sexta-feira, 30 de maio de 2014

As Operetas em Tavarede - 19


         A viagem desta noite vai-nos levar até ao ano de 1931. No dia 28 de Novembro, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense levou à cena “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, uma adaptação de Carlos Borges, do conhecido romance de Júlio Dinis. Como escrevemos no programa, este serão será dedicado ao teatro de Júlio Dinis. É que, de 1931 a 1935, e sempre com o maior agrado, foram aqui representadas as adaptações de quatro dos mais conhecidos e apreciados romances daquele popular escritor. Não tinham a acção passada em Tavarede, é certo, mas era o mesmo povo, rural e trabalhador.

         A seguir aos “Fidalgos da Casa Mourisca”, em 1931, coube a vez, em meados do ano seguinte, a “As pupilas do senhor Reitor”; em 1933, foi “A Morgadinha dos Canaviais” e em 1935, por último, representou-se a peça “Justiça de Sua Majestade”. Todas estas representações obtiveram grandes triunfos para o nosso grupo. Muitos deles foram alcançados fora de portas, em várias cidades e vilas aonde se deslocaram em récitas de carácter beneficente.
        E, se a primeira saída do grupo fora do concelho da Figueira havia ocorrido no ano anterior, em Julho de 1930, com a representação de “A Cigarra e a Formiga” e “O Sonho do Cavador”, em Tomar, todas estas quatro peças foram apresentadas naquela cidade, em Coimbra, a primeira visita à cidade universitária foi com a “Morgadinha dos Canaviais”, no dia 26 de Junho de 1933, e ao Porto, onde, em espectáculo a favor do Asilo de S. João, representaram “Justiça de Sua Majestade”, no Teatro Sá da Bandeira, no dia 3 de Maio de 1935. Isto, claro, além de diversas representações na Figueira, Buarcos e, evidentemente, em Tavarede.

         Foi, portanto, um período de grande actividade e importância. Além disso, foi com o teatro de Júlio Dinis que iniciaram a sua actividade, no grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, alguns amadores que, com o correr dos anos, alcançaram enorme notoriedade e que provinham da secção dramática do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense que, forçado a vender a sua sede, ficou sem possibilidades de continuar com a actividade teatral, na qual tinha alcançado grande fama. Entre eles, embora não recordemos todos os nomes, pois foram vários, justo é, contudo, lembrar Violinda Medina e Silva e Manuel Nogueira e Silva.
      Mas, e dadas as características que delineámos para estes serões, vamos recordar só duas daquelas peças. E começamos pela popularíssima “As pupilas do senhor Reitor”. Certamente que todos conhecem esta obra. Júlio Dinis, pelo menos nos tempos da nossa já distante mocidade, em que ainda não havia televisão e o rádio era luxo de poucos, lia-se bastante e os seus romances eram como que obrigatórios.

         A adaptação teatral foi uma compilação e arranjo do escritor Penha Garcia que, em três actos e quatro quadros, resumindo algumas das principais passagens do romance, situou a acção de forma a que, na verdade, abarcasse todo o enredo do livro. Conseguiu-o e, igualmente, conseguiu mostrar uma lindíssima opereta. Musicada pelo conhecido e popular maestro e compositor Filipe Duarte, que conseguiu uma inspiradíssima partitura, caíu completamente no agrado do povo. E recordemos que, tanto o adaptador da peça como o compositor musical (neste caso sua viúva), sabedores da actividade beneficente da SIT, autorizaram a representação da sua obra sem cobrarem qualquer importância pelos seus direitos de autor.

         A cena abre representando um largo de aldeia. A um dos lados, situa-se a tenda de João da Esquina, a tradicional loja de vende tudo, onde também reside com sua mulher, Teresa, e a filha, a trigueira Francisquinha, que começa a ver passar a idade dos namoros sem conseguir atrair a atenção de qualquer dos rapazes da aldeia e das redondezas. No lado oposto adivinha-se um ribeiro de águas límpidas, onde algumas mulheres lavam roupa e outras a estendem a secar. Pelo meio do largo, observando o que se passa e conversando, alguns homens da aldeia.

        Do rio as águas de prata
        Correm todas para o mar
       Onde a lua timorata
       Pelas noites vem brilhar
             Ah!
       Ai olé, ai olá,
       Batem sem parar
       Sem nunca descansar.
       São como pérolas finas
       Que nós vemos deslizar
       Por entre as mãos pequeninas
       Que as deixam fugir p’ró mar.
              Ah!
       Ai olé, ai olá,
       Entre as doces lavadeiras
       Há canções tão divinais,
       Ai olé, ai olá,
       Que se tornam feiticeiras
       Com seus cantos ideais.
       Ai olé, ai olá.

         José das Dornas, lavrador abastado da aldeia, tinha dois filhos. O mais velho, Pedro, seguira a vida agrícola e era ele o braço direito de seu pai, nos trabalhos e amanhos das suas terras. Daniel, o mais novo, seguira outro rumo. Demonstrando boa intuição para os estudos, e a conselho de seu mestre, o velho Reitor, foi mandado estudar para o Porto. Ali passou os últimos anos e agora, acabada a formatura em medicina, regressava à aldeia.


