segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 12

_ Em Novembro, novamente houve uma deslocação a Montemor-o-Velho, desta vez com as peças “As pegas de toiros”, “Medicomania” e a “Herança do 103”;

_ E, finalmente, em Dezembro, na sua sede, mais uma estreia. Foi apresentada a comédia “Sempre o mesmo tio Torcato”, com interpretação de Violinda Medina, Helena Gomes, José Medina, Adriano Silva, José Francisco da Silva e José Augusto Mota.

No ano seguinte, 1926, em Janeiro, o Grupo Musical fez deslocar o seu grupo cénico à Figueirense, para apresentação das comédias “As pegas de toiros”, “Sempre o mesmo tio Torcato”, e a opereta “A herança do 103”. No mês seguinte, ainda naquela mesma sala da Figueira, novo espectáculo com as comédias “As duas gatas”, “O Senhor” e “Os gagos”.

Em Junho de 1926, mais uma deslocação e mais um triunfo. Foi a Santo Varão. Aqui deixo, igualmente, a notícia.

“Uma parte da secção dramática do próspero e florescente Grupo Musical e de Instrução Tavaredense foi no pretérito domingo a Santo Varão, suburbios de Formoselha, realizar um espectáculo com as conhecidas peças do seu vasto repertório - Erro Judicial e Cada Doido...
Da representação das peças devo dizer, em abono da verdade, que se salientaram os amadores António Medina, José Medina, José Silva, etc., não esquecendo o soberbo trabalho do seu ensaiador, o nosso amigo António Medina Júnior e de sua irmã D. Violinda Medina e Silva, que mais uma vez receberam d’uma plateia fina e delicada, aplausos particulares e sinceros, de que, aliaz, são bem dignos, pois nada mais do que eles fazem se pode exigir a amadores de teatro. Que nos desculpem ferir-lhes a sua modéstia, mas isto é a verdade.
Uma orquestra do mesmo Grupo, sob a direcção de António Ferreira Jerónimo, elemento distinto do mesmo, abrilhantou o espectáculo, ouvindo-se fortes aplausos.
Isto é o menos para a minha pretenção. Agora, o mais, o que não pode nem deve ficar no tinteiro, é a expressão sincera dos meus parabéns ao povo de Santo Varão, pela forma bizarramente bela e acolhedora com que recebeu os rapazes de Tavarede.
Sim, senhores!
Assim é que se chama fazer estreitamento de amizades. Assim é que se chama receber bem um hóspede. Enfim: a isto é que se chama a verdadeira confraternização de povos.
Há tempos deu-se a verdadeira antítese numa outra terra onde o Grupo também foi, para o mesmo fim, terra essa que é o berço de dois dos principais elementos do mesmo grupo...
E esses elementos - devo frizá-lo - são geralmente estimados nessa terra...
Mas... cada terra com seu uso e...

* * * * *

Logo de manhã, os amigos António Ferreira Jerónimo e José Silva conseguiram, da benevolência de Manuel Martinho Júnior, o empréstimo do seu barco, no qual “navegaram”, além destes, Manuel Fé Varela, António Ferreira, António Ferreira Menano e Francisco José Ferreira Menano Júnior, que conseguiram pescar na enorme vala que vae desaguar no rio Mondego, entre Santo Varão e Formoselha, incontestavelmente um dos pontos mais belos do lugar, uma suculenta dose de peixe, da qual foi feita uma caldeirada para os Tavaredenses, pelo sr. Luiz Fé Varela, que é autentico culinário no género.


Promoveram-se vários passeios fluviaes na poética vala, passeios esses que ficarão bem gravados no mais recondido de todos os rapazes de Tavarede, que não havia maneira de sairem dos barquinhos frágeis que com eles deslizaram dôcemente sobre a quietude das aguas, onde se reflectiam os esguios choupos e os frondosos salgueiros, que proporcionavam agradáveis túneis de verdura onde se gozava a frescura d’uma sombra agradabilissima e benéfica...
Os rouxinois, os pintassilgos, os melros e tantos outros passarinhos, que tinham escondido seus ninhos nas hastes ramalhudas das arvores que ladeiam a fresca vala onde se realizou o passeio fluvial, timbram em seus gorgeios despreocupados e alegres, regalando-nos os ouvidos e enebriando-nos a alma...
Quem pudesse traduzir por palavras aquilo que de agradável e poético nos foi dado gosar em Santo Varão...


Muitos Tavaredenses, como Medina Júnior, João d’Oliveira, Adriano e José Silva, José M. Gomes, Manuel Nogueira e Silva, Pedro e Jorge Medina, Manuel Cordeiro, etc., etc., não esquecendo as srªs. D.D. Guilhermina Cordeiro, Violinda Medina e Silva, Emília Pedrosa Medina, Laura Ramos Ferreira, etc., etc., só abandonaram a “flotilha” quando a noite começou por lançar seu manto nêgro sôbre os sanguíneos raios de sol de um dia que tombava, depois de imensa felicidade espiritual para quem, como os tavaredenses, sabe gozar um pouco das belêsas naturaes, com que a natureza fadou a terra!”.

Refiro que a maior parte destes espectáculos se destinavam à angariação de fundos, a favor da aquisição da sede e custo dispendido com as obras realizadas. Como simples curiosidade, anoto que o preço dos bilhetes para os espectáculos na sua sede, para sócios e familiares, era de um escudo, para balcão, cadeiras e superior, e cinquenta centavos, para a geral. Nos bailes e “matinées” dançantes era mais caro, pois custava cada entrada um escudo e cinquenta centavos.

Com o mesmo fim, nas festas ao São João, na nossa terra, e naquele ano de 1926, foram montadas barracas em diversos locais, com vários divertimentos e nas quais colocaram tabuletas com a seguinte inscrição: “Para as escolas do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense”.

Ainda antes de passarmos à nova festa, que teve lugar em Dezembro de 1926, para as comemorações do 15º. aniversário, não quero deixar de transcrever uma reportagem, publicada no jornal “O Figueirense”, em que se comenta a intensa actividade da colectividade.

“ Um director do florescente Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, colectividade que em Tavarede - a vizinha e pitoresca aldeia que de todas as freguezias do concelho está em mais intimo contacto com a Figueira - vive com muito trabalho e sacrifício, do povo e para o povo, mas mais para o povo, do que de êle, convidou-nos há dias para uma vizita, á noite, à séde da colectividade da qual é um devotado amigo.
Com franqueza, assim com estas noites, em que os diques angelicais primam em converter num “pinto” um pobre mortal que não tenha a dita de possuir uma rica “impermeàvel”, tal proposta não veio muito a tempo...
Mas, por consideração para com o nosso amigo e ainda pela insistente maneira como nos pediu, lá fomos há dias a Tavarede, a vizitar as aulas nocturnas, que sob a direcção de dois sócios, funcionam no Grupo Musical e d’Instrução.
A nossa alma atingiu o cumulo da satisfação: - por chegarmos e regressarmos de Tavarede sem apanharmos gôta de água, e mais ainda por, ao ingressarmos naquela colectividade, depararmos com uma chusma de crianças, rapazes e raparigas, alguns já adultos, a receberem a luz sublime da Instrução.
N’uma ampla sala, toda claridade, toda higiéne e de cujas parêdes pendem retratos vários, entre os quáis o da insinuante figura do imortal maestro figueirense David Souza, em tamanho natural, rodeiam umas mezas grandes algumas dezenas de alunos. São filhos de sócios e muito principalmente filhos de não sócios. São, emfim, tavaredenses que procuram uma escola competente onde possam aprender á noite o que de dia se lhes torna impossível fazer. É seu professor o António Lopes, ajudante de António Victor Guerra, que por motivo dos seus muitos afazeres ainda não poude ir exercer as funções do seu cargo.
É a aula nº. 2, em que os alunos recebem as antigas regras da instrucção primária (1º. e 2º. graus) e algumas explicações de francês.
Mais adiante, outra sala, a nº. 1, em que uns 20 meúdos aprendem, pelo método João de Deus, as primeiras letras, tendo por professor o José Francisco da Silva.
Em face da grande amizade que nos prende ao nosso apresentante, tivémos a liberdade de lhe fazer esta pergunta:
- Porque motivo não substitúem as mezas por carteiras?
- Pela razão absolutamente natural de que nós não temos verba para as mandar fazer. Vivemos com muitas dificuldades, meu amigo, andamos uma duzia e meia de sócios mais devotados a trabalhar pela vida do meu Grupo. Não ignora que no verão temos dado espectaculos por Brenha, Maiorca, Montemór, que fizémos ultimamente uma excursão á Marinha Grande, onde démos tambem dois espectaculos, cujo produto foi muito favoravel ás nossas necessidades.
- E o Grupo pagou todas as despezas dos excursionistas?
- Não, meu amigo. Cada um tomou de sua conta as despezas de comboio e hospedagem. De contrário, não merecia a pêna pensarmos em mais excursões...
- Essa acção é meritória - retorquimos. E porque não trabalham assim os restantes sócios em quem vejam algum aproveitamento para o teatro ou para a musica? Pois se a casa do Grupo é de todos...
- A essa pergunta só eles podiam responder...
- Mas isso não se compreende. Sacrificio mútuo é que é necessário para a vossa obra. Caso contrário, o desânimo apodéra-se, mais dia, menos dia, daqueles que trabalham, dos verdadeiros caminheiros do progresso desta colectividade, e os resultados serão verdadeiramente desagradaveis para ela.
- Não. Não é bem assim. Não vê que nós, no nosso livro de actas, temos uma proposta dum sócio que foi unanimemente aprovada e que é para os que de qualquer fórma trabalham um incitamento a um melhor esforço, a uma melhor boa-vontade para o fazerem?
- ?
- Consta d’isto: - Há por exemplo um grupo de 12 homens que dá um espectaculo ou que toca num rancho. Rende êsse trabalho uma determinada importância, que é dividida por todos êles. Em essas quotas partes atingindo a soma de 50$00 escudos, cada um dêsses homens tem direito a uma acção do Grupo. Assim, posso afoitamente dizer-lhe, que por este processo só não tem acções todo aquêle que não quer trabalhar. Esses não são considerados amigos do Grupo.
- É realmente boa, essa iniciativa. Cada um que trabalha, gósta sempre de vêr uma justa recompensa.
- Já vê, pois, o meu amigo, que para sustentarmos o bom funcionamento das nossas escolas, ou antes, da nossa colectividade, não é a insignificância das quotas, apenas de 1 escudo mensal...”

Terminada a pequena palestra o nosso amigo conduziu-nos ainda á aula de musica, onde Antonio d’Oliveira Cordeiro dava lições a alguns alunos.
Entrámos na plateia, onde 5 plafons expargiam luz electrica a jôrros, e vimos no palco os velhos amigos do Grupo Musical - Zé e Antonio Medina - rodeados de filhos e de mais alguns elementos da parte dramática. Ensaiavam uma peça para breve levarem á scena.
Em conclusão. Tudo ali trabalhava, desde o João d’Oliveira, na Direcção até ao mais humilde dos amadores scenicos, tudo no Grupo Musical trabalhava em pról do mesmo e da instrução do povo.
Tavarede, assim, colóca-se bem. Ou antes, colóca-se melhor. Bem vista, já toda a gente sabe que ela está. E devido a quê? Positivamente aos esforços, á persistente inergia dos seus filhos mais intimos - dos seus filhos mais apaixonados e mais bairristas!
Retirámos de Tavarede belamente impressionados com a nossa visita ao Grupo Musical, de quem ouviamos falar, de quem nos falavam tantos amigos - mas de quem nunca fizémos ideia fôsse aquilo que justamente é: - uma colectividade filantrópica e benemérita, uma colectividade, verdadeiramente útil e simpática, que honra e enobrece cada vez mais a linda e encantadora terra do Limonete.
E é precisamente para colectividades como o Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense que os nossos govêrnos deviam olhar...
Quantas e quantas escolas primárias ha por êsse país fóra, com professores só para receberem as respectivas mensalidades, que não apresentam um terço da obra do Grupo Musical, que vive só á custa daquêles que de dia trabalham na oficina e á noite na Associação?
Quantos?
Que nos respondam aquêles que de vez em quando apregôam moralidade, Instrução e... principio associativo... “.

