Violinda Medina e Silva.



Violinda Medina e Silva ‘Frei Luís de Sousa’ (desenho do professor Alberto de Lacerda)

Mas, meu velho e desventurado António Medina Júnior: eu já não sei escrever para jornais – nem para os meus, que já não tenho, pois ambos me roubaram e porque deste então senti que me tornavam analfabeto. Perdi-lhe o jeito. Pode o bilhete de identidade continuar a chamar-me jornalista: é mentira piedosa que fiquei devendo, por mal dos meus pecados, à validade perpétua que ali me está assegurada. Que escreva para o teu jornal uma nota sobre a Violinda, pedes-me. Pois, meu velho companheiro da velha escola da nossa querida e inesquecível D. Amália! Tu bem sabes, e bem sentes, que a minha vida, como a tua, é já uma longa caminhada tristemente florida de muitas cruzes. Para qualquer lado que me volte – são ecos de ásperas e dolorosas lutas, algumas alegrias e tristezas com sinais dos encontrões que aguentei sem que algum tivesse força bastante para me não deixar de pé. E, tu bem o sabes, está comigo, infatigavelmente permanece – o Teatro. E o Teatro de Tavarede sempre o vejo e sinto com a Violinda Medina – admirável Mulher que a paixão da filha única, brutalmente arrancada ao seu grande amor de Mãe, matou para toda a alegria, só lhe deixando alma para resignadamente desfiar o rosário das desventuras.

Quando em 1931 a Violinda veio para o grupo de amadores da SIT logo ela se me revelou de espantosa intuição. Possuía linda voz com volume e extensão e era boa e simpática figura. Aqui na SIT se lhe afervorou a outra grande paixão da sua vida – o Teatro. E no Teatro, que cultivou com inteligência e invulgar sentido de Arte e raro espírito de sacrifício – até de saúde e comodidades – foi grande e admirável Actriz em várias das muitas peças que representou… … A primeira peça que tive como intérprete Violinda Medina foi Os Fidalgos da Casa Mourisca. Passaram já 50 anos… A última foi O Processo de Jesus. Entre uma e outra, quanta alegria, quanta beleza, quanta riqueza e diversidade de sentimentos, quanta grandeza e miséria e lágrimas e risos – comédia e drama, farsa e tragédia moldadas em prosa e verso. Ela tornou vivos no palco de Tavarede, e em Coimbra, Tomar, Lisboa, Porto, Leiria, Pombal, Soure, Pampilhosa, Cantanhede, Condeixa, Marinha Grande, Sintra, Colares, Arazede, Torres Novas, Torres Vedras, Maceira Liz, Alfarelos, Entroncamento, Vila Nova de Ourém, Amarante, Vila Real, Aveiro, Abrunheira, Figueira da Foz e em quase todas as freguesias deste concelho. Ela, a inesquecível Violinda, foi a pura alegria e o riso álacre dos Quintero no Génio Alegre, a raiva e o amor de Clara de Entre Giestas, o destroçado coração (que já o tinha sido na vida verdadeira da intérprete!) daquela Velhinha do Processo de Jesus, que sentia vivo ainda o filho já morto e lhe falava e o ouvia; foi a graça manhosa da criada do Tartufo, e a brava Rita Firmino de Horizonte, e a doce Avó de As Árvores Morrem de Pé, em cuja cena da bebedeira ninguém a ultrapassou e a aristocrata corajosa e astuta que foi a Conspiradora; e foi o milagre de arte de representar com que transformou em verdadeira cena teatral o monólogo vicentino do Pranto de Maria Parda! E outras e outras figuras com que enriqueceu a galeria das suas criações.






