terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sociedade de Instrução Tavaredense - 11

Prosseguia, activamente, o grupo dramático. Depois de várias comédias, é posta em cena uma nova opereta, “ Rosas de Nossa Senhora ”, em 3 actos, com música de António Maria de Oliveira Simões. Este inspirado músico amador figueirense, tomaria, em 1924, a direcção musical da Sociedade de Instrução, ensaiando e dirigindo a orquestra e compondo números lindíssimos, que ainda hoje são cantados no nosso palco. Mas, na peça acima, embora a partitura fosse de sua autoria, a orquestra ainda foi regida por Manuel Martins.
Mas o povo não esquecia “Os Amores de Mariana”. E tantos foram os pedidos que, em Março de 1923, novamente houve a sua reposição, com a participação da quase totalidade dos antigos elementos. E correspondendo a um apelo que lhes foi dirigido, os amadores tavaredenses, no dia 7 de Abril, realizaram mais uma récita, na sua sede, mas em benefício da Santa Casa da Misericórdia da Figueira.
O êxito foi total. Casa cheia e “oxalá esta iniciativa fosse seguida pelos grupos dramáticos das outras freguesias do nosso concelho, visto que aos infelizes de todo o concelho acode nos momentos difíceis da doença o hospital da Misericórdia”.


Em Julho de 1924, foram feitos os estudos necessários para a montagem da rede eléctrica em Tavarede. De imediato, a Sociedade de Instrução resolveu promover a respectiva instalação. Como não tinha disponibilidades financeiras para este empreendimento, que importou em 3.806$50, foi deliberado contraír um empréstimo no montante de 4.000$00, realizado em 400 acções, que foram subscritas pelos sócios. Estas acções não venciam qualquer juro e grande parte acabaram por ser oferecidas à colectividade pelos seus subscritores.
O relatório desse ano escreve: “Não quere esta direcção deixar fechar o seu relatório, sem também agradecer a todos os sócios que tão galhardamente contribuiram para a compra de quotas para a instalação eléctrica e também ao grupo de sócios que com os seus esforços conseguiu trazer para a nossa terra tão importante melhoramento”.
“A primeira instalação a fazer-se foi a da Sociedade de Instrução Tavaredense, que é completa e perfeita, ficando o teatro com todos os recursos de iluminação que podem exigir-se em casas desta natureza. A luz ficou ligada no último sábado, despertando o facto um interesse extraordinário nesta localidade. Muitas pessoas foram à sede da Sociedade de Instrução ver o efeito da nova iluminação, que é deslumbrante. Alguns associados até se reuniram, não ocultando o seu regozijo. A inauguração far-se-á no dia 13 do corrente, com uma récita dedicada aos sócios”, escreveu a “Voz da Justiça” noticiando o acontecimento. Não se conseguiu saber, no entanto, qual foi o programa dessa récita.
A opereta “Os Amores de Mariana” havia caído no agrado do público. Mais de dez anos depois da sua estreia, esgotava sempre a lotação e era solicitada para algumas deslocações. Mas, na verdade, houve vozes discordantes. No dia 13 de Dezembro, foi dar um espectáculo ao teatro do Parque-Cine. Eis a crítica de “O Figueirense”.
“Um grupo de amadores dramáticos de Tavarede veio no sábado último ao Parque-Cine dar um espectáculo com uma opereta regional, cuja acção se passa nos arredores de Coimbra, segundo rezam os programas, e portanto paredes meias com a nossa terra.
Fui assistir com um certo interesse, porque sempre gostei do teatro musicado, principalmente quando a acção se passa em qualquer das nossas províncias, algumas delas tão ricas em motivos para uma boa partitura. Os bons autores é que vão escasseando...
...Do desempenho pouco há a dizer, porque se tirarmos António Coelho, que se mexeu à vontade, e Helena de Figueiredo, que tem jeito, nada mais se aproveitou. Pena foi que o primeiro se não tivesse mantido na cena da embriaguês, porque teria sido perfeito e que a segunda tivesse pronunciado um tromento que a meu ver devia ter dito tormento. De resto, tem boa voz e canta com certo gosto.
A marcação pareceu-me deficiente. Não percebi que o André, charlatão, surgisse no palco com a massa coral, em lugar de ali aparecer casualmente, o que deu a impressão de que entre ele e os campónios havia o melhor entendimento. Ou não?
Também não compreendi a situação de Ernesto de Melo (António Santos) depois de Mariana (Helena de Figueiredo) lhe ter dado com a tampa ter-se mantido no palco, assistindo à alegria que reinou à volta do Zé Piteira (António Coelho), quando este teve a certeza do amor de Mariana. Julgo que ele devia ter desaparecido, porque havia sido preterido pelo rival.
E para terminar com os meus reparos devo dizer que não achei próprio que no coro Brasileiro di água doce, os comparsas, todos dos arrabaldes de Coimbra, québrassem tão harmonicamente a módinha brasileira. Lá que o Pancrácio a exibisse e a massa coral se manifestasse de qualquer maneira própria do seu temperamento e educação, compreendia-se, agora que a secundassem com tanta jeiteira é que se tornou reparável.
Em Tavarede é natural que estes senões não se notem, agora nesta cidade, onde nem sempre agradam os nossos melhores amadores e muitas vezes até artistas de carreira, foi arrojo exibir uma opereta inferior, mesmo muito inferior.
A música, além de cediça, está coordenada muito à ligeira e foi interpretada muito deficientemente. Pena foi que assim sucedesse, porque a orquestra estava bem organizada e apta a executar uma partitura de mais vulto.
Mas o fim principal dos amadores tavaredenses foi arranjar dinheiro para o seu cofre, e esse atingiram-no, porque a casa estava quase cheia, o que devia ter produzido uma boa receita.
Felicito-os por tal motivo.

Fotos: 1 - Cenário da SIT; 2 - António Santos (amador)

A Merenda Grande

Antigamente, era muito festejado o dia da merenda grande. Recordo-me da família ir, com o farnel preparado, até ao pinhal dos Quatro Caminhos, onde se procurava um bocado mais ou menos limpo de mato, se estendiam umas mantas velhas e, sentados no chão, saboreávamos o farnel. Muitas famílias escolhiam aquele local e outros, igualmente aprazíveis, que haviam em redor da nossa terra. Tempos que já lá vão, há muito.

Nos meus velhos apontamentos, encontrei a notícia de uma dessas festas, que teve lugar na velha escola, sita no Largo do Forno, em Abril de 1917.

Na escola mixta desta freguezia todos os anos se costuma festejar o dia da merenda grande. Fomos convidados pela digna professora, srª. D. Maria José M. Santos, a assistir a este grande ato d’alegria das creanças, que é, para elas, um dos melhores.
Assistimos, pois, à sua merenda grande, que foi revestida de bela animação das creanças, com os seus cestos lindamente enfeitados.
Antes da merenda viam-se na sala as creanças, de pé, formadas numa roda, cantando varias cantigas populares. Seguiu-se a merenda. Cada creança foi então buscar os seus cestos cobertos de flôres, sentando-se, e cada uma tirando deles o seu variado sortido de comida. Os sorrisos despendiam-se de todos os rostos. A chilreada daquele viveiro encantava toda a gente que o admirava. Após a refeição novas canções entoaram, dançando tambem alegremente, comunicando a sua alegria ao espirito dos assistentes.
Assim se passou na escola desta localidade a tarde da merenda grande. A petizada divertiu-se até fartar e a todos deixou a melhor recordação o seu aprasivel festival.
Daqui felicitamos a distinta professora srª. D. Maria José Martins Santos por ter realisado na sua escola uma festa cheia de alegria e disciplina.

Caixa Escolar

Uma das grandes preocupações de alguns tavaredenses era a instrução e educação de todos os seus conterrâneos. Mas, como terra agrícola que era, muitos pais preocupavam-se mais em mandar os seus filhos cavar e tratar das suas terras, do que deixá-los ir à escola para aprenderem a ler, escrever e contar.

Por mais de uma vez surgiu a ideia de formar uma 'Caixa Escolar', com a finalidade de ajudar os mais pobres na compra de livros, cadernos e outro material escolar. Mas, apesar da boa vontade de muitos, nunca foi possível tornar erm realidade a ideia concebida.

Em 1916 mais uma comissão, cheia de boa vontade, foi formada e logo iniciou as suas funções. Vejamos uma carta, publicada na 'Gazeta da Figueira', endereçada a Anibal Cruz pelo seu primo António Medina Júnior, que, como já anteriormente dissémos, haviam esquecido as divergências havidas quanto ao Grupo Musical. Eis a carta:

"Primo Annibal - Li ha dias na Gazeta duas cartas tuas, subordinadas ao título Por Tavarede, e vi que n’ellas te occupavas das sociedades musico-theatraes da nossa pacata aldeia, respondendo, segundo na primeira dizias, ás perguntas do teu amigo D. Limonete, um correspondente tambem de Tavarede para a Gazeta e que se acha actualmente ausente no Brazil.
D. Limonete é o pseudonymo que esse cidadão adopta, pelo que vi nas duas cartas d’elle publicadas ha dias tambem n’este jornal, e em que n’uma d’ellas dizia que ao chegar-lhe ás mãos este jornal, não via noticias da nossa terra, não cumprindo portanto tu o promettimento que lhe havias feito, que era escreveres Noticias de Tavarede.
Pelo que vejo, o amigo D. Limonete, como interesseiro que é, empenha-se por saber quaes os progressos por que a sua terra tem passado durante a sua ausencia, e tu respondendo-lhe, occupavas-te primeiramente das sociedades.
Está claro que para n’ellas lhe falares foram te desnecessarias informações, porque bem sabes quaes os seus progressos, que estão bem em evidencia; mas agora organisou-se, por iniciativa da professora official, uma Caixa Auxiliar da Escola, com o fim unico de comprar livros, papel e inclusivamente roupa e calçado para os filhos de gente pobre que não tenha recursos para o fazer.
Para a direcção d’essa Caixa constituiu-se uma commissão, a que eu pertenço tambem, que está encarregada do peditório de qualquer donativo e de arranjar pessoas que se queiram associar. Olhando para o fim a que se destina a referida Caixa, os socios estão cheios de boa vontade e animados para trabalhar, ufanando-se por verem a sua pequenina terra seguir o caminho do progresso, mas ao mesmo tempo nada se consolam, porque já de ha muitos annos Tavarede precisa d’uma casa propria para a escola official, e este anno, constando que já havia dinheiro para a sua construcção, não vimos meios d’isso, porque a principiar-se, devia ter sido em Junho findo, como se fez nas Alhadas, no Paião, Lavos, etc. Em Tavarede... nicles.
N’estas freguezias do concelho já andam em construcção os novos edificios escolares, porque as respectivas Juntas de Parochia constantemente pediam á Camara aquelle melhoramento para as suas terras, o que acho muito justo, porque lhes era mesmo indispensavel; mas nós, infelizmente, não temos uma Junta que proceda, isto é, que trate de officiar á Camara lembrando-lhe, sequer ao menos, que Tavarede tambem pertence ao concelho da Figueira da Foz.
Não é bem a Junta da Parochia quem tem culpa, mas sim o seu presidente, que é homem que nunca officiou á Camara reclamando aquella construcção.
Dar-se-á o caso que o sr. presidente não saiba fazer um... officio, como o outro dizia, lembras-te? Sim, quem sabe se elle o saberá fazer?
Olha que sempre é um homem que nunca reclamou absolutamente nenhum melhoramento para Tavarede... perdão, reclamou tal, a construcção de um muro qualquer na Varzea, mas deve-se notar que sempre é muro construido na sua propriedade.
Eu te conto, Annibal, uma coisa que prova evidentemente que o mesmo senhor nada se interessa por Tavarede:
A direcção da Caixa Escolar foi um d’estes dias ter com elle, pedindo-lhe que ou se associasse, ou concorresse com qualquer quantia. Sabes com quanto assignou? Com 30 centavos - 300 reis!! (e vá que já não é pouco!), e respondeu ao mesmo tempo:
- Tomem lá três tostões, porque eu nada me importo com Tavarede, com o povo de Tavarede, nem quero saber de Tavarede para nada.
Ora isto é impróprio de se dizer, e o sr. presidente, conhecendo bem o honroso cargo que lhe confiaram a quando das eleições - que mais valia elegessem o Manuel Fandango - fazia uma bonita figura, mas mesmo bonita, se assignasse os 300 reis e se calasse, não é verdade?
Presidente de penacho, ha-os por uma pá-velha.
Calcula tu, Annibal, como é que os rapazes que foram a sua casa - alias palacio, sim, porque é o velho palacio do antigo conde de Tavarede - haviam de ficar. Embaçados, com aquellas e outras grosseiras palavras, que não contavam sahissem da bocca do sr. Luiz João Rosa, dignissimo presidente da Junta da Parochia da freguezia de Tavarede.
Olha, o José Cordeiro, com o dinheirinho na mão, raspou-se, seguindo-se-lhe o Cesar Cascão, Antonio Coelho, João da Simôa, etc. Se tu visses o Jayme, que apesar de ser o ultimo e coxear um pouco, ainda chegou á rua primeiro que todos, dizendo:
- Safa, que d’esta nos livrámos nós! Podemos louvar a todos os santos por não comermos alguma bengalada!...
E por estas minhas humildes mas verdadeiras palavras, vês o proceder do sr. João L. Rosa, como presidente da Junta da Parochia, e portanto elucida o brazileirinho de tudo isto, que muito satisfeito ha de ficar quando souber que a sua terra está em vias de ficar sem escola nova.
Visto tu estares na Anadia, não sabendo portanto o que por cá se passa, foi apenas com tenção de te informar e pedir que contes o que deixo dito ao D. Limonete que eu escorropichei do meu tinteiro algumas gottas de tinta, tambem para dizer o que a minha consciencia me pede para não deixe ficar por dizer.
Saude e fraternidade.
Abraça te o teu primo amigo António Medina Júnior".