Fotos: 1 - António Oliveira Cordeiro; 2 - Emília Pedrosa Medina; 3 - Adriano Augusto Silva

Sociedade de Instrução Tavaredense - 16



Voltaremos a falar sobre “O Sonho do Cavador”. Com várias reposições, a última das quais em 1987, recebeu diversas alterações ao texto inicial, tendo nós encontrado quatro versões, muito embora nelas sempre se tenha mantido a linha base inicial.
Uma notícia de Junho de 1928, dá-nos conhecimento de que se realizou na Sociedade “uma interessantíssima sessão, na qual foi passada uma fita contendo mais de 100 fotografias de tipos e cenas de O Sonho do Cavador, projectadas, com admirável nitidez, num écran especial”.
A este propósito, informamos que se tratou de um trabalho do fundador e proprietário da Casa Havanesa, então situada ao Cais da Alfândega, na Figueira. Bem gostariamos de ver estas fotografias, mas, até hoje, ainda não as conseguimos localizar, não sabendo, aliás, se ainda existem. Por uma outra notícia, sabemos que estas fotografias, ou parte, estiveram, depois, expostas nas montras de vários estabelecimentos, sendo muito admiradas, pois “algumas das fotografias expostas, são perfeitas e honram a secção fotográfica da Casa Havanesa, onde foram executadas”.
Pelo aniversário comemorativo do 24º ano da fundação, em Janeiro de 1928, um grupo de amigos da colectividade, que se haviam autodenominado de “Grupo dos Dez Fixes”, fez integrar no programa um almoço, “servido em três grandes mesas, no palco”, a 50 crianças da freguesia. E na sessão solene foram descerrados dois retratos.





Coube ao dr. Manuel Gomes Cruz fazer o elogio e apresentação dos homenageados. “As suas primeiras palavras são de felicitação para a colectividade a que se honra de pertencer, e cujos serviços à educação do povo de Tavarede põe em relevo. Alude à homenagem que acabava de ser prestada, mostrando como a Sociedade de Instrução sabe manifestar a sua gratidão aos que a ajudam na sua nobre missão. António Simões é um elemento valiosíssimo, que, com a sua competência e dedicação sem limites, conseguiu fazer brilhar, da maneira de todos conhecida, o grupo dramático; Manuel Tondela foi durante cerca de vinte anos o professor de primeiras letras da aula nocturna, prestando ali grandes e desinteressados serviços”.



Aproximam-se as comemorações das “Bodas de Prata”. Depois de uma série de 17 representações, as duas últimas em Buarcos, no Grupo Caras Direitas, “O Sonho do Cavador” interrompeu a sua carreira. E começaram os preparativos para as festas de aniversário. “Sob a direcção do sr. António Simões, coadjuvado pelo sr. José Nunes Medina, organizou-se o orfeão desta Sociedade, constituído por umas 50 figuras. Fazem parte dele os alunos da escola nocturna, as amadoras e amadores do grupo dramático e ainda outros sócios”.

Vejamos, então, o programa que foi distribuido.
Sábado – 19 de Janeiro – Récita de gala: I parte – Hino da Sociedade de Instrução (vozes e orquestra), pelo orfeão, dirigido por António Simões; Amor Filial, de Tomás Borba; Rapsódia, de Joice; e Zé Pereira, de Armando Leça. II parte – Recitativos e música, com a gentil colaboração da distinta poetisa srª D. Maria de Jesus e do sr. José Maria de Jesus. III parte – Representação da opereta em 2 actos As duas mantas do Diabo, com 12 números de música do sr. José L. Páscoa.
Domingo – 20 de Janeiro – Alvorada, às 7 horas, por um fanfarra; almoço, às 11 horas, a 50 crianças da freguesia; às 15, sessão solene; e às 21, baile de gala.
Entretanto a assembleia geral reuniu para apresentação das contas. “A leitura do relatório da direcção produziu uma impressão esplêndida. É um documento em que se faz uma exposição clara do que foi este ano de gerência. Tudo ali se relata com clareza, de modo que todos os sócios ficaram conhecendo a aplicação que tiveram as receitas da Sociedade. O esforço da secção dramática foi admirável e permitiu que se saldassem os dois empréstimos – das obras do edifício e da instalação eléctrica. A gerência liquidou estes empréstimos, pagando cerca de uma dezena de contos, e deixou para a nova gerência um saldo de mais de 800$00”.


As festas decorreram com o costumado brilho. A imprensa refere que as espectativas não só foram confirmadas, mas, mesmo, excedidas. “Dificilmente poderá realizar-se com maior simplicidade, mais alto significado e maior brilhantismo a comemoração do aniversário duma colectividade cujo programa se subordina a este tema geral – Instrução e Educação”.


Fotos: Os homenageados nesta sessão solene: António Maria de Oliveira Simões e Manuel Rodrigues Tondela

Sociedade de Instrução Tavaredense - 15


Foi um ano histórico, o de 1928, para a Sociedade de Instrução. A sua secção dramática teve uma actividade extraordinária. Bastará dizer que, no relatório da direcção, se escreve “... seja-nos permitido dizer que esta verba (17.000$00), nunca até hoje atingida em espectáculos de anos anteriores, representa um esforço de grande valor e digno da maior admiração e reconhecimento de todos os que fazem parte desta Sociedade, para com o seu grupo dramático...”.
Antes de pormenorizar um pouco do que se realizou em espectáculos, vamos transcrever mais um pouco daquele relatório, mas, agora, sobre a escola nocturna: “... tinha esta direcção o maior empenho em transformar completamente a sua escola, dotando-a com um professor efectivo profissional, apetrechá-la com o necessário material escolar e ainda introduzir-lhe alguns melhoramentos internos e o rasgamento de portas e janelas necessárias para a tornar, enfim, aquilo que de facto deve ser uma escola de primeiras letras: Higiénica, Alegre, Atractiva, Confortável e Útil”. Boas intenções, sem dúvida, mas que só parcialmente foram realizadas, por falta de verbas.
Pelas comemorações do 24º aniversário, Tavarede esteve em festa, “sendo evidente o entusiasmo e alegria com que a população se associou ao regozijo dos associados da colectividade, cuja acção educativa vem sendo proficuamente exercida há mais de duas dezenas de anos”.
Fez parte do espectáculo de gala mais uma revista sobre os usos e costumes da terra do limonete. Foi seu autor José da Silva Ribeiro, com versos de Gaspar de Lemos e a música era de António Simões. Chamava-se “Retalhos e Fitas”. Pelo Carnaval, além desta revista e de uma comédia, representou-se D. Ferrabrás de Alexandria, tragédia burlesca, em verso, com música e representada duma “maneira original”. Quando lemos esta notícia, logo nos veio à memória nossa tia Helena Figueiredo Medina, que, quando se encontrava bem disposta, já centenária, evocava tantas vezes esta peça, começando com “um dia, numerosa cavalgada...”, continuando o seu recitativo sem hesitações e com uma memória admirável.

E em Abril de 1928, mais precisamente, no dia 28, é levada à cena aquela peça que se tornaria no emblema maior do nosso grupo cénico, “O Sonho do Cavador”. Uma das muitas notícias de então, depois de comentar a estreia da peça, conclui “em resumo: O Sonho do Cavador marca em Tavarede, que é uma pequena e bem pobre aldeia, um acontecimento de certo relevo artístico”.
Mas, qual terá sido a razão para tão grande sucesso? “A peça encerra a história, que é apresentada com fantasia dentro da qual a verdade tem lugar, dum cavador que a ambição da riqueza leva a abandonar a aldeia, depois de atirar fora a enxada e amaldiçoar o trabalho. Como trabalha desde pequeno, julga ter conquistado o direito à felicidade – e para ele – a felicidade não se encontra fora da riqueza e esta não se alcança cavando a terra. Na própria ambição encontra o castigo do seu erro; vê-se mais pobre do que era, e as figuras simbólicas dos três homens felizes mostram-lhe como os pobres, os humildes, também, podem gozar a felicidade; o cavador regressa à aldeia, onde o esperam ainda a enxada leal e a noiva fiel – e a peça fecha com o elogio da vida simples e humilde do

campo, na qual a saúde do corpo anda sempre junta à alegria da alma”.
É este o fio condutor da peça, desde a abertura, com a sesta do Manuel da Fonte em que, mais uma vez, ele sonha com a riqueza, e o final, em que o cavador, guiando a charrua puxada por uma junta de bois, abre os sulcos na terra, onde, um pouco atrás, Rosa, já sua esposa, vai espalhando a semente.
Pelo meio, no decorrer nos dez quadros que compunham a versão primeira, desfilavam cenas e figuras caracteristicamente tavaredenses, como o cortejo da Merenda Grande, e figueirenses, com a presença do afamado Concurso Hípico.
Grande parte do êxito é da responsabilidade dos 28 números de música, que compõem a partitura da maestro amador António Simões. A quinta representação, em 26 de Maio, é em sua homenagem. “António Simões foi alvo duma ovação no final do primeiro acto, ovação que se repetiu calorosamente no fim do espectáculo, quando, em nome dos intérpretes da peça, lhe foi entregue um lindo ramo de cravos. O palco ficou coberto de flores”.

Fotos: 1 - O Tio João da Quinta, dando o 'sim' à filha, Rosa e ao Manuel da Fonte. 2 - 3 - 4- As mesmas figuras em desenhos do Prof. Alberto de Lacerda

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vitalina Gaspar Lontro

Recordei, ainda não há muito tempo, a minha estreia como amador teatral, pelo Natal de 1949.

Fazia o papel de minha mãe a Vitalina. Faleceu ontem, 20 de Fevereiro e foi hoje a sepultar no cemitério da sua e nossa terra: Tavarede.


Como todas as raparigas e rapazes dos anos 20, 30, etc., fez parte do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, fazendo a sua estreia em 1936, na peça 'Canção do Berço', com o papel de Sóror Maria de Jesus. Ainda no mesmo ano representou na reposição de 'O Sonho do Cavador'.

A partir de então e até 1955, muitas foram as peças em que interveio. A Morgadinha de Valflor, Entre Giestas, Recompensa, Envelhecer, O Grande Industrial, Horizonte, Génio Alegre, Raça, Pé de Vento, Serão Homens Amanhã, Ana Maria (que foi a última, em 1955), passando por muitas outras, como comédias, autos de Gil Vicente, etc.

Na primeira série do 'Chá de Limonete' fez os papéis de Chá, Sebastiana Luiz, A mulher da gamela, etc.
Em 1952 os amadores tavaredenses foram a Leiria apresentar a peça 'Raça'. Eis a nota que o crítico Miguel Franco, escreveu sobre a Vitalina: "D. Vitalina Lontro, curiosa na 'Viscondessa': duma comicidade, às vezes hesitante, mas sempre sóbria, elegante até. Merece felicitações especiais por ter conseguido dominar o quantas vezes indomável: o 'fácil' da figura, e ainda por outros motivos que se prendem com a estrutura da sua personagem e a maneira como foi compreendida, quando teria sido tão natural interpretá-la de modo diverso'.


Em 1994, comemorando os 100 anos do nascimento de Mestre José Ribeiro, a nossa conterrânea Ana Maria Caetano escreveu 'Palavras de uma Vida', na qual a Vitalina Lontro regressou ao palco da SIT para interpretar o papel dela própria, num acontecimento a que assistiu, aquando da prisão de Mestre José Ribeiro, quando ia com ela, a pé, para Tavarede, depois de um dia de trabalho.

A Sociedade de Instrução Tavaredense concedeu-lhe o diploma de Sócia Honorária em 1946.

Emigrante durante vários anos, regressou definitivamente à sua terra natal, onde viveu até agora. Que descanse em paz esta nossa conterrânea que agora nos deixou.
É muito interessante o seu depoimento publicado no livro do Centenário da SIT.
Fotos: 1 - Auto da Barca do Inferno "Anjo"; 2 - Chá de Limonete "O Forno da Poia" (segunda da direita); 3 - Em Tomar, nos anos 40 (primeira da direita)

O S. Paio e a sua capela

Hoje volto a escrever umas coisas sobre o S. Paio do Prazo e a sua capela.

Deveria, esta capela e este santo, ter bastantes devotos em Tavarede. No ano de 1564, o Cabido da Sé de Coimbra, proprietário de todo aquele local, enviou uma carta de confirmação 'para haver licença de bôdo, junto à ermida de São Paio, no Couto de Tavarede'.