Violinda Medina e Silva
O Pranto de Maria Parda










Logo no nosso primeiro encontro – íamos ler Os Fidalgos da Casa Mourisca – a Violinda se abriu em confissão: nunca tinha lido uma peça de teatro; sabia de cor algumas cenas do Presépio, tinha representado uma ou outra daquelas peças, comédia ou drama, que se vendiam impressas para amadores. Que não sabia nada de técnicas nem da história do Teatro: “Nunca me ensinaram…”. Ela, muito presa à sua vida de casa e nunca faltando a um ensaio (“nem que chova” e mesmo chovendo, a Violinda, o João Cascão e os Broeiros – todos excelentes, valiosos e briosos amadores! – nunca faltavam ao ensaio), a Violinda tomou gosto pela leitura de teatro. E leu teatro. Gostou muito de Marcelino Mesquita, e fez brilhantemente a protagonista do Envelhecer. Foi um atrevimento de que saiu vitoriosa. E estou a lembrar-me, meu caro António, de que tu viste aí em Sintra a tua irmã numa peça do Marcelino, não o Envelhecer mas Peraltas e Sécias. Foram duas representações inesquecíveis! Na primeira noite representou-se Frei Luís de Sousa. A Violinda foi grande, espantosa na Madalena de Vilhena. Abraçada à cruz, era a imagem viva da própria dor, a suprema angústia daquela mãe: “Tomai, Senhor, tomai tudo! Oh! A minha filha! Também essa vos dou, meu Deus!”. A Violinda subiu alto, foi sublime de beleza trágica na obra gloriosa de Garrett. Estou a escrever-te, vejo o “teu” teatro cheio, um silêncio pesado em que só lágrimas falavam, oiço essas lágrimas da Mãe preludiando a morte da Filha – e aqui me tens a senti-las, aquelas puríssimas lágrimas, esquecido da distanciação brechtiana… (continua)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

CANTIGAS DE TAVAREDE

Que me seja perdoada esta pequena vaidade, mas não se pode ignorar o êxito que o coral 'CANTIGAS DE TAVAREDE' alcançou, ontem, em Beja, na sua apresentação no teatro 'Pax Júlia', numa iniciativa que o INATEL levou a efeito.


Já tinha sido muito bom a classificação anteriormente alcançada em Seia, ficando apurado com representante dos grupos corais da zona centro do País. Mas, havendo só um primeiro prémio (que, segundo informações colhidas foi muito bem atribuído), não deixa de ser muito satisfatório e honroso para a nossa terra, levar o júri a atribuir uma 'menção honrosa' especial ao nosso Coral, pela sua originalidade, categoria e a alegria apresentada, atributos que, já anteriormente, pessoas altamente classificadas, classificaram o nosso Coral como UNICO no género.

Merecem, pois, parabéns todos os componentes, o dedicado e competente Maestro João Cascão, a Sociedade de Instrução Tavaredense e Tavarede.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 66

Foi mais um triunfo do nosso grupo cénico. “Já 77 anos são passados desde que em 1904 nasceu na velha Tavarede a Sociedade de Instrução Tavaredense. 77 anos que tiveram o condão de operar a milagrosa transformação das suas gentes como nos foi dado observar no seu magnífico (mas já pequeno) Teatro. Não exageramos se afirmarmos que, naquela casa, não se fez teatro mas se escreveu história ao reviver-se todo um passado que se perde no distante século XI (Conde D. Sisnando). Aqueles homens, mulheres e crianças, escudadas embora no saber e perspicácia desse “quase lendário” José Ribeiro e que mesmo amparado à bengala continua a ser o Mestre insubstituível, parecem ter dentro de si a arte dos seus antepassados, tão perfeitas são as respectivas actuações. Em Tavarede não se aprende teatro, respira-se teatro!”, comentou, na ocasião, um jornal figueirense.

Como permuta com a visita que, no ano anterior, havíamos feito a Tomar, a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais, daquela cidade, deslocou-se a Tavarede, tendo proporcionado aos nossos sócios um magnífico concerto na tarde de 17 de Janeiro de 1981, além de ter abrilhantado a sessão solene comemorativa do 77º. aniversário. “… É com muita honra que me encontro naquilo que considero um verdadeiro santuário do teatro amador em Portugal, ou melhor, do teatro em Portugal”, foram palavras do representante da Câmara Municipal na referida sessão.

Para participação nas Jornadas de Teatro Amador daq uele ano, a Sociedade de Instrução Tavaredense pôs em cena mais uma peça de Molière. Foi ‘Tartufo’ e o espectáculo agradou em absoluto. “… Esta é a “troupe” do concelho com mais experiência de palco e de maiores créditos dados até agora. Não por isso, mas pela linha de conduta imposta ao grupo, ele constitui um grande exemplo a seguir pelos demais.





Tartufo
Molière



Desde a subida do pano (rigorosamente à hora marcada) até ao final da peça, respirou-se disciplina. Qualquer pessoa, habituada a ver teatro, notou ali a mão de um mestre conduzindo cada elemento e a harmonizar o todo da encenação. No final, alguém nos informou que, efectivamente, a venerável figura que apareceu em palco, trazida pelos actores, era o devotado artífice de tão homogéneo grupo: - José Ribeiro. Verdadeiro sacerdote do teatro, ele conseguiu, ao longo dos anos, uma obra que poderá (e quanto a nós DEVERÁ) apresentar em qualquer festival de teatro, mesmo no estrangeiro”, foi o comentário escrito por um critico que assistiu a esta representação.