         Pedro, entusiasmado com a chegada de seu irmão, prepara grande festa. No grupo que se encontra no largo, está, também, João Semana, o velho médico da aldeia. Satisfeito, aguardava pacientemente a vinda do seu jovem colega, enquando dava dois dedos de conversa. “Os médicos não são grilos. Podem meter-se aos pares na mesma gaiola”, respondia ele àqueles que lhes mostravam recear a concorrência num meio tão pequeno. Chegava para os dois e, além do mais, ele começava a sentir-se velho e a necessitar de descanço. Ainda bem, ainda bem que iria ter um colega.

O Associativismo na Terra do Limonete - 78

Merece ser aqui recordado, um novo apontamento inserido no jornal ‘República’, em Janeiro de 1960, desta vez a propósito da representação, no palco tavaredense, da peça As árvores morrem de pé. Durante a já nossa longa vida temos visto muito teatro. Temos presenciado os mais variados géneros de espectáculo. Desde a alta comédia (género de que mais gostamos) à comédia burlesca, drama, revista, fantasias musicadas, etc., de tudo temos visto e pelos maiores artistas. Sabemos avaliar, pois, sem vaidade o dizemos, o bom e o mau teatro.
         Sempre que vemos no palco um artista de valor a desempenhar com agrado o papel, sentimo-nos satisfeitos; mas quando acontece o contrário partilhamos da mágoa que inferioriza o actor.
         Estas palavras servem como de explicação à notícia que vamos desenvolver  pelo que vimos em Tavarede interpretado pelo extraordinário grupo de amadores dramáticos da prestimosa Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Com uma só palavra traduziremos a nossa admiração pelo que nos foi dado observar, “colossal”.
         Nunca vimos amadores a produzirem teatro de tanta categoria! Diremos mais: companhias de profissionais temos visto fazer teatro muitas vezes inferior ao que nos foi dado presenciar agora em Tavarede.
         Com a peça em 3 actos “As árvores morrem de pé” que havíamos já visto no Nacional, e em que a grande Palmira Bastos desempenhava o papel de avó, festejou o seu 56º aniversário esta Sociedade de tão alto valor educativo.
         Para se fazer uma ideia de quanto vale numa pequena povoação rural esta incomparável colectividade basta dizer que logo à entrada do edifício onde tem a sede se encontra afixada uma lápida com a seguinte legenda: “Instruir é construir”.
         Mas não é só ao teatro que esta prestimosa colectividade se dedica. Mantém de igual modo, um grupo musical de agrado certo e uma biblioteca assaz frequentada.
         “As árvores morrem de pé” de Alexandre Casona, na tradução de Acúrcio Pereira, encontrou no grupo dramático que a representou agora, uma exibição de grande classe, ultrapassando todas as nossas previsões. 


                                              As árvores morrem de pé
          A srª D. Violinda Medina, na “Avó”, podemos afirmá-lo, se a própria Palmira Bastos a visse neste papel a felicitaria pela maneira como o encarnou e o soube desempenhar. Em que grande artista dramática esta simples amadora se transformaria se seguisse o teatro como profissão!
         Com um à vontade inalterável, dicção perfeita, jogo fisionómico sempre adequado às frases, pisando e gesticulando como se uma avó velhinha propriamente já fosse, fez-nos pensar que estávamos à frente de uma avó que não era desempenhada por uma simples amadora mas sim por uma profissional categorizada.
         Bravo srª D. Violinda Medina da Silva, os nossos parabéns.
         D. Maria Isabel Reis, nos papéis de Marta-Isabel, é inconfundível. Disseram-nos que esta amadora tem apenas 15 anos de idade, o que mais nos surpreende, ainda, dada a forma como desempenhou este duplo papel de fases bem difíceis e que ela venceu perfeitamente.
         Quem habituado a ver teatro não ficará surpreendido pela forma como Isabel Reis venceu os transes difíceis da “Isabel”? Teve intensidade dramática suficiente, sem exageros nem quebras naquelas cenas em que interpretava quer com a avó quer com o pseudo-marido.
         Estamos convencidos de que se Maria Isabel Reis seguisse a vida de teatro, enfileiraria dentro em breve no número das ingénuas dramáticas de grande valor artístico.
         O desempenho foi tão certo e tão harmónico que eleva o conjunto a um tal plano que muitas vezes se não verifica em muitos elencos profissionais.
         Do elenco masculino os que mais nos impressionram, certamente porque a responsabilidade dos papéis a isso os forçou, foram Fernndo Reis, no “Maurício” e António Jorge da Silva no avô “Fernando Balboa”. Principalmente o primeiro em alguns transes difíceis em que o papel o obrigava, houve-se com o mérito de um verdadeiro profissional.
         Maria Dias Pereira, na “Helena”, e Maria Teresa de Oliveira em “Genoveva”, foram perfeitas, absolutamente correctas na missão de que se incumbiram.
         Os demais intérpretes desta peça ainda no número de sete, saíram-se todos admiravelmente.
         Resta-nos fazer a nós próprios as seguintes perguntas: - Como é possível em Tavarede fazer-se teatro desta categoria? É isto devido à elevada instrução dos componentes do grupo? Será porque os seus componentes, não tendo outros afazeres, se dedicam exclusivamente ao teatro para entreter as horas de ócio? Não, não é nenhuma destas razões que transformam o grupo de amadores dramáticos de Tavarede no mais completo, no mais homogéneo, no mais artístico grupo de amadores que temos visto representar.
         A razão máxima porque saímos daquela pequeníssima sala de espectáculos encantados, assombrados, consiste no facto do mestre deste excelente grupo de amadores dramáticos ser José Ribeiro.
         Quem conhece o seu valor como nos foi descrito por pessoas que com ele desde há muito tratam; a sua paixão pelas lides do palco; o seu espírito de sacrifício e carolice, compreende então que o grupo dramático desta prestimosa, tão prestimosa como educadora colectividade, pode fazer o que faz e como faz, devido ao grande valor pedagógico do seu mestre que, além de tudo o mais, sabe muito de teatro.