Mas... quem foi este Santo? Vejamos a história deste santo segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira:

Pelágio ou Paio (S) - Mártir; festa litúrgica na diocese de Coimbra, a 26 de Junho. Era, ao que parece, originário de Tui. Tendo ficado cativo na batalha de Val de Junquera seu tio Hermoíglo, bispo de Tui, foi o jovem Pelágio, que contava apema 10 anos de idade, dado em reféns pela sua libertação. Enviadfo para Córdova, esteve encarcerado três anos, ao fim dos quais foi martirizado por ordem de Abderramão III. As actas do martírio foram escritas por um presbítero chamado Ragnel, pouco depois do acontecimento. Aí se diz que o menino passava o tempo na prisão lendo as 'Escrituras' e conversando com outros cristãos cativos ou que iam visitá-lo. Um dia foram ao cárcere uns ministros de Abderramão que, encantados pela sua beleza, falaram nele ao califa. Mandou este que o levassem à sua presença e tentou convertê-lo às práticas muçulmanas e atraí-lo a actos desonestos. Como o menino resistisse, mandou-o matar. Os algozes cortaram-no aos pedaços, ainda vivo, em horroroso suplício que durou três horas, das 11,3o da manhã às 2,30 da tarde, no domingo 25 de Julho de 925. Os cristãos de Córdova recolheram as relíquias, colocando a cabeça na igreja de S. Cipriano e o resto na de S. Gens. A fama do martírio espalhou-se rapidamente por toda a Península e em breve ultrapassou as fronteiras. Pelo ano de 960, uma poetisa, de origem saxónica, chamada Rowinta, consagrou-lhe uma composição em versos latinos. O culto de S. Paio tornou-se muito popular em Portugal, passados poucos anos depois do seu martírio. Há umas sessenta e cinco igrejas paroquiais que o têm como titular.

Surgiu-nos, então uma enorme surpresa! A imagem que representa o santo e que está no altar da capela não é, de forma alguma, a de um menino de treze anos! Já homem de idade, com cerrada barba preta, não é, de forma alguma, aquela beleza que encantou os ministros de Abderramão! Mas parece não haver dúvidas de que o S. Paio venerado em Tavarede é aquele martirizado menino.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

António de Oliveira Lopes

Nasceu em Tavarede no dia 9 de Fevereiro de 1903, filho de Joaquim Lopes e de Augusta G. Oliveira. Foi casado com Emília Rodrigues Cordeiro e tiveram um filho, António Francisco. Faleceu no dia 5 de Outubro de 1974, contando 71 anos de idade.
Fez a instrução primária em Tavarede, tendo por professora D. Maria Amália de Carvalho, de quem sempre se mostrou, em toda a sua vida, devotado admirador.


Continuou os estudos na Escola Dr. Bernardino Machado e empregou-se nos escritórios da Companhia da Beira Alta.
Desde muito novo que o associativismo o atraiu. Foi elemento activo nos corpos sociais do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, desempenhando o cargo de presidente da Direcção durante o período difícil que acabou por levar a colectividade a vender o edifício da sua sede e a terminar com a sua secção dramática.
Entretanto, dedicou-se com entusiasmo ao desporto. Como corredor pedestre, participou em variadas competições, nomeadamente em voltas pedestres à Figueira, chegando a campeão distrital da légua, numa prova disputada em Coimbra, em Agosto de 1923. O remo foi outra modalidade desportiva em que se distinguiu, integrando uma tripulação do Ginásio Clube Figueirense que se sagrou campeã nacional em 1931.

Prestou serviço militar em Coimbra, sendo soldado na bateria de Artilharia 2.
Enquanto colaborador do Grupo Musical, foi professor na escola nocturna, encarregando-se também da aula de ginástica. Esteve presente, igualmente, na fundação do Atlético Clube Tavaredense.
Foi ele quem adquiriu o edifício sede do Grupo Musical, nas condições da colectividade ali continuar a exercer a sua actividade, mediante o pagamento de uma renda mensal. Todavia, como a associação falhou a liquidação da renda, tendo um atraso de dois ou três meses, mandou executar uma ordem de despejo e acabou por vender a casa à Diocese de Coimbra que, por acção do padre Cruz Dinis, ao tempo pároco em Tavarede, ali instalou uma nova colectividade, o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense.
Abandonou temporariamente o associativismo para se dedicar à autarquia local. Entretanto, em 1955, foi eleito presidente da Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense, cargo que desempenhou em 11 gerências, até ao ano de 1969, tendo tido primordial acção nas obras de remodelação e ampliação da sede, inauguradas em 1965.
Desempenhou, ainda, o cargo de presidente da Assembleia Geral do Grupo Musical durante vários mandatos.
A sua acção principal em Tavarede, foi, contudo, como membro da autarquia local. Politicamente, nunca o ocultou, foi um fervoroso adepto do regime anterior, mas sempre utilizou a sua militância na defesa dos interesses da sua terra. Além de secretário e regedor, foi presidente da Junta de Freguesia durante 14 anos.
“Arranjo urbanístico de largos e alargamento e pavimentação das ruas, abastecimento de água ao domicílio na sede da freguesia, construção de lavadouros, recuperação de fontes para abastecimento de água às populações (a fonte de Tavarede, que embelezou, era a sua ‘menina dos olhos’), a electrificação pública de lugares da freguesia, ampliação do cemitério, etc., foram alguns dos melhoramentos que conseguiu realizar durante os seus mandatos”.
É claro que foi uma figura controversa. Tavarede tinha forte tradição republicana, o que acabou por originar algumas questões polémicas. Uma realidade ficou, todavia. Para ele, a sua terra estava sempre em primeiro lugar. Bastará ver, como exemplo, um telegrama que José Ribeiro, o grande defensor dos sagrados princípios da Liberdade e da Democracia, lhe enviou por ocasião em que um grupo de tavaredenses lhe promoveu uma homenagem como “justa consagração pública da obra bairrista”. “Alheando-me significado politico homenagem e reafirmando minha oposição actos políticos que condeno, junto meu aplauso aos de nossos patrícios louvando tua entusiástica dedicação, infatigável persistência ao serviço da nossa terra”.
Aquando do seu falecimento, escreveu-se numa notícia “… Tavarede perde um dos maiores obreiros do seu progresso. Na presidência da Junta, cargo para que foi eleito diversas vezes e a que só resignou por motivo de doença, ele desenvolveu notável actividade, realizando uma série de obras, que muito beneficiaram os diversos lugares da freguesia”.


Foi de sua iniciativa a homenagem promovida à primeira professora primária oficial da localidade, D. Maria Amália de Carvalho, e da colocação do monumento à criança no largo que tem o nome daquela professora.
Foi dado o seu nome a uma praceta em Tavarede, perto do Paço.

Caderno: Tavaredenses com história

Fotos: 1 - António de Oliveira Lopes; 2 - Acompanhando D. Maria Amália de Carvalho, aquando da homenagem que lhe foi prestada.

Fernando Severino dos Reis

Natural de Tavarede, onde nasceu no dia 3 de Março de 1913, filho de Joaquim Severino dos Reis e de Etelvina Tondela. Casou com Carolina de Oliveira Alhadas, tendo uma filha: Maria Isabel.
Marceneiro e carpinteiro da maior competência, foi empregado nas oficinas dos Caminhos de Ferro, onde atingiu a posição de chefe de brigada, com que reformou.
Foi amador dramático de notáveis recursos. Começou no Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, de que seu pai havia sido um dos fundadores, e transferiu-se para o grupo cénico da Sociedade de Instrução quando aquela colectividade acabou com a sua secção dramática.
Também fez parte da célebre Tuna do Grupo Musical, onde tocava ”pandeireta”. Durante a sua longa carreira teatral desempenhou mais de cem “papéis”, começando, na Sociedade de Instrução, na peça Justiça de Sua Majestade e terminando em Comédia da Vida e da Morte, no papel de Conde do Laranjeiro, levada à cena em Outubro de 1980.
A Morgadinha de Valflor, O Grande Industrial, Entre Giestas, Génio Alegre, A Nossa Casa, Horizonte, Auto da Barca do Inferno, Raça, Frei Luís de Sousa, Serão Homens Amanhã, Catão, Israel, Ana Maria, Peraltas e Sécias, A Conspiradora, Os Velhos, As Árvores Morrem de Pé, O Dia Seguinte, Omara, Para Cada Um Sua Verdade, O Processo de Jesus, Romeu e Julieta, e O Avarento, foram algumas das peças em que figurou, desempenhando sempre papéis relevo.
Nas peças de sabor local, como O Sonho do Cavador, Chá de Limonete, Terra do Limonete, Cântico da Aldeia e Ontem, Hoje e Amanhã, além de outras, também deu a sua colaboração artística. Nestas, talvez as interpretações mais notáveis tenham sido a do Velho Tavarede e O Velho Palácio, em Chá de Limonete, onde compôs aquelas duas figuras com elevada craveira.
“Senhor absoluto do seu papel, conserva durante todo o espectáculo a mesma calma e o mesmo sentido de responsabilidade (Velho Tavarede)… ….surge o portão do palácio. Batem. Abre-se o portão e a figura do palácio de Tavarede aparece, gasta, alquebrada, mutilada. Voz fraca e cansada pelas injustiças dos homens. E a evocação surge – cheio de emoção e de mágoa pelo mal feito. Fernando Reis foi bem escolhido para o papel, desempenhando-o com magnífico acerto” (Chá de Limonete).
“… deu um Romeiro de que nada há a dizer que não seja um merecido elogio. Não podia pedir-se mais. E, como em Peraltas e Sécias lhe coube um papel de feição completamente diverso, igualmente desempenhado com impecável correcção, teve ensejo, pelo contraste, de revelar o seu real merecimento”. (Frei Luís de Sousa e Peraltas e Sécias).



A Sociedade de Instrução Tavaredense nomeou-o “Sócio Honorário” em 1979 e, em Janeiro de 1993, prestou homenagem à sua memória, descerrando o seu retrato, que se encontra exposto no salão nobre da colectividade.
“O Teatro faz parte da minha vida. Chega-se a uma altura em que se não pode passar sem ele”, disse, como resposta, a uma pergunta feita por um jornalista de Lisboa. “Faço teatro desde os 14 anos. Levanto-me todos os dias às 6 horas, para poder estar no emprego às 7,30, mas isso nunca foi motivo para deixar de ir aos ensaios”, dizia com certo orgulho.
Tinha dois passatempos: a pesca e os pássaros. Quando o verão se aproximava, ia colocar um tabuleiro com água, em pinhal escolhido, onde todos os dias ia renovar a água, para os pardais se irem habituando a lá irem beber. Depois, quando lhe parecia boa ocasião, levantava-se de madrugada e, ainda antes da aurora romper, ia montar a rede no bebedouro e fazer a barraca onde, pacientemente, aguardava a ida dos incautos pássaros a beber.
Fernando Reis faleceu no dia 1º de Maio de 1986, no Hospital da Universidade de Coimbra, precisamente naquele dia que ele mais aguardava durante todo o ano. Era um dos mais entusiastas participantes do grupo “Os Inseparáveis”, que nesse dia se reuniam em alegre convívio e confraternização.
Em Agosto de 1954, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense deslocou-se a Condeixa, onde apresentou a peça Frei Luís de Sousa. O palco foi montado ao ar livre. Na cena do incêndio, final do primeiro acto, ao pegar fogo a um cartucho que simulava o incêndio, uma fagulha foi incendiar um segundo cartucho, pegando fogo, inadvertidamente, às barbas e fato de Romeiro, pois já estava pronto para entrar em cena no segundo acto. Apressadamente foi levado ao hospital local para lhe ser prestado socorro. Já estava fechado, pelo que tiveram de bater à porta, com bastante violência, para um rápido atendimento. Este hospital era assistido por freiras. Quando uma delas abriu a porta e se deu de caras com aquela figura do Romeiro, desatou a fugir pelo corredor em altos gritos. Apesar das dores que estava a sentir, Fernando Reis não resistiu a soltar uma boa gargalhada! Foi uma situação sem grande consequência, mas que poderia ter sido bastante grave.
Sua esposa, Carolina de Oliveira Alhadas, (1911 – 1985), integrou o grupo dramático da SIT durante vários anos. Iniciou a sua participação em 1926 na opereta Noite de S. João.
O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, As pupilas do Senhor Reitor, Justiça de Sua Majestade, O Grande Industrial, A Morgadinha de Valflor e Entre Giestas foram algumas das peças em que interveio.
Em 1954, no espectáculo preparado para as comemorações das Bodas de Ouro, reviveu uma das suas antigas personagens.


