sábado, 31 de outubro de 2009

José Nunes Medina

Nasceu em Tavarede, em 26 de Janeiro de 1901, filho de António Medina e de Otília Nunes do Espírito Santo.
Casou, em Novembro de 1922, com Helena de Figueiredo, que foi dedicada amadora do grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, (ver nota) de quem teve uma filha, Maria Otília.
Foi empregado nos escritórios da Companhia dos Caminhos de Ferro, reformando-se em 1961.
Desde muito novo que, seguindo o exemplo familiar, se dedicou, activamente, ao associativismo local. A sua vocação para a música revelou-se muito cedo. Fez parte da tuna do Grupo Musical e, com a idade de 20 anos, foi seu regente. Escreveu inúmeros números musicais, havendo uma notícia que refere que a tuna, sob sua direcção, “executou um vasto programa de sua autoria”.
Certamente motivado pelo facto de sua mulher pertencer ao grupo da Sociedade de Instrução, também passou a dar a sua valiosa colaboração a esta colectividade, muito em especial no ensaio dos coros das peças musicadas e do orfeão que foi criado para actuação pelas “bodas de prata” em 1929.
Como amador dramático, só encontrámos registo da sua participação, em 1925, na opereta Entre duas Ave-Marias, no papel de Morgado d’Arrifana.
Após a extinção da tuna, no ano de 1938, continuou a sua actividade como professor de música e, em 1940, fundou no Grupo Musical, o célebre conjunto “Lúcia-Lima-Jazz”, do qual foi director durante alguns anos, além de executante de saxofone.
Naquele tempo, as aparelhagens sonoras eram um luxo a que só tinham acesso os grupos musicais mais endinheirados. No “Lúcia-Lima”, os números cantados eram-no feito por quase todos os componentes, pois não havia solista. Usavam, então, uma espécie de “funil”, feito em cartolina cor de rosa!
“… agora, que se encontra livre das suas preocupações quotidianas de funcionário, imenso prazer sentiríamos se José Medina, que é possuidor duma alma verdadeiramente artística, dedicasse uma pequena parte do tempo de que dispõe, à cultura da sublime arte que é a música. Quer compondo, quer educando os nossos conterrâneos, servindo as duas colectividades recreativas locais, que bem necessitam da sua preciosa colaboração, como, aliás, por várias vezes lhe tem prestado.
… distinto músico, devem-lhe as actividades culturais e artísticas de Tavarede, serviços que não podem ser esquecidos e que muito nos apraz evocar neste momento em que, ainda cheio de vitalidade, entra no gozo de merecida reforma”.
A Sociedade de Instrução nomeou-o sócio honorário em 1962, distinção com que igualmente havia sido galardoado pelo Grupo Musical.
Era um verdadeiro “aficionado” pelos grupos corais. Reunião de confraternização em que estivesse presente, era certo que a mesma não terminaria sem que José Medina, de pé sobre um banco ou uma cadeira, estendesse os braços a reger o improvisado orfeão. Algumas vezes, notando a falta de um ou dois elementos que ele considerava indispensáveis, ia mesmo chamá-los a casa, esquecendo-se das horas e ainda que eles já estivessem deitados, “obrigava-os” a levantar e ir com ele para a reunião. Tocava diversos instrumentos, mas era um gosto, aos domingos de manhã, ouvi-lo tocar flauta, acompanhando sua mulher Helena, que cantava os mais lindos números do teatro, ou da autoria de seu marido, enquanto costurava.
Pertenceu ao grupo “Os Inseparáveis”, que reunia, em confraternização, todos os dias 1 de Maio. Igualmente era um dos mais entusiastas pelas festas do S. João de Tavarede, de que algumas vezes foi mordomo.

O Grupo Musical prestou-lhe homenagem em 1992, “… musicólogo de mérito, que deixou bem vincado, junto de várias gerações, o seu talento e as suas qualidades de cidadão íntegro…”, tendo sido descerrado o seu retrato, que se encontra exposto no salão da colectividade.
Também a Junta de Freguesia de Tavarede o perpetuou, atribuindo o seu nome à rua que vai do Largo da Igreja à Chã.
Morreu em Tavarede no dia 25 de Outubro de 1984.

Fotos: 1ª. Uma das suas últimas fotografias; 2ª. Pormenor do quadro 'Ensaio', de Alberto Lacerda; 3ª. No 2º aniversário do 'LúciaLima Jazz'; e 4ª. Regendo o orfeão de 'Os Inseparáveis'.

Caderno: Tavaredenses com história

Sociedade de Instrução Tavaredense - 1

Como sabemos, a Sociedade de Instrução Tavaredense foi fundada no dia 15 de Janeiro de 1904. A primeira informação que recolhemos na imprensa figueirense, foi no dia 31 de Janeiro daquele ano, que diz: Alguns rapazes d’aqui acabam de organisar uma associação que tem por fim derramar a instrucção pelos seus associados e filhos d’estes.
Como já conta grande numero de socios e bastantes elementos, tencionam fundar brevemente uma caixa economica.
Os fundadores de tão prestavel associação estão animados da melhor vontade.
Por certo não faltará quem os auxilie, jàmais n’uma obra tão digna d’apoio.
Não desanimem, pois que ainda podem recuperar o tempo perdido em coisas sem resultado para o seu desenvolvimento intellectual, que é do que todos os homens devem tratar nas suas horas d’ocio
.
No seu livro "50 Anos ao Serviço do Povo", Mestre José Ribeiro escreve: Nasceu a Sociedade de Instrução Tavaredense, como vimos pela acta da fundação, a 15 de Janeiro de 1904. A iniciativa foi recebida com aplauso e secundada com entusiasmo. Logo as pessoas mais em destaque da localidade lhe prestaram apoio, e aos 14 sócios fundadores outros se juntaram.
Acho oportuno fazer um comentário sobre este assunto. Um documento (uma folha de papel de 25 linhas) que foi encontrado, entre os velhos papéis, na biblioteca da colectividade, datado de Julho ou Agosto de 1903, encabeçado pela informação que se tratava da recolha de assinaturas para a fundação de uma nova sociedade de instrução, contém 47 (salvo erro) assinaturas. Este documento encontra-se encaixilhado e pode ser consultado na colectividade. Na verdade, as primeiras 14 assinaturas são as que constam da acta da fundação, tendo, por sinal, um dos nomes iniciais sido riscado e trocado por um outro que se encontrava muito para baixo.
Assim, é de perguntar: A Sociedade de Instrução Tavaredense foi fundada pelos 14 subscritores da acta ou pelo total daqueles assinantes, que terão delegado neles para efeitos da legalização notarial? Para nós, e respeitando opinião contrária, os fundadores da colectividade deverão ser considerados todos os que assinaram aquele documento inicial.
Como também sabemos, a primeira preocupação foi a escola nocturna. Por interessante, vou inserir uma notícia que a Gazeta da Figueira publicou a 13 de Fevereiro de 1904, sob o título 'Instrução em Tavarede'.
Não nos cançaremos de louvar a iniciativa dos rapazes que tentaram este emprehendimento. Applaudimol-a com o ardor d’um coração de quem sempre tem pugnado pelo derramamento da instrucção e que nunca deixará de o fazer. É que um homem instruido, de sentimentos nobres, generosos, pode ser um cidadão prestavel á sociedade, á sua patria, e vale bem por uma legião d’analphabetos. E, quasi sempre, a instrucção é a única mensageira que pode levar ao homem a verdadeira felicidade.
Um pequeno exemplo:
N’uma escola de Tavarede ensinámos algum tempo um petiz, de quem, a falar a verdade, não conhecemos os paes. Emquanto elle frequentou a aula, talvez porque seguisse os bons conselhos que ali lhe davam, tinha um comportamento exemplar, caprichava em apparecer de vestuario e cara lavada, cabeça limpa, etc. Se o encontravamos pela rua, não deixava nunca de nos fazer o seu amavel cumprimento. E nós gostavamos d’aquillo – não por vaidade – mas porque notavamos que o rapazito sabia cumprir com os seus deveres de bom discipulo e porque ia comprehendendo já as regras da boa civilidade.
Certo dia deixou elle de apparecer na escola.
Mais tarde encontrámol-o n’uma estrada. Mal o conhecemos; e elle tambem já não nos fez aquelle antigo cumprimento... Passou... em trajo desprezivel, uma perna da calça arregaçada, ponta de cigarro ao canto da bocca e de boné ás tres pancadas, deixando entrevêr uma guedelha que por certo não andaria limpa...
Eis, bem synthetisado, n’um simples exemplo – e há tantos como este! – o valor d’uma escola, e o valor dos homens que ella pode educar para a vida, para a sociedade.
O rapazito de quem lhes falo, abandonando a escola e não tendo paes que o obrigassem a ir lá, passou em pouco tempo por aquella transformação. E se não vier a ser um ladrão ou um assassino, ou se se entregar mesmo a um trabalho rude, vem, no emtanto, a ser um ignorante e por assim dizer um desgraçado!
...
E em Setembro de 1904 começaram os ensaios para a nova época teatral, a primeira da jovem colectividade, que se iniciava em Novembro, prolongando-se até finais de Maio do ano seguinte. Sob a direcção de João dos Santos, o grupo dramático fez a sua estreia no dia 3 de Novembro do mesmo ano, um sábado. “Além de várias cançonetas, vão à cena as comédias “Os Medrosos”, “Páscoa e Quaresma” e “Livrem-se lá desta!...” e o entreacto cómico “Quarto com duas camas”.
Dias antes fizera-se a experiência da iluminação a gás de acetilene, que substituiu os tradicionais candieiros a petróleo, obtendo-se magníficos resultados. E a mesma notícia conclui “dizem-nos que a orquestra se compõe de numerosos e bons executantes. Tudo faz prever uma festa brilhantíssima e a que só é dado assistir os associados e suas famílias”.
Em Janeiro de 1905, realizou-se a primeira Assembleia Geral. Porque pormenoriza e contém dados curiosos, aqui transcrevemos uma notícia datada de 19 de Janeiro: “
Passou no domingo, 15, o 1º. aniversário da fundação da Sociedade de Instrução Tavaredense. Por este motivo conservou-se durante o dia embandeirada a fachada do edifício onde se acha instalada tão benemérita colectividade, e à noite, reunida a Assembleia Geral, foram presentes as contas do ano findo. Por elas se vê que a direcção, apesar das avultadas despesas que fez com a instalação das aulas, gabinete de leitura, etc., administrou com tanta economia que ainda passa ao ano futuro um saldo de 35$080 reis.
Procedeu-se em seguida à eleição dos corpos gerentes que ficaram assim constituidos: Assembleia Geral – Presidente, Manuel Jorge Cruz; Vice-Presidente, João Migueis Fadigas; 1º. Secretário, Manuel Lopes de Oliveira; 2º. Dito, António da Silva Coelho. Direcção – Presidente, Fradique Baptista Loureiro; Vice-Presidente, José Luís Mota; 1º. Secretário, José Maria Cordeiro Júnior; 2º. Dito, César da Silva Cascão; Tesoureiro, António Luís Mota; Vogais, Manuel dos Santos Vargas e João Jorge da Silva; Substitutos, Manuel Fernandes Júnior, António Jorge da Silva, José Fernandes Serra, João de Oliveira e António Medina. Conselho Fiscal – Manuel Nunes de Oliveira, Joaquim Saraiva e Saul Gaspar de Figueiredo.
Pelo sr. José Rodrigues da Fonseca foi proposto um voto de louvor à direcção cessante, sendo unânimemente aprovado pela assembleia.
De todas as agremiações que em Tavarede se têm fundado, é esta, incontestavelmente, a que conta com melhores elementos de vida. Pelo seu estado florescente, pelo aumento sucessivo de associados e sobretudo pelo fim altruísta para que foi criada, previmos um largo futuro a esta colectividade, sustentada por homens dotados dos melhores sentimentos e que desejam unicamente elevar a sua terra, não se poupando a fadigas e despesas para conseguirem – derramar a instrução e afastar da taberna muitos daqueles que ali procurariam o seu passatempo em libações e jogatinas perigosas.
Quem entra naquele santuário, à noite, fica surpreendido pela bela disposição de todas as dependências: numa sala a aula de alunos menores, em grande número; noutra a aula de maiores, infelizmente menos frequentada; noutra, gabinete de leitura; noutra, exercícios de música, e no tablado cultiva-se a arte de Talma.
Na melhor ordem, respeito e alegremente, todos trabalham.
Dentre as trinta e cinco crianças que se encontram todas as noites postadas às suas carteiras, destacam-se duas vestidas de preto. São orfãos. O pai, um bom exemplo de trabalhador, morreu há pouco tempo na enxerga dum hospital, deixando a sua numerosa prole na mais extrema pobreza. Faltou-lhes o pai, mas lá está a Santa Caridade abrigando-os sob o seu manto. Com o maior carinho e boa vontade, ali lhes ministram a instrução que carecem.
Muito haveria que dizer acerca desta instituição, mas ficaremos hoje por aqui, fazendo votos para que a benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense prossiga desassombradamente no honroso caminho que encetou, e não lhes faltará o apoio de todos os que amam o desenvolvimento da instrução pelas classes desprotegidas.”
E no dia 5 de Fevereiro, foi o evento comemorado com um espectáculo que “... começou com a distribuição de prémios a dez alunos que mais se distinguiram pelo seu aproveitamento nas aulas nocturnas durante o ano findo. Os prémios conferidos constavam de livros instrutivos e aos alunos extremamente pobres foram dados vestuários. Não podemos descrever a impressão que este acto causou a todos os espectadores presentes, especialmente quando foram apresentadas as crianças orfãs e pobrezitas. Vimos as lágrimas deslizarem pelas faces de muitas pessoas”
O programa completou-se com a representação das seguintes peças: “O casamento da Grã-Duquesa”, opereta em 1 acto; “Dó-Ré-Mi”, terceto; “Desabafos do Zé Leiteiro”, cena cómica; “O espinho”, monólogo; e ainda as comédias em 1 acto, cada, “Dois estudantes no prego” e “Milagre de Santo António”. As notícias referem que tudo estava muito bem posto em cena e o desempenho de todos os amadores foi magnífico. “A música, composição do sr. João Prôa, é lindíssima, muito adequada e a sua execução, pela orquestra regida pelo mesmo senhor, foi magistral”.
Foi desta forma que se iniciou a acção beneficente da Sociedade de Instrução Tavaredense, com especial incidência nos alunos da sua escola nocturna mais carenciados. O saldo passado à nova gerência, no montante de 35$080 reis, resultou duma receita de 63$140 reis e uma despesa de 28$060. São valores que, agora, nos parecem insignificantes. Mas não o eram, na realidade, pelo menos num meio tão pobre como Tavarede. A quota mensal, estabelecida na acta da fundação, era de cento e vinte reis. Pois, mesmo este valor, em breve se mostrou demasiado elevado para muitos dos tavaredenses, que lutavam, diariamente, com mil e uma dificuldades económicas. Não tardou muito a surgirem os primeiros “riscados” por falta de pagamento!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Dia de Finados