Maria Teresa Oliveira
na peça ‘Os Velhos’




Mas, no dia 7 de Dezembro, o nosso grupo sofreu mais uma importantíssima baixa. Maria Teresa de Oliveira, irmã de Mestre José Ribeiro e sua colaboradora de sempre, faleceu com 74 anos de idade. Com uma carreira extraordinária no nosso teatro, além de sócia honorária, a colectividade já lhe havia prestado justa homenagem. “Certamente que os apreciadores do bom teatro não terão esquecido ainda a “D. Constança” (da Conspiradora), “A Genoveva” (de “As Árvores Morrem de Pé”), e “Ana” (de Os Velhos) ou a “Isabel Peixinho” a quem Maria Teresa Oliveira transmitia um realismo tal que levava os espectadores a duvidarem se estava ali uma artista ou a própria pessoa que ela representava. Muitas pessoas dizem que “na pele” da bruxa de Buarcos era mais bruxa que a própria bruxa… Ficou mais pobre o teatro em Tavarede, e em Portugal. Resta-nos o exemplo e a saudade. Oxalá que seguidores da sua arte invulgar”.

Para festejar o seu 78º. aniversário, o grupo dramático da SIT levou nova fantasia à cena. Mestre José Ribeiro aproveitou a ocasião para a nossa colectividade comemorar o primeiro centenário da elevação da Figueira da Foz a cidade. Foi com a peça “Viagem na Nossa Terra”, a que deu o subtítulo de ‘Da folha de uma figueira à folha de uma videira’. “Com 87 anos de idade, José da Silva Ribeiro, o mestre de teatro que para sempre ficará na história de Tavarede e da nossa cidade não descansa… Agora em mãos, quase pronta para ser representada, temos a peça ‘Viagem na Nossa Terra’, 2 actos e 13 cenas que movimentarão para mais de 6 dezenas de figuras. Curiosamente, esta peça da autoria de José Ribeiro, enquadra-se perfeitamente nas comemorações do centenário da nossa cidade. Íamos mesmo jurar que, apesar de não ter sido encomendada, a peça em apreço virá a constituir um dos acontecimentos mais relevantes das comemorações do centenário”, escreveu o jornal ‘Barca Nova’.









Viagem na Nossa Terra
Homenagem à cidade da
Figueira da Foz


O ‘Jornal de Sintra’, do nosso conterrâneo Medina Júnior, publicou a seguinte carta, a propósito desta representação: “Leitor amigo: merece a pena saber o que se passa e se faz numa pequena aldeia próximo da Figueira da Foz e que dá lições às grandes cidades – TAVAREDE. Que belo exemplo de sacrifício. Paixão e dedicação! Quanto daria eu para que a estrela da minha simpatia me iluminasse o espírito, dando-me a verve necessária para dizer por intermédio deste bocado de prosa, e comunicá-lo aos leitores, aquilo que senti e vi na noite de 23 do corrente mês no teatro da grandiosa (grandiosa na maneira de agir) Sociedade de Instrução Tavaredense, na qualidade que fui de espectador daquele mimo de teatro de assuntos regionais e patrióticos, peça em 2 actos e 13 quadros intitulada “Viagem na Nossa Terra”, de que é autor o superior teatrólogo José da Silva Ribeiro.

Quanto maior número de vezes vejo trabalhar o grupo de amadores dramáticos tavaredenses mais se radica em mim a opinião da sua superior categoria. Quem é que crê, se o não soubesse previamente, que numa terra de tão pequenos recursos se pode realizar Teatro desta qualidade? Sempre que vejo representar os discípulos do grande mestre José Ribeiro, fico chorando a falta que em certas terras (por exemplo, Torres Vedras) faz um homem desta categoria! Mas, vamos à peça, sobre assuntos regionais e patrióticos, que é um mimo de literatura popular, escrita para o povo entender, sem pruridos de frases bombásticas, não deixando de referenciar factos proeminentes da História de Portugal.

Os seus dois actos, de um movimento cénico digno de nota, porque até causa admiração conseguir-se reunir em instalações de tão diminutas dimensões, um conjunto de intérpretes tão numeroso, de tão vistosos trajos folclóricos, e pela maneira como se desempenham, quer proseando, cantando ou dialogando. Não farei referência especial a nenhum dos intérpretes, porque me foi impossível referenciá-los, pela falta de luz no lugar em que me encontrava, e poder anotá-los, acompanhando a exibição. Mas razões há que sobrelevam o que deles se possa dizer – a quantidade de elementos em cena, que não exagero se disser que por vezes eram mais de vinte; a forma certa como executavam os jogos de cena, por se movimentarem tantos executantes; os vistosos trajos com que se apresentam, que deslumbram a vista do espectador; a maneira como, quer orando quer dialogando, como os amadores – e que amadores! – se exprimem, ouvem e contracenam, que nos parece estar em presença de profissionais de certa categoria.