Caderno: Tavaredenses com história
Foto: 1 - O Velho Tavarede (desenho de Zé Penicheiro - Chá de Limonete); 2 - Contracenando com Violinda Medina e Silva, na peça 'Ana Maria'; 3 - Casamento.

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 11

Regresso, agora, às notas da actividade cultural atraz interrompidas. Em Novembro de 1924, a tuna e a secção dramática do Grupo Musical deslocaram-se a Brenha, à Troupe Recreativa Brenhense, onde deram um espectáculo com as peças “Um erro judicial” e “Medicomania”. E a 7 de Dezembro foram a Maiorca com o mesmo programa.

No espectáculo comemorativo do 13º. aniversário e da inauguração das obras, foram representadas, a comédia “A pega de toiros”, interpretada por Violinda Nunes Medina, José Medina, António Medina Júnior, Adriano Silva e Manuel Nogueira e Silva, e a opereta “A herança do 103”, com Violinda Nunes Medina, António Medina Júnior, José Francisco da Silva e Manuel Nogueira e Silva.

Em Janeiro e 1925 o Grupo Musical recebeu a visita dos amadores da Sociedade Filantrópica e Instrução, de Buarcos, que aqui apresentaram as peças “Os Reis Magos” e “O criado distraído”, que foram muito aplaudidas. No mesmo espectáculo, um amador do Grupo cantou, com muita graça, a cançoneta “Rebenta a bexiga”. E no dia 11 do mesmo mês, o grupo levou à cena o drama “Os reis de Peniche” (uma adaptação do Reis Magos) e algumas cenas pastoris. Neste espectáculo tomou conta da parte musical o figueirense Eduardo Pinto de Almeida.

No mês de Maio foram dar um novo espectáculo à Figueira, no Parque-Cine, com uma opereta entretanto posta em cena, “Ninotte”, da autoria de António Amargo, com música de Pinto de Almeida, e que já fora apresentada em Tavarede por mais de uma vez.

A 31 do mesmo mês, uma comissão de sócios organizou uma festa dedicada ao seu grupo cénico. Foi animadíssima e aqui deixo uma reportagem sobre a mesma:

“Noticiou “O Figueirense” a realização, em Tavarede, da festa das flôres, no Grupo Musical e d’Instrução.
Teve efectivamente lugar essa explendida diversão espiritual no passado domingo, decorrendo por fórma a satisfazer plenamente todos quantos a ela assistiram.
A comissão organizadora, constituída por António Victor Guerra, José da Silva Lopes, Joaquim Gomes d’Almeida, José Francisco da Silva, João d’Oliveira, Adelino Joaquim de Faria, Adelino Alves Pereira e António Medina - precisamente a mesma que há dias levou ao amplo Parque-Cine, da Figueira, a aplaudida opereta “Ninotte”, interpretada por 52 amadores - havia convidaddo vários cavalheiros dessa cidade a emprestarem, com o seu valioso concurso, um cunho de maior luzimento e brilhantismo a essa tão simpática festa, que era dedicada ao grupo dramático da florescente colectividade que na nossa terra está prestando um óptimo serviço à educação do povo.
E esses cavalheiros, duma cativante gentileza, acederam pronta e satisfatoriamente a esse convite e vieram.


Assim, e em cumprimento de um indeclinável dever de gratidão, não devemos olvidar esse favor grandioso, motivo porque ousamos servirmo-nos das colunas deste jornal para nelas perpetuarmos a nossa admiração veemente a Ildefonso Rosa, e a seu irmão Guilherme, guitarristas de mérito, que mimosearam com muita arte os orgãos auditivos da numerosa assistência, que num silencio sepulcral sentiu, como nós, vibrações na alma, ao som dos melodiososa acordes duns fadinhos tão repassados de sentimentalismo, tão portugueses...; a Raúl Martins, como os primeiros, amigo bem sincero, alma bem lavada de snobismos hipócritas, que cantou primorosamente alguns trechos, acompanhado pelos manos Rosas; e a José Mano, que recitou muitissimo bem poesias de vários autores.
Todos estes quatro amigos foram obrigados, pelos delirantes aplausos que expontaneamente partiam da assistência, a bisar todos os números com que se exibiram, tendo os guitarristas de retomar as cadeiras e tocar trechos bonitos e díficil execução. O Martins, cantou, a pedido, a “Louca”, por sinal com muito sentimentalismo. Possue uma boa garganta. Causa-nos inveja, acreditem.
Recitaram também versos e monólogos, além dos números dos figueirenses, a quem - diga-se sem favor - se deve o brilhantismo máximo da festa de domingo passado, vários sócios do Grupo Musical, como António Lopes, Manuel Nogueira e Manuel Cordeiro d’Oliveira.
Todos foram aplaudidos.
Recomeçou então o baile, tendo-se dançado animadamente até altas horas horas da madrugada, aos últimos acordes dum “one-step”.
Lastimamos deveras não termos vagar para nos alongarmos, em palavriado pobre mas bem sincero, na descrição minuciosa da festa de domingo - toda bem-estar, toda perfume e alegria - motivo porque para seu registo recorremos à lacónica notícia.
No entanto devemos afirmar em verdade que ela foi de molde a marcar mais um passo no bom caminho da vida do simpático Grupo Musical, que dia a dia, se nos vai afirmando uma colectividade muito útil e vitalícia.
- As salas do Grupo estavam engalanadas com ricas colgaduras e espelhos, predominando a policromia enebriante e encantadora das pétalas mimosas e dôdes das flores naturaes, banhadas de catadupas de luz clara e brilhante que espargia a chusma de lâmpadas eléctricas porque a famosa colectividade é iluminada...
- Pelas meninas Violinda Nunes Medina, Helena Gomes, Maria Amorim e Clarice d’Oliveira Cordeiro, foram oferecidos ricos “bouquets” de flores naturaes, em nome da secção dramática da colectividade em festa, aos amigos Raúl Martins, Ildefonso e Guilherme Rosa, e José Mano; a Direcção, ofereceu-lhes um copo-de-àgua e um devotado amigo do Grupo um “copo” de bom “champagne” d’Anadia.
Oxalá festas destas se repitam, para nome da colectividade onde elas se levam a efeito e de quem as promove”.



No dia 7 de Junho a tuna encorporou-se no “magestoso cortejo tauromáquico e assistiu à garraiada” que, na Figueira, foi promovida pela Associação Naval 1º. De Maio.

Ainda no ano de 1925, o grupo cénico efectuou os seguintes espectáculos:

_ Em Junho, no Grupo Caras Direitas, em Buarcos, com uma opereta (Ninotte?) e duas comédias;

_ A 13 de Setembro, em Montemor-o-Velho, no Teatro Ester de Carvalho, com o drama “Um erro judicial” e a comédia “Casa doisa...”;

_ Em Outubro, mais um extraordinário êxito numa deslocação à Marinha Grande. É indispensável aqui deixar transcrita a reportagem: (ver 'As primeiras saídas' - Associativismo)

Fotos: 1 - Clarice de Oliveira Cordeiro; 2 - Manuel Nogueira e Silva

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 10

Concluidas as obras, organizou-se o programa para a sua inauguração nos dias 20 e 21 de Dezembro daquele ano. Para recordação, aqui registo o tal programa:


Dia 20 às 21 horas

1ª. parte - Apresentação da tuna, que apresentará um programa escolhido, sob a hábil direcção do maestro sr. Pinto d’Almeida;
2ª. parte - Representação da hilariante comédia em 1 acto “As pegas de toiros”;
3ª. parte - Variedades músico-teatrais, sobressaindo um explêndido número - guitarradas - por consumados amadores;
4ª. parte - Representação da opereta em 1 acto, ornada de 7 números de música - “A herança do 103”;
5ª. parte - Apoteose final.

Dia 21

Às 7 horas - Salva de 21 morteiros e alvorada por uma fanfarra;
Às 10 horas - Recepção à Filarmónica “10 de Agosto”;
Às 11 horas - Bodo a 25 pobres mais necessitados da freguesia de Tavarede;
Às 12 horas - Exposição da séde;
Às 14 horas - Recepção a tunas e à Filarmónica “Figueirense”;
Às 16 horas - Sessão solene, em que usarão da palavra alguns oradores e descerramento do retrato dum sócio há pouco falecido (D. Maria Àguas Ferreira);
Às 21 horas - Baile servido.

Comissões para tratar de todos os assuntos necessários para efectivação destes festejos:

- Limpeza e aformoseamento do quintal: António Francisco da Silva e Joaquim Marques;
- Ornamentação da séde: Adelino Joaquim de Faria;
- Licenças necessárias: António Medina Júnior e José Francisco da Silva;
- Iluminação feérica: Faustino Ferreira e Aníbal Fernandes Caldas;
- Acquisição de fogo: Adriano Augusto da Silva;
- Acquisição dos artigos necessários para o bufete: António Francisco da Silva e António Custódio.

Somente a título informativo, registo que, tempos antes, tinha havido nova saída de colaboradores da Sociedade de Instrução que, no início do ano de 1924, aderiram ao Grupo Musical, passando, de imediato, a fazer parte dos elementos directivos e que foram, sem qualquer favor, grandes dinamizadores das obras e expansão artística. Foram eles João de Oliveira, António Francisco da Silva e José Francisco da Silva.

Pois, como acima se disse, fizeram coincidir a inauguração das obras da nova sede com a festa do 13º. Aniversário. Lembro, a este propósito, que havia entretanto sido deliberado festejar os aniversários do Grupo nos finais de Dezembro, para, assim, coincidirem com o ano civil. Mais tarde retomaram a tradição de comemorar mesmo na data da fundação, 17 de Agosto, ou num dos fins de semana mais próximos.

É oportuno, e antes de retomar a actividade cultural referindo os acontecimentos mais significativos, transcrever uma reportagem, publicada na “Gazeta da Figueira” e escrita pelo seu correspondente em Tavarede, relatando aquelas festas. Não quero, também, deixar de copiar um pequeno apontamento da notícia que, sobre o mesmo assunto, escreveu a “Voz da Justiça”: “Foi uma festa animadíssima, que deixou satisfeitos os directores do Grupo Musical. O seu entusiasmo é enorme, constando-nos que preparam no seu teatro récitas sensacionais. O Grupo conta, para esse efeito, com grandes dedicações, a ponto de até o vice-presidente da Direcção, sr. António Francisco da Silva, não obstante a sua idade e não ter nunca representado, tomar também conta de um papel. Oxalá não esfriem no seu entusiasmo e vejam acentuarem-se as prosperidades do Grupo Musical Tavaredense”. E, agora, a referida reportagem.


