'Na Terra do Limonete', levada à cena nos dias 6, 13 e 20 de Abril de 1912, foi escrita por João dos Santos (da Quinta dos Condados) e musicada por Gentil Ribeiro. Era dividida em 2 actos e 6 quadros. (1º. - O relógio e seus componentes); 2º. - As eleições; 3º. - Pavilhão dos três vinténs; 4º. Soalheiro indígena; 5º. - Diplomacia de taberna; 6º. - Apoteose)
O primeiro quadro critica as ofertas que alguns tavaredenses fizeram para a compra de um relógio a colocar na torre da Igreja, um deu os ponteiros, outro uma pêndula (usada), etc. e alguns deram dinheiro, pouco pois não deu para pôr o relógio a funcionar convenientemente. Refiro este quadro para recordar o caso da subscrição, em dinheiro, que depois se verá o destino que teve. O quinto quadro aponta directamente para a nova colectividade concorrente:
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Bonifácio – (como que continuando conversa) Pois tu cuidas que se eu quiser a Sociedade d’Instrução não vai a terra? Vai e eu te digo a maneira: já que não pegou como eu queria d’antes, mando lá uns garotos apanhar dois bilhetes, mesmo que tenham o nome de sócios, porque isso não tem dúbida. Arranjo p’r’aí uns gândulos que vão dizer que a casa tem trezentos lugares, que é p’rá multa ser maior, junto-lhe nove récitas p’ra crescer o monte e zás... multa p’ra xima d’eles. Disse-me um fulano que save d’estas coisas, que a multa pode ir até cem mil reis por cada récita, e assim aonde hão de eles ir arranjar tanto dinheiro? Vão p’ra terra, com certeza! (com um sorriso de contentamento)
Aniceto – Falas com cadência. Bebe que a murraça não é má. Conta comigo p’ra t’ajudar na vingança. Eles têm medo de ti e com certeza vás dar-lhe um calor e botas com eles em terra, apesar de serem muitos.
Bonifácio – Vem bês, que eu cheguei a andar na escola que eles lá têm, mas não aprendi nada lá, porque sei mais do que todos eles. Sou muito bem capaz de lhes dar lições cá de certas coisas que tu também não perceves. Eu seja da cor d’este bonet se não acabar com aqueles cachorros com que não se pode caçar. Olha cá, a escola serve para alguma coisa? (gesto indiferente do Aniceto, com quem diz: é claro que não!) Pois é claro que não serve! Tudo se faz na boa harmónia. Arranja-se uma tuna que toque bonitas sinfónias, porqu’é assim com as melódias e com colmeias e semi-colmeias que o home toca no rabecão que se evitam estas questãos e as sensabórias e fica certo de que apanham a catastrófe. Oh! se apanham! Tenho cá a coisa preparada p’ra eles irem p’ra terra e nunca mais se levantarem.
D. Limonete – (que tem entrado e ouvido a conversa) Não vos reconheço direito para falarem assim. Deitar por terra uma instituição que procura arrancar das trevas da ignorância os filhos da sua terra, ministrando-lhes a luz bendita da Instrução, que procura a todo o passo substituir esta atmosfera pesada e perigosa que existe na taberna por outra mais suave e proveitosa que se encontra na Associação. É obra muito pesada para vocês, apesar de possuírem em elevado grau a astúcia necessária para praticarem o mal. Movei-lhe, embora, guerra sem tréguas, que ela aguardará o vosso ataque no seu posto d’honra, sem o temer, porque sabe que combatentes da vossa laia usam por balas as pedras da rua e por pólvora a areia das valetas, como os rapazes nas suas espingardas de cana, mas, depois do combate, o vosso sonho há-de desfazer-se, e então vereis que a Sociedade d’Instrução, longe, muito longe de caír moribunda, prossegue desafrontadamente a sua marcha pela estrada do Progresso. Como é triste o contraste que existe entre a Sociedade que vocês odeiam e a Taberna que lhe preferis: - Aqui, a corrupção, a intriga e a desordem. Acolá, a Paz, o Trabalho, a Instrução!
Aniceto – Falas com cadência. Bebe que a murraça não é má. Conta comigo p’ra t’ajudar na vingança. Eles têm medo de ti e com certeza vás dar-lhe um calor e botas com eles em terra, apesar de serem muitos.