Hoje, e dada a proximidade desta data, vou recordar o Dia de Finados. Antigamente era neste dia que se faziam as visitas ao cemitério para enfeitar e iluminar as campas dos entes queridos que haviam partido para a 'tal viagem' de que se não volta. E, para melhor o fazer, vou transcrever a notícia que um correspondente local enviou para a 'Gazeta da Figueira', em Novembro de 1900.

Sexta-feira, 2 – dia de finados. Dia triste, cheio de luto e de recordações saudosas d’aquelles que seguiram o eterno destino e deixaram despedaçado o coração dos que em vida os idolatravam.
Em todas as almas bem formadas de nobres sentimentos, em todos os corações generosos e estremecidos, se sente n’este dia a commoção ardente d’uma magua inolvidavel, d’uma magua que em muitos se traduz n’um copioso pranto de lagrimas, derramadas á beira dos tumulos dos seus desditosos mortos!...
A nossa Egreja transborda hoje de fieis que oram fervorosamente; do campanario os sinos tangem lugubremente esses funereos signaes que nos ferem o coração; aos cemiterios vae uma piedosa romagem depôr flôres sobre as campas dos entes queridos que se choram e que jámais tornarão a ver-se...
E assim se commemora o dia de finados, assim se celebra a data em que o kalendario recorda a memoria dos que á Vida foram poderosamente arrebatados pela implacavel Morte!...
Repousai em paz!

E vem a propósito lembrar que a capela do cemitério da paróquia também tem alguma história.
Vejamos uma notícia de Novembro do mesmo ano (1990):

Acabamos de saber que alguns parochianos d’esta freguezia se vão aggregar em commissão para colher dos habitantes da mesma freguezia donativos sufficientes para o acabamento interior da capella do nosso cemiterio, mandada edificar pela junta de parochia presidida pelo saudoso e benemerito cidadão sr. João José da Costa.
Foi este mallogrado cavalheiro quem teve a louvavel ideia de se mandar ali construir aquella capella, com o proposito de n’ella ser collocada a veneranda imagem do Senhor d’Arieira, e de servir tambem para lá installar o Santissimo Sacramento e as imagens que se vêem na egreja, quando por qualquer motivo isso fosse necessario.
A commissão a que nos referimos vae officiar à junta de parochia, a fim de esta conceder auctorisação para levar a cabo os seus honrosos intentos, visto ella não ter até hoje, passados que são uns poucos d’annos depois da morte do iniciador da construcção da capella o sr. João José da Costa, conseguido lançar nos seus orçamentos uma pequena verba destinada a acabar tão util obra, começada por um homem a quem se deviam acatar e respeitar as intenções.
Honra seja, portanto, àquelles que vão concluir a capella, e oxalá que todas as pessoas d’esta freguezia contribuam para tal fim.
Agora ha uma coisa séria a resolver e de que a mesma commissão vae tratar, que é de averiguar a forma como a imagem do Senhor d’Arieira, dada a Tavarede pelos proprietarios da extincta capella d’aquelle nome, foi ter à casa de deposito do cemiterio occidental d’essa cidade, sem que, segundo o que ouvimos, fosse auctorisado para o fazer qualquer dos membros da junta.
Eis um assumpto que aqui tem levantado grande celeuma, porque não só a imagem representa para os parochianos de Tavarede um grande valor, mas tambem porque estava destinada a occupar um logar determinado por um homem cuja memoria é sempre invocada com todo o respeito.
E, francamente, tambem não admittimos que a junta de parochia ou algum dos seus membros possa assim fazer, leviana e inconscientemente, offerta d’uma imagem d’aquellas, como se fôra uma coisa sem valor e que de direito não pertencesse à nossa freguezia, que é como quem diz aos tavaredenses.
Será bom que este caso se deslinde por homens que prezam os interesses e haveres da sua terra, e que não querem deixar-se lograr por quem não tem escrupulo em praticar actos tão melindrosos.

Sobre a imagem do Senhor da Areeira, encontrei uma notícia bastante mais recente, creio que na década de 1930/40, onde se referia que a imagem em questão, que, como lemos acima, estava guardada na capela do cemitério Ocidental da Figueira, para onde teria enviada, se iria procurar que se fizesse a sua devolução. Não me recordo, no entanto, de encontrar mais notícias deste assunto. Presumo que esta imagem está presentemente no Museu Municipal Dr. Santos Rocha mas, confesso, nunca procurei saber.
Ao fundo a capela do cemitério de Tavarede. Esta foto foi tirada por ocasião de uma homenagem à saudosa amadora Violinda Medina e Silva.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