“ Embora tardiamente, pois já vão volvidos mais de oito dias, não queremos nem devemos deixar no olvido a noticia das festas que o Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense levou a efeito nos dias 20, 21 e 22 do mez corrente.
É certo que pouco mais podemos adiantar que o digno redactor deste jornal que a eles assistiu. No entanto, e na qualidade de seu correspondente nesta encantadora aldeia - que nos foi berço e por quem nutrimos aquele inabalável amor de bairrista que se présa - no entanto sempre nos queremos ocupar de tão palpitante assunto - não passando, todavia, o nosso propósito, de noticia laconica e despretenciosa.
Devemos principar por dizer que o Grupo Musical e d’Instrução, organizando, para os seus festejos, um programa fóra do vulgar, o cumpriu á risca, ou antes, ainda o ampliou para melhor.
Assim, podemos afoitamente dizer - sem receio de desmentidos - que ainda se não fez em Tavarede uma festa associativa tão simpática e tão completa como a que o Grupo Musical agora levou a efeito.
Sim, senhores, honra lhes seja!...
No dia 20, á noite, teve lugar um sarau musico-teatral, que constituiu um galhardo serão.
Apresentou-se a tuna no palco que executou, sob a proficiente direcção do maestro sr. Pinto d’Almeida, nosso particular amigo, um repertorio escolhido, que a numerosissima assistencia se não cançou de aplaudir.
Um grupo de gentis senhoras e de loiras criancinhas surgem no palco, com muitas fitas de sêda, para serem colocadas no estandarte glorioso da colectividade em festa que tem estampado um soberbo e honroso trabalho a oleo do saudoso António Ramalho, maravilhoso pintor que tão bem soube enaltecer a sua e nossa Patria, após o que António Augusto Esteves, bom e leal amigo, usando da palavra, improvisa um brilhante discurso, entrecortado, por vezes, com as aclamações da assistencia.
Ao findar, a tuna toca o seu hino, confundindo-se os acordes com os entusiasticos “vivas” que a expontaneidade fez sair do peito de todos os amigos do Grupo Musical, dessa simpática colectividade para onde lançam odios revoltantes certas nulidades que se esquecem propositadamente do bom nome da sua terra - das freguezias do concelho da Figueira aquela que ainda hoje caminha na vanguarda da instrução - para só pôr em prática covardes propósitos que se traduzem em reles bairrismo da parte de quem não tem a ombridade de se apresentar de fronte levantada, a fazer traficancias contra uma Associação que nasceu ha 13 anos e que portanto já tem raízes fecundas que dificilmente deixam tombar tão bemdita Arvore...
Porque, se para uns a capa do anonimato serve de pretexto para encobrir a figura meiga e pura da Caridade, para outros, então, é o melhor recurso para pôr em execução planos traiçoeiros que só prestigiam a covardia!
João d’Oliveira, brioso presidente da direcção, surge no palco, com outros directores, e oferece ao maestro um simpático brinde, que este agradece sensibilisado, abraçando-o cordealmente. Uma prolongada salva de palmas ressôa na plateia, confundido-se de novo as aclamações.
A tuna executa a 2ª. parte do seu escolhido programa, seguindo-se a representação duma comedia em 1 acto, que muito agradou.
A 3ª. parte do espectaculo é composta de recitativos e guitarradas. Os maiores aplausos foram para o distinto guitarrista-amador Manuel da Cunha Paredes, de Coimbra, que a amizade do autor destas modestas linhas trouxe até Tavarede. Acompanhado a viola por Alberto d’Oliveira, da Figueira, faz um sucesso. Cantou alguns fados de Coimbra, daqueles fadinhos bem portugueses que enebriam a nossa alma e que o Paredes tão bem sabe cantar, sendo-lhe oferecido, como ao Alberto, um “bouquet” de flores naturais, por duas inocentes criancinhas.
Segue-se a opereta em 1 acto - “A Herança do 103” - ornada de 7 numeros de fina musica, que agrada.
A orquestra muito concorreu para o feliz sucesso obtido, graças á sua boa organisação e á batuta proficiente de Pinto d’Almeida.
Para terminar - uma Apoteose.
Não póde a nossa pobre pêna descrever o que foi o fim deste sarau. Uma Apoteose explendida, deslumbrante, mesmo. Tudo se deve ao fino gosto dos srs. Manuel Mesquita e Adelino Joaquim de Faria, da Figueira. Tudo!


Num alto pedestal, uma corôa de loiros e uma lira, a oiro, ladeadas de lampadas de variadas côres, dispostas por Anibal Caldas, electricista do Grupo. Violinda Medina, junto do pedestal, empunhando o estandarte do Grupo. Mais uns pedestais, sobre o que estavam pousadas uns tenros inocentes simbolisando a instrução das letras, da musica e do teatro. Mais criancinhas, muitas criancinhas, envoltas em festões de loiro e flores, empunham os gloriosos estandartes da Naval, do Ginásio, dos Caixeiros, da Cruz Vermelha, dos Caras Direitas, da Filantropica, do Instrução e Sport, etc., etc. No proscenio, significando a “Fama”, duas meninas, com trombetas. Catadupas de luz por todo o palco imprimem ao significatico áto o maior e mais completo brilhantismo, exalçando então a magnificencia dos ricos fatos alegoricos, em sêda, que as crianças vestiam.
Emquanto a orquestra executa o hino do Grupo, a assistencia irrompe em delirantes aclamações á associação em festa, a Tavarede, ao Progresso, á Instrução, etc., etc., havendo lagrimas de satisfação, das lagrimas que do coração acodem aos olhos, a embaciar orbitas de pessoas que experimentaram naquela ocasião um dos momentos mais felizes, mais alegres, mais sublimes que na vida se é dado gosar!
E assim terminou aquele serão de belo e invulgar passa tempo espiritual, que marcou bem claramente mais um passo agigantado no caminho do Progresso e da Instrução - por onde a nossa terra, que estremecemos, tão digna e caprichosamente tem sabido trilhar.
No domingo, 21, ás 7 horas, uma salva de 21 morteiros põe em sobressalto toda a povoação. Uma fanfarra percorre as ruas da terra, soltando ao ar as notas estridentes do hino do Grupo. Foguetorio rijo corta vertiginosamente o espaço em direcção ao ceu azul que com um sol claro e quente quiz também associar-se á nossa festa.
São 10 horas. A Filarmonica “10 de Agosto” entra em Tavarede, tocando o hino do Grupo. É recebida de braços abertos. Após o “copo-d’agua” retirou para essa cidade, na altura em que a jovem mas esperançosa tuna do Gremio Recreativo União Caceirense dava entrada na aldeia. Ha os cumprimentos do estilo e os caceirenses ingressam no Grupo, onde se demoram até á noite.
O Grupo Musical tambem quiz dar um Bodo aos pobres, numero sempre simpatico em todas as festas - e deu-o. Havia destinado a distribuição de 2$50 a 25 pobres. Porém, apareceram 30, mais 5 portanto, que tambem levaram esmola. Saíram satisfeitos, balbuciando palavras de agradecimento e pedindo a Deus muitas felicidades para o Grupo Musical. Sentiam-se alegres, os pobresinhos, como alegres se sentiam todos aqueles que estavam a ver coroado do mais feliz resultado a boa organização de tão simpáticos festejos, que tanto prestigiam a nossa terra.
Das centenas de pessoas que visitaram o Grupo Musical, engalanado a capricho pelo socio Adelino Joaquim de Faria, cremos não haver uma só que dele não se refira em abonatórios termos.
São aproximadamente 4 horas quando a Filarmonica “Figueirense” dá entrada em Tavarede, onde é recebida carinhosamente, como tributo á sua cativante expontaneidade.
Prepara-se o inicio da sessão soléne - outro numero que vincou bem claramente a vitalidade do Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense. O sr. Francisco Martins Cardoso assume a presidencia, convidando para o secretariar os srs. Pedro Colet-Meygret, delegado do Ginásio Clube Figueirense, e João Maria Pereira de Sousa, delegado dos Bombeiros Voluntarios.
Lidas mais de 100 saudações de individualidades, de associações, etc., e depois de dar posse aos novos corpos gerentes, que vão ao palco, sua exª., com aquela serenidade e inteligencia que o caracterisam, discursa demoradamente. No final levanta um “viva” ao Grupo Musical, viva esse que foi secundado pela numerosissima assistencia.
Dando a palavra a Antonio Victor Guerra, do conselho fiscal do Grupo, este faz um belo e eloquente discurso, convidando a certa altura a menina Acidalia Nogueira, gentil filha do saudoso Augusto Nogueira, a descerrar o retrato da srª. D. Maria Aguas Ferreira, extremecida esposa que foi do sr. José da Cunha Ferreira.
Alude, com palavras sinceras e comovidas, ao passado daquela santa mulher, que foi uma grande amiga da sua e nossa terra e do Grupo Musical, de que era socia quasi de fundação.
Ao terminar, foi muito cumprimentado e felicitado.
O sr. presidente pede um minuto de silencio em sinal de sentimento pela extincta benemerita - o que se cumpre religiosamente.
É em seguida dada a palavra ao rabiscador destas linhas - que se honra muito em ser tavaredense e socio fundador do Grupo Musical, que deseja vêr cada vez mais engrandecido e prestigiado - o qual, em palavras pobres de coloridos e rendilhados, mas ricos de sinceridade e ponderação, descreve a vida do Grupo e os seus efeitos na terra em que nasceu.
Em todo o seu modesto discurso, como em todos os outros, não se encontram as afirmações de esmagar jesuitas... como malevolamente foi dito por pessoa que não assistindo á sessão soléne concretisou, todavia, a mentira atrevida, descabida e estupida dalguns informadores baratos que ainda não pensaram que na terra não passam de ser uns pobres pedantes, uns pobres de espirito, uns traficantes de se lhes cuspir nas ventas - por desprêso.
É o que faz o autor destas linhas. É o que fazem todos aqueles que teem brio, que teem criterio e honra...
Mas... perdão, não fujamos do assunto do Grupo Musical e prossigamos na noticia...
O nosso amigo sr. Gomes d’Almeida, usando da palavra, faz, ao terminar, um apêlo aos bons tavaredenses para que secundem o gésto nobre dos encorajados cavalheiros que, para bom nome da sua terra, primaram na organização de tão simpática festa, que é bem a clara demonstração de mais um passo na senda bemdita dos Progressos dos Povos e portanto da Patria Portuguesa.
Este nosso particular amigo termina o seu discurso pondo incondicionalmente á disposição do Grupo o jornal O Figueirense, de que é director-proprietario, pois assim o tem feito a muitas outras associações de instrução e beneficencia.
É fartamente aplaudido.
O amigo sr. Eduardo Catita tambem não escapou. Convidado, sem o esperar, a usar da palavra, improvisa um explendido discurso, em que mais uma vez provou os seus dotes oratorios.
Antonio d’Oliveira Lopes, membro da assembleia geral do Grupo, fechou a sessão com um discurso brilhante, em que demonstrou as suas qualidades de rapaz estudioso e inteligente.
Foi justamente felicitado e aplaudido.
Não havendo mais ninguem que quizesse usar da palavra, o sr. presidente, com termos muito elogiosos para o Grupo e para Tavarede, encerrou aquela explendida sessão soléne, que ficou marcando uma festa cuja beleza jámais se apagará do espirito de quantos a ela assistiram.
A “Figueirense” tocou, por vezes várias, o “Hino do Grupo”.
Faltaram, por motivo de força maior, os oradores exmos. srs. drs. Rafael Sampaio e Antonino Cardoso.
Seguiu-se o baile, que era esperado pela gente môça e irrequieta, para quem a dança, hoje tanto em voga, constitue o melhor prazer de todos os mortais...
Nos intervalos, o nosso amigo Candido José Ferreira, de Anadia, exibiu-se em violão, pois é um artista no género, assobiando divinalmente alguns trechos dificeis e bonitos.
Emfim, foi uma festa que veiu a terminar tardissimo, reinando sempre em todos os corações a mais franca alegria e animação.
Na segunda-feira, 22, houve o almoço de confraternização, a que assistiram mais de 30 convivas, compartilhando da abundancia alguns pobres de Tavarede.
Durante o baile de domingo e o almoço de segunda-feira, teve a assistencia o prazer de apreciar uns belos discos no gramofone do nosso amigo Adriano Silva, que o cedeu da melhor boa-vontade ao gramofonista Zé Medina.
Não podiam ser melhor, os festejos do Grupo Musical.
Em Tavarede ainda se não fez coisa egual. Na Figueira, mesmo, que é cidade e tem excelentes associações, não ha tanto capricho como aqui na aldeia...
Não sabemos porquê, mas é verdade...
Parabens ao Grupo Musical, com os desejos de que muitos mais anos conte, trilhando sempre aquele caminho recto, honroso e dignificante que fácilmente o conduzirá á situação de destaque e de valor que ambiciona”.



Fotos: 1 - Emblema do Grupo Musical; 2 - João de Oliveira (à data presidente da Direcção); 3 - Violinda Medina (principal amadora e figura central na apoteose)

Sociedade de Instrução Tavaredense - 14

Como havíamos referido, a Sociedade de Instrução adoptou, como seu, o estandarte que pertencera ao Grupo de Instrução e que havia sido inaugurado no ano de 1900. E, em 1927, o sócio benemérito Joaquim Fernandes Estrada, fez a oferta de um novo estandarte, que “é, na verdade, rico e artístico. O desenho é de António Piedade, e foi bordado a ouro e matiz pela distinta mestra de bordados da Escola Industrial e Comercial, srª D. Maria do Céu Rio, cujo trabalho é primoroso e justamente admirado”.
Aquele benemérito, em sessão solene expressamente realizada para o efeito, fez a entrega do novo estandarte e “afirma a sua simpatia pela Sociedade de Instrução Tavaredense, prometendo continuar a auxiliar a sua obra”.
“O acto é revestido de grande imponência. A gentil menina Maria Gonçalves (madrinha do estandarte) prende a bandeira na haste; a “Figueirense” executa o hino da Sociedade, e toda a assistência se levanta, soando palmas por largo tempo. Passados alguns momentos, o estandarte ergue-se, altivo, na haste encimada por uma artística estrela de metal branco, e irrompem novas salvas de palmas e muitos vivas”.