É claro que tudo isto é possível devido ao competentíssimo e modestíssimo José da Silva Ribeiro, a quem não só se deve a autoria da esplêndida peça em 2 actos e 13 quadros, com constantes mutações de cena; como à direcção de cena, mudanças de cenário, ao folclore dos trajos e, sobretudo, incutir em tantos executantes o seu extraordinário valor de homem que em Portugal, na opinião do grande actor que foi José Ricardo, mais sabia de teatro: José da Silva Ribeiro.









Duas cenas de ‘Viagem na Nossa Terra’

Não posso, não quero, nem devo deixar de felicitar a Sociedade de Instrução Tavaredense pelo seu 78º aniversário, pelo que tem realizado, pela educação popular através do teatro; como proporciona aos seus associados, instalações, hábitos e práticas de vida que não são aquelas que hoje, infelizmente, a mocidade dos grandes centros exerce e pratica nos meios – “soi disent” – civilizados. Findo este meu depoimento, pelo que vi e sinto, por lançar três grandes e sinceros votos: - que a sorte conserve a vida e o resto de saúde, hoje já tão abalada, a José da Silva Ribeiro; que a Sociedade I. Tavaredense continue prosperando; e que o povo da incomparável Tavarede continue dando exemplos de amor bairrista e patriótico a centenas de terras de maiores posses e população, como a minha terra, por exemplo. Para José Ribeiro vão as minhas sinceras felicitações, pelo incomparável trabalho e dedicação que presta à sublime e instrutiva Arte de Talma. Um grande abraço do velho amador dramático e amigo – Vítor Cesário da Fonseca

Sociedade de Instrução Tavaredense - 65


Retomando uma tradição de cerca de cinquenta anos, a Sociedade de Instrução Tavaredense levou o seu teatro, uma vez mais, a Tomar. Foi no dia 5 de Junho de 1980 e a peça ‘Comédia da Vida e da Morte’ agradou em absoluto. ‘Houve um grande interregno, e há já muitos anos que a SIT se não deslocava a Tomar. No passado dia 5 os jovens amadores – jovens de todas as idades, onde permanece firme mestre José Ribeiro – foram recebidos com as manifestações de carinho de sempre’.

Antes de passarmos à peça seguinte, mais uma escrita pelo Mestre José Ribeiro, lembremos um pouco de uma entrevista que lhe foi feita, sobre o tema: “O elenco feminino da SIT através dos tempos”. ‘Durante 30 anos fizemos parte do grupo dramático da SIT (sempre sob a orientação de mestre José da Silva Ribeiro) e verificámos ao longo desses anos, que no naipe feminino (aliás também no masculino) havia sempre grandes revelações.

Quando se “perdia” uma figura de primeiro plano e se pensava que ficaria uma “brecha” incurável, logo aparecia outra senhora (ou menina) que “tapava” essa ferida por forma a que a unidade do grupo se mantivesse em bom nível. Para satisfazer a nossa curiosidade e no intuito de dar a conhecer ao público a opinião de José Ribeiro acerca deste facto curioso, resolvemos pedir-lhe para nos responder às seguintes perguntas, o que amavelmente fez este homem de teatro que apesar dos seus 85 anos continua a trabalhar incansavelmente:

- Tem o Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, ao longo da sua carreira artística, contado com “grandes” amadoras.
Acontece, nesta altura, Ana Paula Fadigas aparecer em primeiro plano. Pode José Ribeiro falar-nos desta revelação, e dizer-nos se realmente se trata de uma amadora de grandes recursos?
“Sem dúvida nenhuma a Ana Paula foi uma revelação. Dei por ela numa rábula de 4 palavras num quadrozito do “Cântico da Aldeia” que cozinhei para uma festa de aniversário da SIT. Deu belíssimas provas na peça de Shakespeare “Tudo está bem quando acaba bem”, depois da “Rosalinda”, também adaptação de outra peça de Shakespeare e, notavelmente, na “Comédia da Morte e da Vida”. Oxalá ela se dedique e continue a estudar para corrigir defeitos que ela conhece”.