D. Maria Amália de Carvalho


Foi a primeira professora oficial da escola primária de Tavarede, nomeada em Janeiro de 1897.
Professou as quatro classes, mistas, numa escola sita no Largo do Forno, onde tinha as condições mínimas para exercer as suas funções.
Esteve colocada em Tavarede até ao ano de 1915. No ano de 1911, foi promovida a professora de 1ª classe. Tinha, em cada ano lectivo, uma média de 50 alunos.
Foi transferida para a Figueira da Foz e, anos mais tarde, para o Paião, onde, em 1926, atingiu a idade de aposentação.
“A srª D. Amália de Carvalho chegou ao fim da sua carreira com uma folha brilhantíssima de serviços. Sendo uma professora competente sob todos os pontos de vista, exerceu sempre a sua profissão com grande consciência e uma dedicação sem limites, tendo por ela um verdadeiro culto.
Na classe do professorado, a srª D. Amália de Carvalho constitui um exemplo que merece lembrar-se para ser seguido. Trabalhou sempre – e o resultado do seu patriótico trabalho patenteava-se no aproveitamento dos seus alunos. Cumpria zelosa e dedicadamente a sua nobre missão de ensinar, e assim conquistou, duma maneira invulgar, a simpatia, o respeito e a maior gratidão das populações que tiveram a felicidade de apreciar-lhe as suas belas qualidades morais e as suas invulgares faculdades de trabalho”.
Com o maior entusiasmo e carinho, colaborou activamente com as duas colectividades locais, nomeadamente na organização de duas festas muito queridas pelos seus alunos: a “Festa da Árvore” e a “Merenda Grande”.
Em 1947, Tavarede, por intermédio da Junta de Freguesia, prestou-lhe pública homenagem. Foi dado o seu nome ao antigo Largo do Forno, tendo sido descerrada uma lápida, onde se lê a seguinte inscrição:
“Largo de D. Maria Amália de Carvalho, professora ilustre que durante mais de vinte anos, foi abnegada mãe espiritual de algumas gerações de tavaredenses. Homenagem de respeito e gratidão do povo de Tavarede. Primavera de 1947”.
Na ocasião foi-lhe entregue, pelo presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, a insígnia do Grau de Cavaleiro da Ordem da Instrução Pública, com que o Governo a condecorara. Foi, também, nomeada “Sócia Honorária” do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, onde assinou o livro de honra da colectividade, com uma dedicatória. “… educadora sublime, que durante largos anos contribuiu para a formação intelectual de muitas gerações de tavaredenses como professora exemplar, tornando-se merecedora, a todos os títulos, desta distinção por parte do nosso Grupo, para quem a instrução foi sempre objecto do maior carinho…”, lê-se na proposta, que foi aprovada por unanimidade.
Por ocasião do seu falecimento, ocorrido em Lisboa no dia 29 de Abril de 1960, muitos dos seus antigos alunos tavaredenses deslocaram-se à capital, para lhe prestarem uma última homenagem integrando-se no seu funeral.
Desde o portão da entrada do cemitério até ao local do enterramento, a urna foi conduzida, à mão, por ex-alunos tavaredenses.
Nota - O desenho acima é da autoria do tavaredense João Nunes da Silva Proa e encontra-se na sala da biblioteca da SIT.
Caderno: Tavaredenses com história

Instruir é Construir

“..... Para nós, a abertura de uma escola, representa a abertura de um verdadeiro templo que só pode iluminar, que só pode alagar de luz e fé a consciência. E no povo, é a falta desta, precisamente, que antolha sempre todos os passos que ele poderia dar na estrada da melhor fortuna...
Felizmente, encontra-se às vezes meia dúzia de obreiros que, apesar de viverem numa luta porfiada com o trabalho quotidiano, têm ainda ideias sãs e altruístas a germinar no espírito. Queremos referir-nos a uns poucos de rapazes de Tavarede que há pouco lançaram ombros à edificação de uma obra que se há-de erguer, por certo, com um pouco de esforço e boa vontade, e que há-de assinalar-se com serviços que o futuro perpetuará.
Essa obra foi a criação de uma sociedade de instrução. O seu fim é sustentar uma escola para os associados e filhos destes, criar uma biblioteca e uma caixa económica
...”.

Recortámos este apontamento de um artigo intitulado “Instrução em Tavarede”, que a “Gazeta da Figueira” publicou em 13 de Fevereiro de 1904. Também “A Voz da Justiça” se refere à organização de “uma associação que tem por fim derramar a instrução pelos seus associados e filhos destes”.
Tavarede já tinha, desde 1898, uma escola nocturna, instalada na casa do Terreiro. E, com a nova colectividade, recomeçou, de imediato, a ser frequentada por elevado número de alunos, na sua maioria, adultos. Não era possível, portanto, que, acabando as colectividades, se encerrasse aquela escola. Os tavaredenses já tinham tido tempo para se aperceberem das enormes vantagens que a sua instrução lhes trazia. A escola oficial, existente desde 1896, era insuficiente para as necessidades da freguesia. Mista e com uma só professora para todas as classes, por muito boa vontade e dedicação que a senhora D. Maria Amália de Carvalho tivesse, e ela teve, sem dúvida, não podia acolher todos os pretendentes. Muito menos os adultos.
João dos Santos foi o grande obreiro desta tarefa. Apesar de não figurar no “lote” dos
fundadores da nova colectividade, ele esteve sempre presente e, além de continuar a dirigir o grupo dramático, facultou as instalações de sua casa, tal como o havia já feito anteriormente, quer com a velh
a Sociedade Recreativa, quer com o Grupo Instrução.
A escola nocturna começou a funcionar imediatamente, tendo como professores algumas pessoas da terra que de bom grado deram a sua colaboração a esta obra meritória de verdadeira solidariedade com os seus patrícios analfabetos ou menos instruídos. Manuel Rodrigues Tondela, Manuel Jorge Cruz, João dos Santos Júnior, César da Silva Cascão e António Graça, auxiliados por outros sócios, foram os primeiros professores das aulas nocturnas da Sociedade de Instrução Tavaredense. Os três primeiros tinham já ministrado o ensino na escola nocturna que anteriormente funcionava no mesmo edifício”, escreveu, a este respeito, Mestre José da Silva Ribeiro.
Estava, portanto, cumprida a primeira determinação: “uma escola para ensino dos sócios que dela queiram utilizar-se e para ensino dos filhos destes”.
Como veremos com o correr das nossas histórias, manteve-se em actividade, ininterruptamente, até ao ano de 1941. E diga-se, desde já, com uma média anual superior a 50 alunos, atingindo, em alguns anos, as sete dezenas.
A biblioteca, desde logo com as ofertas de sócios e simpatizantes, cumpriu a sua missão. E, acrescente-se, sempre teve muitos leitores, até... talvez até ao aparecimento da televisão...
Faltou a “caixa económica”. Os propósitos eram altruístas. O auxílio àqueles que, por doença, carecessem de ajuda económica. Naqueles tempos, as necessidades eram muitas e os recursos poucos... Houve várias tentativas para a sua organização, mas sempre falharam nos objectivos. No entanto, sempre que foi julgada necessária, a ajuda da colectividade aos mais carentes, lá esteve. Alguns amadores, e ao longo destes cem anos, todos eles tanto ajudaram os mais necessitados, por esse país fora, foram socorridos pecuniariamente, em casos extremos. De forma modesta, é certo, pois as possibilidades sempre foram poucas, mas eficaz. E, saliente-se, como que “dando com a mão direita sem a esquerda o saber”. É que, sabe-se, por a isso se referirem em actas, por exemplo, que e quem auxiliaram, mas, praticamente sempre, sem referirem a verba que davam. Para não ferir susceptibilidades, escreviam...
Quanto ao teatro... Bem, sobre teatro, muito teremos a contar, pois o Teatro, todos o sabemos, é um manancial inesgotável, em Tavarede...

Fotos: A primeira sede (cedida por João dos Santos); João dos Santos, que herdou a casa de João José da Costa, da Quinta dos Condados.

domingo, 25 de outubro de 2009

Dr. Manuel e Dr. José Gomes Cruz

MANUEL GOMES CRUZ (DR.)



Nasceu em Tavarede, em 12 de Novembro de 1866, filho de António Cruz, pequeno lavrador e de Joaquina Gomes Cruz.
Depois de concluída a instrução primária, iniciou a sua vida de trabalho como operário, numa serralharia da Figueira.
Aconselhado e apoiado por João José da Costa, da Quinta dos Condados, que adivinhou nele excepcionais dotes para o estudo, foi para Coimbra, matriculando-se na Faculdade de Direito em 1892 e onde concluiu o curso, no ano de 1897, portanto, com 31 anos de idade.
Para a sua manutenção, e a exemplo do que fez seu irmão José, deu explicações enquanto estudante.
Exerceu advocacia na Figueira, tendo desempenhado importantes cargos públicos, como, por exemplo, o de primeiro administrador do concelho após a implantação da República. Desempenhou as funções de conservador do Registo Civil, desde a sua criação até ser atingido pela idade da reforma.
Perfeitamente consciente dos direitos e da dignidade de todos os cidadãos, emprestava a todos os actos praticados naquela Conservatória e a que presidia, uma dignidade inultrapassável, que fez fama e cujo exemplo perdurou naqueles que o vieram a substituir.
Espírito liberal e idealista do regime republicano, pôs ao serviço da propaganda a sua palavra fluente, sendo sempre escutado com o maior interesse.
Deu prestimosa colaboração à Estudantina Tavaredense, de que chegou a ser ensaiador do seu grupo dramático, à Sociedade de Instrução Tavaredense e à Associação de Instrução Popular, da Figueira, associações onde era bastante considerado e admirado. Também exerceu as funções de presidente da direcção da Associação dos Bombeiros Voluntários da Figueira.
No ano de 1899, juntamente com João dos Santos, da Quinta dos Condados, fundaram em Tavarede, na Casa do Terreiro, uma escola nocturna que, gratuitamente, ministrou as primeiras luzes da instrução a adultos e a crianças analfabetas, tendo sido os seus primeiros professores.
Foi casado com D. Augusta Águas de Oliveira Cruz, e pai de D. Maria Eugénia Águas Cruz, que foi regente do Jardim Escola João de Deus, D. Maria Etelvina Águas Cruz, que casou com o médico Dr. Artur Beja, D. Maria Augusta Cruz, funcionária dos Serviços Municipalizados, do tenente Manuel Águas Cruz e do dr. António Águas Cruz, chefe de secção judicial, em S. Tomé.
Faleceu no dia 8 de Fevereiro de 1943, encontrando-se sepultado em Tavarede.

JOSÉ GOMES CRUZ (DR.)