Entretanto, na véspera, tivera a sua estreia a revista “Grão-Ducado de Tavarede”, uma “revista fantasia, de carácter local, embora com alusões à Figueira e outras localidades vizinhas e ainda com intervenções de personagens de Brenha, Quiaios e Buarcos”.
A revista começa com uma visita à Exposição Internacional, organizada no “Grão-Ducado”. Dizia o catálogo que “é rica esta exposição. A secção nacional é vastíssima, onde se encontra tudo quanto é necessário à vida do homem, da mulher e dos animais; géneros e comestíveis; os mais diversos produtos da Indústria e da Agricultura; a Arte, o Progresso e a Civilização representados nas mais variadas manifestações”. Até tinha um Comissário...
Mas, e mais interessante, seria, talvez, a secção da pecuária. “Há animais de todas as espécies, tamanhos e feitios; mamíferos, insectos e batráquios, peixes e anfíbios, terrestres, aquáticos e aéreos, a aranha, a rã, a formiga, o elefante, o mosquito, o hipopótamo, a galinha, o bacalhau, o leão, o burro... em burros, então, é um sortido variadíssimo; temo-los manhosos e medrosos, espertos e teimosos, filósofos e tapados como um burro; variam na cor, no tamanho e na educação. Temos o burro preto, o burro branco, o burro malhado e o burro cor de burro quando foge; o burro pequenito como um burrito de mama, o burro de tamanho natural e o burro como casas; o burro que nem zurra, nem morde, nem dá coice, o burro que não morde, que não dá coice mas zurra, o burro que zurra, que dá coice e que morde. Burricalmente falando pode dizer-se que esta secção constitue para o nosso Grão-Ducado um verdadeiro sucesso burrical”.
Esta peça foi da autoria de João Gaspar de Lemos e de José Ribeiro, com música, original e coordenada, de António Simões. Foi em “Grão-Ducado de Tavarede” que começou a colaborar com o nosso grupo cénico “um distintíssimo artista e pintor. As maquettes dos quadros do “Inferno”, da “Apoteose à Lavoura” e da “Apoteose das Flores”, de deslumbrante efeito, são da autoria de Alberto Portugal de Lacerda”.
Com o decorrer destas histórias, conheceremos parte da valiosa colaboração de Alberto de Lacerda, um lisboeta que, colocado como professor na Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz, criou, na nossa terra, tantas amizades e apaixonou-se tanto por Tavarede e pelas suas gentes, que aqui quis acabar os seus dias, numa vivenda que mandou construir, repousando os seus restos mortais no nosso cemitério. Foi nesta sua casa, sita à entrada de Tavarede, do lado poente, que Alberto Lacerda pintou alguns dos seus mais belos trabalhos. O quadro “Ensaio de música”, que não teve tempo de acabar e que se encontra exposto no salão nobre da colectividade, bem demonstra a excelência da sua arte e da sua sensibilidade artística.


Naqueles tempos, as peças levadas à cena, davam poucas representações. Até então, 1927, exceptuando “Os Amores de Mariana”, quase nenhuma mais atingiu os seis espectáculos. E as montagens, além do enorme esforço dos ensaios, dos intérpretes e dos músicos, eram bastante dispendiosas. Cenários e guarda-roupa sempre novos na sua maioria. Neste aspecto, não devem ser esquecidos os nomes de Rogério Reynaud, nos cenários, e de Belmira Pinto dos Santos, na confecção dos fatos, a que, mais tarde, outros se foram juntando. O espólio que existe na Sociedade de Instrução, demonstra bem o trabalho e dedicação destes verdadeiros artistas.

Fotos: Frente e verso da estandarte oferecido por Joaquim Fernandes Estrada

Sociedade de Instrução Tavaredense - 13

Este nobre povo não podia por mais tempo gramar a tirania que pesava sobre ele. Acabaram os vexames, as contribuições, as licenças do carro e caça, o serviço braçal. Quebraram-se os grilhões que nos prendiam à maldita Figueira...”. E, assim, foi proclamada a independência da freguesia, sendo solenemente constituída a “República do Limonete”.
Afinal de contas, Tavarede não precisava da Figueira para nada. Além da bela hortaliça fornecida pelas nossas várzeas, era na nossa terra que se situava a estação do caminho de ferro, o matadouro, o hospital militar, a central eléctrica e, até, o cemitério, pois os figueirenses “não têem onde cair mortos...”.



Foi um êxito a estreia da revista “Pátria Livre”. “Pode dizer-se que agradou plenamente; os aplausos foram calorosos, entusiásticos, fazendo a assistência bisar quase todos os números de música. Houve chamadas ao autor, ao maestro e ao ensaiador. Gaspar de Lemos e António Simões mereceram, sem favor, as prolongadas salvas de palmas que ouviram – o primeiro, por ter escrito com alegre fantasia e uma certa irreverência o comentário gracioso e ligeiro dalguns acontecimentos e factos locais; e o segundo pela felicidade com que compôs ou adaptou os números de música, alguns deles lindíssimos”.
São desta revista dois dos números mais conhecidos e cantados em Tavarede. “Ceifeiras e cavadores” e a “Fonte e suas Bilhas”, ainda hoje são ouvidos com agrado.
Foi sol de pouca dura. Pelos vistos, a “República do Limonete”, que se comparava ao “principado de Andorra”, não conseguiu impôr-se. E se é certo que se não perdeu a independência, o seu regime político alterou-se. Poucos meses depois era proclamado o “Grão-Ducado de Tavarede”.
Entretanto, a sede da Sociedade de Instrução sofreu grandes alterações. “Na sala de espectáculos é completamente transformada a superior, onde vai construir-se um balcão, em anfiteatro, que será mobilado com cómodos fauteils, que foram mandados fazer propositadamente”. Mas, se a colectividade passou a dispôr de melhores condições, também foi necessário, mais uma vez, endividar-se. O projecto das obras foi elaborado gratuitamente pelo arquitecto Edmundo Tavares e o custo total foi de 13.611$93. Um empréstimo de João dos Santos, no valor de 8.000$00 e outro de seu filho, Arménio Santos, à data presidente da Direcção, de 1.156$00, permitiram a conclusão do melhoramento.
Para angariar algum dinheiro, o grupo cénico foi, em Maio de 1926, pela terceira vez ao Parque-Cine. Depois de “Os Amores de Mariana” e “Em busca da Lúcia-Lima”, apresentaram a opereta “Noite de S. João”, onde se exibiram de “modo a merecer aplausos”. E, novamente, enquanto a “Voz da Justiça” refere, por exemplo, que “os coros – firmes como os vimos mesmo em alguns números de grande dificuldade, equilibrados, afinados sempre”, o crítico de “O Figueirense” diz que “as canções ao desafio, essas foram uma lastimazinha, que até faziam pôr em pé os poucos cabelos do maestro Simões...”.
Pelo aniversário, comemorado em Janeiro de 1927, houve a inauguração de um novo melhoramento: “a grande e magnífica sala de baile, que será montada em toda a sala de espectáculos e construido prolongamento do palco, por meio de estrado desmontável, a todo o comprimento e por sobre a plateia”. Este estrado foi adquirido por subscrição promovida entre os sócios. Bem nos recorda que, mal acabavam as cerimónias das sessões solenes, iamos a correr mudar de roupa para, ajudando o Jorge Monteiro e outros, saborearmos a “sopa de estrado”, como diziamos, ou seja, ajudar à sua montagem. O serão da segunda-feira seguinte era para o inverso , pois tinha que se desmontar e arrumar rapidamente todo o material, porque a sala de espectáculos era necessária para os ensaios do teatro. Era, realmente, uma grande trabalheira...


Como breve apontamento ao espectáculo deste aniversário, recortamos a nota de que “a orquestra, muito bem constituída, deu grande brilho à récita, que teve um certo cunho de distinção. A assistência ouviu com prazer e premiou com muitas palmas a difícil e linda ouverture da ópera “Nabucodonusor”, de Verdi, que teve uma boa execução e a canção da zarzuela “Filhos de Zebedeu”, de Chapi. António Simões viu assim coroados de êxito os seus esforços, e por isso bem mereceu os elogios e parabéns de que foi alvo”.

Fotos: 1 - Grupo cénico 1927; 2 - Grão Ducado de Tavarede (Conselho de Ministros)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Laranjas da China... do pomar de Tavarede...


(Dízimo - Século XVII)


- Extractos de cartas que D. Vicente Nogueira, agente
secreto de D. João IV em Roma, dirigiu ao Almirante, 1º
Marquês de Nisa, D. Vasco Luiz da Gama, com referên-
cias às afamadas laranjas de Portugal. -



.... e quanto ás laranjas tem pasmado Roma, onde nunca se virão; e não ha perdido pivide que não se semeasse; e estão com grand.ma curiosidade, e esperança de enxertos; mas ao Card.l Barb.no agradecendo-me o presente, disse que V.S. era quem lho mandava: e que a elle se devia o agradecim.to, e que eu era quem lhe havia de pedir perdão, de não mandarlhe todas as 83 e não soos 36, mas que repartindose por Cardeais prelados e S.res tão seus amigos, podia crer que o aprovaria, como o fez, disseme se poderia eu acabar com V.S. lhe mandasse hûas pollas (diz elle que assi se chamão ca, as varas que vem p.ª enxertar) eu lhe disse que o que V.S. não fizesse por hum acenno seu, não faria por outrem. e que eu em seu nome as pediria a V.S., e contandoho a fr. di.º cesar me faciliton dizendome que V.S. as tinha já mandado a frança por Ruão a hum personage francês para o seu jardym, como elle ally soubera de certo. V.S. me responda capitulo que eu mostre ao Card.l... (carta de 30 de Abril de 1650)


..... q.to ás laranjas tenho grande medo que cheguem todas podres, e que não se nos luzam tão felizm.te, como as passadas, porque tardou a náo em chegar desde Lisboa a Liorne 19 dias, e alli estão ainda as laranjas ha ia 24 dias, sem ainda serem partidas; e o S.or Cardeal meu S.or beia m.tas uezes as mãos por os tres pees de larangeira, que V.S. me escreue lhe manda que auererá D.s cheguem em bom stado; outros dous pees lhe manda o P.e Nuno da Cunha, e contão os passageiros (porque ainda cá nada chegou) que as do P. Nuno uem conçertadas, e cerradas numas gelozías tão estreitas e perfeitas, que cuidão se igualarão ás que ficarão em Lisboa, e tambem o D.or Arroyo traz nesta mesma náo outros pees de larangeira, sendo as prim.ras, que ca se uirão, e tanto admirarão as que V.S. me fes M.ce mandar por Luiz Alues, e eu cuido da rara bondade deste terreno que hão de ser melhores, que em Lisboa, e na própria China, porque não vem fruito de fora, que aqui não melhore... (carta de 8 de Maio de 1651)



.... Sentença dada a favor do Cabido e seu rendeiro
Francisco Fernandes Branco contra João de Brito de
Figueiredo, de Tavarede, pela falta de pagamento de
dizimos de sete anos sôbre laranjas da China e mais
frutos e colmeias....

“Pª. o Cartorio do mto. R.do Cabido.