         Transformar camponeses, trabalhadores de oficinas, costureiras ou domésticas num grupo de tão grande valor cénico, só o pode conseguir um homem superior que, como este, vem desde há algumas dezenas de anos dando o melhor do seu esforço, com o maior sacrifício da sua vida e interesses em prol da educação popular, o que lhe deveria dar juz a ser compensado e recompensado pelo triunfo da causa a que se dedicou e pela qual vem desde há muito batalhando com extraordinário êxito.

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 22

         No ano de 1899 a festa terminou com um banquete oferecido pelo pároco local às diversas individualidades que estiveram presentes. “Como haviamos annunciado, realisou-se esta festa no domingo ultimo com toda a pompa e esplendor.
         O côro era composto dos melhores artistas vocaes e instrumentaes, tanto d’esta cidade como de Coimbra. A missa foi cantada pelo reverendo vigario da freguezia, sr. Joaquim da Costa e Silva, acolytado pelo reverendo parocho das Alhadas e coadjutor d’esta cidade. Ao Evangelho subiu ao pulpito o sr. Santos Pimenta, parocho de Verride, que mais uma vez mostrou os seus grandes dotes de oratoria sagrada.
         Pelas 4 horas da tarde, depois do solemne Te-Deum, realisou-se a procissão, sendo conduzida a umbella pelo sr. Antonio dos Santos Rocha, distinto advogado e conservador do museu municipal. A esta solemnidade presidiu a melhor ordem. Acompanhou a procissão a Philarmonica das Alhadas, que já na vespera estivera tocando em frente da egreja.
         O digno vigario sr. Costa e Silva aproveitou a occasião para reunir à sua meza os seus amigos, offerecendo-lhes um lauto jantar, ao qual assistiram os reverendos parochos das Alhadas, Villa Verde, Verride, o coadjutor d’esta cidade, o alumno do 3º anno de theologia sr. Gaudencio Netto, e ainda os seus particulares amigos, conselheiro Pereira dos Santos, dr. Luciano Monteiro, distinto advogado em Lisboa, e deputado da nação, dr. Antonio dos Santos Rocha, drs. José e Joaquim Jardim, Manuel Ramalho, de Condeixa, José Maria Casimiro, e outros cavalheiros das suas relações. Ao toast trocaram-se affectuosos brindes.
         Damos em seguida o menú:
Sopa 
Croquettes
Peixe com batata
Leitões
Costelletas - purée de batata
Cabrito com cebollinhas
Mayonaise
Roast-beef - saladas
Sobremesa
Creme - outros doces
Fructas, etc.
Vinhos differentes
Café - Cognacs – Licores”.
Recordemos que nunca eram esquecidas as danças populares, num arraial instalado no largo defronte da igreja, e o fogo de artifício, bem como o concerto pela banda convidada.  “... no sábado à noitequeimaram-se no largo da igreja dez peças de fogo preso, que produziram algum efeito, sendo também deitados muitos foguetes. Naquele local tocou durante muito tempo a filarmónica das Alhadas, e a igreja, vistosamente engalanada, esteve exposta à visita dos fiéis, os sinos repicaram am sinal de regozijo, etc.”.
Em 1902, as festas foram maiores, pois, a partir deste ano, também começaram a festejar a Senhora do Rosário. “Não há noticias para vos enviar, a não ser que brevemente teremos duas festas, qual d’ellas a mais apparatosa. A primeira, do Santissimo, no dia 7 de Setembro proximo, e a segunda a 21. Para Tavarede, a freguesia mais pobre do concelho, achamos demasiado duas festas, já mais em tão curto período de tempo, pelo facto de que se fazem por meio de obulos  que os promotores angariam pelos habitantes. Estes, coitados, para não criarem inimisades, ou alcunharem-nos de herejes, lá vão subscrevendo com os seus seis vintens, que às vezes bastante falta lhe fazem, mas, é para a festa, viva a festa!
         Os proprietarios dos estabelecimentos de viveres, olham, com a lágrima no olho, para o cadastro das dividas incobraveis, da maior parte dos seus amigos e freguezes, que se desculpam allegando não ter meios para satisfazer, esquivando-se assim ao pagamento, mas quando lhes toca pela porta a subscripção para a festa, já há meios. É costume percorrer a freguezia um individuo pedindo esmola para qualquer infeliz que lucta com a doença e a fome. No sacco não entram senão moedas de 5 e 10 réis, quando o dedicado e caritativo portador não apanha a sua piadinha insolente em logar de esmola. Para as festas o chulo inferior regula por 100 e 120 réis! Sobre este assunto, muito havia que dizer, mas ficamos hoje por aqui”