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 8

A 2 de Fevereiro as festividades à Senhora da Boa Viagem, na pitoresca Serra do mesmo nome, foram abrilhantadas pela tuna do Grupo. Mas sobre a representação acima mencionada, da peça 'Um erro judicial', aqui deixo uma ligeira crítica entretanto publicada:

“Com uma enchente colossal, realizou-se no sabbado preterito o annunciado espectaculo do Grupo Musical, d’esta localidade, representando-se Um erro judicial, drama em 3 actos, e a comedia Os Gagos.
No drama destacaram-se pelos seus trabalhos verdadeiramente artisticos os amadores Medina Junior, Faustino Ferreira, Zé Medina e a menina Emilia Pedrosa, que receberam fartos applausos.
Nos Gagos, áparte algumas incorrecções que a dicção infeliz da peça justificou, ha a salientar o novel amador Adriano Augusto da Silva, que gagamente desempenhou o papel de creado lôrpa, e Medinas (irmãos) que sustentaram em franca gargalhada a plateia... e a geral.
No final houve chamadas aos amadores, retombando quentes e vibrantes salvas de palmas”.

No dia 19 de Abril houve novas estreias. O espectáculo apresentado constava do comovente drama “A hora do suplício” e a hilariante comédia “O gabinete do sr. Regedor”. Somente aqui deixo um pequeno apontamento sobre um espectáculo realizado no Parque-Cine, na Figueira, pela companhia do actor Manuel Monteiro, com o drama “Amanhã” e a opereta “Os granadeiros de Valência”, em que colaboraram, graciosamente e como convidados, os amadores do Grupo José Medina e António Medina Júnior.

Pouco tempo depois, uma orquestra formada por elementos da tuna, foi a Vila Verde colaborar numa festa e no dia 1 de Dezembro, grupo cénico e tuna deslocaram-se a Taveiro. Foi ali apresentado o drama “Um erro judicial” e uma comédia, tendo a tuna feito um concerto que agradou a toda a vasta assistência, bem como a representação.

Em 1920 foi estreado um drama “Escravos e Senhores” e uma comédia “Um Hotel Modelo” e a 12 de Dezembro, levaram à cena o drama social “Gaspar, o serralheiro” que “como de costume, causou grande sensação, pois que está habilmente ensaiado por uma criatura de largos conhecimentos na arte de Talma”. Tratava-se, como já referi, de Vicente Ferreira.

Nos anos de 1921 e 1922 encontrei notícias de mais dois dramas, “O segredo do pescador” e “Escravatura branca” e de uma comédia “Alugam-se quartos a banhistas”, esta interpretada por um grupo de crianças.

No domingo de Páscoa de 1922, a tuna foi de visita à Figueira, em viagem de cumprimentos, sendo seu regente Manuel Martins. E no ano seguinte, 1923, houve uma nova deslocação as tuna, ao Alqueidão, agora sob a regência do tavaredense José Nunes Medina.


Visitaram a sede do Grupo, neste ano, as tunas da Sociedade Recreativa Alqueidonense e do Grémio Instrução e Recreio Vilaverdense. E, por agora, só mais uma breve nota para assinalar as estreias, em Fevereiro de 1924, das comédias “Um noivo de Alcanhões”, “Com medo da revolta” e “O casamento do cabo de ordens”.

Quero referir que os espectáculos acima mencionados, de forma alguma esgotaram a actividade do grupo cénico e da tuna do Grupo Musical durante aqueles anos, mas não encontrei notícias de novas peças e não vale a pena falar nas reposições entretanto efectuadas.

Fotos - 1 - António Francisco da Silva e António Medina, duas dedicações ao Grupo Musical, como dirigentes, especialmente; 2 - D. Maria Esteves, da Quinta do Peso, grande amiga e benemérita da colectividade.




quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

João Gaspar de Lemos Amorim


Nasceu na Figueira da Foz, no dia 14 de Agosto de 1854, filho de Alexandre Fernandes Gaspar e de Caetana Conceição Lemos. Era neto de Ana de Jesus Amorim, que foi mãe de 22 filhos. Casou com Maria Hermínia Jorge Balsas Lé, que faleceu em Março de 1932, com 68 anos de idade, tendo duas filhas, Cândida Otília e Ricardina.
Depois de fazer a instrução primária na Figueira, foi para Coimbra tirar o curso do liceu e, no ano de 1874, matriculou-se nas Faculdades de Medicina e de Filosofia, na Universidade daquela cidade.
Em 1875 mudou-se para o Porto, onde fez as cadeiras dos preparatórios médicos na Escola Politécnica.
Devido a uma grave doença, foi forçado a abandonar os estudos, pelo que regressou à sua terra natal, dedicando-se ao ensino livre, leccionando português, francês, matemática, geografia e história.
Começou, também, a escrever para os jornais, publicando colaboração sua em praticamente todos os jornais figueirenses, além de outros do Porto e Coimbra. Foi fundador e director do periódico “À Beira-Mar”.
Poeta de grande sensibilidade, publicou, em 1888, o seu primeiro livro de poesia, a que deu o título de “Ritmos”.
Quando publicou este livro de versos ofereceu um exemplar ao seu amigo e ex-condiscípulo no Porto, António Nobre. Este poeta agradeceu-lhe a oferta com o envio do seu livro “Só”, no qual escreveu a seguinte dedicatória: “Ao poeta Gaspar de Lemos, em troca do seu belo livro, - bilha de leite por bilha de azeite – of. António Nobre”.
Durante 12 anos exerceu o cargo de secretário da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, saindo em 1900 para emigrar para África. Trabalhou, durante 14 anos, na Companhia do Zambeze, como tesoureiro.
Regressou à Figueira e à Companhia da Beira Alta, mas voltou a África, a Quelimane, donde voltou, em definitivo, no ano de 1921.
Entretanto havia continuado a sua carreira literária. Em parceria com António Pereira Correia, também autor de várias peças teatrais, como O casamento da Vasca e autor da letra da Marcha do Vapor, escreveu a revista Zás Trás, a que se seguiram, mas individualmente, as operetas A Princesa de Caceira e O Crime de El-Rei Bisnau e os livros de poesia Lanterna Mágica e Horas/Afonso Duarte.
Fixou-se definitivamente em Tavarede, na sua quinta da Mentana, onde mandara construir uma vivenda para residência. Além do trato das flores e pomar, de que cuidava carinhosamente, passou a dedicar-se mais ao jornalismo, à poesia e ao teatro.
A 11 de Abril de 1925, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense leva à cena Em busca da Lúcia-Lima, que escreveu propositadamente para aquela colectividade e, no ano seguinte, escreve Pátria Livre, nova opereta.
Em colaboração com José da Silva Ribeiro, escreve os versos para mais três operetas fantasias, que alcançaram outros tantos êxitos: Grão-Ducado de Tavarede, Retalhos e Fitas e O Sonho do Cavador. Esta última foi a peça mais representada por aquele grupo cénico.
São, ainda, de sua autoria a opereta dramática O Negreiro, a novela O casamento da Elvira e mais de cem sonetos, artigos e crónicas que, sob os pseudónimos de “Hogarth & Cª” e “Luzbelo”, publicou em “A Voz da Justiça”, focando alguns tipos pitorescos e figuras curiosas figueirenses dos finais do século XIX.
“Os seus últimos tempos foram-lhe muito ingratos. O destino havia-lhe reservado uma dolorosa surpresa, pois ficou cego. Dirigia-se, então, às estantes onde sabia que se encontravam os seus livros favoritos e, acariciando-lhes tremulamente as lombadas, dizia desalentado: ‘sou um analfabeto’, e chorava”.
Tavarede homenageou a sua memória atribuindo o seu nome a uma das principais ruas da “urbanização do Vale do Pereiro”, onde era a sua quinta da Mentana. Também a Sociedade de Instrução Tavaredense, de que foi presidente da Assembleia Geral durante muitos anos, lhe prestou homenagem considerando-o seu Sócio Honorário e descerrando, no salão nobre, o seu retrato. “… descerrou a fotografia do autor dos versos do Sonho do Cavador, a assistência ergueu-se numa carinhosa e longa ovação”.
Gaspar de Lemos será, contudo, sempre recordado na sua terra adoptiva, pelos seus versos, inscritos na base da estátua ao cavador, que escreveu para a opereta Pátria Livre:

Vamos todos sem cansaço
Na terra dura,
Cavar, cavar.
A força do nosso braço,
Traz a fartura
Do nosso lar.

Faleceu, em Tavarede, no dia 3 de Junho de 1941, com 84 anos de idade.
“… desde que abri os olhos à vida, vi sempre a meu lado este homem alto e seco, de grandes olhos penetrantes e vivos, um riso sarcasta a cascalhar-lhe no lábio irónico, um dito mordaz sempre aceso, um encolher de ombros significativo de profunda indiferença pelas rasteiras coisas do mundo…
… ledor atento das bucólicas e das geórgicas, vivia seus lazeres no enlevo e no encantamento da sua formosa quinta de Tavarede, desde a entrada doce em sombras de acácias, até à várzea junto ao ribeiro, onde os corrimões de roseiras e as fiadas de cravos oloresciam o ar…”.
Fotos - 1 - João Gaspar de Lemos Amorim; 2 - Gaspar de Lemos, sentado, de chapéu e guarda-chuva, com um grupo de amigos da SIT (atrás de si está Manuel Jorge Cruz e à esquerda José da Silva Ribeiro.
Caderno - Tavaredenses com história.