“ Sn.ca que ouue o m.to Reuerendo Cabido de Seu Red.ro Fr.co Frz branco contra João de Brito de Figueiredo do Couto de Tauarede Sobre os dizimos de Laranjas da China, e outra mais nouidades

O Doutor Diogo Gomes Vigario geral nesta Cidade de Coimbra, e todo Seu Bispado pello Illustríssimo Senhor Dom João de Mello por merce de Deos, e da Santa See apostolica Bispo de Coimbra Conde de Arganil, Senhor de Coja, e do Conselho de Sua Magestade &ª. a todos os m.to R.dos Prouizores Vigarios gerais, e forencios, e bem assim a todos os Senhores Corregedores, Prouedores, ouuidores, Julgadores, Juizes, e Justiças officiais, e pessoas deste Reyno, e Senhorios de Portugal aquelles a quem, e perante quem e aos quais esta minha, e mais verdadeiramente Carta de Sentença Ciuel, de ação dalma tirada, e resumida dos autos do processo dada, e passada por meu mandado, e a requerim.to de partes que a pedirão, e requererão for apresentada, e o Conhecim.to della com direito directam.te deua, e aja de pertencer, e seu Comprim.to e deuido effeito Se pedir, e Requerer, por qualquer modo via, e maneira que Seja, Saude, e paz pera todo Sempre em Jesus Christo nosso Senhor, e Saluador que de todos he verdadeiro Remedio Saude, e Saluação Faço lhes a Saber em como em este meu Juizo Exxlesiastico desta dita Cidade, e bispado, e perante o Reuerendo Dourot João de Almeida meu antecessor, e perante elle Se tratarão, e processarão, e finelm.te Sentenciarão huns Autos de feito de causa Ciuel, de Dizimos de Laranjas da China, e reçoens e de outras mais nouidades de ação dalma de Cominação ordenados entre partes da hûa como Autores o Reuerendo Deão, Dignidades, Conegos, Cabido da Santa See desta dita Cidade em seu nome e de Seu Rend.ro Fr.co Branco que o foi da Renda do Couto de Tauarede Renda Nossa, e Reeo da outra João de Brito de Figueiredo morador no dito Couto de Tauarede a qual causa era Sobre e por rezão que do ao diante Se fará mais larga, expressa, e declarada menção. Pellos quais Autos, e termos delles entre outras mais cousas em elles contheudas, e declaradas Se mostraua “Que no Anno do nascimento de nosso Senhor Jesu Christo de mil, e Seis Centos, e outenta, e tres annos aos vinte, e outo dias do mes de Abril do dito anno nesta Cidade de Coimbra e passo do auditorio Ecclesiastico della em publica audiencia que aos feitos, e partes estaua fazendo o dito meu antecessor o Doutor João de Almeida Ahi na dita audiencia parecerão o Lecenciado Manoel de Freitas, em nome e como Procurador dos ditos Autores o m.to R.do Cabido da See desta cidade, e Seu Rend.ro Fr.co branco que o auia Sido da Sua Renda Sita no dito Couto de Tauarede, e seus arredores por elle fora dito, e requerido que à sua petição p.a a presente audiencia estava Citado o Reo João de Brito de Fig.do morador no dito Couto de Tauarede p.a vir jurar pessoalm.te em Sua alma o quanto lhe estaua a deuer de Sete annos de dizimo, e reção de Laranjas da China, como de outras frutas, e Collomeas por tudo lhe quererem deixar em Sua alma, e que não vindo pessoalm.te jurar Ser cõdenado de Cominação no que declararem Se estaua a deuer por Seu Rendeiro Requerendo o mandasse apregoar pello porteiro do Auditorio e que apregoando o, e não parecêdo a Sua Reuelia o ouuesse por Citado p.a o que dito era, termos juis athé final Sentença dada no Cazo, e o tornasse a mandar apregoar pello porteiro da Auditorio Ecclesiastico, e não parecendo à Sua Reuelia o tornasse a auer por Citado p.a o que dito era termos, e autos judiciais, e tornando a apregoar, deu fee não parecia a Sua Reuelia mandasse ficasse esperado pera a primeira audiencia o que visto pello meu dito antecessor, e enformado de fee da Citação Ser feita ao Reo João de Brito de Fig.do o mandara apregoar, e o fora pello porteiro do auditorio que o apregoara, e dera Sua fee não parecia, e à Sua Reuelia o ouuera por Citado p.a todo o que dito era, termos, e autos Judiciais athe final Sentença dada no Cazo, e o tornara a mandar apregoar, e o fora pello mesmo porteiro do auditorio que o tornou a apregoar, e deu Sua fee não pareceia e a Sua Reuelia mandara ficasse esperado à primeira audiencia &ª Segundo que todo estou assim e tão Compridam.te Se Continha, era Contheudo, e declarado em o dito termo de aução, e Citação dos ditos autores, que Sendo assim feito, e Continuado pello Escriuão que esta Sobescreueo a quem for destribuida a aução a elle Se ajustara a petição, mandado, e procuração dos Autores, e Sendo tudo junto aos ditos Autos outroSim Se mostraua que aos quatro dias do mes de Mayo de mil, e Seis centos, e outenta e tres annos nesta Cidade de Coimbra e no passo do Auditorio Ecclesiastico della em publica audiencia que aos feitos, e partes estaua fazendo, o dito meu antecessor o Doutor João de Almeida Arcediago da Santa See desta dita Cidade Ahi parecera o dito Lecenciado Manoel de Freitas Procurador dos ditos autores o R.do Cabido da Santa See desta dita Cidade, e de Seu Rendeiro Fr.co Fernandes branco Rendeiro do dito R.do Cabido Sita no Couto de Tauarede deste dito bispado, e por elle fora dito, e requerido ao dito meu antecessor que da audiencia passada à sua petição ficara auido por Citado e esperado à presente o dito Reo João de Brito de Figueiredo morador no dito Couto de Tauarede pera vir jurar pessoalmente em Sua alma o quanto lhe estaua a deuer de Sete annos de Dizimo, e Reçoens de Laranjas da China, e de outras frutas, e Collomeias por lho querer deixar em Sua alma Com Cominação de que não vindo jurar pessoalmente Ser Condenado de Cominação no que declarasse o Rendeiro delle Reuerendo Cabido Francisco Fernandes branco que presente estaua na dita audiencia pera declarar por Seu juramento o quanto lhe estaua a deuer de Dizimos, e Reçoens de Laranjas da China, e de outras frutas de Sete annos que Requeria o mandasse apregoar pello porteiro do auditorio e que apregoando o e dando Sua fee elle não parecia o condenasse, e ouuesse por Condenado ao dito Reo João de Brito de Figueiredo de Cominação no que o dito Seu Rendeiro dos Autores,
e Autor Francisco fernandes branco que presente estaua na dita audiencia declarasse, Sem juramento o quanto lhe estava a deuer, e nas custas dos Autos da dita aução o que visto pello dito meu antecessor, Seu Requerimento, e informado de todo o Sobredito o mandou apregoar ao dito Reo João de Brito de Figueiredo, e o fora pello ditoporteiro do auditorio, e que apregoando o dera Sua fee elle não parecia e à Sua Reuelia por estar prezente o dito Rêdeiro dos Autores Francisco Fernandes branco, e declarar que o dito Reo João de Brito de Figueiredo lhe estaua a deuer de Sete annos de Dizimos, e Reçoens assim de Laranjas da China, como de outras frutas, e Collomeias quarenta mil reis, e pello declarar que bem, e verdadeiramente lhe estava a deuer, e aos autores, a ditaa quãtia, Condenou, e ouue por Condenado de Cominação ao dito Reo João de Brito de Figueiredo pero os ditos autores nos ditos quarenta mil reis, que declarado tinha lhe estaua a deuer, e nas Custas dos autos da dita aução de que mandou fazer termo de Condenação que assinou &ª Segundo que tudo esto assim, e tão Compridamente Se Continha, era Contheudo, e declarado em o dito termo de Condenação e Sendo assim feito, e assinado pello dito meu antecessor o Doutor João de Almeida, Ora por parte dos m.to Reuerendos Autor o Reuerendo Cabido, que pela Conseruação do Seu direito, e Justiça, e de Se por em Seu Cartorio a presente minha Sentença lha mandasse dar, e passar dos autos do processo minha Carta de Sentença pera Conseruação de Seu direito, e Justiça e Se por em Seu Cartorio, e mandei Se lhe passasse como nella Se Contem, e vai rellatado, e como pello dito meu antecessor he julgado Sentenciado, determinado, visto e mandado Sem duuida, nem embargo algum, que a ella Se ponha, nem seja posto em Juizo, nem fora delle, Pella qual Condenou o dito meu antecessor, e ouue por Condenado ao dito Reo João de Brito de Figueiredo pera os Autores nos quarenta mil reis de Cominação que seu Rendeiro Francisco Fernandes branco declarou lhe estaua a deuer de Dizimos, e Reçoens de Sete annos assim de Laranjas da China, como de outras, frutas, e Collomeas, e nas Custas dos Autos tudo na forma, e maneira do termo da condenação atràs escrita Julgado por Sentença. E Sendo ella assim dada, e publicada por parte do Reo João de Brito de Figueiredo Sendo elle Condenado no pedido pellos Autores e no proprio dos Dizimos, e custas, e depois da Sentença Sellada, e assinada della por Seu Procurador veio a pidir vista, e entre muitos requerimentos que de parte a parte ouue a ella veio com embargos os quais vindo me conclusos entre muitos requerimentos os pronûciei por çeo despacho no theor Seguinte &ª.


Julgo os embargos Recebidos por não prouados e mando Se cumpra o monitorio Embargado, e Se de à Sua deuida execução Coimbra em mesa de Março quatro de Seiscentos, e outenta, e Sete - Doutor Costa - Spinola - Mesquita - Leitão. Segundo que todo este assim, e tão cumpridamente Se continha, e era Contheudo, e declarado em o dito meu despacho, Sendo assim por mim dado, e publicado em audiencia publica que aos feitos, e partes fazia o Lecenciado Manoel Rodrigues Botelho de minha Commissão aos outo dias do mes de Março de mil, e Seiscentos, e outenta, e Sete annos, no passo do auditorio Ecclesiastico desta dita cidade, E Sendo o dito Despacho assim publicado à Reuelia destas partes, e Seus Procuradores dando sse dos ditos autos vista ao Procurador do dito João de Brito de Figueiredo, os deu com hûa cotta dizendo não ter informação por bem do que e a requerimento dos ditos autores o Reuerendo Cabido da Santa See desta Cidade foi requerido lhe mandasse dar, e passar minha Carta de Sentença dos Autos do processo pera Seu titulo, e Conseruação de Seu direito, por bem do que Se lhe passou a presente que mando Se cumpra, e guarde muito inteiramente, como em ella Se Contem, e vai Contheudo, relatado, e Sentenciado Sem Embargo algum que a ella Se ponha ou Seja posto em Juizo, ou fora delle, E pera de tudo constar a todo o tempo, a Requerimentos dos ditos autores Se lhe passou a presente minha Carta de Sentença que vai por mim assinada, e Sellada com o Sello do Illustrissimo Senhor Bispo Conde que ante mim Serue em os doze dias do mes de Agosto de mil e Seiscentos, e outenta, e outo annos - Pagou de feitio desta minha Carta de Sentença trezentos, e Cincoenta reis, e do Sello nada por ser do Reuerendo Cabido. Antonio Collaço a Sobescreuj
Diº Gomes
Ao Sello---------------------------------------------------------------------------Cabido
Ao Escriuão ---------------------------------------------------------------------- 350

Sentença pª. o Cartorio do Reuerendo Cabido”

(autenticada com o selo do Bispo Conde D. João de Melo: seis besantes entre uma cruz dobre e bordadura, pôsto num losango de papel colado à sentença por obreia.
No verso do documento: S.na per que se iulgou neste juizo Ecclesiastico do Vig.ro G.al que os dizimos das Laranias da China com as Murciarias, e colmeias do Couto de Tauarede pertensem e se deuem ao R.do Cabb.do.e pertensem e se deuem ao R.do Cabb.do.
G. 13 R. 2º m. 2º nº 36)


(Album Figueirense)
Fotos: 1 - Laranjas de Tavarede (Ecos da Terra do Limonete - 1981; 2 - Ana Maria Caetano (Laranja - Marcha do Centenário - 2004)