            A festa do Santíssimo decorreu com a habitual solenidade. “... o fogo preso queimado no sábado à noite agradou a muita gente, assim como a filartmónica das Alhadas que tocou várias peças. A igreja, que estava ornamentada com certo gosto, foi muito visitada. Pela noite fora dançaram muitas raparigas e rapazes ao som dos trombones alhadenses, não faltando também a atormentar-nos o tonante e popular Zé P’reira que este ano nos apareceu em duplicado!”.
         Coube, depois, a vez à festa em honra da Senhora do Rosário.Na ultima carta noticiámos que se faziam novenas á Senhora festejada. A mais concorrida, porém, e a que teve mais realce, foi a que se celebrou no sabbado á noite. O templo trasbordava de fieis e houve de anormal a execução de duas peças que a philarmonica Alhadense fez ouvir. A cerimonia effectuou-se pelas 10 horas da noite, e n’essa occasião era na verdade attrahente o bello effeito da ornamentação da egreja, toda caprichosamente engalanada pelo conhecido e distincto armador de Maiorca, sr. José Horta.
         As funcções de domingo decorreram na melhor ordem possivel, caracterisando-as o muito respeito que n’ellas sempre se notou. O côro que tomou parte na missa era dos mais bem organisados que tem vindo á nossa egreja, e não é favor dizer isto, desde que d’elle faziam parte musicos distinctos e de méritos sobejamente conhecidos. O sermão do sr. padre Bruno foi mais uma d’essas oracções d’estylo finamente burilado que algumas vezes já nos teem prendido e cujo thema se baseava na fé pela Virgem. O primor da sua palavra eloquente, espertando-nos a attenção em cada phrase que facilmente desprende, foi mais uma vez objecto do elogio de todos os que o escutaram com agrado e que, como eu, teem por elle bastante sympathia.
         Á tarde, antes da sahida da procissão – uma das mais numerosas que aqui se tem visto – houve ladainha, Te Deum e sermão pelo revdº Arthur Barreira, que já se fez tambem ouvir pela festa do SS e que, como por essa occasião, deixou o auditorio bem impressionado, continuando assim a garantir os seus bons créditos de excellente orador. Além da parte religiosa que vimos de mencionar, tivémos ainda a musica Alhadense, o Zé P’reira, a dansa na noite de sabbado e os muitos foguetes que animaram e alegraram a povoação n’aquelles dois dias, não faltando tambem a concorrencia de bastante gente”.
         Mantiveram-se estas festas, em conjunto, durante mais alguns anos, até que, deduzimos das notas encontradas, passaram a ser realizadas em anos alternados, E ainda recolhemos a notícia das festas no ano de 1924. “... Constaram esses festejos de danças populares, fôgo do ar, missa cantada, procissão, etc, tendo tudo decorrido na melhor ordem.
No largo do Forno parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense executou, num vistoso pavilhão, iluminado a electricidade, um magnifico programa ao som do qual uma numerosíssima massa de forasteiros rodopiou alegremente toda a noite de sábado, e no domingo, das 19 horas até à meia noite. Dessa cidade veiu abrilhantar a procissão — apenas abrilhantar a procissão, pois não houve o praxista concerto!... - a simpática Filarmónica Figueirense, que cumprimentou as colectividades locais, com quem aliás permuta uma amizade antiga e inabalável.
Se não fosse a tuna do G.M.T. e esta distinta banda, quasi se poderia dizer que era uma festa que este ano passaria desapercebida. Tanta compressão de despezas também parece mal... A festa mais interessante foi sem duvida a segunda-feira à tarde. Houve rosquilhada sem trambolhões - no que é fértil -, corridas de velocidade, de três pernas, de agulhas, etc. Aos vencedores das provas foram distribuídos prémios em dinheiro.
Depois de recolher a procissão, que decorreu com aquela pacatez, com aquele respeito próprios de um povo que se presa de ser educado, saiu à rua uma comissão de rapazes que fez a Pega da Bandeira para a realisação dos festejos a S. João no próximo ano de 1925. Acompanhou-os, a percorrer as ruas a Filarmónica Figueirense. Consta-nos que esses rapazes estão animados da melhor boa-vontade para levarem a efeito uma festa rija e pomposa. Oxalá não venham a desanimar, como sucedeu a outras que iniciaram com musica e foguetes e... ficaram-se nas tintas…”.
         Cumprindo uma promessa, um devoto promoveu, em Outubro de 1925, novas festas na nossa terra. “... promove nos dias 17 e 18 do corrente uma festividade em Tavarede, a qual constitue o cumprimento duma promessa feita ao Mártir S. Sebastião. Segundo nos informam, essa festa constará, na noite de sábado para domingo, de concerto por uma excelente banda musical, fogo preso e do ar e danças populares abrilhantadas pela Tuna de Tavarede. E no domingo, missa solene e coro, sermão, procissão e descantes populares, até à meia noite”.