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 7

No mês seguinte, e na sua sede, o grupo cénico da colectividade realizou um espectáculo, não sei com que programa, cuja receita reverteu a favor da mulher e filhos de “um pobre operário que há muito tempo se encontra doente no Hospital da Misericórdia”.

Em Abril, no domingo de Páscoa, “A tuna saiu sob a regencia do sr. João Jorge Silva, para cumprimentar os seus associados.
Foi depois de visita à Figueira, após o que se dirigiu “para casa do seu socio protector sr. Manuel da Silva Jordão, nos Carritos, que, recebendo-a com franca alegria, lhe offereceu um delicioso copo d’água.
Alguns dos divertidos rapazes que n’ella tomavam parte tocaram algumas valsas do seu reportorio n’uma das dependencias do espaçoso quintal d’aquelle senhor, que muitos rapazes e raparigas tanto d’ali como da Figueira, Tavarede, etc., que acompanhavam a tuna, dançaram alegremente, até que, approximando-se a noite, tocou mais uma vez o hymno, dentro da casa do sr. Jordão, levantando-se calorosos vivas ao socio protector do Grupo Musical Tavaredense, á familia Jordão, aos benemeritos, etc., terminando ali, e d’esta fórma, as boas-festas da Paschoa de 1916.
Entraram em Caceira e Tavarede a tocar um bonito ordinario, sabiamente instrumentado por um musico d’essa cidade.
Apesar de faltaram alguns musicos por motivos de força maior, a tuna era constituida por 24 figuras”.

Também nesse mês se iniciaram os ensaios daquele drama que, durante alguns anos, foi considerado o melhor espectáculo realizado pelo Grupo Musical, denominado “Um Erro Judicial”, em três actos. Alcançou enorme êxito e, lá para diante, irei referindo algumas das deslocações efectuados com esta peça.

Muito curiosa é uma notícia que encontrei em Agosto de 1916, em que se dá novas de Tavarede a um tal “D. Limonete” emigrado no Brasil. Eis essa notícia:

“Meu caro D. Limonete (Brasil)
É dever meu, em primeiro logar, pedir-te desculpa de na ultima carta, commeter o crime de não ter junto ao teu perfumado nome o Dom, que tão dignamente adquiriste n’este canteiro saudoso, onde a gente chic que o visita fica presa ao cheiro agradavel d’essa flôr branca, miudinha, ornada de pequenas folhas verdes.
Deves desculpar, pois, esta falta commetida sem intuitos de melindrar-te.
Vou continuar a responder às perguntas que me fizeste há dias:
O Grupo Musical é uma aggremiação que está em principio, mas já com progressos razoaveis. Fundou-se sem meios e installou a sua séde n’uma casa pequena, onde construiu um theatrito para as familias dos associados passarem as noites grandes. E que foi vivendo com este auxilio e com qualquer donativo recebido quando a sua tuna fazia serviço em festas, e que hoje, dizem-me já vive mais desafogadamente. O sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos, cidadão de fortuna, offereceu lhe para séde a casa que pertencia ao sr. João Aguas, na rua Direita, e a Direcção do Grupo, n’um impulso de vontade, ao receber tão valiosa offerta, metteu obras na casa e construiu um elegante theatro. Mas avalias pelas coisas do teu tempo, o interesse com que os rapazes trabalhavam na realização das obras. Trabalhavam de noite e aos domingos, os socios, que eram pedreiros, carpinteiros, pintores, etc., etc., sem quererem um centavo sequer. O interesse d’elles era só que a sociedade progredisse e isso assim tem acontecido, pois que, o theatro acabado, ali teem effectuado récitas magnificas, representando-se dramas de sensação, d’aquellas peças tragicas de que tu eras apaixonado. Os Medinas (principalmente o Zé), são as fãbricas do riso d’esses espectaculos. Que fartadella tu apanhavas se o visses na comedia O Cabo de Ordens...
O João da Simôa é o regente da tuna e, tem sido incansavel, os rapazes apresentam-se afinadinhos e executam módinhas de gosto. O Antonito Medina, o filho do Antonio que tu, por certo, conheces, é tambem muito activo e dedicado socio do Grupo Musical e vem a ser ainda outro tio... Ora aqui tens tu mais uma sociedade com futuro.
Na tua carta publicada no sabbado preterito na Gazeta perguntas-me se o Zé Medina é vivo e se o Chico Prôa bebe zurrapa pelo côco que elle te disse comprar na Ilha da Madeira. Ó menino, respondo-te que o Medina está vivinho e hilariante, e o Chico Prôa faltou-te ao promettido e disse-me que nem sequer te conhece”.

Pois atrevo-me a dar uma outra informação: o autor desta resposta, tão elogiosa para o Grupo, assinava-se por “Labina”, pseudónimo nada mais nada menos do que do secretário da Assembleia Geral que, havia cerca de quatro anos, pedira a demissão do cargo em seguimento a tão pouco agradáveis “mimos” trocados com a Direcção de então e a que fiz referência. Como vêem tudo acabou em bem...
Fotos - 1 - Emblema do Grupo Musical; 2 - Era aqui a sede do Grupo. O palco ficava neste lado do edificio; 3 - Violinda Medina, protagonosta da peça 'Erro Judicial'.

Terra do Limonete

Este meu pequeno apontamento de hoje, tem a principal finalidade de apresentar, a quem as não conheça, as três 'tias' especiais da Amiga Inês Fonseca. Tenham em atenção que são as que estão sentadas, à frente, ou sejam a Silvia Pedrosa, a Lita Cordeiro e a Manuela Mendes.

E aproveito a oportunidade para enviar esta imagem até ao Brasil, para que a nossa conterrânea e amiga Preciosa Fileno e, também, a D. Lilian e respectivas famílias, possam apreciar os trajos fantasiosos da nossa 'Terra do Limonete'.

Não sei se já visitaram os blogues tavaredenses 'chazinhodelimonete@blogspot.com', 'chadelimonete@blogspot.com' e 'limonete@blogspot.com', onde poderão apreciar e ouvir, entre diversas notícias da nossa terra, algumas canções do grupo coral 'Cantigas de Tavarede', da Sociedade de Instrução Tavaredense e onde, embora talvez com alguma dificuldade, a D. Preciosa poderá ver o seu irmão mais novo.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Festa da Árvore - 1916

Tavarede esteve em festa no último domingo com a Festa da Arvore, que resultou ser muito concorrida por innumeras pessoas tanto dos casaes vizinhos como d’essa cidade, o que era de esperar, em vista do esmerado programma, que prometia dar uma festa excellente.
E foi-o sem duvida, deixando boa recordação na memoria das pessoas que n’ella tomaram parte, principalmente das creancinhas.
O programma marcava para as 14 horas o cortejo civico, em que tomariam parte os alumnos das escolas official-mixta e nocturna, e outras associações locaes com os seus estandartes, mas devido ao mau tempo, só se organisou pelas 15 horas, approximadamente, sahindo da escola official em direcção ao Largo do Paço, onde foram plantadas duas arvores.
Ali, a srª. D. Maria José Paula Santos, illustre professora, recitou a poesia allusiva á Arvore, que os ouvintes no final muito applaudiram.
Em seguida, o cortejo dirigiu-se ao Largo do Forno (em frente á escola official), onde se plantaram mais quatro arvores. Alguns musicos do Grupo Musical encorporaram-se n’elle, executando a marcha A Arvore, que as creancinhas cantaram com todo o enthusiasmo.
O jantar dos alumnos das duas escolas, que estava marcado para as 16 horas, e que era servido no Grupo Musical, foi magnifico.
A commissão encarregou-se de comprar um lanigero, que, assado e guisado com as respectivas batatas, exhalava um cheirinho, que era sem duvida de todo o ponto agradavel, estando o palco replecto de creanças, que lindamente fizeram as honras da meza.
A plateia e galeria encontravam-se apinhadas de curiosos, que todos se regalavam em vêr comer.
A algumas pessoas de fora, que após o jantar retiraram, e que foram muito bem impressionadas, ouvimos nós dizer que até parecia impossivel n’uma pequenina aldeia, fazer-se assim uma festa que sem duvida foi excellente.
Às 21 horas principiou o sarau dramatico-musical no theatro da Sociedade de Instrucção Tavaredense, em que tomaram parte, alem das mesmas creanças, uma orchestra do Grupo Musical, sob a regencia do distincto professor, sr. Antonio Rodrigues Paula Santos, d’essa cidade.
O programma era dividido em 3 partes, e da seguinte forma:
1ª. parte, A Portugueza, cantada por todas as creanças. N’esta altura, o sr. dr. José Gomes Cruz, pronnunciou um breve e patriotico discurso, vivas a Portugal, á Republica, etc., que muito enthusiasmou o publico. S. exª. falou sobre aquella festa e sobre a nossa situação, sendo no final muito applaudido.
Em seguida, a menina Maria Ribeiro, recitou a poesia As Arvores, discursando depois o sr. Marcial Ermitão sobre variados assumptos, principalmente da participação de Portugal na guerra. Foi por varias vezes interrompido e no final tambem foi muito ovacionado.
Seguem-se a Luz do A B C, poesia, pelo menino Manuel Nogueira e Silva, Anjo da Guarda, uma canção, cantada por todas as creanças, Na Escola, poesia recitada pelo sr. Francisco Loureiro, e Os Luziadas, marcha, cantada por todas as creanças, finalisando assim a 1ª. parte.
A 2ª. parte, abriu com o Hymno das Arvores, entoado por todas as creanças, seguindo-se a poesia Às Arvores, pelo menino Antonio da Silva Broeiro, o monologo Pois sim senhor... pela menina Eduarda F. Serra, a canção O Ninho, entoada por todas as creanças, Ao rebentar da seiva, poesia, pela menina Maria Nathalia Victorina, O Pintasilgo, canção, entoada por todas as creanças, improvisando n’esta altura o sr. José Ribeiro, um brilhante discurso, explicando aos pequenitos o que era a festa da Arvore, falando tambem da guerra, etc., sendo no final calorosamente applaudido, seguindo-se depois as poesias Ás creanças e A Escola, recitadas respectivamente pelo sr. Antonio Medina Junior e pela menina Emilia Cardosa, e a canção A Escola, entoada por todas as creanças, finalisando a segunda parte com um discurso do sr. dr. Manuel Gomes Cruz, que fez vêr ao publico varias phases da guerra, falando tambem sobre a ligação das Sociedade d’Instrucção e Grupo Musical, que durante muito tempo andaram indifferentes, e agora na séde d’aquella colectividade tinham cruzados os seus estandartes, acabando o seu discurso por dizer que estava muitissimo satisfeito, não só por isto, mas por vêr uma festa d’aquella ordem na sua terra.
O hymno da Maria da Fonte, entoado por todas as creanças, dá começo á 3ª. parte, seguindo-se a Poesia Infantil, pela menina Emilia d’Oliveira, Engeitadinha, pela pequenina Adelaide da S. Flôr, A Madrugada, canção entoada por todas as meninas, o A B C, poesia, pelo sr. Antonio da Silva Coelho e depois Portugal, poesia, pela sua interessante filhita Izaura.
Finalmente representou-se a comedia drama em 1 acto, As Arvores, representada pelos meninos Aurelia Cascão e seu mano João, que tambem foram muito applaudidos, ponde termo ao sarau o hymno A Sementeira.
Ah! não nos esqueça dizer que antes do panno cahir, o sr. Marcial Ermitão veiu ao palco ler o seguinte telegramma de saudação a sr. Presidente da Republica:


Presidente da Republica - Palacio de Belem - Lisboa. - Povo de Tavarede, reunido para celebrar festa da Arvore, vibrando mais intenso enthusiasmo patriotico, applaude Portugal na guerra. A Commissão.