Nasceu em Tavarede, no dia 16 de Setembro de 1873, sendo filho de António Cruz, pequeno lavrador local, e de Joaquina Gomes Cruz.
Depois de concluída a instrução primária, foi, incentivado e ajudado por João José da Costa, da Quinta dos Condados, que lhe reconhecera, como a seu irmão Manuel, excelentes qualidades para continuar os estudos, para Coimbra, onde, depois de feitos os exames secundários, se matriculou na Faculdade de Medicina, formando-se no ano de 1902.
Para fazer face aos encargos com os estudos e estadia naquela cidade, ele e seu irmão deram explicações, enquanto estudantes. E como tinha aprendido a tocar diversos instrumentos musicais, entre os quais violino, ofereceu os seus préstimos ao Café Santa Cruz onde, a troco de pequena quantia, tocava durante os jantares.
Durante as férias vinha para Tavarede, integrando-se activamente na Estudantina Tavaredense, de que foi um dos grandes animadores, no campo musical, chegando a dirigir a orquestra durante os espectáculos teatrais.
Dotado de um espírito liberal e desinteressado, carácter impoluto, era admirado pelas suas excepcionais qualidades. Mereceu-lhe especial atenção a instrução popular, realizando apreciadas palestras e conferências educativas, sempre ouvidas com grande interesse e respeito pelas classes trabalhadoras.
Dedicado sócio da Sociedade de Instrução Tavaredense, ali proferiu diversas palestras sobre assuntos da maior importância para os seus conterrâneos, como, por exemplo, “Alcoolismo”, “Formas de Governo”, “Pátria”, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, etc.
Lutou afincadamente pela implantação da República e pela sua continuação, chegando a ser preso e julgado por envolvimento no movimento de Fevereiro de 1927.
Médico infatigável e dedicado para com os pobres, exerceu durante muitos anos o cargo de médico municipal de Buarcos. Também foi médico da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta.
Casou com D. Adelaide Goltz Águas Cruz e foi pai do dr. José Águas Cruz, sub-inspector de Finanças, e sogro do dr. Manuel Lontro Mariano. Faleceu no dia 27 de Julho de 1941 e encontra-se sepultado em Tavarede.
Como simples apontamento, transcrevemos uma nota recolhida da sua conferência intitulada “Educação e Instrução Popular”, que proferiu na Associação de Instrução Popular, no dia 5 de Outubro de 1924:
“………. É um coração republicano que lhes fala, que poderá ser brutal, mas julga ser justo, julga ser honesto, coração profundamente democrático, que procura no isolamento carpir as mágoas por ver que esta querida República, que ele tanto ama, não tem podido cumprir a sua nobre missão – por culpa dos homens e só por culpa dos homens, que acima dela vêem os seus interesses, os seus caprichos, as suas vaidades….”.
Dizia-se, em Tavarede, que o dr. José Cruz tinha feito um acordo com José Ribeiro, seu grande amigo, que se resumia nisto: sendo ambos ateus, não acreditavam que houvesse vida ou qualquer outra coisa para além da morte. Assim, o primeiro que morresse, procuraria, no caso de haver qualquer coisa no “outro mundo”, dar um sinal ao sobrevivo. Morreu primeiro o dr. José Cruz e uma noite, quando José Ribeiro voltava a casa, defronte da casa da família Águas, à Quinta da Esperança, sentiu uma violenta bofetada dada por… não havia ninguém à sua volta. Verdade? Nunca confirmámos isto com mestre José Ribeiro.
Caderno: Tavaredenses com história

Grupo de Instrução Tavaredense

No dia 25 de Abril de 1900, vem publicada, na 'Gazeta da Figueira', uma extensa e interessante reportagem sobre uma festa, em Tavarede, em que se inaugurou o estandarte de uma nova colectividade, o Grupo de Instrução Tavaredense.
O número alto das festas, teve lugar pelas oito e meia horas da manhã, e na Igreja Paroquial, onde se celebrou a missa conventual, durante a qual foi benzido o novo estandarte. Durante o acto religioso, fez-se ouvir a tuna do jovem Grupo, que executou uma valsa. Acrescentemos, como comentário, que por aquela época, as cerimónias religiosas tinham activa participação das associações locais. Nas missas festivas, Natal e Páscoa, por exemplo, as tunas participavam, musicalmente e com reportório adequado, à celebração das mesmas e eram sempre escutadas, com muito agrado, por todos os assistentes.
O estandarte referido era “uma rica obra de arte, a que a exma. srª. D. Rita Jardim, sua bordadora, e o sr. Francisco Gil, seu desenhador, souberam imprimir um cunho altamente artístico, de magnífico trabalho e de inexcedível beleza”. Este estandarte, acrescente-se, desde já, acabou por servir à Sociedade de Instrução Tavaredense, que o utilizou desde a fundação até ao ano de 1927.
O Grupo Instrução manteve-se em actividade até finais do ano de 1903, embora, e curiosamente, só neste ano apareça o anúncio da sua constituição oficial. Foi breve, portanto, a sua existência.
No entanto, e durante esses três anos, e alguns meses, manteve uma actividade bastante apreciável. Já sabemos que ali estava instalada uma escola nocturna para adultos (que utilizava o método de João de Deus), ensinando as primeiras letras aos sócios e filhos, que dela quizessem utilizar-se, e que não puderam frequentar a escola primária oficial, muito recente em Tavarede, aliás. Manteve o grupo dramático sempre em actividade, sob a orientação de João dos Santos. E fundou um agrupamento musical, do qual passaram a fazer parte a maioria dos componentes da tuna “Bijou Tavaredense”, que terá acabado prematuramente, por motivos que desconhecemos, mas a que não terá sido alheio o falecimento do seu presidente, o senhor João António da Luz Robim Borges.
Entretanto, em Janeiro de 1900, já se tinha realizado, na nova colectividade, um sarau dramático-musical, que se iniciou com o hino do Grupo, tocado no palco, sob a regência de João Prôa, e que, pela sua actuação, mereceu fartos aplausos da assistência.
Pois João Prôa foi o organizador da tuna que então passou a fazer parte do Grupo de Instrução. Foi seu regente e mestre e foi, também, inspirado compositor.

Pano de boca inicial

O teatro, durante aqueles anos, fez parte integrante do ensino da escola nocturna. Além dos espectáculos representados pelos amadores habituais e outros que se lhes foram juntando, todos os anos se realizavam saraus dramático-musicais, organizados e concebidos para serem protagonizados pelos alunos da escola nocturna.
“E aqui está uma pessoa há um pedaço a olhar os linguados do papel, a hesitar, sem saber com que os há-de encher. Procuro notícias, não vejo nada de merecimento que possa aproveitar-se; tudo uma pasmaceira insípida, comparada ao silêncio que a estas horas, 10 da noite, se nota lá fora, onde se não sente viva alma; tudo se enlaçou nos lânguidos braços de Morpheu, que nas aldeias os estende logo á noitinha para reparar as fadigas que cansam tantos corpos entregues pelo dia adiante à execução dos trabalhos agrícolas, umas vezes sob esse sol tórrido que nos abraza e sufoca, outras expostos aos rigores do inverno que com as suas neves e frios ventos nos rasga as carnes sem dó nem compaixão.
O único assunto que se nos oferece para dele podermos dizer alguma coisa, é o relato do espectáculo dado no domingo de Páscoa pelos alunos da escola nocturna. Casa a trasbordar, com concorrência superior á da primeira récita efectuada outro dia pelos mesmos amadores. Ás 9 horas da noite a orquestra executa o hino da escola, que é ouvido de pé, e em seguida sobe o pano; o palco oferece-nos uma vista agradável, similhando o pátio das casas do Izidoro Vaqueiro e de seu filho Gregório, que naquele dia deve receber á face do altar a Margarida, uma das cachopas mais guapas do lugar, e para cuja festa os aldeãos preparam grande regalório. Abre-nos a comédia (Casamento do filho do Vaqueiro) com um coro de rapazes e raparigas da aldeia, e dali em diante temos por vezes em cena o pai Izidoro, a mãi Rosa, os padrinhos do casamento, e o noivo, que por sinal está pouco resolvido a ir á igreja, isto porque umas intrigas urdidas pelo tutor de Margarida lhe vêem pôr em dúvida o bom comportamento desta sua escolhida. Afinal, tudo se desvenda, averigua-se que são falsas as injúrias imputadas à pobre rapariga, e que lhe eram lançadas por conveniência do interesseiro tutor. E os noivos lá casam, cheios de prazer e satisfação. A comédia é do velho reportório e bastante conhecida, sendo já em tempos aqui representada. Mas o desempenho dado agora aos diferentes papéis por António Graça (Izidoro), Fernando Pereira (Rosa), Joaquim Terreiro (Gregório), Augusto Bertão (Margarida), António Broeiro (Fonseca), António Migueis e Jaime Broeiro nos padrinhos do casório, João da Graça (Zé das Bordoeiras) e ainda por outros tipos, foi muito mais correcto, segundo nos dizem, e isso lhes valeu os unânimes aplausos da plateia. As músicas, apesar dos poucos ensaios e de terem sido cantadas a medo, sairam muito regularmente. E acabou-se o 1º acto.
No segundo representa-se a comédia República das Letras, em que toda a petizada trabalha, e que pela segunda vez se pôz em cena. Os nóveis actores fizeram o que puderam, e os espectadores aplaudiram-nos com entusiasmo.
Neste intervalo, o sr. Luís Pinto, um simpático amador dessa cidade, recitou com certa correcção o monólogo dramático O Piloto, e a poesia Quando eu morrer. Luís Pinto colheu bastas palmas da plateia.
Seguiram-se as comédias Casamento do Alto Vareta e Lutas civis, cujo desempenho não desmereceu em nada a boa interpretação que os diferentes personagens deram aos seus papéis no espectáculo em que debutaram. Na primeira destas comédias temos a sobressair Joaquim Terreiro no seu papel de Maria das Dores, João de Oliveira no Alto Vareta, Fernando Pereira na pretenciosa Joana, António Broeiro no João (cabo de esquadra) e Jaime no surdo mestre Joaquim; os outros rapazes não desmancham o conjunto, dando por isso lugar que às situações mais engraçadas da peça se imprimisse bastante relevo.
Nas Lutas Civis, comédia-drama cuja acção se passa nos arredores de Coimbra, dá-nos Fernando Pereira um tipo original de criado de moinho, a quem só dá prazer o pouco trabalho, e que tem por lema fazer no outro dia aquilo que não se fizer em dia de Santa Maria... Joaquim Terreiro, um dos pequenos que mais aptidões cénicas revela, disse muito bem o seu papel de Maria, filha do pobre veterano Jácome, a que João de Oliveira dá certa naturalidade, conquanto o género deste papel não seja o que mais lhe está a carácter. Os outros personagens também se saíram muito regularmente.
Eis, em massadoras linhas, a nossa opinião sobre a parte dramática do espectáculo. A parte musical, executada por um grupo de rapazes daqui, foi ouvida com agrado geral, sendo feliz a escolha das músicas que formavam o programa, e que alcançaram dos assistentes várias salvas de palmas, especialmente Una broma, jota lindíssima de Simões Barbas, e a mazurca Succés, de Backman, que foram tocadas com mimo e gosto pouco vulgares nos grupos musicais desta minha terra.
Eram festas teatrais assim que desejariamos ver realizar frequentes vezes, mas é certo que a boa vontade que as leva a efeito também é gasta por muitos dissabores que se recebem durante a luta... Isto, infelizmente, é uma triste verdade...
E ponto neste assunto”.
Começam, então, a surgir nomes de que ainda todos nos lembramos de ver actuar no nosso palco, bastantes anos mais tarde. Acabaram, as duas associações, a que nos temos vindo a referir, em 1903. Uma nova colectividade surgiu em Janeiro de 1904, a Sociedade de Instrução Tavaredense.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Festa do Santíssimo

