terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Caixa Escolar

Uma das grandes preocupações de alguns tavaredenses era a instrução e educação de todos os seus conterrâneos. Mas, como terra agrícola que era, muitos pais preocupavam-se mais em mandar os seus filhos cavar e tratar das suas terras, do que deixá-los ir à escola para aprenderem a ler, escrever e contar.

Por mais de uma vez surgiu a ideia de formar uma 'Caixa Escolar', com a finalidade de ajudar os mais pobres na compra de livros, cadernos e outro material escolar. Mas, apesar da boa vontade de muitos, nunca foi possível tornar erm realidade a ideia concebida.

Em 1916 mais uma comissão, cheia de boa vontade, foi formada e logo iniciou as suas funções. Vejamos uma carta, publicada na 'Gazeta da Figueira', endereçada a Anibal Cruz pelo seu primo António Medina Júnior, que, como já anteriormente dissémos, haviam esquecido as divergências havidas quanto ao Grupo Musical. Eis a carta:

"Primo Annibal - Li ha dias na Gazeta duas cartas tuas, subordinadas ao título Por Tavarede, e vi que n’ellas te occupavas das sociedades musico-theatraes da nossa pacata aldeia, respondendo, segundo na primeira dizias, ás perguntas do teu amigo D. Limonete, um correspondente tambem de Tavarede para a Gazeta e que se acha actualmente ausente no Brazil.
D. Limonete é o pseudonymo que esse cidadão adopta, pelo que vi nas duas cartas d’elle publicadas ha dias tambem n’este jornal, e em que n’uma d’ellas dizia que ao chegar-lhe ás mãos este jornal, não via noticias da nossa terra, não cumprindo portanto tu o promettimento que lhe havias feito, que era escreveres Noticias de Tavarede.
Pelo que vejo, o amigo D. Limonete, como interesseiro que é, empenha-se por saber quaes os progressos por que a sua terra tem passado durante a sua ausencia, e tu respondendo-lhe, occupavas-te primeiramente das sociedades.
Está claro que para n’ellas lhe falares foram te desnecessarias informações, porque bem sabes quaes os seus progressos, que estão bem em evidencia; mas agora organisou-se, por iniciativa da professora official, uma Caixa Auxiliar da Escola, com o fim unico de comprar livros, papel e inclusivamente roupa e calçado para os filhos de gente pobre que não tenha recursos para o fazer.
Para a direcção d’essa Caixa constituiu-se uma commissão, a que eu pertenço tambem, que está encarregada do peditório de qualquer donativo e de arranjar pessoas que se queiram associar. Olhando para o fim a que se destina a referida Caixa, os socios estão cheios de boa vontade e animados para trabalhar, ufanando-se por verem a sua pequenina terra seguir o caminho do progresso, mas ao mesmo tempo nada se consolam, porque já de ha muitos annos Tavarede precisa d’uma casa propria para a escola official, e este anno, constando que já havia dinheiro para a sua construcção, não vimos meios d’isso, porque a principiar-se, devia ter sido em Junho findo, como se fez nas Alhadas, no Paião, Lavos, etc. Em Tavarede... nicles.
N’estas freguezias do concelho já andam em construcção os novos edificios escolares, porque as respectivas Juntas de Parochia constantemente pediam á Camara aquelle melhoramento para as suas terras, o que acho muito justo, porque lhes era mesmo indispensavel; mas nós, infelizmente, não temos uma Junta que proceda, isto é, que trate de officiar á Camara lembrando-lhe, sequer ao menos, que Tavarede tambem pertence ao concelho da Figueira da Foz.
Não é bem a Junta da Parochia quem tem culpa, mas sim o seu presidente, que é homem que nunca officiou á Camara reclamando aquella construcção.
Dar-se-á o caso que o sr. presidente não saiba fazer um... officio, como o outro dizia, lembras-te? Sim, quem sabe se elle o saberá fazer?
Olha que sempre é um homem que nunca reclamou absolutamente nenhum melhoramento para Tavarede... perdão, reclamou tal, a construcção de um muro qualquer na Varzea, mas deve-se notar que sempre é muro construido na sua propriedade.
Eu te conto, Annibal, uma coisa que prova evidentemente que o mesmo senhor nada se interessa por Tavarede:
A direcção da Caixa Escolar foi um d’estes dias ter com elle, pedindo-lhe que ou se associasse, ou concorresse com qualquer quantia. Sabes com quanto assignou? Com 30 centavos - 300 reis!! (e vá que já não é pouco!), e respondeu ao mesmo tempo:
- Tomem lá três tostões, porque eu nada me importo com Tavarede, com o povo de Tavarede, nem quero saber de Tavarede para nada.
Ora isto é impróprio de se dizer, e o sr. presidente, conhecendo bem o honroso cargo que lhe confiaram a quando das eleições - que mais valia elegessem o Manuel Fandango - fazia uma bonita figura, mas mesmo bonita, se assignasse os 300 reis e se calasse, não é verdade?
Presidente de penacho, ha-os por uma pá-velha.
Calcula tu, Annibal, como é que os rapazes que foram a sua casa - alias palacio, sim, porque é o velho palacio do antigo conde de Tavarede - haviam de ficar. Embaçados, com aquellas e outras grosseiras palavras, que não contavam sahissem da bocca do sr. Luiz João Rosa, dignissimo presidente da Junta da Parochia da freguezia de Tavarede.
Olha, o José Cordeiro, com o dinheirinho na mão, raspou-se, seguindo-se-lhe o Cesar Cascão, Antonio Coelho, João da Simôa, etc. Se tu visses o Jayme, que apesar de ser o ultimo e coxear um pouco, ainda chegou á rua primeiro que todos, dizendo:
- Safa, que d’esta nos livrámos nós! Podemos louvar a todos os santos por não comermos alguma bengalada!...
E por estas minhas humildes mas verdadeiras palavras, vês o proceder do sr. João L. Rosa, como presidente da Junta da Parochia, e portanto elucida o brazileirinho de tudo isto, que muito satisfeito ha de ficar quando souber que a sua terra está em vias de ficar sem escola nova.
Visto tu estares na Anadia, não sabendo portanto o que por cá se passa, foi apenas com tenção de te informar e pedir que contes o que deixo dito ao D. Limonete que eu escorropichei do meu tinteiro algumas gottas de tinta, tambem para dizer o que a minha consciencia me pede para não deixe ficar por dizer.
Saude e fraternidade.
Abraça te o teu primo amigo António Medina Júnior".

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