N’esta altura, o enthusiasmo de todos quantos assistiam á festa redobou de intensidade, ouvindo-se constantes acclamações a Portugal, á Republica, á Inglaterra, á França, etc., tocando a orchestra por varias vezes o hymno nacional.
Na mesma orchestra tambem executado piano a distincta professora srª. D. Maria José Paula Santos, filha do sr. Antonio R. Paula Santos, que muito mais abrilhantou a Festa da Arvore de Tavarede, no dia 19 de Março do anno de 1916, dia que jámais esquecerá às pessoas de Tavarede, principalmente às creancinhas que n’ella tomaram parte.

Pelo bom exito d’esta festa, não podemos deixar de felicitar a digna professora official d’esta localidade, srª. D. Maria José Paula Santos e seu pae, o distincto professor de musica, sr. Antonio Rodrigues Paula Santos, incançaveis de tenacidade e trabalho, envolvendo tambem nas nossas felicitações a commissão organisadora da festa, que não se poupou a esforços e sacrificios para que ella resultasse, como resultou, brilhante e inolvidavel. (Gazeta da Figueira)

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 6

Nesse ano, e abrilhantando os festejos do S. João na nossa terra, o Grupo Musical fez exibir a sua tuna no Largo do Paço, sob a regência do sr. Lino Fernandes. Estranhei esta informação, pois até então o responsável musical era o tavaredense João Jorge da Silva Simôa. Adiante virá a explicação.

O quarto aniversário do Grupo, o primeiro festejado nas novas instalações, teve um espectáculo em que foram apresentadas, com bom desempenho, as chistosas comédias “Amo, creado e creada”, “Hospedaria do Tio Anastácio”. A cena cómica “O Chainças” e a cançoneta “Não vos digo mais nada...”, nas quais “se salientaram Emília Gomes. José Medina, Faustino Ferreira, Medina Júnior, etc., sendo todos bastante aplaudidos”. No domingo houve “baile que durou até às 24 horas, dançando-se animadamente ao som duma afinada orquestra, composta de elementos do mesmo Grupo”.

No dia 30 de Outubro de 1915 teve lugar a inauguração da época teatral /15/16, apresentando o grupo cénico o emocionante drama em 3 actos “Os Salteadores da Floresta Negra” e a engraçada comédia em 1 acto “Cada doido...”.

Uma pequena notícia sobre este espectáculo: “O drama em 3 actos Os Salteadores da Floresta Negra foi correctamente desempenhado, tendo scennas emocionantes, e no papel de Fernando, official do exercito, Faustino Ferreira, como nos papeis de Beatriz, a menina Emilia Pedrosa, e no de Fresco, Antonio Medina Junior, e no de Capitão dos Salteadores, José Medina, por vezes foram applaudidos.
As restantes personagens tambem agradaram.
Na comedia Cada doido... a plateia esteve em franca gargalhada, recebendo Maria Esteves, José Medina e Faustino Ferreira muitas palmas no final”, referindo depois que “a orquestra, composta de bons elementos, esteve sob a regência do sr. João Jorge da Silva, que há tempo se encontrava afastado daquela colectividade, mas que, de novo, resolveu tomar conta da organização da tuna do Grupo, devendo em breve começar os ensaios”. Fica esclarecida, assim, a notícia sobre um outro regente nas festas sanjoaninas.

E em Novembro surge a informação de que começaram a ensaiar o tradicional “Presépio”, “peça sacra que antigamente se representava nesta localidade com muito interesse e sempre com casas à cunha”.

Não posso garantir que tenha sido realizado o espectáculo, pelo Natal, com aquela peça. O que se apresentou, e isso é certo, foi o outro drama sacro, “Os Reis Magos”, embora duas semanas depois do dia devido. Julgo que terá acontecido pelo falecimento, em 31 de Dezembro, de António da Cruz, pai dos drs. Manuel e José Gomes Cruz e avô de Manuel Jorge Cruz, director do jornal “A Voz da Justiça”, figuras de bastante saliência na localidade e que, presumo, tenha motivado o cancelamento da apresentação do “Presépio” e o adiamento dos “Reis Magos”.

Sobre esta apresentação aparece, dias depois, um anúncio informando de que “Adelino Alves Pereira, comerciante desta praça e distinto amador fotográfico, tem à venda no seu estabalecimento, à Praça Velha, uma bonita colecção de nítidos retratos dos Reis Magos e várias cenas pastoris, tais como a Romagem do Diabo, Camilo e Cacilda, Cena Nova, Gil Brás Gaiteiro, etc., que foi um dos últimos domingos tirar a Tavarede, no teatro do Grupo Musical, onde foram representados”.

Fotos - 1 - Camilo e Cacilda (António Medina Junior e Emília Pedrosa); 2 - Presépio - Romagem do Diabo (1º plano da esquerda para a direita - Pedro Oliveira (de joelhos), José Medina (diabo, deitado), e Guilhermina Nogueira e Silva (anjo); 2º plano pela mesma ordem - Augusta Esteves, José Maria Severino dos Reis, Maria Esteves, Emília Pedrosa, Florinda Gil Oliveira, João Vigário, Maria Mariano e Joaquim Mendes Rocha.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 10

Por ocasião do 16º aniversário, Carlos Sombrio, jornalista, escritor e poeta figueirense, foi a Tavarede assistir à sessão solene. Eis um breve recorte da notícia que, então, escreveu. “Vozes conhecidas e amigas falaram da sublime missão da colectividade. Instrução!... Palavra bendita, esplendorosa luz, benção sagrada! O diadema mais rico, mais precioso que pode aureolar a fronte do povo, para que possa ser dignificado por si e glorificado pelos outros! Saudando a prestimosa colectividade, saudamos o povo da pitoresca e tão nossa povoação de Tavarede”.
António Augusto Esteves, de seu nome, acompanhou e colaborou com a obra da Sociedade durante longos anos. Ainda nos recordamos dele a caracterizar os amadores, ao mesmo tempo que ia conversando com José Ribeiro...
Em 1920, foi feita a reposição da opereta “Os Amores de Mariana”. Foram enchentes sucessivas. “Não ouvimos nunca tão quentes ovações naquele teatro, o que se justifica se dissermos que nunca os 29 números de música foram tão bem cantados”.
E no dia 15 de Janeiro de 1921, para comemoração do 17º aniversário, José Ribeiro ensaiou uma nova opereta, esta em 1 acto, para ser representada por crianças e que se intitulava “A espadelada”. O programa completava-se com variedades e uma comédia. Muito interessante é a crítica que encontrámos relativa àquela opereta. Vamos transcrevê-la.
“Fazem-se por aí, de quando em vez, reclamadas récitas de amadores. É raro, no entanto, surgir alguma coisa que marque, alguma coisa que agrade, alguma coisa que amplamente satisfaça o espectador.
Feita uma relativa excepção a alguns novos do Ginásio, a um ou dois rapazes da Naval, o resto acusa o vício atávico do presepe indígena, aquele ramerrão coçado e batido que vai do "Oh meu menino Jesus - Da lapa do coração"...
até ao aflitivo carpir de Raquel chorosa, em face do arrogante Herodes barbaçudo. Récitas de caridade são sempre de fazer arrepios. Ainda há dias, uma muito simpática instituição de assistência o demonstrou com largueza, organizando um espectáculo por tal forma e com tais gentes, que houve quem fugisse dos amadores mais espavorido que menina histérica de bravos bois desembolados...
Há por isso que, jubilosamente, fazer justiça a um rancho de petizes que no passado sábado, em dia de aniversário e festa da Sociedade de Instrução Tavaredense, souberam riscar um encantador traço de beleza. Eram aí uns vinte e tantos miúdos e miúdas, trajados à minhota, os pimpolhos de jaqueta e chapeirão de feltro, e as pequenas com a clássica saia bordada, a chinela, o avental bordado, o chambre todo farfalhudo de oiros e o aceso lenço de ramagens, com suas franjas amplas em vermelho e amarelo.
Representavam a Espadelada, - uma coisa regionalista e leve, em que com finura se encaixaram uns interessantes motivos de música popular, que estão tão a propósito para a criançada, como sopa fôfa para uma dose de doirado mel!
Eu gostava que todo o fiel amadorzinho cá do burgo visse representar a miudagem de Tavarede. É certo que aquilo mostra uma larga soma de trabalho. Vê-se com clareza a continuada e longa domesticação que sofreram. Calcula-se das lições, dos reparos, do ensino, do desbaste, que dia a dia, hora a hora, instante a instante, foram sofrendo até atingir o grau de perfeição com que brilhantemente se apresentaram em público. Cabe todo êste esfôrço inteligente e bem orientado à evangélica paciência de José Ribeiro. Sim, ao ensaiador cabe em quinhão grande o aprumo, a marcação, a linha com que a petizada disse e representou seus papéis. Graças a José Ribeiro é que não houve uma nota discordante e antes tudo aquilo, de começo a fim, correu com a limpeza, a segurança, a firme tranquilidade dum veio de água seguindo sem estôrvo o seu caminho fácil. Mas o que o organizador da récita não fez, porque não podia fazê-lo por mais dedicação e mais conhecimentos, foi a naturalidade, o á-vontade, a natural vocação cénica com que se apresentou galhardamente a maioria dos miúdos-actores.

Maria Ribeiro, uma garota ainda dos seus 12 anos, encarnou à maravilha um papel de velha mãe, com seus falares pausados, o passo cansado, o gesto lasso. Maria de Figueiredo deu uma Joaquina tão viva como uma cantiga vermelha numa tarde sadia de arraial alegre. António Cordeiro, fez um janota com aprumo, encarnando com facilidade o seu papel de sedutor sabido, com apartes a tempo, um cofiar de bigodes a rigor, mantendo sempre o seu ar de pessoa fina. António Broeiro, fez um galã ingénuo e apaixonado, com arranques de alma tirados sem aparente dificuldade, movendo-se no seu papel de amorudo como se em vez dos seus dez ou onze anos, já uns dezoito ou vinte lhe trouxessem a cabeça a juros e o coração agarrado a saias em vez de a peões e papagaios ligeiros. E José Loureiro compôs com graça um marinheiro autêntico, desde as botôrras de borracha até ao chapéu de oleado, e das barbaças de lobo do mar ao cachimbo entalado nos beiços com uma naturalidade de catraeiro.
O que mais me maravilhou neste grupo de crianças, e nomeadamente neste marinheiro, lobo do mar de 13 anos, foi a correcção do gesto e a natural entoação da frase. Não foi esquecido um pormenor, nem olvidado um detalhe. O dito mais simples era composto com o modo mais frisante. Assim como o galã arrimava ao cacete a sua cara de sofrimento e de ciúme, assim o marinheiro bamboleava o andar nos hábitos de bordo, e a velha fazia o caminhar custoso e as moças cirandavam com calor o seu bailar.
Até à beira da cena, nuns toques de aldeia que faziam mover e rodopiar o danço, um miudito de seus oito anos, chocalhando nuns ferrinhos um acompanhamento brejeiro, e meneando a cabeça e o corpo frágil ao ritmo da modinha popular, tinha tal chiste e tamanha graça que ninguém havia que não risse...
... Enfim, um grupo de pequenos amadores, com o pior dos quais muito tinham que aprender todos os seus colegas maiores da terra e a grande maioria de seus iguais da Figueira!”.