Ana Paula Fadigas
‘Comédia da Morte e da Vida’

- Somos do tempo de Violinda Medina, Emília Monteiro de Lemos, Maria Teresa Ribeiro (sempre em papéis de velha), Guilhermina da Silva Ribeiro, Maria Isabel Medina, Maria do Saltadouro (a quem dedicou um dos seus livros), e tantas outras boas amadoras. Quer falar-nos sobre elas?
“A nossa Maria do Saltadouro, de quem guardo muita saudade, não teve tempo para se aperfeiçoar. Tinha intuição e era apaixonada pelo teatro. Pouco menos que analfabeta, mas que inteligência! Guardo as cartas que ela me escreveu para a cadeia da PIDE no Porto. Na dedicatória a que tu aludes eu escrevi: Maria do Saltadouro, “a inteligente e humilde rapariga que amanhava as suas terras, fazia o seu vinho e costurava as suas roupas”. Não eram palavras de retórica, era literalmente a verdade”.

- Antes destas senhoras, tivemos outras de boa craveira artística. Qual, de todas com quem trabalhou, foi a mais brilhante? Considera que alguma delas poderia ter sido uma boa actriz como profissional?
“Ah! Sim. Posso citar-te a Eugénia Tondela. A Eugénia Tondela, filha de Manuel Tondela, que foi professor da escola nocturna logo no começo da SIT, casou com o pintor António Piedade, de quem ficou viúva. Também ela já morreu, que começou ainda no tempo do João dos Santos e do velho José Maria Cordeiro. Excelente e regularmente culta amadora. Durante anos representei com ela – éramos ainda novos, e já lá vão quase 70 anos! Depois da Eugénia tivemos a Helena Medina, que foi primeira figura durante anos. Era uma figurinha agradável e tinha uma linda voz que a fazia brilhar na opereta.Não posso dizer, em consciência, qual foi a “mais brilhante”, como tu pedes. Cada uma teve o seu tempo. Mas posso citar-te uma de qualidades excepcionais: a Violinda Medina e Silva. Mas a Violinda é um caso excepcional, um caso à-parte, como só raramente aparece. Claro que sim. Algumas das nossas amadoras podiam vir a ser boas actrizes profissionais. Para isso teriam de alargar e aperfeiçoar a sua cultura geral e especial. Sem estas “ferramentas” não se é bom trabalhador no teatro”.


Helena de Figueiredo Medina
(bisavó de Ana Paula Fadigas)

Aqui fica o depoimento de um dos maiores ensaiadores do teatro amador do nosso País, que, através da sua competência e invulgares qualidades de trabalho, levou o Grupo de Teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense a ser considerado como um dos melhores agrupamentos de Portugal.

É chegada a ocasião de entrarmos no ano de 1981. A pedido da Direcção, e tendo em vista os êxitos que alcançavam as peças musicadas, Mestre José Ribeiro escreveu e ensaiou nova fantasia, na linha das anteriores. Chamou-lhe ‘Ecos da Terra do Limonete’.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tavarede - história

Tavarede é terra de larga senhoria. Seu nome é possível que descenda de Tavared - muito remota povoação da Arábia.

O senhor Rei D. Sancho e sua espôsa D. Dulce, em sua carta de doação do Couto de Tavarede à Igreja de Santa Maria de Coimbra, faz rezar: - povoação situada na borda do mar...

É velha a freguesia de S. Martinho, com 2.115 habitantes, sendo 1,039 varões e 1.76 fêmeas.

D. Manuel I deu-lhe foral em 1517.

Tavarede teve alfândega privativa.

Era por um vasto esteiro que passava ao lado do matadouro velho que se fazia a navegação.
A Casa de Tavarede usufruia privilégios vexatórios e violentos. Por exemplo: Nenhum morador dos coutos de Tavarede ou Figueira podia cozer pão ou assar carnes senão nos fornos da poia da mesma Casa, mediante retribuição respectiva.

Recebia tenças, galinhas, certas doses de colheitas e outros impostos.

E êste tributo da “colheita ou jantar” ao Deão da Sé de Coimbra!

Quando o presidente do Cabido adregava a visitar Tavarede, um dia por ano, “recebia dos moradores, para o seu jantar, 180 reais, de seis ceitis o real, e das heranças da Chã e de Cabanas, 2 carneiros, 2 cabritos, 6 almudes de vinho, 10 galinhas, um quarteiro (1/4 de moio) de cevada pela medida de Coimbra, cem pães, cinco soldos em dinheiro, meio alqueire de manteiga fresca, e lenha e vinagre que abonde para se poder cozinhar as dictas cousas na cozinha do Deão!”

O Dr. Santos Rocha, que com ser um grande homem de ciência e fôro, não deixava por vezes de comentar com um fio de cintilante espírito crítico as suas notas, termina assim:
“- Por onde poderia provar-se que o Deão nessas épocas também comia cevada!”.