Como estava anunciado, realizou-se effectivamente no sabbado e domingo ultimos a festa em honra do SS. Segundo o que dissémos, a festa foi promovida por esta irmandade, ha pouco fundada n’esta freguezia, para assim festejar a sua inauguração official.
No sabbado, pelas 8 horas e meia da noite, chegou a esta risonha aldeia a philarmonica das Alhadas. Á sua chegada foram lançados ao ar muitos foguetes e deu-se começo aos festejos.
A noite apresentou-se feia, de um tempo chuvoso e acompanhado de vento sul que soprava com alguma violencia, dando-nos apenas um pequeno aguaceiro, que ainda assim fez desanimar os promotores da festa.
No largo em frente da egreja, onde se deviam realisar os festejos, o vento soprava com mais força, visto aquelle local se achar desabrigado, não podendo por isso illuminar-se convenientemente tanto a frontaria da egreja, como um pequeno pavilhão que se achava armado para a musica tocar, e por cujo motivo não o poude fazer.
A egreja esteve exposta é veneração dos fieis desde as 8 horas da noite até ás 11, sendo muito visitada.
O fogo foi regular.
Danças, apenas um pequeno rancho dansou na rua Direita, desde as 11 horas da noite até á 1 e meia da madrugada, mas muito desanimado em consequencia do tempo.
Domingo, o dia esteve lindissimo, celebrando-se com a maior pompa e solemnidade a missa e procissão. Era quasi meio dia quando se principiou a dizer a missa, acabando perto das 3 horas da tarde. O templo regorgitava de christãos. Foi cantada pelo revº. Manuel José da Cunha, que actualmente está fazendo as vezes de parocho da freguezia, por este se achar ausente, acolytando sua reverencia n’este acto religioso os srs. padres Fortunato das Neves, das Alhadas, e Emygdio, d’essa cidade. Ao Evangelho subiu ao pulpito o revº. parocho da Ferreira, sr. Manuel Vicente, que prégou muito bem.
Acabada a missa formou-se a procissão que foi concorridissima, e sempre na melhor ordem. N’ella viam-se encorporados além dos respectivos sacerdotes, um grande numero de irmãos e muitas creancinhas vestidas de anjo. Fechava a procissão a philarmonica Alhadense, tocando uma bonita marcha adequada a este acto. A procissão recolheu á egreja pelas 4 horas.
O côro era, como dissemos, composto por distinctos cantores e musicos de Coimbra e d’essa cidade. Foi magnifico. É digno de muito elogio o nosso conterraneo sr. José Gomes Cruz, um bom amador musical, que empregou todos os esforços para arranjar um excellente côro, para cujo serviço se tinha promprificado gratuitamente.
O sr. Horta a quem estava confiada a decoração da egreja, mais uma vez revelou as suas aptidões para este serviço, pois que a armação tinha um aspecto elegante.
Durante o resto da tarde o templo foi muito visitado.
A Estudantina Tavaredense tambem formou um rancho no mesmo local onde tinha dansado o outro na vespera e madrugada, estando sempre muito animado e dansando-se até ás 8 horas da noite.
E assim acabou esta festa, que agradou muito, louvando nós desde já a irmandade promotora, e desejando que ella para o anno se faça com o mesmo esplendor.

(Gazeta da Figueira - 23.Setembro.1896)

A matança do porco

Não há muitos anos ainda, as famílias dos arredores da cidade criavam o seu porco, alimentado com as sobras das refeições e para o qual se cozinhava propositadamente a “lavagem”, com água, couves e farinha ou sêmea, o que permitia que o toucinho entremeado ficasse mais gostoso.
A matança, geralmente em Dezembro e escolhida a fase da lua conveniente, segundo a boa tradição popular, era pretexto para a reunião de toda a família. Faziam-se os bolos de sangue, as morcelas, as papas de moado, e conservavam-se na salgadeira os ossos e o toucinho. Preparavam-se os negritos, os chouriços e os presuntos que haviam de chegar para todo o ano, sem falar na banha, nos rojões, no sal de unto e nos torresmos. Os lombos assados no forno eram conservados em banha e comiam-se parcimoniosamente nos dias de festa. Até a cabeça era aproveitada, juntamente com as queixadas, a língua, as orelhas e os miolos, de que se preparava um prato requintado com ovos, pedaços de carne e miolo de pão.(Figueira do Passado ao Presente - Gastronomia e Culinária)


Recordo-me, nos meus tempos de criança, e, até, já de rapaz, os dias da matança do porco, quer em Tavarede, em casa dos meus avós paternos, quer em Reveles, em casa do meu tio Joaquim ou da minha tia Idalina.
Em Tavarede acabaram mais cedo. Minha avó morreu em 1946 e nunca mais houve aquela casa de trabalho, mas de fartura, que era apanágio das casas da aldeia dos que amanhavam as terras em maior ou menor dimensão.
Em Reveles, por muitos anos eu ia para lá para assistir à matança do porco. Era, para mim, uma festa. Todos gostavam muito de lá me ter e faziam tudo para que eu me sentisse bem. E conseguiam-no, facilmente. Não sei em qual das casas eu me sentia melhor, com o tio Joaquim e a tia Palmira, se com a tia Idalina e o tio Cristino.
Acompanhava, passo a passo, todas as tarefas. Desde irem os homens buscar o animal ao curral, prendê-lo e sangrá-lo até ao amanhar. Depois ia com as mulheres até ao rio, onde lavavam as tripas.
O sarrabulho e as febras eram uma farturinha. À noite faziam os “tortalhos”, que, mais tarde, eram comidos quentes, normalmente com o café.
No dia seguinte, lá estava eu a assistir ao desmanchar o animal, separando as carnes para a salgadeira, as banhas para derreter e a prepararem os enchidos, que iam para o fumeiro.E que saborosos eram!...
Anos mais tarde, era a matança do porco em casa do saudoso Eloi Domingues, que era um dia de festa para nós. Tenho belas recordações destas reuniões. Assistia, como sempre, às operações da matança e seguintes. Quando o animal já estava pronto para ser amanhado, havia petisco: bacalhau assado, passas de figo, tinto caseiro e geropiga que ele fabricava.
Ao almoço não faltava a tradicional sopa à lavrador, que pedia sempre 'bis'. Depois as febras, o sarrabulho, etc. Para fazer a digestão, e depois de pendurado o 'bicho', tinha sempre lugar rija disputa de 'garujo', onde se ouviam, a cada instante, as célebres 'cantigas' de seis, nove e por aí fora. Era assim, até à hora do jantar. Canja, febras fritas, papas de moado, etc.
Já lá vai tudo isto... Mas, as saudades, essas são muitas.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Um cortejo 'reacionário'

Quando folheávamos os nossos apontamentos, despertou-nos a atenção uma local, publicada no jornal “Correspondência da Figueira”, em Outubro de 1881. Diz assim:

AO SR. BISPO-CONDE

Não somos denunciantes de pessoa alguma, mas não podemos também deixar de fazer subir ante s.exª. as queixas que por aí se ouvem com respeito ao reverendo que está encomendando a freguesia de Tavarede.
Pode ser que haja exagero no que se diz, e cremos até que assim seja; mas dando-se os devidos descontos e feito um abatimento de cinquenta por cento, fica ainda uma carga regular para o tal reverendo.
Bom seria, pois, que s.exª. mandasse apurar o que há de verdade por meio de uma sindicância. Nem queremos que aquele pastor esteja sendo vitima de acusações menos verdadeiras, nem que continue apascentando o rebanho que lhe está confiado, se não está nas condições de bem cumprir os espinhosos deveres da sua missão.
É certo que o sr. Bispo Conde não tem sido de uma escrupulosa imparcialidade para com alguns dos seus irmãos em Jesus Cristo neste concelho; cremos, porém, que, neste caso, cerrará ouvidos a pedidos, e fará justiça recta, embora tenha de sacrificar o tal encomendado.
E assim o esperamos confiadamente: de contrário, e ainda sob pena de qualquer excomunhão com que s.exª. nos possa fulminar, não cessaremos de pedir que se olhe com misericordiosos olhos pelos católicos romanos da freguesia de S. Martinho de Tavarede.

Curiosamente, só anos mais tarde encontrámos a explicação para aquele alerta ao Senhor Bispo, e num outro periódico: “Comércio da Figueira”. Era, então, pároco em Tavarede o reverendo António Augusto da Silva Nobreza. A Junta de Paróquia era à altura constituída por João José da Costa, da quinta dos Condados, José Maria de Almeida Cruz, Manuel Jorge da Silva, António da Cruz, José Luís Inácio e José Maria Luís.

O reverendo padre, e isso era normal naqueles bem complicados tempos, andava de “candeia às avessas” com muitos dos seus paroquianos e, também, com a própria Junta. Antes que me esqueça, recordo que a Junta de Paróquia tinha instalação numa dependência da Igreja matriz, junto à sacristia, onde se reuniam e guardavam as suas coisas.

Na acta de 9 de Janeiro de 1881 a Junta deliberou exarar em acta todos os benefícios que o seu presidente, João José da Costa, tinha feito em benefício da paróquia. João Costa havia assumido a presidência da Junta, depois de ter sido presidente da Câmara da Figueira durante vários mandatos, e mandara fazer, à sua custa, importantes melhoramentos para a nossa terra, nomeadamente o teatro na sua casa do Terreiro (1885). Relativamente à Igreja, e segundo aquele registo, havia suportado os seguintes custos:

= doação da quantia de 19$200 reis para compra de um terreno para alargamento e aformoseamento do adro da Igreja;
= pintura do teto da Igreja e arco cruzeiro, no valor de 54$645 reis;
= encarregou o reverendo pároco de mandar vir de Lisboa o lustre, que custou 37$580 reis, vindo tudo a importar em 111$425 reis.

Entendeu, portanto, a Junta de Paróquia não ficar silenciosa a tão grandes e relevantes serviços prestados por aquele senhor, pelo que “aqui os deixa narrados, para que os presentes e vindouros se recordem sempre com viva saudade de tão benemérito cavalheiro”.

Mas a Junta havia começado a receber muitas reclamações dos seus paroquianos relativamente ao reverendo Nobreza, a quem acusavam de parcialidade e não cumprimento das suas obrigações religiosas para com muitos.