A partir desta data não encontrámos notícias a darem grande relevo a estas festas. Com regularidade, tem-se cumprido o costume, realizando, normalmente em Setembro, a chamada ‘festa do Senhor’. Mas, com o brilhantismo e animação das festas referidas primeiramente, nunca mais se realizaram na nossa aldeia.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 21

         O mês de Setembro, na nossa terra, tinha grandes festividades religiosas. A primeira nota encontrada foi em Setembro de 1881. “Realisou-se como dissemos a festa ao S. Sacramento em Tavarede.
         No sabbado à noite a Philarmonica Figueirense levando d’esta villa um numeroso rancho de romeiros foi alli tocar n’um pavilhão, para esse fim preparado, lindas peças do seu variado reportório, regressando com a grande comitiva às 11 horas e meia da noite. A egreja estava muito bem illuminada. Queimaram-se muitas dúzias de foguetes.
         No domingo a orchestra da mesma philarmónica, auxiliada por alguns amadores, executou bem a missa de Santos Pinto, conhecida pelo nome de Missa dos dois tenores. Entre os cantores distinguiram-se o nosso particular amigo e collega dr. Santos Couceiro, que cantou com todo o primor o solo do Quoniam…, o revdº Francisco Pinto d’Almeida, que com a sua bella voz de basso cantou a solo e duetto Domine Deus, e  dois cantores, um de Coimbra, outro de Maiorca, cujos nomes não sabemos.
         Ao evangelho subiu ao púlpito o reverendo prior de Pereira, que fez uma brilhante oração, revellando-nos grande talento, felicidade de imagens, muitos conhecimentos de sciencia theologica, e bastantes de philosophia moderna. S. Exaª orou também de tarde fazendo a apologia da oração, como poucas temos lido e ouvido. Não exageramos dizendo que occupa já um logar distincto da nossa oratória sagrada, que infelizmente às vezes por ahi se vê muito arrastada.
         O adorno da Egreja coube ao bem conhecido armador de Coimbra, Manuel Pereira, que apresentou o templo decorado com toda a magestade de ornamentação digna da festa e dos festeiros. Os mordomos, auxiliados pelo nosso exmo amigo e correligionário João José da Costa e sua exma esposa, houveram-se com toda a bizarria, podendo gabar-se de terem feito uma festa brilhante.
         De tarde houve Te-Deum e procissão que percorreu as ruas de Tavarede, levando atraz um concurso de mais de 800 pessoas. A Figueira despovoou-se: a maior parte dos banhistas escolheram aquele local para passeio e dezenas de madamas foram levar também à festa o esplendor da sua bellesa. Não houve a mais leve alteração da ordem, não obstante a provocação que o regedor fez aos seus visinhos, reclamando uma grande força de tropa, que apenas serviu para estar n’uma caserna. Nada mais”.
         Avançando nos nossos apontamentos, verificamos que, na maioria dos anos seguintes, as notícias são muito pequenas, anunciam as festas, uma ou outra refere o programa e pouco mais. Mas eram festas religiosas que atraíam à nossa terra muitos visitantes. Vejamos, agora, a notícia referente a 1895.
         “No sabbado e domingo passado realizou-se nesta freguezia a festividade ao Santíssimo Sacramento, seguindo-se, pouco mais ou menos, o programa descrito na nossa ultima correspondência e que reproduziremos pela forma seguinte:
         No sábado à noite houve iluminação com lanternas e balões venezianos na fachada da igreja; num coreto também iluminado a balões e que foi levantado no largo da mesma egreja, tocou algumas peças de música a philarmonica das Alhadas. Foram queimados bastantes foguetes, alguns dos quais de variadas cores.
         No domingo, houve missa solene cantada pelo reverendo Manoel José da Cunha, acolitado pelos reverendos Margato, de Brenha, Benido, das Alhadas, dr. Carneira, de Buarcos, Nunes Forte, de Vila Verde, e Rodrigues de Andrade, prior de Quiaios. Ao evangelho orou o reverendo vigário desta freguezia, Joaquim da Costa e Silva, que pregou um excelente sermão, que a todos agradou; em seguida procedeu-se à cerimónia da comunhão, antes da qual o mesmo orador pronunciou uma pequena prática de exortação às crianças, sendo depois guiadas por dois anjinhos à mesa da comunhão.
         De tarde houve Te-Deum e sermão. Finda esta cerimónia saiu a procissão, produzindo bonito efeito pela numerosa irmandade à qual se seguiam as crianças da comunhão, Santíssimo, fechando o préstito a filarmónica e bastante concurso de povo.          A umbela era conduzida pelo sr. dr. José Jardim.
         Já passava das 6 horas quando a procissão recolheu, terminando a festa da igreja, que foi imponente, concorrendo para tal fim a boa orquestra e cantores do coro, composto por músicos distintos, de Coimbra e Figueira; e finalmente a bela ornamentação da igreja, feita pelo afamado armador de Maiorca, sr. José Horta, justificando assim que são bem merecidos todos os elogios que lhe são dirigidos.
         Nesta festividade serviram pela primeira vez vários objectos que o reverendo pároco comprou com o importante donativo de 50$000 reis que em tempo lhe foram oferecidos pela exma srª D. Emília Costa, dos Condados, destinados à compra de alfaias para a igreja da freguesia. Igualmente foi estreado um tapete novo, comprado por subscrição pública, cuja iniciativa se deve ao reverendo vigário desta freguesia”.
         A igreja era lindamente ornamentada e a missa solene acompanhada por orquestra e coro. “... A orquestra do coro, composta por músicos da Figueira e de Coimbra, todos muito distintos, era magnífica, sendo sem dúvida o que muito concorreu para o brilho e imponência daquele acto religioso”.
         Havia sido constituida uma confraria que, para sua sede, tinha solicitado a cedência da capela do Santo Aleixo. “A Irmandade do Santissimo d’esta freguezia pediu em tempo à Junta de Parochia, tambem de Tavarede, a cedencia do local onde se conservam as ruinas da capella de Santo Aleixo, afim de ali edificar uma capella para a sua installação propria.
         Convocados e reunidos os membros da junta para darem o seu parecer sobre o deferimento ou indeferimento ao pedido da meza da irmandade, resolveram, mediante certas condições preventivas para eventualidades futuras, ceder o terreno em questão.
         O que é certo é que já são passados alguns mezes e ainda até hoje não vimos começar com as obras, ou, pelo menos, tractar de reunir os elementos para ellas, quando de mais a mais havia muitos irmãos da confraria e outras pessoas particulares que concorreriam com materiaes para a construcção da referida capella, e que no cofre da irmandade há tambem algumas importancias que tem sobrado das esmolas com que o povo de Tavarede tem contribuido para a realisação das festas do SS que se teem effectuado nos mezes de setembro dos ultimos tres annos.
         Vem isto a proposito de na nossa carta anterior termos pedido à Junta de Parochia para que mandasse demolir aquelas ruinas, que podem mais dia menos dia causar serios desastres, não nos lembrando já do pedido que lhe fôra feito há mezes pela Irmandade.