Só para se descreverem as façanhas e crimes do famigerado 8º. Senhor do Morgadio de Tavarede - Fernando Gomes de Quadros - bisneto do instituidor do morgado - António Fernandes de Quadros, seria necessário largo espaço.

O brasão de armas dos Condes de Tavarede é: Escudo esquartelado: no primeiro quartel as armas dos Quadros: Escudo enxequetado de prata e azul, de quatro peças em faixa; no segundo as dos Barretos: Escudo em campo de prata semeado de arminhos negros, e assim os contrários. Timbre, meio leão azul tendo nas mãos um xadrez.

O solar dos Condes de Tavarede, que era um formoso palacete, reedificado em grande parte no século XIX, já pouco possue da primeira arquitectura, devido ao desinterêsse do actual proprietário.

Tavarede é das mais simpáticas e atraentes aldeias convizinhas da Figueira.

É a terra do limonete - como o vulgo chama à lúcia-lima.

Tôda ela é um mimo de hortejos frescos, de fôfas terras de fácil e airoso amanho.

Cada casa é uma roseira. Cada rapariga uma flor.

Da serra descem fios de água, que vêm sussurando pelo Saltadoiro, fazem mover azenhas cheias de idílicas frescuras - onde reverdecem avencas de esmeralda e alastram musgos doces em que apetece cair e rolar.

Não surgem no mercado da Figueira - nem haverá por essa bola do mundo - hortaliças e novidades mais apaladas e gostosas.

Que aquilo é campo bendito - que Deus fadou para regalo e gôzo de eleitos...

Tavarede é hoje um burgo esperto. É gentil. E marca, devido à Sociedade de Instrução Tavaredense, um acentuado destaque entre as suas congéneres do ramo cultural.

(Aspectos da Figueira da Foz - Turismo 1945)
Nota - 65 anos é muito para tamanha diferença?

A matança do porco

Não há muitos anos ainda, as famílias dos arredores da cidade criavam o seu porco, alimentado com as sobras das refeições e para o qual se cozinhava propositadamente a “lavagem”, com água, couves e farinha ou sêmea, o que permitia que o toucinho entremeado ficasse mais gostoso.

A matança, geralmente em Dezembro e escolhida a fase da lua conveniente, segundo a boa tradição popular, era pretexto para a reunião de toda a família. Faziam-se os bolos de sangue, as morcelas, as papas de moado, e conservavam-se na salgadeira os ossos e o toucinho.
Preparavam-se os negritos, os chouriços e os presuntos que haviam de chegar para todo o ano, sem falar na banha, nos rojões, no sal de unto e nos torresmos. Os lombos assados no forno eram conservados em banha e comiam-se parcimoniosamente nos dias de festa. Até a cabeça era aproveitada, juntamente com as queixadas, a língua, as orelhas e os miolos, de que se preparava um prato requintado com ovos, pedaços de carne e miolo de pão.

(Figueira do Passado ao Presente - Gastronomia e Culinária)

Recordo-me, nos meus tempos de criança, e, até, já de rapaz, os dias da matança do porco, quer em Tavarede, em casa dos meus avós paternos, quer em Reveles, em casa do meu tio Joaquim ou da minha tia Idalina.

Em Tavarede acabaram mais cedo. Minha avó morreu em 1946 e nunca mais houve aquela casa de trabalho, mas de fartura, que era apanágio das casas da aldeia dos que amanhavam as terras em maior ou menor dimensão.

Em Reveles, por muitos anos eu ia lá para assistir à matança do porco. Era, para mim, uma festa. Todos gostavam muito de lá me ter e faziam tudo para que eu me sentisse bem. E conseguiam-no, facilmente. Não sei em qual das casas eu me sentia melhor, com o tio Joaquim e a tia Palmira, se com a tia Idalina e o tio Cristino.

Acompanhava, passo a passo, todas as tarefas. Desde irem os homens buscar o animal ao curral, prendê-lo e sangrá-lo até ao amanhar. Depois ia com as mulheres até ao rio, onde lavavam as tripas.

O serrabulho e as febras eram uma farturinha. À noite faziam os “tortalhos”, que, mais tarde, eram comidos quentes, normalmente com o café.

No dia seguinte, lá estava eu a assistir ao desmanchar o animal, separando as carnes para a salgadeira, as banhas para derreter e a prepararem os enchidos, que iam para o fumeiro.E que saborosos eram!...