Sejam quais forem os direitos de intervenção e atribuições do pároco em relação ao assunto (tratou-se de um funeral), não há nem podem haver leis canónicas, nem as da constituição do bispado, que autorizem e concedam poderes discricionários, e tão abusivamente praticados, que permitam ao pároco a exclusiva imposição da hora, porque é repugnante e intolerável, de consequências perniciosas como acaba de se dar, e por isso exigem que sejam repelidas pela mesma forma como se exercem e praticam.
É bem conhecido, que o pároco de uma freguesia tem obrigações permanentes e inadiáveis a cumprir; vive à custa dos paroquianos, que exclusiva e directamente lhe pagam para prestar-lhes os serviços que a religião estabelece, não podendo ser substituídos senão por um sacerdote; portanto o pároco nunca pode dispor da sua pessoa por forma que se fique absolutamente inibido da sua concorrência pessoal na freguesia, e quando um comprometimento meditado o não possa fazer, é costume e sua estrita obrigação prevenir um sacerdote, por forma que sendo chamado, acuda e satisfaça aos actos e obrigações, sejam eles conhecidos ou acidentais, pois que o pároco não exerce profissão de padre como um ofício qualquer de que se recebe salário em certas e determinadas horas de serviço, para ir quando, como, e aonde lhe for vantajoso ou agradável: tem os encargos e obrigações exclusivas da religião, que queira ou não há-de forçosamente cumprir. É nenhuma a consideração que este sacerdote presta ao cumprimento dos seus deveres e obrigações, praticando abusos e excessos que o qualificam impróprio e incapaz de exercer este ministério
”.

Prosseguem as actas com um chorrilho de acusações ao pároco, notando-se, perfeitamente, que era mais o adversário político que se atacava do que o padre da freguesia.

Em Agosto de 1884, solicitou a Junta autorização, com carácter de urgência, à Comissão Distrital de Coimbra para umas obras absolutamente necessárias. Apesar do pedido de urgência, a resposta não chegava, até que, no dia 18 de Setembro pelas 7 horas da manhã, o padre Nobreza, avistando da janela o presidente João Costa, que recolhia a casa de um pequeno passeio matinal, foi atrás dele e entregou-lhe um ofício que tinha em seu poder, sem saber como lhe chegara…

Era um ofício datado de 30 de Agosto, em resposta ao seu e no qual solicitavam esclarecimentos adicionais necessários à autorização requerida. Para justificar o atraso na resposta, solicitou a Junta, em ofício dirigido ao pároco, a informação de como o ofício fora recebido em sua casa e por que só passados tantos dias lho entregara.

Pois só no fim de Outubro o padre Nobreza respondeu dizendo “ignoro, para dizer com segurança, como o ofício que lhe entreguei, veio ter a esta casa, nem mesmo sei dizer o dia em que chegou, pois foi em ocasião em que eu não estava, sendo recebido provavelmente por minha criada com a minha correspondência. É certo que há poucos dias dei com ele envolvido com outros papéis, e vendo vossa senhoria da minha janela me resolvi a ir pessoalmente entregá-lo fazendo conhecedor nessa mesma ocasião dos motivos de demora”.

Os ânimos azedaram-se, de tal forma que o pároco chegou a dar ordens ao sacristão para não abrir a porta da Igreja para entrarem para as reuniões. O presidente João Costa não hesitou mais. Sendo dono de uma casa velha que estava desocupada, de imediato resolveu para ali mudar a Junta e mandou buscar a mobília e mais pertences que, com grande oposição do padre Nobreza, o sacristão acabou por entregar.

Como referi tudo isto não passavam de questões políticas. E para o confirmar vou acabar a historieta da mudança da Junta da Igreja, com a transcrição de um caso bem elucidativo. Em Novembro de 1883 houve eleições municipais. As urnas deram a vitória ao partido do padre Nobreza e seus correligionários. Eis a transcrição da comemoração dessa vitória:

O padre entusiasmado pela glória que o aureolava, entendeu dar uma pública demonstração do seu regozijo e satisfação digna da sua pessoa e companheiros, pelo prestígio e influências irresistíveis que acabavam de fundar e estabelecer sobre os despojos mortais do que chamaram partido progressista em Tavarede; para isso convencionou com a garotada de celebrar uma procissão de enterro, envolvendo o nome de alguém a quem só na ausência podiam impunemente insultar.
Com efeito na segunda-feira posterior da dia da eleição, tendo-se efectuado a reunião de todos os mordomos da festa-fúnebre no local aprazado, que foi dentro dos umbrais do portão de entrada da quinta do exmo. Conde de Tavarede e onde sua exª tem o seu solar e residência, desfilou o préstito, indo todos os da comitiva envolvidos em lençóis, lançada uma ponta pelas cabeças com o rosto descoberto e archotes na mão. Precedia o sacristão António Gaspar de Figueiredo, tangendo uma campainha da Igreja (que precede procissões e enterros quando se trata de chamar a atenção dos fieis cristãos
a um acto religioso). Seguiam António Proa, com uma colcha de chita arvorada em uma haste servindo de guião; acompanhavam António Carlota, António Cascão, Joaquim Nunes, João Ceiça, Manuel Pata, o regedor Manuel Luís Inácio e filhos Bernardo e José Maria, de Tavarede; Joaquim Mendes, o Bairrada, de Caceira, e ainda uma porção de garotos da Figueira e uns três de Caceira, companheiros do Bairrada; no fim João Proa, tocando tambor em uma caldeira, entoava o responso “chorai, filhos, chorai: morreu o partido progressista, vamos enterrá-lo e com ele lá vai a importância do João Costa; quem compra o beiço?”. Seguiam-se sentidos ais.
Fechando o préstito ia o reverendíssimo António Augusto da Silva Nobreza, pároco desta freguesia, sem disfarce algum, levando na mão um livro, que deveria ser substituído por uma borracha ou picheira, como emblemas da sua Nobreza; e a seu lado José Maria Luís. Sentimos que este homem, aliás bem intencionado, se deixasse ir à discrição da canalha.
Chegados ao adro da Igreja, porque caíram sobre o acompanhamento umas pedradas, e porque se não viam os impulsores, compreenderam que a ousadia provinha de quem pouco podia arrecear-se. E de noite todos os gatos são pardos, resolveram retroceder e não chegaram ao cemitério para onde se dirigiam e ali devia o reverendo entoar o De profundis…
”.

Atenção, tudo isto transcrevi das actas da Junta de Paróquia que foram publicadas na imprensa. Não há duvidas de que o facciosismo político levava pessoas responsáveis um pouco longe demais!...






(Caderno: Tavarede - Terra de meus avós - 3º.)

João Nunes da Silva Proa

Natural de Tavarede, filho de António da Silva Proa e de Emília Nunes do Espírito Santo. Casou com Zaida Augusta Pereira.
Multifacetado artista, exerceu funções profissionais na Hidráulica e na Direcção Distrital das Estradas, atingindo a reforma no posto de chefe da 6ª. Secção da Conservação de Estradas do Distrito de Coimbra.
No entanto, o seu verdadeiro talento mostrou-o como pintor, desenhador e músico. Muito novo, começou a colaborar com seu pai nas actividades associativas. Participou na tuna do “Bijou Tavaredense” e depois no Grupo de Instrução Tavaredense, do qual foi um dos fundadores e organizador, primeiramente de um grupo musical e, depois, de uma nova tuna.
Foi um talentoso compositor musical. Em 1899, para a comédia Perdão de Acto, levada à cena na Casa do Terreiro, ensaiada por João dos Santos, escreveu a música “de que a comédia era ornada, de uma suavidade graciosa, sem pretensões e cheia de um colorido pouco vulgar – conforme as situações – produziu um efeito magnífico quando cantada por aquele punhado de rapazes, que tão bem compreendeu o seu autor”.
Depois de fundada a Sociedade de Instrução Tavaredense, em Janeiro de 1904, foi o seu director e regente musical. A primeira peça musicada levada à cena pelo novo grupo cénico, Casamento da Grã-Duquesa, tinha música de sua autoria. “A música é lindíssima, e a sua execução pela orquestra regida pelo sr. João Proa, foi magistral”.
Escreveu música para muitos versos dos poetas Gaspar de Lemos e Cardoso Marta, além de outros inspirados versejadores figueirenses. Durante muitos anos, uma boa parte do reportório tocado pelo famoso Rancho das Rosas, da Figueira, era de sua autoria. Destes, ainda hoje são recordados, por vezes, Rosas de Carne e Vento que passas, talvez dos mais bonitos números de todos os ranchos que aqui existiram.
Como desenhador e pintor, a primeira notícia encontrada, data de Setembro de 1900 e refere que “estava a trabalhar num retrato a ‘crayon’ – tamanho natural – do bandarilheiro Torres Branco”.
Entre outros, deixou retratos de D. Maria Amália de Carvalho, professora primária em Tavarede, e de João de Oliveira Coelho, que reproduzimos nas notas respectivas.
“… acabamos de ver, em casa do seu autor, o novo projecto arquitectónico do nosso amigo Silva Proa, que se destina à construção dum prédio do sr. Abílio Águas, na Rua 10 de Agosto. O novo trabalho, pela harmonia do seu conjunto, pela flexibilidade das suas linhas elegantes… … seria de sobra a revelação de um verdadeiro temperamento artístico, se há muito não fossem conhecidos por todos os figueirenses os seus notáveis recursos de arquitecto distinto e artista abalizado”.
Também foi calígrafo distinto e hábil como constatámos pela seguinte nota: “… acaba de revelar os seus conhecimentos de desenhador e calígrafo distinto, num quadro em que é transcrito um extenso artigo biográfico sobre o extinto dr. Joaquim Pais da Cunha. Este trabalho é interessante, perfeito e digno de justo encómio”.
Na segunda metade de década de 1950 / 1960, fez uma longa viagem ao estrangeiro “pois a sua sensibilidade impelia-o para Itália, para admirar ao vivo as obras mais conhecidas dos grandes mestres europeus”.
Dessa viagem deixou vários trabalhos, nomeadamente desenhos retratando elementos da célebre escultura de Miguel Ângelo, “Pietá”, como, por exemplo, a “Cabeça de Cristo”, que aqui reproduzimos.
Também foi autor de vários projectos de edifícios construídos na Figueira da Foz. Morreu em Soure, onde se encontra sepultado.


(Caderno: Tavaredenses com história)


Como acima referi, João Proa escreveu a música para a opereta 'Casamento da Grã Duqueza'. Não se encontra a partitura nem o libreto. Como a notícia diz que a música 'é lindíssima', aqui junto a parte de 1º. violino que, pela semelhança da letra, foi escrita mesmo pelo autor. Talvez o nosso amigo Maestro João Cascão possa dizer alguma coisa pois, para mim, isto... é música.


S. Martinho de Tavarede


A primeira vez que se encontra, em documentos históricos, o nome de S. Martinho de Tavarede, é na carta de doação feita por Gulvira Sesnandis e seu marido, Martim Moniz, a João de Gondesindiz, feita "no quarto dia dos idos de Fevereiro da era de 1130 (10 de Fevereiro de 1092).