         Arrazar-se aquelle local tambem não pode admittir-se, pelo que agora nos dizem, em vista de n’elle se conservarem algumas ossadas de cadaveres que recentemente ali foram sepultados. Portanto, porque não tracta a confraria de proceder às obras que tinha vontade de ali fazer e para cujo fim fez reunir uma corporação a quem se não devem transmittir pedidos levianos...”.

O Associativismo na Terra do Limonete - 78

         Ainda sobre o mesmo assunto, não queremos deixar de recordar uma nota, bastante interessante, publicada pelos ‘Engenheiros de obras feitas’, da Figueira. Na nossa qualidade de figueirenses estamos sempre prontos a louvar com o justo realce tudo quanto prestigie a nossa terra, tanto no campo material como no campo cultural, numa coerência de princípios que os “engemheiros de obras feitas” cumprem muito gostosamente.
         Recentemente, o Secretariado Nacional de Informação promoveu um Concurso de Arte Dramática para o qual seleccionou as colectividades do país que julgou dignas de concorrerem às diversas modalidades de teatro, opondo-as fora do seu ambiente e sob as vistas de um júri de mestres.
         A finalidade deste Concurso e os resultados que dele resultarão, pensamos nós, serão mínimos e quase estéreis.
         O teatro de amadores precisa de impulsos de outra ordem, mais palpáveis e substanciais, e para a elevada função que ele representa na instrução do povo, são necessárias outra directrizes mais profundas e eficazes, de forma a salvar da decadência a magnífica arte de representar que, no conjunto de amadores e profissionais, sofre uma crise de estímulo provocada por asfixiante regulamentação, como todos sabemos.
         Mas isto é assunto para uma vasta apreciação e não é esse o nosso propósito neste momento.
         Todos os figueirenses conhecem de sobejo o valor da “nossa” Sociedade de Instrução Tavaredense, que foi uma das colectividades admitidas ao referido concurso.
         A sua obra e o seu valor estão documentados pela representação do que melhor existe no teatro nacional e estrangeiro. As peças de autores portugueses mais consagrados têm passado pelo pequenino teatro de Tavarede, representadas, sempre, por um grupo de grandes amadores, que têm enchido de prestígio não só a sua associação como a própria Figueira da Foz, através de quase todo o país.
         É enorme a sua acção no campo cultural e beneficente, e neste último aspecto, ela tem dado tudo em prol dos outros, nunca pensando em si, e hoje, que quer reconstruir o seu teatrinho não o pode fazer porque não amealhou meios para isso.
         Maior isenção, maior sacrifício pelo bem comum, não é possível encontrar nos dias de hoje.
         A Sociedade de Instrução Tavaredense foi ao Concurso do SNI por méritos próprios, não se organizou ou ensaiou à pressa para se apresentar em Lisboa. O concurso encontrou-a preparada e apetrechada e não teve de recorrer a qualquer recurso para representar a sua peça, porque o bom teatro e as boas peças são norma corrente do seu trabalho.
         Por isso, foi altamente honroso para a Figueira o resultado alcançado pelo grupo de Tavarede, e que se deve atribuir, exclusivamente, ao valor dos seus amadores, que souberam vencer, num confronto das maiores responsabilidades.
         Atesta-o a classificação que obteve no referido Concurso, na Categoria B – Comédia. Com quatro prémios.
         = 2º. Lugar – Prémio “Francisco Taborda”, pela representação da comédia “Os Velhos”.
         = Prémio “Carlos Santos”, ao seu ensaiador.
         = Melhor interpretação feminina – Prémio “Maria Matos”, à amadora Violinda Medina e Silva, no papel de “Emília” na comédia “Os Velhos”.
         = Melhor interpretação masculina – Prémio “Chabi Pinheiro”, ao amador António Jorge da Silva, no papel de “Bento” na mesma comédia.
         = Foi, como se vê, o único grupo que alcançou quatro prémios, pois os restantes oito prémios foram assim distribuidos: - “Grupo Miguel Leitão” de Leiria, 2 prémios; Sociedade Recreativa e Dramática Eborense, 2 prémios; Círculo Cultural do Algarve, 2 prémios; Clube Popular de Faro, 1 prémio; Centro de Desporto, Cultura e Recreio do Pessoal dos CTT de Lisboa, 1 prémio.