Bonifácio – Vem bês, que eu cheguei a andar na escola que eles lá têm, mas não aprendi nada lá, porque sei mais do que todos eles. Sou muito bem capaz de lhes dar lições cá de certas coisas que tu também não perceves. Eu seja da cor d’este bonet se não acabar com aqueles cachorros com que não se pode caçar. Olha cá, a escola serve para alguma coisa? (gesto indiferente do Aniceto, com quem diz: é claro que não!) Pois é claro que não serve! Tudo se faz na boa harmónia. Arranja-se uma tuna que toque bonitas sinfónias, porqu’é assim com as melódias e com colmeias e semi-colmeias que o home toca no rabecão que se evitam estas questãos e as sensabórias e fica certo de que apanham a catastrófe. Oh! se apanham! Tenho cá a coisa preparada p’ra eles irem p’ra terra e nunca mais se levantarem.
D. Limonete – (que tem entrado e ouvido a conversa) Não vos reconheço direito para falarem assim. Deitar por terra uma instituição que procura arrancar das trevas da ignorância os filhos da sua terra, ministrando-lhes a luz bendita da Instrução, que procura a todo o passo substituir esta atmosfera pesada e perigosa que existe na taberna por outra mais suave e proveitosa que se encontra na Associação. É obra muito pesada para vocês, apesar de possuírem em elevado grau a astúcia necessária para praticarem o mal. Movei-lhe, embora, guerra sem tréguas, que ela aguardará o vosso ataque no seu posto d’honra, sem o temer, porque sabe que combatentes da vossa laia usam por balas as pedras da rua e por pólvora a areia das valetas, como os rapazes nas suas espingardas de cana, mas, depois do combate, o vosso sonho há-de desfazer-se, e então vereis que a Sociedade d’Instrução, longe, muito longe de caír moribunda, prossegue desafrontadamente a sua marcha pela estrada do Progresso. Como é triste o contraste que existe entre a Sociedade que vocês odeiam e a Taberna que lhe preferis: - Aqui, a corrupção, a intriga e a desordem. Acolá, a Paz, o Trabalho, a Instrução!
Quanto à revista seguinte, 'Dona Várzea', dos mesmos autores e escrita com a colaboração de Arménio Santos (filho de João dos Santos), tinha um acto único e três quadros. Foi levada à cena no dia 22 de Março de 1913 e no dia 5 de Abril do mesmo ano. Do 1º. quadro 'O eclipse', recordo para a nossa história, estes fragmentos:
D. Várzea – (entrando perseguida por o fiscal do selo – calças à boca de sino, melenas e navalhão em punho. Atrás os denunciantes com orelhas de burro e cauda) A Sociedade d’Instrução, senhor, só trabalha pelo desenvolvimento intelectual das classes pobres, d’aqueles que desde o romper do sol até surgir a noite labutam nos seus domínios para adquirir o seu parco alimento. Perseguir tão prestante colectividade para lhe extorquir os recursos com que sustenta suas escolas, para satisfazer as ambições de gatunos e vingança de miseráveis que só albergam entranhas da mais requintada malvadez, é um crime infame que se pratica, senhor.
Fiscal – Mas quem é a srª da menina que tanto se interessa por essa gente que tem o mau gosto de abrir os olhos à canalha de pobretanas que em sabendo ler são os que mais engulhos nos fazem?
Várzea – Eu sou a Várzea, marida do sr. D. Limonete. Coitado; não sai há dias de casa porque sofreu um grande choque eléctrico quando estava a falar ao telefone pedindo à direcção do correio para a correspondência ser por aqui distribuída mensalmente, havendo assim mais vagar para a ler.
Fiscal – Estimo muito conhecê-la, minha rica menina, mas que quer? Eu preciso de chelpa para manter o meu cardanho e arriscar umas rodas em plenos da roleta. Nem eu, nem os cidadões que deram à dica este gancho, queremos saber de escolas nem de instruir os pobres. Olhe, vê-os, os cidadões? Eles não tiram os olhos e os narizes do fundo das minhas costas. A menina deve conhecê-los...