"Concedemos-te na mesma já mencionada vila de S. Martinho todos que outrora ali recebeu Cidel Pais do Conde D. Sesnando, que Deus tenha...". Presume-se que este Cidel Pais terá sido o povoador e reedificador de Tavarede e da sua igreja, por ordem daquele Conde. Nada se sabe do que anteriormente Tavarede terá sido. Pode-se presumir que, pela sua localização e pela proximidade do mar, os fenícios terão povoado Tavarede, posteriormente conquistada pelos mouros, que no ano de 711 iniciaram a conquista da peninsula ibérica até que, no século XI começou a reconquista cristã.

Naturalmente que a vila de Tavarede terá sido devastada pelos 'infiéis'. Mas, naquele documento, diz-se 'o lugar de S. Martinho de Tavarede'. Portanto, aquele Santo, aliás de muita devoção em grande parte do nosso País, seria patrono da terra desde os tempos anteriores à conquista moura.

E quem foi este Santo? Foi Bispo de Tours. Filho de um oficial do exército romano, após estudos humanisticos em Pavia, entrou para o exército, contra sua vontade, quando tinha 15 anos. Antes, com 10 anos de idade inscrevera-se como catecúmeno. Foi baptisado no ano de 339 e abandonando a vida militar, foi ter com Santo Hilário de Poitiers, que lhe conferiu ordens sacras. "Ardente propagador da fé, fundou, em Marmoutier, um mosteiro donde sairam notáveis missionários e reformadores. Demoliu templos pagãos e levantou mosteiros como sustentáculos da evangelização. Humilde e pacífico, manteve a sua independência perante o abuso da autoridade civil".

Estamos a menos de um mês do seu dia. Tavarede, como há mais de 50 anos, irá, certamente festejá-lo, da forma do costume.

São várias as lendas que a tradição nos conta. Entre elas, conta-se a conhecida do 'Verão de S. Martinho'. Eu, no entanto, gosto mais da lenda da capa. Permitam-se a sua transcrição. "Caminhava um dia o virtuoso santo em direcção á sua cidade de Tours, e tinha já dado aos pobres todo o dinheiro que levava consigo. Apparece lhe no caminho um mendigo andrajoso e faminto, supplicando uma esmola.
Martinho, que não tinha mais que dar, rasgou a meio a capa em que se embrulhava e deu metade ao pobre.
Este, cheio de fome, entro n’uma locanda e pediu alguma coisa para comer, mas como não tinha com que pagar, deixou em penhor a parte da capa que o santo lhe tinha dado, promettendo vir resgatal-a quando podesse.
O taberneiro atirou desdenhosamente com ella para cima d’uma das pipas d’onde tirava vinho para os freguezes, e passados dias notou com espanto que o vinho não diminuia no casco. Tirando a capa de cima da vasilha, acabava logo o vinho; tornava a collocal-a, e o divino licor jorrava logo espumante da torneira.
Eis porque os amantes do sumo da uva, escolheram para seu patrono o santo e caridoso bispo".


Viva S. Martinho...
Reine a santa frescata... e chova vinho...
Ajoelhemos, tirando a barretina,
Ante o Santo que a todos nós domina.
Juremos, pondo a mão sobre o barril,
De fazer das guelas um funil
Quando o vinho corra... Viva! Viva
S. Martinho qu’os bebedores captiva!...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Jorge Monteiro de Sousa e José da Silva Maltez

Hoje vou escrever um pouco sobre dois conterrâneos nossos, que apesar de algo doentes, ainda estão e estarão entre nós durante mais alguns anos. Todos os conhecem, todos os admiram e todos sabem que foram, e são, duas das grandes dedicações da Sociedade de Instrução Tavaredense.

Não foi a pisar as tábuas do palco a representar, embora também o tenham feito, mas, sim, nos bastidores, trabalhando na montagem dos cenários, pendurando-os na teia, fazendo-os subir ou descer conforme as necessidades. Quem não conhece o trabalho necessário para a montagem das cenas? E então no palco antigo era um verdadeiro milagre conseguir a montagem de peças como, por exemplo, 'Chá de Limonete" e tantas outras, com diversas mudanças feitas sem falhas, em curtíssimo espaço de tempo.
Justíssima foi a homenagem prestada a estes dois grandes amigos da Sociedade, nomeando-os sócios honorários e colocando as suas fotografias no salão nobre da colectividade.

O Jorge é mais antigo. "Foi com dezassete anos que comecei a dar a minha colaboração ao grupo cénico", disse-nos ele aquando da elaboração do seu depoimento para o livro do Centenário. A primeira peça que ajudou a montar foi "A Nossa Casa", em 1943. Largas dezenas de cenários lhe passaram pelas mãos... Sob a orientação de Mestre José Ribeiro o Jorge Monteiro trabalhou no palco muitos e muitos anos enquanto a saúde lho permitiu.
Mas também representou. No auto de Gil Vicente, "Auto da Barca do Inferno", na década de 40, foi-lhe confiado o papel de 'Escudeiro', transportando a cadeira do fidalgo. Em tudo quanto era necessário, lá estava o Jorge a trabalhar. Nos bailes, montando e desmontando o estrado, que se instalava por cima da velha plateia, nas festas de arraial, fazendo as cordas de louro e de heras, montando os pavilhões, o mastro principal e, recordo-me perfeitamente, fazendo as pequenas pastilhas de gesso que serviam na barraca de tiro ao alvo... E até praticou desporto, pois fez parte da equipa de basquetebol da SIT. E isto foi há tantos anos... Quantas recordações, Jorge?

A equipa de basquetebol da SIT:
de pé e da esquerda para a direita - Vitor Medina, Jorge Monteiro, Manuel Lontro e José Figueiredo. à frente, João Pedro Amorim, José Ramos e Fermim Ferreira.






O Zé Maltez começou um pouco mais tarde a colaborar no palco. Mas, como ele recordou no seu depoimento, ainda chegou a ser professor na escola nocturna da colectividade que acabou em 1941!
Embora como ajudante, foi um grande colaborador do Jorge na montagem das cenas, cargo de que assumiu a responsabilidade quando o Jorge ficou impossibilitado de exercer estas funções, embora continuasse sempre a ajudar de acordo com as suas possibilidades físicas.
O Zé tem uma ligação muito especial à nossa colectividade. Seu avô, Fradique Baptista Loureiro, foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Direcção da SIT, lugar que desempenhou de 1904 a 1907.
A sua estreia como amador foi em 1950, na fantasia "Chá de Limonete". Entrou na cena da "Doação de Tavarede", figurando papel de 'Mordomo do Rei'. Depois continuou e, ainda em 2006, participou no espectáculo dos 20 anos da morte de Mestre José Ribeiro. E dançava, com a Augusta Marques, muitíssimo bem, a 'Valsa do Limonete'.

Quantas recordações o Jorge e o Zé Maltez terão!!! Bons tempos!!! Mas, felizmente, ambos continuam a marcar presença quando solicitados. Que o possam fazer durante muitos anos, é o que sinceramente deseja este velho amigo.





Por recordações...
Por volta de 1950, fizémos um passeio a Aveiro, em bicicleta. Durante o almoço, numa tasca naquela cidade: O Zé Maltez, o António Marques e o António Tavares. Do grupo fazia parte o Zé Tavares, eu e não me recordo se havia mais algum.

domingo, 4 de outubro de 2009

Alberto Virgílio da Rocha Portugal Correia de Lacerda

Não era natural de Tavarede, mas foi na terra do limonete que viveu os seus últimos anos. Faleceu em 1974, encontrando-se sepultado no cemitério local.
Exerceu a sua actividade de professor de desenho na Escola Industrial e Comercial da Figueira, da qual chegou a ser director, até ser transferido, em 1929, compulsivamente por motivos políticos, para Lisboa, para a Escola Afonso Domingues.
Uma notícia de 1921, refere: “Teatro do Parque-Cine – Têm prosseguido activamente as obras do palco daquele grande teatro, cujo cenário está sendo pintado pelo distinto artista da capital, sr. Alberto Correia de Lacerda, que foi discípulo do mestre Carlos Reis, e cujo talento se tem afirmado em muitas obras de valor”.
Como desenhador e como poeta de enorme sensibilidade, foi dedicado colaborador da Sociedade de Instrução, pintando muitos cenários, os primeiros dos quais para a opereta “Grão-Ducado de Tavarede”, desenhando imensos adereços e figurinos, ou escrevendo os versos para “A Cigarra e a Formiga”, “Justiça de Sua Majestade” e “Ana Maria”, operetas que alcançaram enorme popularidade.
Em 1958, desenhou um quadro que “é um trabalho perfeito, equilibrado e colorido bizarro e difícil, que o pintor conseguiu com extraordinária visão e perfeita técnica”. Intitulou-o de “Quimono” e ofereceu-o à colectividade para ser sorteado a favor das obras de remodelação e ampliação. Também em 1965 e na Câmara Municipal da Figueira da Foz, esteve “exposto, durante alguns dias, um artístico painel decorativo, com a figura de Nuno Alvares, magnificamente desenhado e colorido, e que foi pintado no seu atelier em Tavarede”.
Em 1929 a Sociedade de Instrução Tavaredense nomeara-o seu sócio honorário e, no dia 14 de Dezembro de 1963, prestou-lhe homenagem. “… o director do grupo cénico, que destacou a preciosa colaboração de Artista e Poeta, que Alberto de Lacerda tem prestado à colectividade, que vê nele um amigo dedicado que lhe entregou o seu coração de verdadeiro criador de arte e cultor do mais belo e puro teatro. Recordou o apaixonado carinho que o ilustre professor começou a dedicar a Tavarede, desde que veio dirigir a Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz, na qual instituiu a primeira oficina de trabalhos manuais.
E ao referir-se aos numerosos ramos de flores que rodearam o homenageado naquele palco, disse que o ramo que lhe ofereceu a amadora mais antiga do grupo (Helena Medina), tinha também lúcia-lima, que é o mais expressivo e o mais aromático arbusto que a sua aldeia pode oferecer àqueles que lhe estão dentro do coração.
… agradeceu o homenageado a fidalga manifestação de simpatia que os seus queridos amigos tavaredenses lhe haviam dedicado, não com palavras que, na ocasião, não podia proferir, mas com as lágrimas da mais profunda gratidão pela carinhosa hospitalidade que sempre lhe dispensaram e de saudade pelos agradáveis e inesquecíveis momentos espirituais passados na Terra do Limonete”.
Quando faleceu, encontrava-se a trabalhar num dos seus quadros mais maravilhosos, “O Ensaio do coro” que, inacabado, foi oferecido à colectividade e que se encontra no salão nobre da colectividade.