Um baptismo do ar - Medina Júnior

Desde que um dia poisei em Sintra, onde existe a Escola de Aviação da Granja do Marquês, que em meu íntimo prevalecia a grande vontade de voar, por môr de ver e admirar, do país dos passarinhos, tudo isto cá por baixo, por onde caminha a raposa - como pitorescamente dizem aqueles que, a respeito de voar...
...que vôem os outros, pois se encontram bem mais seguros em terra firme, calcurriando estradas e caminhos, montes ou vales...
Porém, e sem pretender ser mais valentão do que êsses outros, a ideia foi-se arreigando cada vez mais em meu espírito - e um dia dispuz-me a pedir que me voassem.
Não sei porquê, nunca me inclinei muito a pedir tal favor aos distintos e ilustres oficiais-aviadores da Granja do Marquês, que é possível não viessem a estabelecer qualquer dificuldade.
Todavia, não duvidando, de forma alguma, da sua honrosa competência, e não sendo bem medo da minha banda, mas uma coisa parecida, eu fui-me recordando das barbas do vizinho...
...e imediatamente punha as minhas de môlho.
É que na Granja - di-lo a fama, que possivelmente é filha dalgum proveito - os ilustres pilotos pintam-se por ferrarem a sua partidinha aos futricas caloiros do ar, e vai daí, esta ideia, se me fazia rir, também me causava a tal coisa a que, por desmedida benevolência do têrmo evocativo da dura verdade, se deve chamar... falta de coragem... - ou receio, como queiram...
Receio por mim, nem entendido, que não desejava tornar-me alvo dos duestos alheios, tanto mais que tão honroso e nobilitante profissionalismo não foi, não é e nem será nunca o preferido pela veia que caracteriza a minha vocação para qualquer coisa de útil cá neste mundo...
* * * * *
Tenho lido, em diversos jornais e revistas, que lá fora, nos outros países, onde a Aviação tem seus foros de formidável (refiro-me, apenas, à quantidade e qualidade de aparelhos), é tarefa facilima proceder-se ao baptismo do ar seja de quem fôr que manifeste êsse desejo. Mais: que a rapaziada firme da Imprensa tem seu quê de privilégios sôbre outras quaisquer pessoas.
Ora esta distinção pelos jornalistas é absolutamente aceitável, se atendermos à delicada missão dos mesmos. É que, através da Imprensa, dos grandes como dos pequenos orgãos, só se pode fazer uma boa e acertada propaganda da Aviação - voando-se.
Os “reporters” tomam lugar num avião. Dão o seu passeio mais curto ou mais longo. Vêem, observam bem a sublimidade do ineditismo, experimentam as múltiplas sensações do vôo. Aterram. A alegria, o prazer, a satisfação experimentados no passeio, reflectem-se, depois, nas colunas dos jornais, onde, decididamente, não vão dizer o contrário do que de belo se disfructa do ar e da superior comodidade a bordo do veículo alado, pois tal seria utópico, inconcebível, anti-jornalistico.
E o que advem destas boas descrições, feitas consoante a inteligência de uns, a sensibilidade e sensação de outros?
Decididamente, uma rica propaganda para a Aeronáutica, que para tantissima gente ainda é considerada aventura de doidos. Assim mesmo: aventura de doidos...
No nosso país, infelizmente, ainda se não olha para a Aviação com aquele respeito e carinhosa consideração que lhe são devidos - por justiça. Para muitos portugueses, um avião é um engenho de morte. E quem neles se mete dentro - é um doido!!...
A “nossa” eterna tacanhez em tudo...
O avião, enquanto a nós, é a mais formal demonstração do quanto pode e vale o génio humano.
Disse alguém: “A Aviação é a Vida. Ela tem de ser olhada pelo que vale e nunca como um agrupamento de máquinas barulhentas e perigosas que, dirigidas por “desiquilibrados”, sulcam o espaço, rasgando curvas elegantes e vistosas nas suas evoluções audazes e acrobáticas, num desafio à morte! Não! Nunca! Voar não é morrer! É sentir a vida, sem peias, prenhe de liberdade, de fôrça, de inteligência, de domínio. O Avião deve ser julgado pelos que amam a Vida, pelos que querem Viver, como uma sacudidela acertada do Progresso, absolutra e indiscutivelmente prática e de vantagens inumeráveis para as necessidades da época em que é dado viver. O Avião frágil e aparentemente pouco seguro, é a chave da vida moderna”.
E é assim mesmo.
Desastres...
... quem dêles não é vitima, num automovel, numa motocicleta, num simples carro tirado a dois cavalos velozes ou a uma junta de bois pachorrentos?
E quem dêstes não é vitima inocente quantas vezes?
*****
Fui há dias almoçar com o meu estimado amigo, sr. tenente Humberto da Cruz. Contei-lhe a minha vontade - que poderia ser uma jornalicite aguda. Sorridentemente, o heróico dominador do espaço disse-me:
-Pois sim. Apareça você, um dia, bem cedo, na Amadora. Tenho muito prazer em ser o padre que ohá de baptisar no ar...
-Oh “velho” tenente (eu chamo-lhe “velho” tenente, porque o sinónimo abrange duas coisas: somos amigos desde a infância; e o glorioso Aviador apegou-se aos dois galões anda por doze anos...): fico-lhe muito grato pela sua franca acquiescência aos meus desejos, mas quero, ao mesmo tempo, pedir-lhe um favor: que não me ferre partida... - no ar.
*****
Após uma animadora garantia, eu aguardei, impacientemente, o dia do baptismo - que chegou, finalmente.
Manhã cedo. Sol doirado sombando sôbre o país terreno. Amadora. Os “hangars”. De lá de dentro, quais ninhos gigantescos guardando, tranquilamente, um bando de aves enormes adormecidas ao calor das próprias asas, sai a primeira. É uma avioneta ligeira, branquinha como uma pomba, parecendo sorrir-se para o sol, por a haverem libertado dali. Tinha ânsias de voar...
Velozmente, salta para seu seio, o pulso forte que a sabe dominar...
Depois, devidamente equipado - salto eu. Amarram-me. Os mecânicos riem-se...
... para mim. Eu retribuo a “gentileza”...
Contacto. As hélices movem-se, arrastando, atrás de si, uma nuvem enorme de terra pardacenta que jazuia no solo...
A ave, como que sentindo pejo de estar ali, corre, célere, campo em fora. Quási sem dar por isso, sinto-me no ar. Cinquenta metros, acusa, na minha frente, o altimetro. Cem metros. Duzentos, trezentos, etc. O ponteiro das rotações da hélice acusa um número que quási se segura sempre em 185 por minuto. A marcha faz-se a mais de 170 quilómetros à hora...
Voámos direito a Mafra. A gradação de cambiantes dos montes e dos vales, das várzeas e dos vergeis, a 500 metros e 600 metros, assemelham-se, francamente, a uma colgadura gigantesca, feita de pedacitos diversos de chitas polícromas que a mão habilidosa de uma senhora de bom gôsto soube aproveitar e congregar...
... sôbre elas se espreguiçando, em zigue-zagues voluptuosos, cobras muito compridas, brancas, umas; pretas, outras...
São as estradas.
Mafra. O secular convento. Passámos sôbre um amontoado de caixas de fósforos bem delineadas...
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Tôrres. Caldas da Rainha. S. Martinho do Pôrto. Que maravilha, a enseada de S. Martinho do Pôrto, vista lá de cima, do país das gaivotas...
Pinhal de Leiria, no seu manto verde-negro que encanta... A orla do mar imenso, no seu esmeraldino forte, por vezes manchado, aqui e acolá, pelo ensombrado das nuvens de puro algodão em rama... A espuma branquíssima das ondas, espreguiçando-se, lânguidamente, nas areias cintilantes das praias...
Tudo tão lindo! Tudo tão belo! Tudo tão formidável assunto, digno de descrição pela pena privilegiada de quem soubesse...
Eu confesso a minha insuficiência e eterna pequenês intelectual ante tão elevado altar de Ubérrima Beleza...
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Figueira da Foz à vista! A mão forte e vigorosa do “velho” tenente bate para a carlinga deanteira onde eu ia - felizmente tão decente como quando entrei no “barquinho”... Era a chamar a minha atenção para a nossa terra à vista...
O meu coração deu um estremeção fortíssimo - muito mais forte do que aquêles dois estremeções do avião, entre Caldas e S. Martinho do Pôrto, que eu supunha ser real partida do meu rico condutor, mas que foram devidos (soube-o na Figueira), a dois “senhores” poços de ar que ali existem...
Estamos sôbre a cidade moderna, a cidade bem delineada que é a minha terra. Casas gigantes, médias ou pequenas, são, para meus olhos, um amontoado polícromo de quadros simbólicos, bizarros, jactantes, que embevecem a avidez de meus olhos e embriagam o bairrismo de meu coração...
Nunca tinha visto, de tão alto, a minha terra! Conheço-a, como conheço as minhas mãos - e perdi-me, “dentro dela”, na carlinga de um avião...
O querido tenente adivinhou o meu pensamento: sobrevoar a Figueira a diversas alturas - para me maravilhar bem nela...
A Praça Nova... A Praça Freire de Andrade... O Bairro do Pinhal... O imponente Bairro Novo... A magestosa Praia... O poético Rio Mondego...
Tudo, tudo é lindo, ali, visto do ar... - ou em terra...
E o berço em que eu nasci? A Tavarede-burgo, tanta vez cantada por poetas e trovadores.. A terra da lúcia-lima...
A terra onde tenho, felizmente vivos, os meus queridos Pais, os meus irmãos - a minha família, os meus amigos, emfim...
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Murraceira. Campo “Humberto da Cruz”. Aterragem bonissima. Eu receiava a sensação da aterragem. Não é, afinal, aquilo que me diziam. Custa mais descer o elevador de Santa Justa...
O “homem do leme” salta em terra. Eu não sabia desamarrar-me. Ri-se, de mim, neste particular, o amigo tenente Cruz. Tira-me das correias fortes - e sorri-se, então, para mim...
Estávamos ambos contentes. Êle, por me ver bem disposto e alegre que nem um pardal que tem a ventura de se escapar à boca tigrina de um gato. Eu, por ver no tenente um companheirão para estas coisas de baptisar um sujeito no ar...
...sem novidade de espécie alguma - felizmente...
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Abraços. Vêm os primeiros abraços. Um rapaz alto, forte, varonil, que se conduz, ali, de bicicleta. É o meu irmão Ricardo. O mais novo do “quinteto” Medináceo...


Depois...
... quási na Ponte que atravessa o Mondego, uma mulher a correr...
... a correr muito...
Era minha Mãi! Sedenta de beijos, aquêle coração de oiro do mais puro e valioso, nunca supôs o seu filho mais velho capaz de uma odisseia assim...
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E lá fui, cheiinho de respeito e consideração, assistir ao grande beijo da Mãi Cruz ao seu queridíssimo Filho, ao seu Idolo, ao seu Amor - à sua Vida...
Eu também sei entrar na “catedral do Bem” - e beijar Santas assim...
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Passámos um rico dia na nossa terra. Mas mesmo um rico dia, francamente.
Depois, às 6 e meia da tarde, avião em marcha e a praxista marcha do tenente amigo sôbre o sagrado lugar onde repousam os restos mortais de seu saudoso Pai, em beijo de devoção por Êle, significando “adeus” - e tomámos a direcção do mar, que contornamos...
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e daí a pouco estamos, por outros “caminhos”, em Peniche, Berlengas, etc. Eu como, com imenso apetite, cerejas vermelhas que numa saca minha irmã Violinda havia levado ao mano aviador...
Eram, na Figueira, a cruzado o quilo! Em Sintra corriam a três mil reis...
Merecia pois a pena ir buscar uma saquinha de seis quilos delas, de avião, ali abaixo à terra...
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Estamos na Ericeira. Olhem que a Ericeira, vista de um píncaro assim, não é nada feiota, não senhores...
Depois... Colares - e Sintra. Que amor! Sintra! O vetusto Castelo dos Mouros e o magestoso Palácio da Pena sempre são muito anõesitos...
E o Palácio Nacional da Vila, ainda mais...
Vão. Vão lá acima ver e depois digam-me se tenho ou não razão em tal afirmar...
Anões, vistos da escada altíssima de onde eu os vi num relâmpago. Grandes, sempre muito grandes, vistos de onde quási tôda a gente os vê, os contempla, e os admira com ternura e embevecimento: em terra, no país das raposas,
onde se ergue o idilio terreal que enebriou Byron, inspirou Garrett - e nos embriaga a todos, seus sinceros e verdadeiros admiradores a amigos...
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Amadora. Aterragem. No firmamento amplo e limpo, começavam a notar-se os primeiros filões ígneos, denunciadores de um dia, mais, que tombava no regaço enigmático das trevas da noite que surgia...
A “ave” gigante, saciados os seus desejos de liberdade, ía recolher ao ninho enorme, onde a aguardavam, em carinhoso sorriso, tôdas as suas “irmãs”, possivelmente despeitadas pela sorte dela naquele dia...
... em que se registou o meu baptismo do ar - e o casamento da minha satisfação com o orgulho de voar com o “velho” tenente Humberto da Cruz...
... que não fêz, realmente, a sua partidinha ao “caloiro” que, em pouco mais de duas horas, percorreu o inesquecível itinerário de Amadora - Figueira da Foz - Amadora, quando, de combóio vulgar, são precisas algumas 13 ou 14 horas!
Abençoada seja, pois, a Aviação de todo o mundo - e o meu rico padre Cruz...

Sintra - Junho-935 - António Medina Júnior

(Copiado do Album Figueirense - 2º. ano)

Fotos: 1 . António Medina Júnior com o então Tenente Humberto da Cruz, antes da partida da Amadora; 2 . O irmão Ricardo, ciclista amador, com alguns prémios recebidos