                                  Diploma atribuido à SIT

          Verifica-se, assim, que o grupo de Tavarede alcançou um terço da totalidade dos prémios, devendo acrescentar-se duas menções honrosas: interpretação do amador João Cascão, no papel de “Patacas” de “Os Velhos” e encenação do “Frei Luís de Sousa”.
         Quer dizer, os primeiros Artistas – Amadores do teatro português de comédia, são tavaredenses.
         Ao distinções que definem bem o valor de uma colectividade com uma vida dedicada ao teatro, e que traduzem, ainda, uma enorme honra para a Figueira da Foz.
         E é aqui que queríamos chegar:
         Como se manifestou a Figueira no seu regosijo e no merecido agradecimento à Sociedade de Instrução Tavaredense?
         Em nada, absolutamente nada.
         Que contraste, que tristíssimo contraste com o acolhimento que a nossa vizinha Leiria dispensou ao seu grupo “Miguel Leitão”, que alcançou 2 prémios com a representação do drama “Tá Mar”.
         O grupo leiriense foi recebido nos Paços do Concelho da sua terra por toda a vereação municipal, numa sessão solene em que participou toda a população.
         A Câmara Municipal, atribuindo-lhe a medalha de ouro da cidade deliberou, ainda, aumentar de 6 para 10 contos o subsídio que lhe dá anualmente.
         A Câmara de Leiria rematou o seu agradecimento, oferecendo um banquete aos componentes do grupo, e ao qual assistiram os srs. Governador Civil, Presidentes da Câmara e do Turismo e outras individualidades.
         E por último realizou-se novo banquete, oferecido pelos amigos do grupo, presidido pelo sr. Presidente da Câmara e no qual tomaram parte dezenas e dezenas de pessoas de todas as camadas sociais.
         Leiria e as suas entidades oficiais souberam, assim, agradecer ao grupo “Miguel Leitão” a honra de levar para sua terra 2 prémios do Concurso de Arte Dramática realizado em Lisboa.
         E as entidades oficiais da Figueira como é que manifestaram o ser reconhecimento à Sociedade de Instrução Tavaredense pelos QUATRO prémios que ela alcançou para a nossa terra?
         Nem uma simples referência, nem um modesto voto de louvor se tornou público (e tem havido tantos neste últimos tempos!) a galardoar tanto esforço, tanto trabalho pela instrução e pela beneficência do nosso concelho!
         E se nos anais da nossa Câmara há registos que honram e enobrecem, a obra da Sociedade de Instrução Tavaredense devia ficar ali vinculada em letras de ouro, em preito do muito que ela tem prestigiado a nossa Figueira da Foz.
         Seria o verdadeiro prémio a que ela tem incontestável direito, e uma prova de gratidão muito e muito merecida.

Operetas em Tavarede - 18

         Foi sem vontade que Luísa acompanhou seu noivo e seu pai ao arraial. João Viúvo queria mostrar a todos a sua conquista. Algumas raparigas, sabendo que tanto a alegria de José Cigarra, como a resignação de Luísa, eram aparentes, entendem, por bem, desafiá-los para cantarem uma desgarrada.

            Luísa    
Benze as terras, S. João,
Benze as terras, meu santinho,
Que a riqueza do aldeão
Sai da terra em pão e vinho.

            José 
Ser rico é ser escorreito,
Ser grande é ter coração.
Mais vale um amor no peito
Que vinte leiras de pão!

            Luísa 
Quem tem de morrer donzela
Não queira mudar os fados.
Fui bochechar à janela
Ouvi dobrar a finados!...

            José 
Queres que o mundo te aponte
Por modelo de inocência...
Lavaste a cara na fonte,
Faze o mesmo à consciência.

Este quadro da festa, diz-nos o crítico a que já nos temos referido, “é um quadro cheio de realidade, felicíssimo sob todos os pontos de vista, que inclui uma desgarrada cantada pelos dois noivos, ela porque a isso a constrangeram, ele para lhe responder, que é um verdadeiro achado teatral e um primor de poesia no género”.