Sociedade de Instrução Tavaredense - 64


Em Março de 1980, o Lions Clube da Figueira da Foz prestou homenagem ao grupo de Tavarede. Vejamos o que, sobre o assunto, disse um jornal figueirense. ‘... a finalidade máxima desta reunião estava um tanto envolta em segredo, dado que os homenageados em questão se têm escusado, muito delicadamente, a este género de consagração pública, para isso evocando, como diria José Ribeiro no seu agradecimento, a sua falta de merecimento (?!), argumento que merece a nossa total discordância. Violinda Medina, retida inesperadamente no leito por súbita indisposição, seria representada por seu sobrinho sr. José Cordeiro, enquanto Mestre José Ribeiro, bem longe sequer de sonhar com o que seria a sessão, acedera gentilmente, como é seu timbre, a ir, uma vez mais, falar de Teatro ao Lions.

Como depois haveria de ser curiosamente referido pelo dr. Albarino Maia, na crítica da sessão, o teatro tavaredense fazia de tal maneira escola que os elementos do Lions que haviam convidado José Ribeiro o tinham feito com tal “arte”, que o mestre acreditou na representação! Aqui, mais do que nunca, os meios justificavam os fins. A apresentação dos convidados de honra esteve a cargo do engº. Jorge de Pinho que, para além das elogiosas, mas sempre justas referências feitas sobre a acção desenvolvida em prol do Teatro por tão ilustres figuras se encarregou de dar a conhecer a José da Silva Ribeiro dos verdadeiros intuitos do Clube, intenções que para a grande maioria dos presentes só naquele momento se aclararam: homenagear o Teatro nas pessoas de Violinda Medina e José Ribeiro.

Estrondosa salva de palmas abafou as últimas palavras do apresentador, enquanto os olhares interrogativos procuraram descobrir com segundos de antecedência a reacção do homenageado presente. E nós que conhecemos José Ribeiro há muitos anos, não conseguimos evitar uma tremenda e rápida sensação de felicidade perante a emoção que vimos estampada no rosto de esse Homem de Teatro, o qual, sentindo quanto de verdadeiro era a estima e calor humano que o rodeavam, acabaria por aceitar, visivelmente reconhecido, a homenagem que o Lions lhe prestava.

Pena foi que Violinda Medina não pudesse compartilhar daquele momento inolvidável, pois estamos cientes de que ele se integraria nas mais belas recordações da sua vida. Mas seriam para ela e por ela as primeiras e principais palavras de José Ribeiro no seu agradecimento. É que ele não é apenas Mestre de Teatro, também o é na oratória, como habilmente o demonstrou ao desviar para Violinda Medina as honras desta dupla homenagem.

Pelo presidente do Clube foram entregues placas comemorativas do acontecimento, nas quais se podia ler: “A José da Silva Ribeiro, Mestre de Teatro”, e “A Violinda Medina e Silva, uma vida dedicada ao Teatro” e em ambas “homenagem de Lions Clube da Figueira da Foz”. Ao sr. José Cordeiro foi entregue, além da placa que referimos, um vistoso ramo de flores destinado a sua tia, cuja ausência, repetimos, por todos foi lamentada.

E Mestre José Ribeiro falou depois sobre teatro. Não iremos aqui descrever aquilo que tantas vezes o nosso jornal já fez, em função de outros actos, nos quais o mesmo orador nos ensinou a compreender a arte de Talma. O nosso relato ficaria sempre aquém, sempre remotamente longe de todo o fulgor, brilhantismo, qualidade, vivacidade de expressão, enfim, de todo aquele somatório de predicados que fazem de José da Silva Ribeiro um Mestre de Teatro”.

Ainda vamos recordar um pouco do que foi escrito sobre a representação da peça ‘Comédia da Vida e da Morte’. “… Este texto dramático de Henrique Galvão, escrito em 1950, é uma comédia de costumes que foi sem dúvida o melhor apresentado durante estas IV Jornadas, que se caracterizaram precisamente pela sua baixa qualidade. Henrique Galvão nasceu no Barreiro em 1895 e escreveu as seguintes obras dramáticas: Revolução, 1931; Como se faz um Homem, 1935; O Velo de Oiro, 1936; Colonos, acto único, 1939; Farsa de Amor, em colaboração com Carlos Selvagem, 1951. Henrique Galvão, para além dum autor de dramas africanistas e de comédias de costumes, foi sobretudo um escritor de coisas coloniais e um fogoso homem político, que raptou um navio para chamar a atenção da opinião pública internacional para o regime de opressão e de falta de liberdades fundamentais que então existia em Portugal.