Fotos - 1 - Helena Figueiredo (protagonista da opereta 'Os Amores de Mariana'; 2 - Grupo dos amadores que representaram 'A Espadelada'. Na primeira fila e da direita para a esquerda: António Cordeiro, Maria Teresa Oliveira, António Broeiro (sobrinho), Maria José Figueiredo e José Loureiro. Na segunda fila, o segundo a contar da esquerda é o rapaz dos ferrinhos.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 9

Na época escolar de 1917/1918, houve problemas com o funcionamento da escola nocturna. As matrículas iniciaram-se em Outubro e logo se inscreveram 30 alunos, que começaram as aulas com grande entusiasmo. Mas a verdade é que, bastante mais cedo que o normal, a escola fechou as portas por falta de frequência dos alunos. “A culpa é das suas famílias, pois não se importam que os filhos vão ou não para a escola, onde recebem a instrução, a luz que de futuro os poderia tornar homens conscientes dos seus deveres de cidadãos”. Este desinteresse, certamente, terá sido devido à grave situação motivada pela guerra.
E no dia 25 de Julho de 1918, Tavarede, e, muito especialmente, a Sociedade de Instrução, sofreram um rude golpe. Inesperadamente faleceu Gentil da Silva Ribeiro. Já dissemos que ele havia sido um dos fundadores da Estudantina, tendo ingressado na Sociedade logo após a extinção daquela. Bom amador teatral, dedicou-se mais à música. Nesta colectividade, era ele quem organizava, ensaiava e dirigia as orquestras que abrilhantavam os espectáculos. Também foi de sua autoria o hino da SIT.


Neste ano, a actividade teatral esteve parada. E a escola nocturna, que havia encerrado a época muito mais cedo, também só abriu as suas aulas a 2 de Dezembro. Uma epidemia que grassou em Tavarede “não consentiu que mais cedo continuasse a sua obra de educação e de ensino”. E em Abril de 1919, surgiu esta notícia na imprensa figueirense: “Está sendo muito reparado o ostracismo a que, por parte da respectiva direcção, foi votada esta simpática e útil colectividade local, cuja aula nocturna não tem funcionado regularmente e cujo grupo teatral pôs de parte a acção que dantes empregava a passar bem as horas de ócio. Temos o maior desgosto em registar este facto, mas a verdade é que o fazemos com o intuito de despertar aqueles que deviam dar os bons exemplos, em tudo contribuindo para o progresso da prestimosa colectividade, que não pode nem deve morrer às mãos dos próprios dirigentes”.

Foram uns tempos bastante difíceis. A guerra já acabara, é certo. Os soldados tavaredenses iam regressando à terra. Mas não era fácil retomar a normalidade. Em Abril, foi recebido um telegrama de José Ribeiro, anunciando o seu embarque para o tão desejado regresso. E, de imediato, se renovou a actividade na Associação. A 24 de Maio, e em homenagem ao seu ensaiador, chegado dias antes, o grupo cénico realizou um espectáculo, apresentando a comédia, em 2 actos, “Um servo perigoso” e as comédias, em 1 acto cada, “Cada doido...” e “Um julgamento no Samouco”.
Esta homenagem, no entanto, não teve o brilho pretendido e desejado. Dias antes, a 19, falecera Fradique Batista Loureiro, que havia sido um dos fundadores da Sociedade e seu primeiro presidente. Ainda não havia decorrido muito tempo sobre a data em que a colectividade lhe prestara homenagem, descerrando o seu retrato, o qual se encontra no salão. Este acontecimento e a saudade, ainda muito viva, de Gentil da Silva Ribeiro, forçosamente que ensombrariam uma festa que se desejaria bem alegre...


E tudo recomeçou. Nos princípios de Novembro, já funcionava a aula nocturna, com muita concorrência de alunos. Os ensaios da secção dramática decorriam com grande entusiasmo. E a abertura da nova época teatral teve lugar a 6 de Dezembro, com a reposição da opereta “Entre duas Avé-Marias”, agora com a parte musical a cargo de Manuel Martins, regente da Filarmónica Figueirense. Para o aniversário, em Janeiro de 1920, preparava-se a comédia, em 3 actos, “Nono: não desejarás”.
Voltava a normalidade. Noticiando o acontecimento, escreveu-se “... muito louváveis são os esforços tenazes dos rapazes que na Sociedade de Instrução procuram agora continuar a sua já importante obra de educação, arrancando ao vício da taberna os nossos trabalhadores e proporcionando-lhes na Associação, por intermédio da escola e do teatro, uma atmosfera sã de educação e de recreio”.

Fotos: 1 - Hino da Sociedade de Instrução Tavaredense (quadro oferecido pelo prof. António Simões; 2 - Fradique Loureiro Baptista, primeiro presidente da Direcção da SIT.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Natal em Tavarede

Estamos a chegar ao Natal. E, logo a seguir, ao Novo Ano de 2010.

Também tenho que dizer e recordar qualquer coisa sobre o Natal. E começo por recordar uma pequena notícia encontrada e que nos diz como era festejado na nossa terra. E, como terra de Teatro, além da festa religiosa, com a tradicional 'Missa do Galo', eram indispensáveis as representações do 'Presépio'. E tinham fama os presépios em Tavarede. Já por volta de 1865 para o nosso patrício Joaquim Alves Fernandes Águas, 'o Presépio era o cúmulo dos divertimentos'. E não esqueçamos que Anibal Cruz nos deixou a nota de que sua avó lhe dizia que 'nos tempos dela, chegaram a representar-se em Tavarede, cinco presépios ao mesmo tempo'. Era isto nos velhos cardanhos, nas célebres associações dramáticas 'que vegetavam em Tavarede como tortulhos'.



"Foi extraordinário, muito grande, como nunca vimos, o número de fiéis que correram nossa igreja para assistir à festividade que ali se fez na noite de 24 para 25, celebrando o nascimento do Menino-Deus.
Era meia noite quando, desvendado o trono do altar mór, disfrutámos um espectáculo sublime: um pequenino presépio rodeado de dezenas de lumes que reluziam brilhantemente por entre aquele belo quadro, que a todos os cristãos inspira tanta fé e ardente comoção.
Ecoou então por todo o templo a 'Glória in excelsis Deo', e continuou em seguida a cantar-se a missa, que findou às 2 horas, sendo celebrante o revdº vigário desta freguezia sr. Costa e Silva; serviram de acólitos os coadjutores de Quiaios e das Alhadas.
Pregou o revdº Pimenta, de Verride, versando o seu discurso sobre: o providencial nascimento do Redentor, os feitos de Jesus e o martirio a que foi condenado, sofrendo sempre as mais cruéis amarguras, sacrificado a isso pelas suas ideias alta e verdadeiramente sublimes.
A decoração dos altares mór e laterais revelava bem o gosto artistico do sr. Bernardo da Cruz, que, em trabalhos daquele género, o tem já demonstrado, quer aqui, quer nessa cidade. O efeito produzido pelo altar mór, visto a distância, era deveras atraente.
O côro estava bem organizado, tanto na parte instrumental como vocal, e, diga-se a verdade (que não podemos ocultar), se não fôra o estar numa festa de aldeia, pelo que alguns músicos costumam desempenhar os seus papéis com bem pouco esmêro, teria jus a ser geralmente apreciado.
Cremos bem que isto não deixa de lhes saltar aos olhos, como não deixa de saltar aos dos que assistem àqueles actos e tenham ouvido já, pelos mesmos músicos, coros e orquestras magnificas, merecedoras de incontestável aplauso.
Entendem-nos, decerto.
O Menino foi beijado com fervor e alvoroço, pois todos queriam ser os primeiros a depor-lhe o quente beijo de amor.
= À missa conventual do dia 25 tocou um pequeno grupo dirigido pelo nosso conterrâneo João Prôa.
= Neste dia à noite, no teatrinho Duque de Saldanha, representaram-se algumas cenas do presépio, ante o qual as pastoras e os pastores, cheios de alegria, saudavam reverentemente o Recém-nascido, ofertando lhe muitas prendas.
Acabou este espectáculo pela 1 hora da noite, assistindo a ele muitas pessoas, que enchiam a pequenina casa de recreio da Estudantina Tavaredense". Esta noticia foi publicada no jornal 'Gazeta da Figueira', em Dezembro de 1900.

Na Sociedade de Instrução Tavaredense representou-se algumas vezes o Presépio, em 1916, durante a ausência, em serviço militar, de Mestre José Ribeiro. Não era peça das suas preferências, embora tenha dito que, ainda criança, ia com o Pai assistir aos ensaios e espectáculos dos Autos Pastoris na Figueirense.

Mas no ano de 1947 resolveu apresentar um espectáculo intitulado 'O Natal no Teatro' onde incluiu algumas cenas daquela peça 'apresentados com encenação (representação, cenário indumentária) no estilo que a tradição local consagrou'. O 'Notícias da Figueira' comentou o espectáculo referindo-se, quanto ao Presépio, da forma seguinte: 'O Presépio foi representado conforme a tradição local (afinal mais antiga em Tavarede do que na Figueira), em perfeita liberdade de movimentos dos intérpretes, com os consabidos anacronismos de guarda-roupa, de referências de época, de situação geográfica, etc., tal qual o temos visto durante gerações e gerações, que lhe têm imprimido "coisas de sua casa" e chalaças de ocasião, nos conhecidos quadros dos 'Pastores Brutos', de 'As cinco Pastoras', de 'O Moço e o Cego', da 'Romagem do Diabo' (nesta particularidade está o segredo de jamais ter sido 'retirado do cartaz', em anos e mais anos, através de gerações e gerações, deliciando a assistência e tornando-se motivo de... orgulho de tantos conterrâneos nossos que têm cultivado a chamada arte de Talma'


Mas no ano de 1940, a Direcção do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, cuja secção dramática tinha sido extinta em 1929, resolveu pedir à Sociedade de Instrução Tavaredense autorização para apresentar, na sua sala de espectáculos, o Presépio. Além da cedência da sala, a SIT deu todas as facilidades para a representação, na qual colaboraram muitos dos seus amadores cénicos. O êxito foi total e, no ano seguinte, houve repetição.

A partir de então, e salvo aquela pequena reposição em 1947, nunca mais houve Presépio em Tavarede. Nem o 'Auto dos Reis Magos' que também tanta fama tinham...

Havia o costume, no entanto, de na noite de Natal se apresentar um espectáculo, algumas vezes alusivo à quadra natalícia. A lotação estava sempre esgotada e, terminado o espectáculo, cada família ia para sua casa para cear. Bem me recordo de que eram então fritos os filhós (a massa tinha ficado a levedar durante o teatro) que, polvilhados de açúcar e canela, eram devidamente saboreados, acompanhados com uma caneca de café... de cevada. Quantas recordações destes tempos! Era a festa da família. E no dia de Natal era quando se ia às capoeiras buscar um galo ou um coelho que, assado no forno da padaria, era o lauto almoço natalício, a que se seguia o costumado arroz doce ou as saborosas farófias.

Também era usual uma pequenina árvore de Natal, enfeitada com alguns fios e alguns brinquedos e onde se viam pendurados alguns (poucos) chocolates e rebuçados. Bem diferentes das festas de hoje, mas, talvez, mais naturais e mais humanas, mais apropriadas à comemoração do Natal.