Várzea – Se conheço!... A alguns já a Sociedade que eles atraiçoam e apedrejam cobardemente mitigou a fome em ocasiões amarguradas. A eles e suas famílias. Serpentes abjectas, que bem depressa esqueceram os benefícios recebidos.
Fiscal – Serão tudo que a menina Várzea lhes quiser chamar, mas se eles não vissem ratos na lua não descobriam a maneira de eu vir aqui surripiar algum l’argent ós gajos da Instrução."
Fiscal – Mas quem é a srª da menina que tanto se interessa por essa gente que tem o mau gosto de abrir os olhos à canalha de pobretanas que em sabendo ler são os que mais engulhos nos fazem?
Várzea – Eu sou a Várzea, marida do sr. D. Limonete. Coitado; não sai há dias de casa porque sofreu um grande choque eléctrico quando estava a falar ao telefone pedindo à direcção do correio para a correspondência ser por aqui distribuída mensalmente, havendo assim mais vagar para a ler.
Fiscal – Estimo muito conhecê-la, minha rica menina, mas que quer? Eu preciso de chelpa para manter o meu cardanho e arriscar umas rodas em plenos da roleta. Nem eu, nem os cidadões que deram à dica este gancho, queremos saber de escolas nem de instruir os pobres. Olhe, vê-os, os cidadões? Eles não tiram os olhos e os narizes do fundo das minhas costas. A menina deve conhecê-los...
Várzea – Se conheço!... A alguns já a Sociedade que eles atraiçoam e apedrejam cobardemente mitigou a fome em ocasiões amarguradas. A eles e suas famílias. Serpentes abjectas, que bem depressa esqueceram os benefícios recebidos.
Fiscal – Serão tudo que a menina Várzea lhes quiser chamar, mas se eles não vissem ratos na lua não descobriam a maneira de eu vir aqui surripiar algum l’argent ós gajos da Instrução."
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"Lua – Tenho. Diz à Ricardina e ao Silvestre que d’aqui a 10 anos lá terão o telefone que requisitaram há 20 meses. Recomenda às mulheres ou senhoras que costumam ir ao teatro de Tavarede que nos teatros se devem tirar as tampadoiras da cabeça. Em cabelo ficavam mais bonitas e pareciam um bocado mais polidas. Diz-lhes também que nos bailes com os lenços nas cabeças parecem umas trouxas móveis. Encarrega d’esse serviço a D. Várzea, que é boa rapariga quando está a dormir. Se encontrares o D. Limonete, faz-lhe ver que no teatro, quando se bate com os pés, manifesta-se o desagrado e com as mãos é que se aplaude. Explica-lhe isto bem, porque tenho visto por vezes os espectadores no fim dos actos, baterem com as mãos e com os pés, o que significa que não sabem o que fazem. Eu incumbo este serviço a D. Limonete porque ele tem reparado com muita razão, na má educação d’alguns indivíduos que na parte superior do teatro conservam os chapéus na cabeça, mesmo nos intervalos, e outros que se descuidam com o cigarrinho aceso na plateia. Ele que tem frequentado lugares civilizados, revolta-se contra tais grosserias. Não te esqueças de me recomendar muito aos rapazes da Sociedade d’Instrução. Vai sempre dizendo ao Gentil que se não canse tanto com a música, porque se assim continua vai parar ao sanatório que o Tarouco ali tem na esquina; ao Ferreira diz-lhe que vá ensaiar para o raio que o parta e que seja mais cuidadoso. Ao Graça, ao Jaime, ao Coelho, à Eugénia e outros, dirás que escusam de ser tão assíduos aos ensaios, aliás, espera-os o alto de S. Martinho. Está a passar-se a minha hora. Adeus, pedaço d’asno, estimo que faças boa terressage".
E o certo é que a Sociedade de Instrução Tavaredense foi a tribunal, pela tal denúncia da venda de bilhetes e foi condenada a pagar uma multa. Parece, não o posso afirmar, que o dinheiro da cotização obtida para o sino acabou por ser aplicado neste pagamento. Veremos se assim foi...
Fotografias: 1 - Na antiga Fonte da Várzea; 2 - Lavadeiras no ribeiro de Tavarede, na Várzea.
http://teatrodetavarede.blogspot.com
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