A encenação de Mestre José Ribeiro está dentro da linha e do nível a que nos habituou, apresentando uma leitura correcta e um bom equilíbrio entre todos os seus elementos: o estilo, o ritmo e o tempo, a distribuição, a implantação da cena e a marcação. A representação é homogénea, havendo uma boa construção de todas as personagens, apesar de algumas falhas nas personagens do Conde do Laranjeiro, do Pitó e de Valadas. Pensamos que actores como João Medina e João de Oliveira além dessa grande senhora que se chama Violinda Medina e Silva, têm garantida a sua sucessão com Ana Paula Fadigas e Ana Maria Bernardes. Fazemos votos para que o mesmo possa suceder com Mestre José Ribeiro para glória da Sociedade de Instrução Tavaredense e do teatro de amadores da região”.

Fotografias - 1 - Emblema do Lions Club; 2 - Comédia da Morte e da Vida

Sociedade de Instrução Tavaredense - 63


Para a récita do aniversário de 1980, o grupo cénico voltou a ensaiar uma peça Shakespeare, ‘Rosalinda’, adaptação de ‘As you like it’. No dia 26 de Janeiro foi a sua apresentação. “Um grande e belo espectáculo o que está em cena no Teatro de Tavarede. E o brilhante êxito alcançado – com lotações esgotadas – plenamente se justifica pela beleza, ternura e graça da peça, construída no riquíssimo e vigoroso estilo do imortal dramaturgo, recheada de situações de grande efeito teatral.

A montagem da peça honra a tradição tavaredense: interpretação excelente de um conjunto de 30 figuras, primorosamente vestido com rico e belo guarda-roupa histórico do grande artista Anahory e cenários de grande beleza nas 12 cenas em que se desenvolve a acção – fins do século XVI”. Para a participação do nosso grupo nas Jornadas de Teatro Amador, Mestre José Ribeiro escolheu e ensaiou um autor português ainda não representado em Tavarede: Henrique Galvão. Foi a peça ‘Comédia da Vida e da Morte’ e a representação ocorreu no Casino da Figueira. ‘… constituíu vigorosa sessão de teatro, levada a um nível e homogeneidade dificeis de atingir. Novos e velhos brilharam a grande altura…’, escreveu o crítico de ‘A Voz da Figueira’.


Entretanto, aquando do aniversário, havia sido convidado para orador oficial o nosso amigo Pastor Evangélico dr. João Severino Neto. Do seu discurso retiramos: ‘… Quando, como ontem, assisto a apresentações teatrais levadas a efeito pelas colectividades do concelho e penso no que a nível das escolas poderia ser feito na formação cultural da nossa juventude, lamento que se percam tantas oportunidades. Infelizmente toda a nossa vida, fruto da educação que recebemos, está compartimentada. É com dificuldade que nos abrimos aos outros. E essa triste situação começa nos serviços oficiais para terminar muitas vezes na relação entre as pessoas. Num país com tantas dificuldades, em que os recursos disponíveis são mínimos, em que mais do que nunca há necessidade de colaboração a todos os níveis, em que uns devem pôr ao serviço dos outros o que possuem, evitando quantas vezes gastos duplicáveis, mantemos uma mentalidade de ghetto e superioridade balofa.

Porque não levar as colectividades à escola e a escola às colectividades? Ao pensar no trabalho digno levado a efeito pela Sociedade de Instrução Tavaredense, não receio em afirmar se alguém tem a ganhar é precisamente a escola, seja ela primária ou secundária. Olhemos para as colectividades com o respeito e dignidade que merecem. Demos-lhes o valor e dignidade que merecem. Demos-lhes o valor a que têm direito e aproveitemos a cultura que nasce do povo, que na verdade é a verdadeira cultura… … Não quero terminar estas minhas palavras sem humildemente me dirigir ao meu caro amigo sr. José Ribeiro. Disse ele ontem à noite no momento de apresentação da peça que nos foi dado assistir, que era talvez a última vez que tomava a palavra numa sessão de estreia. A reacção do público foi clara, não deixando quaisquer dúvidas. Todos nós reconhecemos o trabalho extraordinário que ao longo de tantos anos realizou nesta bela terra de Tavarede. Não, a sua presença é imprescindível. A sua obra de formação e educação de gerações deve continuar. São homens como o caro amigo que a sociedade portuguesa precisa. Esperamos que daqui a um ano o possamos continuar a ver dirigindo os trabalhos de encenação e direcção do grupo teatral da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quase que em nome de todos os presentes posso dizer: - Muito Obrigado”.

Fotografias - 1 - Rosalinda; 2 - Comédia da Morte e da Vida