Não quero, contudo, deixar de referir um Natal muito especial, para mim, festejado na Sociedade de Instrução Tavaredense. Foi na noite de 24 de Dezembro de 1949. O programa do espectáculo foi o seguinte: 'A Herança', (peça em verso); 'Noite de Natal', (episódio num acto); 'Não mentirás', comédia; e 'O lençol do noivado', peça também num acto. Mas, porque foi especial para mim: É que, naquela noite e no episódio 'Noite de Natal' fiz a minha estreia como amador da Sociedade de Instrução Tavaredense. E não foi só isso. É que neste episódio, também fez a sua estreia teatral, no papel de minha irmã, a Maria Isabel, que, em Outubro de 1961, passou a ser a minha esposa e companheira dedicada em tantos momentos repletos de felicidade e alguns, infelizmente, de profunda e imensa amargura e dor.

60 anos!!! Quem diria que, passados 60 anos, eu recordaria, neste meu modesto blogue, o início da minha carreira de amador teatral e de minha mulher. Foi uma carreira curta, é certo, devido à necessidade de ir procurar melhor vida noutras terras. Mas foi o início, isso sim, de enorme dedicação e amor ao associativismo e à colectividade. À Terra, isso ja havia desde o nosso nascimento.
Paz e Amor é o que mais desejo a alguém que leia este episódio. E para toda a gente, pois é aquilo que mais se pode desejar.
Fotos: 1 e 2 - Presépio montado junto à Igreja de Tavarede: 3 - Última cena do 'Presépio - Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 1917; 4 - Programa da representação do Presépio pelo Grupo Musical na sede da SIT; 5 - Árvore e mesa da ceia familiar (década de 1970); 6 - Natal.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Sociedade de Instrução Tavaredense - 8

No dia 15 de Janeiro de 1916, uma nova opereta sobe à cena na Sociedade de Instrução. “Entre duas Avé-Marias”, em 3 actos, foi a primeira peça ensaiada por José da Silva Ribeiro, que assumira o cargo de responsável pelo grupo dramático após a saída de Vicente Ferreira.
A imprensa refere que a opereta, ornada de 19 números de música, obteve grande sucesso e atraiu muita assistência. O crítico do jornal “Gazeta da Figueira”, depois de desenvolver o enredo da peça, escreveu: “Que dizer do desempenho? Quase nada. A peça é um bocado de vida rústica, cortada de tipos autênticos. Claro que não é opereta. Certo que não tem valor como teatro. Mas é um pretexto para encaixilhar em motivos populares meia dúzia de tipos caseiros das nossas aldeolas. E vai daí, os amadores de Tavarede ali achados como peixe na água, em coisinha suave e fácil, perfeitamente à altura dos seus créditos, lindamente se houveram em seu desempenho. Já de certa vez de lá vim arrepiado, aquando dum tal dramalhão de faca e alguidar que ali bispei. Agora não, agora satisfez-me aquilo, e sinceramente aqui os incito a novas proezas, com comédias ligeiras, operetas leves, teatro assim à altura dos seus merecimentos, coisas assim da igualha desta. Devo notar que a marcação de José Ribeiro mais uma vez vincou o valor deste moço inteligente e estudioso, que conseguiu distribuir regularmente as figuras, sem marcas monótonas e pesadas que vulgarmente se topam em pisos de amadores. Salientarei ainda a graça, a leveza, a frescura com que Helena de Figueiredo se incarnou em papel de aldeã. A vivacidade, a naturalidade de Francisco Carvalho no Zé Cochicho. E a superior interpretação de Broeiro, no D. Procópio. António Graça a meu contento se houve no tio André. E os outros, sem desprimor, igualmente me agradaram”.


José da Silva Ribeiro, segundo sargento do Regimento de Infantaria 28, foi integrado no batalhão expedicionário enviado para Moçambique. Na estação do caminho de ferro muitos foram os seus amigos que, no dia 6 de Abril de 1916, ali se encontraram para o abraçar e lhe desejar boa viagem e breve regresso. À despedida, disse ele em voz bem alta: “Meus amigos, é preciso que não esmoreçam. Levem a nossa Sociedade como até aqui temos levado, que eu vou cumprir o meu dever. Até à volta”.
Poucos dias antes, realizara-se na nossa terra a costumada “Festa da Árvore”. Durante o sarau, realizado no teatro da Sociedade, falaram diversos oradores, entre os quais José Ribeiro que “começou por felicitar as crianças pelo brilhantismo da sua festa e pelo entusiasmo com que nela colaboraram. Define o significado de cada frase da Portuguesa. Refere-se à entrada de Portugal na guerra, afirmando ser preciso que nela tomemos parte para manter a nossa honra, para que se não diga apenas que os portugueses foram heróis, mas que se prove que ainda o são. É preferível morrer com honra do que ser apodado de infames e cobardes. É militar e será dos primeiros a marchar para onde a Pátria reclamar os seus serviços. Quer que as crianças que ali vê apenas lhe lancem e aos seus camaradas, muitas flores, certos de que, quando regressarem, não carecerão já de mais flores, porque hão-de vir cobertos de louros de glória”.
Acrescentamos, apenas, que o sarau terminou “com a comédia-drama As Árvores, pelos meninos João e Aurélia Cascão e apoteose à Árvore”


A direcção da colectividade, embora com a actividade teatral muito reduzida, continua com o seu programa. “Ela procura abrir os olhos do espírito àqueles que frequentam a sua escola, que o mesmo é dizer que tem a aspiração de aqui formar cidadãos conscientes dos seus deveres e dos seus direitos”.
No dia 18 de Novembro desse ano, efectuaram um espectáculo em honra de José Ribeiro. Foram representadas umas comédias, houve uma cançoneta e foi dito um monólogo, tendo tudo obtido muitos aplausos. “No salão da Sociedade lá estavam os dois retratos, lindamente ornamentados. De José Ribeiro. Um foi tirado cá com o uniforme de 2º sargento de infantaria 28, e que, depois de José Ribeiro sair para África, fôra por esta Sociedade inaugurado em ponto grande. O outro teve José Ribeiro a gentileza de o enviar à sua Sociedade, com o uniforme que usa em África, e trazendo escritas, na frente e aos lados, palavras de fervoroso patriotismo e incitamento”.
Não temos nenhuma indicação de quem terá ensaiado e dirigido o espectáculo. E pelo Natal e Ano Novo, levaram à cena “O Presépio”. “Têm fama de interessantes aquelas exibições em Tavarede, e, certamente, não deixará o público de encher os dois teatros naquelas noites, pois, por mais duros que corram os tempos, não deixou ainda o povo de filosofar sobre o velho conceito de que... a vida são dois dias”.

Fotografias - José da Silva Ribeiro (a primeira encontra-se no Salão Nobre da SIT e a segunda apresenta José Ribeiro com a sua farda de sargento)

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 5

Em 1914 tem lugar um importante acontecimento na vida do novel Grupo Musical. “...o sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos, cidadão de fortuna, ofereceu-lhe para sede a casa que pertencia ao sr. João Águas, na rua Direita, e a direcção do Grupo num impulso de vontade, ao receber tão valiosa oferta, meteu obras na casa e construiu um elegante teatro”. Esta casa ficava situada na rua principal, formando no seu todo o quarteirão que, actualmente, é ladeado: pelo nascente, com o Largo D. Maria Amália de Carvalho; pelo poente, com a rua D. Francisco de Mendanha; pelo norte, pela rua do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense; e pelo sul, pela rua A Voz da Justiça.

Em Junho iniciaram-se as obras de adaptação e mudaram a sua sede para ali, deixando a casa do Largo do Paço. Além das salas de apoio administrativo e de convívio, preocuparam-se, de imediato, com uma sala para instalação da aula de música e com a construção de um “teatrinho”. Em Novembro as obras iam bastante adiantadas e começaram os ensaios com as peças escolhidas para o espectáculo da inauguração da nova sede.

E no início de 1915 procedeu-se à festa. Aproveitaram para prestar justa homenagem ao seu dedicado sócio protector que, informo desde já, cedeu aquele edifício sem cobrar qualquer renda e participando, ainda, nos custos de adaptação à nova sede. Em “A Voz da Justiça” de 5 de Janeiro vem a notícia:
"Grupo Musical Tavaredense – Homenagem ao sr. Manuel da Silva Jordão
Aquele grupo musical de Tavarede vê dia a dia desenvolverem-se as suas prosperidades. Agora festejou com entusiasmo a inauguração do seu teatro, construido na rua Direita daquela povoação a expensas do abastado capitalista sr. Manuel da Silva Jordão, tendo para este fim realizado um espectáculo na noite de sábado para domingo último.
Segundo nos informam a enchente foi completa e o desempenho do programa agradou sobremaneira.
Antes da representação deste, procedeu-se à cerimónia da inauguração do retrato do sr. Manuel da Silva Jordão, generoso sócio protector do Grupo, a quem, em nome deste, o sr. dr. Manuel Gomes Cruz louvou o seu altruismo e agradeceu o apoio que ele está dando à novel Sociedade.
A orquestra do Grupo executou o seu hino e o público aplaudiu com muitas palmas a justa homenagem prestada ao sr. Manuel da Silva Jordão".


O programa compunha-se de “um excelente drama popular de grande interesse ainda não conhecido em Tavarede, denominado Cenas de Miséria, da comédia Malefício na Família, havendo ainda um espaço com alguns monólogos”.

Também a “Gazeta da Figueira” comentou a festa da inauguração. “Com a maior solenidade, realizou-se no último sábado, como estava marcado, o primeiro espectáculo na nova sede daquela casa de instrução musical e teatral, que decorreu animadissimo.
Pouco antes de se começar o espectáculo foi, pelo sr. dr. Manuel Gomes Cruz, proferido um discurso, que entusiasmou o público, e não só a este como também aos sócios do Grupo Musical.
Aquele senhor ao dizer, entre outras coisas, que o honravam com aquele progresso na sua terra, e não só a ele como a todos os seus conterraneos, foi, para a numerosa assistência, que o ouvia com o maior respeito, uma alegria, e pouco depois, agradecendo em nome de todos os sócios daquela colectividade ao seu grande benemérito, ao seu grande protector, sr. Manuel da Silva Jordão, foi-lhe inaugurado o seu retrato, tocando a orquestra o hino da Associação.
S. Exª., ao acabar o seu discurso, foi calorosamente aplaudido.
Seguiu-se depois o espectáculo que, digamos de justiça, decorreu sempre animado, andando os amadores como deviam:
No drama há a notar, além dos outros trabalhos, o de Maria Esteves, que pela primeira vez que entrou em cena fez o que devia.
O resto, tudo bem.
Tomou parte neste espectáculo o conhecido amador, sr. Alvaro Ferreira, de Coimbra, que agradou muito.
A sede achava-se lindamente ornamentada, ostentando, entre outros retratos, o do conhecido actor Almeida Cruz, filho de Tavarede.
Depois do espectáculo houve baile, durando até quase de manhã.
No outro dia, domingo, baile novamente, prolongando-se até depois da meia noite.
Enfim, foi uma festa digna de registo, que honra muito a pequenina aldeia de Tavarede.
Os nossos maiores desejos são, que em Tavarede se façam muitas acções, tão cheias de luz e progresso, como a de sábado último.
Parabéns aos sócios do Grupo Musical Tavaredense”.

E depois de entusiásticos bailes carnavalescos, no domingo gordo e terrça-feira de Carnaval, com prémios aos melhores mascarados, iniciaram os ensaios do “esplêndido drama em quatro actos O Poder do Ouro”, que foi apresentado, pela primeira vez, no dia 3 de Abril de 1915, domingo de Páscoa. Na sala de teatro “que é um dos melhores do concelho da Figueira” procedeu-se, nesta ocasião, à montagem de uma galeria que lhe deu muito mais valor.