(Caderno:Tavaredenses com história)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Nas Bodas de Diamante da SIT

Nos principios de 1978, quando se aproximava a data da comemoração das 'Bodas de Diamante' da Sociedade de Instrução Tavaredense, a Direcção, presidida pelo nosso saudoso amigo Carlos Lopes Pinto, convidou um determinado número de sócios para colaborarem na organização do programa comemorativo, pois entendiam, e muito bem, que a colectividade, com um passado histórico e brilhante que honrava não só os tavaredenses mas, igualmente, a cultura de todo o concelho da Figueira da Foz, merecia umas comemorações que ficassem bem marcadas no historial da SIT.
Fiz parte, com outros elementos, dessa Comissão. Foram distribuidas tarefas e cada qual se encarregou de se desempenhar da melhor maneira. As festas, que começaram no dia 1 de Dezembro de 1978, com um concerto dado na nossa sede pela Banda da Região Militar do Centro, tiveram enorme brilhantismo, dado o enorme empenho empregue pelo nosso querido Mestre José Ribeiro, que foi o principal obreiro das mesmas. Além da publicação do seu segundo livro sobre a SIT, '75 Anos... e Caminhando', no seguimento do livro editado pelas 'Bodas de Ouro'. sob o título '50 Anos ao Serviço do Povo', foi ele quem se encarregou de dirigir a exposição comemorativa da efeméride e, como não podia deixar de ser, o autor e ensaiador da fantasia "Ontem, Hoje e Amanhã", que teve a sua estreia no espectáculo de gala do aniversário e que, como todos bem nos recordamos, alcançou enorme êxito.
Temos, porém, de fazer justiça a uma pessoa a quem a Sociedade de Instrução Tavaredense ficou a dever muito do brilho alcançado nestas comemorações: o dr. José Manuel Leite, então presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, grande amigo da nossa colectividade e que teve total disponibilidade para nos ajudar na organização de alguns eventos.
Nas 'Bodas de Ouro', a Sociedade teve a honra de ter a presidir à sessão solene comemorativa, a grande figura da cultura portuguesa, o ilustre figueirense que foi o Professor Doutor Joaquim de Carvalho. Para as 'Bodas de Diamante' também se pretendia uma figura de prestígio cultural. Depois de muito se pensar no caso e de se sugerirem alguns nomes, acordou-se, por unanimidade, que a pessoa indicada para presidir à sessão solene desta efeméride, seria o Doutor David Mourão Ferreira, também ele enorme figura da cultura portuguesa, e que havia sido nomeado Secretário de Estado da Cultura, pelo Prof. Dr.Mota Pinto, primeiro-ministro.
Claro que, uma vez mais, recorremos ao nosso amigo Dr. José Manuel Leite. E lá fui eu, com um outro elemento da comissão, solicitar uma reunião para lhe apresentarmos a nossa sugestão e o pedido para, oficialmente, a Câmara fazer o convite.

Ora, antes de continuarmos esta historieta, vou buscar uma notícia, publicada em Março de 1977 na imprensa figueirense, onde se escreve: "Em reunião da Câmara Municipal, realizada no dia 24, foi deliberado homenagear o sr. José da Silva Ribeiro, democrata de sempre, cidadão exemplar e figura ímpar do Teatro Amador, atribuindo-lhe a medalha de ouro da Cidade da Figueira da Foz. Comunica-nos o seu presidente, sr. dr. José Manuel Leite, que a imposição dessa medalha deverá ser feita em cerimónia pública, em data e local a marcar oportunamente, para que a sua obra em Tavarede, merecedora de consideração e respeito de todos nós, tenha a consagração que merece".
Pois é verdade, mas Mestre José Ribeiro sempre foi avesso a homenagens e a Câmara não havia conseguido dele a marcação da acima referida 'cerimónia pública'.
O certo é que, mal o Dr. Leite ouviu a nossa pretensão, logo nos disse: "Comprometo-me a trazer cá oficialmente o Dr. Mourão-Ferreira, salvo impedimento da agenda, com a condição de vocês conseguirem que Mestre José Ribeiro receba, nessa sessão, a medalha que a Câmara lhe atribuiu". Não foi fácil desempenharmo-nos do encargo, como é de calcular, mas, depois de muita insistência, conseguimos a anuição do Mestre.
E assim foi. Veio o Dr. Mourão-Ferreira, que ficou encantado com a representação da peça 'Ontem, Hoje e Amanhã' e que presidiu à sessão solene. Eis um pequeno recorte da reportagem deste acto:


"Também o sr. Presidente da Câmara, que orientou os trabalhos da brilhante sessão, prestou as suas homenagens à SIT e a José Ribeiro, lendo e comentando as expressões contidas no Diploma de homenagem do Município àquele “cidadão exemplar, democrata de sempre e figura ímpar do Teatro”.
Depois das palavras sempre brilhantes de José Ribeiro em saudação ao Secretário de Estado da Cultura e em agradecimento pela homenagem de que estava sendo alvo, falou o Dr. David Mourão Ferreira.
Começou por manifestar a grande honra de participar nestas celebrações das Bodas de Diamante e nas homenagens a José Ribeiro, e disse:

Não é a minha presença que confere qualquer espécie de honra a este acto. Pelo contrário, eu é que me sinto particularmente honrado de ter vindo aqui a Tavarede, de ter ontem assistido à peça “Ontem, Hoje e Amanhã” e de ter tido ocasião de contactar com o povo de Tavarede e de ver não só o grau de cultura e de educação cívica que esse povo tem – e isso já eu sabia – mas de ver também os tesouros de sensibilidade que esse mesmo povo guarda dentro de si. E devo acrescentar que me emocionou particularmente ver ainda há pouco, quando o sr. José Ribeiro era alvo desta homenagem, que havia lágrimas em muitos olhos....".E foi assim que, aproveitando uma oportunidade única, a Câmara Municipal da Figueira da Foz entregou, em cerimónia pública, a medalha de ouro que, sob proposta do vereador dr. Armando Garrido, havia concedido, por unanimidade, ao nosso inesquecível conterrâneo.

Associativismo - Os princípios (7)

Além dos teatros e das tunas, as duas associações existentes nos finais do século dezanove, também promoviam a realização de festas de convívio para os seus sócios e simpatizantes. Destas festas, salientavam-se os bailes, sempre agradáveis à mocidade. E não deixa de ser bastante curioso o facto de, três dezenas de anos antes, uma orquestra para animar os teatros era composta por uma flauta, uma viola e um violão, e, em relativamente pouco tempo, Tavarede dispor de duas tunas (Bijou e Estudantina) e possuir músicos em quantidade e com qualidade.
Um desses bailes teve lugar na Estudantina, em Abril de 1897. Eis uma pequena notícia sobre o acontecimento:
"Nem só nas grandes cidades a alma popular se expande no seu regozijo íntimo.
Nas pequenas povoações, como Tavarede, o mesmo facto se dá.
O dia 18 do corrente passou alli como um dia de festa. A Estudantina Tavaredense deu aos seus associados um dia de gozo, proporcionando-lhes, no Paço dos Condes de Tavarede, um baile campesino.
Muitas raparigas e rapazes da povoação concorreram a elle, animadas de fraternal convívio, e essa noite passou-se vaporosamente como um sonho de amor.
A dança, animada por dezenas de esbeltas raparigas, prolongou-se até 11 horas da noite, ficando todos com saudade das horas que alli passaram.
Um delicado copo d’água, mandado distribuuir pela direcção da Tuna, veio pôr termo àquela noite de regozijo, como poucas se encontram na vida.
À Estudantina Tavaredense, que nos proporcionou umas horas de tanto prazer, aqui deixamos inscriptos os protestos de gratidão de que lhe ficamos devedores".
As duas tunas realizavam diversas deslocações. Uma era prática usual todos os anos: a Montemor-o-Velho, para animar os festejos em honra de Nossa Senhora do Desterro. Em 1896 deslocaram-se ali as duas tunas. Separadas, é claro. Vejamos uma notícia sobre esta deslocação:
"Eram 9 horas da manhã, quando chegaram à Ponte d’Alagôa os carros conduzindo a magnifica Tuna Tavaredense, sendo-lhe ali feita uma enthusiastica recepção por muito povo que ali a esperava e pela philarmonica que entoou o ordinario El-Judas.
Os tunos porém, que esperavam ser recebidos pelo Sol-e-Dó d’esta villa, ao qual tinham officiado, e não pela philarmonica, ficaram por isso em principio hesitantes e atrapalhados, perguntando entre si se aquella festa seria dirigida a elles, o que tendo sido notado por nós, fomos tiral-os d’aquellas duvidas, apresentando ao seu digno regente o sr. Gentil Ribeiro, o sr. Benedicto Galvão, presidente da philarmonica, e o professor d’esta, Pio Ferran afim de que lhes agradecesse.
Dadas estas explicações e trocados os cumprimentos do estylo entre as duas sociedades musicaes, tendo já descido os tunos dos carros, trataram logo de formar a afinar os instrumentos depois do que, pararam em frente da philarmonica, executando com muito mimo e com muito agrado dos circumstantes o hymno da sua sociedade.
Em seguida rompeu a marcha pela rua das Metearias, com um bonito ordinario, dirigindo-se ao arraial, no Largo dos Anjos, emquanto a philarmonica continuava esperando debaixo das árvores da Ponte d’Alagôa, a orquestra da rua das Cannas, d’essa cidade, que se dizia vir despicada com aquella.
....................
E isto porque ali vinham alguns membros da Tuna Bijou Tavaredense, reforçados com outros rapazes da orchestra da rua das Cannas, d’essa cidade.
Quando estavam sahindo da barca, a philarmonica retirando debaixo das arvores veio esperal-os seguida por centenares de pessoas, à beira do rio, onde, abrindo-lhe alas lhes fez como à Tuna Tavaredense uma saudação imponente, levantando então o sr. Antonio Prôa, que representava ali o sr. João da Luz Robim Borges, digno presidente da Tuna Bijou Tavaredense, um enthusiastico viva à mesma philarmonica e ao seu presidente Benedicto Galvão, que foi correspondido com outro levantado ao povo figueirense, depois do que retirou a philarmonica para a sua casa d’aula, precedida da orchesta recem-chegada.
Chegados àquella casa, a segunda d’estas sociedades demorou-se ali algum tempo fazendo-nos ouvir alguns dos seus mais escolhidos trechos musicaes, primorosamente executados, exemplo que foi seguido mais tarde pela sua rival Tuna Tavaredense".
Havia rivalidade, é certo, mas nada de extraordinário.

(continua)