Fotografias: 1 - O primeiro grupo musical da colectividade, que deu origem à formação da Tuna; 2 - Faustino Ferreira. amador que se destacou no grupo cénico da colectividade; 3 - O actor-cantor tavaredense António Almeida Cruz.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 7

Tanto quanto consegui encontrar, foi em Janeiro de 1913, para comemorar o 9º. aniversário da colectividade, que se realizou a primeira sessão solene. Até então, a data comemorava-se com uma Assembleia Geral, onde, além de se aprovarem as contas e elegeram os novos corpos directivos, eram entregues prémios aos melhores alunos da escola nocturna, etc.

Vou transcrever, portanto, uma notícia destas festas.

"Decorreram com entusiasmo as festas comemorativas do aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, cumprindo-se fielmente o seu programa.
No sábado, récita de gala, representou-se o drama em 4 actos – João José -, cujo desempenho foi bom, sendo os amadores muito aplaudidos. O sr. Vicente Ferreira recitou a poesia Honra aos Mestres, terminando com o hino escolar cantado pelos alunos da aula nocturna (apoteose à escola).
No domingo de manhã uma salva de 21 tiros anunciava a continuação da festa. Às 12 horas, exposição da sede da Sociedade, que se achava lindamente ornamentada, vendo-se ali os retratos dos srs. Drs. Manuel de Arriaga, Bernardino Machado, Afonso Costa, etc.
Às 15 horas começou a plantação de árvores no largo pertencente ao edifício, formando-se seis grupos, por tantas serem as árvores.Cada um destes grupos de rapazes encarrega-se do tratamento da planta que lhe coube em sorte e no fim do ano serão premiados os que maior zelo manifestarem no cumprimento da sua missão.
A este acto, a que assistiu uma multidão de povo, vimos, com prazer, alguns homens, velhos, lançarem mão das pás e enxadas, ajudando afanosamente os rapazes na sua árdua tarefa. Belo exemplo!
Às 16 horas, achando-se a sala repleta de espectadores, procedeu-se à sessão solene para a distribuição de prémios aos alunos mais aplicados e posse ao novo corpo gerente.
Proposto pelo sócio sr. João dos Santos, para presidir à sessão, o sr. Dr. Manuel Gomes Cruz, iniciador da primeira escola nocturna em Tavarede há mais de treze anos e que posteriormente ficou a cargo da Sociedade de Instrução, foi por uma unânime salva de palmas aprovada esta proposta.


Tomando lugar, o sr. Dr. Cruz nomeou para secretários os cidadãos João dos Santos e Manuel Jorge Cruz e, aludindo à criação da primeira escola nocturna em Tavarede, pôs em relevo os generosos serviços que a ela prestou o sr. João dos Santos. Prosseguindo no seu pequeno mas brilhante discurso, louvou as direcções qaue têm trabalhado pelo progresso da Sociedade de Instrução, enalteceu o valor da festa da árvore e incitou os que o escutavam a cooperarem sempre em obras de instrução, educação e civismo como aquela que ali se celebrava e que muito honrava Tavarede. Uma salva de palmas cobriu as suas últimas palavras.
Erguendo-se para falar o sr. Dr. José Gomes Cruz, produziu-se na sala um grande silêncio. Começou por dizer que, sendo convidado para tomar parte numa festa tão simpática, na sua terra, acedeu da melhor vontade, e limitando-se apenas a dar uma lição de botânica. Não podemos, por falta de tempo e espaço, acompanhar o ilustre conferente que, durante mais de uma hora, prendeu, com bastante interesse, todo o auditório, usando de uma linguagem de fácil compreensão para todos. Concluiu por um apelo patriótico aos seus conterrâneos para que trabalhassem sempre no sentido de serem úteis a si e à Pátria. Ao terminar o conferente foi calorosamente ovacionado.
Tomando a palavra o sr. Manuel Jorge Cruz, congratulou-se por assistir a tão simpática festa e por ter ensejo de ver que não foi inutilmente que ali, em algumas sessões idênticas, a que presidiu, aconselhou os seus consócios a trabalhar pelo desenvolvimento daquela colectividade, que continuava a sua marcha desassombradamente, derramando a instrução nas classes pobres. Terminou incitando as crianças no estudo e mostrando-lhes as vantagens que obtinham instruindo-se, e recomendando-lhes com instância a guarda e tratamento das árvores que acabavam de plantar. Palmas da assistência.
Fazendo de novo uso da palavra o sr. Dr. Manuel Cruz, refere-se ao carinho com que em algumas nações se tratam as árvores e elogia a dedicação de José da Silva Ribeiro pelo seu trabalho em prol da Sociedade, acabando por erguer um viva ao povo de Tavarede, que foi entusiasticamente correspondido.
Encerrada a sessão, os alunos entoaram o hino escolar, ouvindo-se depois muitos vivas aos srs. Drs. Afonso Costa, Bernardino Machado, Manuel e José Cruz, Sociedade de Instrução, República Portuguesa, etc.
Em seguida foi servido na sala de aula nocturna um lanche aos alunos.
Pelas 20 horas começou o baile dedicado às famílias dos sócios, dançando-se animadamente até às 23 horas.
Assim terminou tão esplendorosa festa, que a todos deixou as mais agradáveis impressões.
Na mesa foram lidas cartas e ofícios de várias colectividades da Figueira e Buarcos saudando a Sociedade de Instrução pelo seu 9º aniversário.
Durante o dia a fachada da casa esteve embandeirada".

Fotografias: 1 - Cenário do Largo da Igreja (julgo ser da revista 'Na Terra do Limonete' - 1912; 2 - Manuel Jorge Cruz, jornalista, proprietário de 'A Voz da Justiça', presidente da Assembleia Geral da SIT e autor do primeiro regulamento interno.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 4

Conforme vimos no último apontamento da SIT, criticava-se bastante a nova colectividade, especialmente no caso da apanha de alguns bilhetes de espectáculos. Isto era inteiramente verdade! Alguns sócios do Grupo Musical resolveram apresentar queixa na Polícia, contra a Sociedade, alegando a 'venda' de bilhetes para os seus espectáculos, que eram considerados, para efeitos fiscais, como exclusivamente para sócios e famílias e gratuitos.

Ora houve inquérito, a Sociedade foi chamada a 'contas' e teve que pagar uma multa. E, como referi, alguém utilizou para pagamento dessa multa o dinheiro que havia sido apurado para o relógio da torre, que ficou sem o necessário conserto... Mas, continuemos com a nossa história sobre os princípios da jovem colectividade. Com pouco mais de um ano de existência, logo surgiram problemas... e graves.

Poucos dias depois da declaração publicada pelo secretário da Assembleia Geral, Anibal Nunes Cruz, surge a reacção da Direcção, através de um comunicado bastante violento, mesmo insultuoso, para com aquele elemento demissionário. Conheci, pessoalmente, os principais envolvidos nesta polémica questão. Só posso atribuir as frases escritas publicamente, a um exagero momentâneo. Aliás, ambos estavam integrados na mesma família e, não muito tempo depois, estavam novamente todos reunidos na caminhada cultural desta colectividade da terra do limonete.

Mas o que tinha acontecido? Claro que um comunicado violento tinha que ter uma resposta igualmente violenta. Ou, até, ainda mais. Por me parecer ser a origem de toda a questão, vou transcrever, somente, este pequeno retalho: “... “Quem pertencer aqui não pode ser lá de cima!”... (Mais abaixo poderão tomar conhecimento mais detalhado desta nota)

Não sabemos, concretamente, até onde iria a razão de um e do outro. Mas continuemos...
Eis alguns apontamentos da resposta da Direcção, publicada no jornal 'Gazeta da Figueira': "sr. redator – O Grupo Musical Tavaredense pede-lhe a fineza de publicar no seu muito lido jornal uma declaração justa e verdadeira, e não como uma igual que saíu no seu jornal de 16 do corrente, feita pelo sr. Anibal Cruz, que mal empregado é este nome de Cruz em tal pessoa, por pertencer a uma familia tão digna com o mesmo nome. O nome mais acertado para este cavalheiro era de vadio. É pena que a policia o não tenha apanhado na rede e levál-o para o canil, porque estão lá outros com mais raciocinio.
Querem os leitores saber os sacrificios que este cavalheiro tem feito pelo Grupo, de que ele diz pedira a demissão, o que mente descadaramente? A demissão que ele diz ter pedido, queríamos nós dar-lha, talvez acompanhada com alguns P. na primeira ocasião que ele entrasse à porta desta associação, devido a uma calúnia que ele levantou contra um rapaz digno, e comprometendo-nos a todos. Mas o garoto parece que adivinhou o que lhe sucedia. O sacrificio foi este: na fundação deste Grupo, que tem apenas 15 meses de vida, este cavalheiro foi pessoalmente oferecer-se para sócio, o que muitos recusaram, outros aceitaram, apontando-lhe o seu préstimo, que era para ponto, mas que ponto este ponto saíu! A fazer o que tem feito noutras sociedades que tem sido desconsiderado.
Apesar de tudo foi aceite, prestando em principio o seu serviço, depreciando, tratando pessimamente mal e a ridículo, nas suas cartas de Tavarede, certos cavalheiros que para não sujarem as mãos o desprezaram como deviam, e agora, a estes mais escandalizados, anda ele como um cão submisso, ajoelhar-se aos pés, para lhe engraxar as botas...
... Pois como íamos dizendo, devido ao seu trabalho, o que esse cavalheiro diz lhe pagarem com coices tremendos, foi unicamente apontar dois espectáculos, e depois voltou à mesma do costume e desprezando o seu cargo a que se tinha responsabilizado, tendo nós escolhido outro para exercer o seu lugar.
Decorreu algum tempo, aproximou-se o aniversário do Grupo, e este cavalheiro encarregou-se de se fazer secretário da assembleia geral, o que acceitámos a custo, julgando que ele se regenerava, mas não aconteceu isso. Desde esse dia nunca mais frequentou este Grupo, porque a sua pousada era na Figueira, nos sitios mais vergonhosos, praticando acções ridiculas, a ponto de usurpar ás infelizes algum dinheiro. Se quiser provas dão-se-lhe.
O pouco tempo que está em Tavarede é para calcar a pés a sua doutrina do costume contra os taberneiros, e ainda no domingo, 10, pela última vez, em casa dum dos taberneiros, estando ele com o vinho, praticou uma infâmia, como filho nenhum de Tavarede, infâmia esta que temos pejo de publicar por ser vergonha praticar-se na nossa terra.
E chama-nos o garoto absolutos! O contrário. O absolutismo criou-se só para este cavalheiro. Faz e diz o que quer e ninguém lhe pede contas, porque não merece importância. Merece só, como dizemos, de todos o desprezo como se dá a um cão vadio".
É claro que tão insultuoso comunicado, tinha que ter igualmente resposta de igual teor. Aqui vai alguma coisa da resposta, publicada no mesmo jornal:

"Temos procurado evitar pôr à luz do sol os animaizinhos que em pleno século XX – é verdade, no século das luzes – imitam o vestuário como os homens e que, quando nos apanham distraídos no meio da arena, nos levam bravamente de encontro à trincheira... É pena ser acto deshumano, pois que, pela nossa salvação – se não tivéssemos medo de censura – lhes ferrariamos no lombo com vontade o belo aguilhão que por mais duma vez, os tem conduzido ao redondel, onde aprenderam a ser dignos e honestos.
São animaizinhos, não merecem outra classificação, que ingratamente pagam com pontapés (é para não dizer coices) o único favor que lhe fizémos de perder um precioso tempo, e até a saúde, domando-os para os apresentar com agrado duas vezes em público!!
A declaração - ignorância - que pediram ao nosso amigo e sr. redactor da Gazeta, em nome do Grupo Musical Tavaredense, para publicar, é a prova suficiente de tudo quanto aqui temos afirmado e que toda a gente que nos conhece poude avaliar a canalha que continua envergonhando uma terra que tem filhos ilustres e onde habitam pessoas honradas que desejam o sossego e o respeito para se poder viver honestamente.
Os imbecis - tendo à frente os Medinas de Verride, nascidos e criados naquela terra como vagabundos - pediram a uma pessoa que devia, pela sua ilustração inibir-se de escrever as cóleras duma ignorância rara, fugindo por completo ao assunto de que se tratava, mas que nós vamos contar para quem nos ler admirar os actos que veementemente combatemos e que nos levou a pedir a demissão de sócio daquele Grupo. Apreciem:
Quando a Sociedade de Instrução Tavaredense abriu a matrícula de alunos para a escola nocturna que sustenta, foram dois rapazes, sócios do Grupo Musical, matricularem-se, visto o poderem fazer gratuitamente. No dia seguinte foram, como de costume, passar algumas horas da noite no seu Grupo, quando o António Medina, presidente da direcção, os chamou e lhes disse com uma autoridade de mandão: “Quem pertencer aqui não pode ser lá de cima!”... ...Bem, vendo estas coisas, frequentavamos poucas vezes o Grupo Musical, mas sempre que ali iamos admirava-se uma triste cena de taberna: o Medina chegando de casa, naturalmente de cear, pedia com um descaramento tão velhaco, para fazerem uma vaca, um vintém, outras vezes dez reis, etc., a todos os sócios que ali se encontravam reunidos e mandava comprar vinho que eles bebiam e mais algumas crianças que se embriagavam de tal maneira que era necessário irem buscal-as para casa.
Visto tal orientação, deixámos de frequentar o Grupo, mas sendo sempre sócio...".
Chamamos a atenção para o facto de tudo isto se encontrar publicado na imprensa figueirense. Mas o caso seguiu para Tribunal onde foi julgado. Tentámos ver o processo mas não conseguimos. Tudo deve ter ficado em bem, mas o Aníbal Cruz, primo dos Medinas, saíu de Tavarede para ir trabalhar para a região de Aveiro e só regressou à nossa terra na década de 1950/1960. Mas pouco tempo depois do julgamento já se tinham feito as 'pazes'. Já chega de intrigas e má-língua. Iremos prosseguir com a actividade da jovem Associação.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sociedade de Instrução Tavaredense - 6

Vou, em seguimento da nota anterior, referir-me hoje às primeiras revistas representadas na SIT e apontar as 'picadelas' dirigidas ao Grupo.

'Na Terra do Limonete', levada à cena nos dias 6, 13 e 20 de Abril de 1912, foi escrita por João dos Santos (da Quinta dos Condados) e musicada por Gentil Ribeiro. Era dividida em 2 actos e 6 quadros. (1º. - O relógio e seus componentes); 2º. - As eleições; 3º. - Pavilhão dos três vinténs; 4º. Soalheiro indígena; 5º. - Diplomacia de taberna; 6º. - Apoteose)

O primeiro quadro critica as ofertas que alguns tavaredenses fizeram para a compra de um relógio a colocar na torre da Igreja, um deu os ponteiros, outro uma pêndula (usada), etc. e alguns deram dinheiro, pouco pois não deu para pôr o relógio a funcionar convenientemente. Refiro este quadro para recordar o caso da subscrição, em dinheiro, que depois se verá o destino que teve. O quinto quadro aponta directamente para a nova colectividade concorrente:
.....

Bonifácio – (como que continuando conversa) Pois tu cuidas que se eu quiser a Sociedade d’Instrução não vai a terra? Vai e eu te digo a maneira: já que não pegou como eu queria d’antes, mando lá uns garotos apanhar dois bilhetes, mesmo que tenham o nome de sócios, porque isso não tem dúbida. Arranjo p’r’aí uns gândulos que vão dizer que a casa tem trezentos lugares, que é p’rá multa ser maior, junto-lhe nove récitas p’ra crescer o monte e zás... multa p’ra xima d’eles. Disse-me um fulano que save d’estas coisas, que a multa pode ir até cem mil reis por cada récita, e assim aonde hão de eles ir arranjar tanto dinheiro? Vão p’ra terra, com certeza! (com um sorriso de contentamento)

Aniceto – Falas com cadência. Bebe que a murraça não é má. Conta comigo p’ra t’ajudar na vingança. Eles têm medo de ti e com certeza vás dar-lhe um calor e botas com eles em terra, apesar de serem muitos.

Bonifácio – Vem bês, que eu cheguei a andar na escola que eles lá têm, mas não aprendi nada lá, porque sei mais do que todos eles. Sou muito bem capaz de lhes dar lições cá de certas coisas que tu também não perceves. Eu seja da cor d’este bonet se não acabar com aqueles cachorros com que não se pode caçar. Olha cá, a escola serve para alguma coisa? (gesto indiferente do Aniceto, com quem diz: é claro que não!) Pois é claro que não serve! Tudo se faz na boa harmónia. Arranja-se uma tuna que toque bonitas sinfónias, porqu’é assim com as melódias e com colmeias e semi-colmeias que o home toca no rabecão que se evitam estas questãos e as sensabórias e fica certo de que apanham a catastrófe. Oh! se apanham! Tenho cá a coisa preparada p’ra eles irem p’ra terra e nunca mais se levantarem.

D. Limonete – (que tem entrado e ouvido a conversa) Não vos reconheço direito para falarem assim. Deitar por terra uma instituição que procura arrancar das trevas da ignorância os filhos da sua terra, ministrando-lhes a luz bendita da Instrução, que procura a todo o passo substituir esta atmosfera pesada e perigosa que existe na taberna por outra mais suave e proveitosa que se encontra na Associação. É obra muito pesada para vocês, apesar de possuírem em elevado grau a astúcia necessária para praticarem o mal. Movei-lhe, embora, guerra sem tréguas, que ela aguardará o vosso ataque no seu posto d’honra, sem o temer, porque sabe que combatentes da vossa laia usam por balas as pedras da rua e por pólvora a areia das valetas, como os rapazes nas suas espingardas de cana, mas, depois do combate, o vosso sonho há-de desfazer-se, e então vereis que a Sociedade d’Instrução, longe, muito longe de caír moribunda, prossegue desafrontadamente a sua marcha pela estrada do Progresso. Como é triste o contraste que existe entre a Sociedade que vocês odeiam e a Taberna que lhe preferis: - Aqui, a corrupção, a intriga e a desordem. Acolá, a Paz, o Trabalho, a Instrução!

Quanto à revista seguinte, 'Dona Várzea', dos mesmos autores e escrita com a colaboração de Arménio Santos (filho de João dos Santos), tinha um acto único e três quadros. Foi levada à cena no dia 22 de Março de 1913 e no dia 5 de Abril do mesmo ano. Do 1º. quadro 'O eclipse', recordo para a nossa história, estes fragmentos:
D. Várzea – (entrando perseguida por o fiscal do selo – calças à boca de sino, melenas e navalhão em punho. Atrás os denunciantes com orelhas de burro e cauda) A Sociedade d’Instrução, senhor, só trabalha pelo desenvolvimento intelectual das classes pobres, d’aqueles que desde o romper do sol até surgir a noite labutam nos seus domínios para adquirir o seu parco alimento. Perseguir tão prestante colectividade para lhe extorquir os recursos com que sustenta suas escolas, para satisfazer as ambições de gatunos e vingança de miseráveis que só albergam entranhas da mais requintada malvadez, é um crime infame que se pratica, senhor.

Fiscal – Mas quem é a srª da menina que tanto se interessa por essa gente que tem o mau gosto de abrir os olhos à canalha de pobretanas que em sabendo ler são os que mais engulhos nos fazem?

Várzea – Eu sou a Várzea, marida do sr. D. Limonete. Coitado; não sai há dias de casa porque sofreu um grande choque eléctrico quando estava a falar ao telefone pedindo à direcção do correio para a correspondência ser por aqui distribuída mensalmente, havendo assim mais vagar para a ler.

Fiscal – Estimo muito conhecê-la, minha rica menina, mas que quer? Eu preciso de chelpa para manter o meu cardanho e arriscar umas rodas em plenos da roleta. Nem eu, nem os cidadões que deram à dica este gancho, queremos saber de escolas nem de instruir os pobres. Olhe, vê-os, os cidadões? Eles não tiram os olhos e os narizes do fundo das minhas costas. A menina deve conhecê-los...

Várzea – Se conheço!... A alguns já a Sociedade que eles atraiçoam e apedrejam cobardemente mitigou a fome em ocasiões amarguradas. A eles e suas famílias. Serpentes abjectas, que bem depressa esqueceram os benefícios recebidos.

Fiscal – Serão tudo que a menina Várzea lhes quiser chamar, mas se eles não vissem ratos na lua não descobriam a maneira de eu vir aqui surripiar algum l’argent ós gajos da Instrução."


.....
"Lua – Tenho. Diz à Ricardina e ao Silvestre que d’aqui a 10 anos lá terão o telefone que requisitaram há 20 meses. Recomenda às mulheres ou senhoras que costumam ir ao teatro de Tavarede que nos teatros se devem tirar as tampadoiras da cabeça. Em cabelo ficavam mais bonitas e pareciam um bocado mais polidas. Diz-lhes também que nos bailes com os lenços nas cabeças parecem umas trouxas móveis. Encarrega d’esse serviço a D. Várzea, que é boa rapariga quando está a dormir. Se encontrares o D. Limonete, faz-lhe ver que no teatro, quando se bate com os pés, manifesta-se o desagrado e com as mãos é que se aplaude. Explica-lhe isto bem, porque tenho visto por vezes os espectadores no fim dos actos, baterem com as mãos e com os pés, o que significa que não sabem o que fazem. Eu incumbo este serviço a D. Limonete porque ele tem reparado com muita razão, na má educação d’alguns indivíduos que na parte superior do teatro conservam os chapéus na cabeça, mesmo nos intervalos, e outros que se descuidam com o cigarrinho aceso na plateia. Ele que tem frequentado lugares civilizados, revolta-se contra tais grosserias. Não te esqueças de me recomendar muito aos rapazes da Sociedade d’Instrução. Vai sempre dizendo ao Gentil que se não canse tanto com a música, porque se assim continua vai parar ao sanatório que o Tarouco ali tem na esquina; ao Ferreira diz-lhe que vá ensaiar para o raio que o parta e que seja mais cuidadoso. Ao Graça, ao Jaime, ao Coelho, à Eugénia e outros, dirás que escusam de ser tão assíduos aos ensaios, aliás, espera-os o alto de S. Martinho. Está a passar-se a minha hora. Adeus, pedaço d’asno, estimo que faças boa terressage".
E o certo é que a Sociedade de Instrução Tavaredense foi a tribunal, pela tal denúncia da venda de bilhetes e foi condenada a pagar uma multa. Parece, não o posso afirmar, que o dinheiro da cotização obtida para o sino acabou por ser aplicado neste pagamento. Veremos se assim foi...
Fotografias: 1 - Na antiga Fonte da Várzea; 2 - Lavadeiras no ribeiro de Tavarede, na Várzea.