         O terceiro acto é o culminar da vitória do amor sobre a ambição. “José Cigarra vai a casa da Formiga e, enquanto espera, adormece e sonha. No seu sonho aparecem-lhe, nas suas verdadeiras proporções, as figuras reais da peça. João Viúvo é a Formiga com todos os seus defeitos e sem nenhuma das suas qualidades. Ele próprio, é a Cigarra estouvada demais e com pouco amor ao trabalho. Pesando prós e contras, ele mesmo tira as conclusões e é já abraçado a Luísa, que nunca deixara de lhe querer, que responde à Cigarra e à Formiga e às suas censuras, a uma porque se inclina para as teorias da outra. Ambas têm qualidades e ambas têm defeitos. José Cigarra aprendeu com ambas e concluíu que é preciso trabalhar, lutar, ser bom e honrado, sem deixar de ser alegre e de divertir-se. De toda esta lição, acaba por sair a inevitável e eterna vitória do Amor.

 Co’um raio! Eu sou muito rude,
 Nasci na aldeia, não sei
 Com que palavras o diga.
 Não sei, mas haja saúde!
Não dirão que me calei
À Cigarra e à Formiga!

Uma coisa, assim a modos
Um laço entre os homens todos,
Sejam moiros ou de Cristo
Ou de qualquer outra fé...
Então o amor não é isto?
Se não é isto, o que é?

Aquela coisa que faz
Com que um miúdo, um rapaz,
Que mal pode co’uma flor.
Vendo a mãe desamparada,
Troque o pião pela enxada...
Então, não é isto o amor!?

E a cachopa, com carinho
Guiando um pobre ceguinho
E consolando-o na dor,
Na idade em que as outras todas
Só vêem festas e bodas...
Então, não é isto o amor!?

Moços deixando os casais
 As conversadas e os pais
 Velhinhos, quase em estertor,
 Para remirem na guerra
 Com seu sangue a sua terra...
 Então, não é isto o amor!?

 E as mulheres cujo ofício
 É o eterno sacrifício
 De limpar sangue e suor,
 Viver nas enfermarias
 E assistir às agonias...
 Então, não é isto o amor!?

 Outras então, cuja esmola
 É dada às almas, na escola,
 Aos cachopitos em flor,
 Em geral estéreis seios
 A formar... filhos alheios...
 Então, não é isto o amor!?

 E eu próprio, à face de Deus
 Escolhendo a mãe dos meus
 E abraçando-a com fervor,
 Eu próprio, neste momento,
 Sabeis o que represento?
 Curvar-vos que é isto o amor!

            (durante o recitativo, vai-se ouvindo, a música tocando o número final da peça e que, ao acabar, sobe de volume, acabando, assim, o segundo serão sobre as historietas do teatro antigo da Sociedade de InstruçãoTavaredense)

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Operetas em Tavarede - 17

No segundo acto as figuras simbólicas transformam-se em figuras da vida real. Luísa, filha do António Moleiro, namora com José Cigarra, com o consentimento e agrado do pai. O Cigarra é bom rapaz, cavador, honesto, embora tenha mais gosto em andar nas festanças do que em trabalhar. Mas é pobre e, um belo dia, o António Moleiro sabendo que o João Viúvo, um ricaço boçal da aldeia, procurava mulher para casar novamente, logo pensou na sua filha.

         Ao João Viúvo não lhe interessava casar por amor. O que pretendia, avarento como uma formiga, era arranjar uma mulher que lhe fizesse a lida da casa, tratasse dos animais e dos amanhos das terras. Pretendia fazer boa escolha, pois a mulher que ele levasse ao altar, teria que valer, pelo menos, por duas criadas. Queria o trabalho feito e sem ter que pagar...

         António Moleiro foi tocado pelo espírito da ganância e pela ambição da riqueza. Não se importou em sacrificar sua filha. O Viúvo era rico, enquanto que o outro, o Cigarra, nem tinha onde cair morto... Luísa, filha obediente e submissa, embora contrariada porque o seu desejo era casar com José Cigarra, aceitou a decisão do pai.

            Luísa         
Ai minha mãe, minha mãe!
Vivesses tu, tinha eu pai!
Assim, se o pranto me cai,
Não tenho pai nem ninguém!

Na minha pobreza fico;
Só quero amor e alegria.
E quem fôr muito mais rico
Coma seis vezes ao dia.

Minha agulha de coser,
Meu amor e minha fé,
São os bens que quero ter
Para dar ao meu José.

Minha agulha de coser,
Meu amor e minha fé,
São os bens que quero ter
Para dar ao meu José.
Meu José.

          José
Viva a minha
Luísinha,
Minha flor,
Anjo terno,
Meu eterno
E lindo amor.

            Luísa 
Eu no meio
Do enleio
Deste encanto,
Já nem sei
Que direi...
Quero-te tanto!

            José
Minhas penas
Têm apenas
Como alento
Este sonho
De risonho
Casamento!

            Luísa
Encantos meus!
Quanta alegria!
Prouvera a Deus
Fôsse hoje o dia!

            Luísa 
Encantos meus
            José 
Encantos meus
            Luísa   
Quanta alegria
            José     
Quanta alegria
            Luísa                  
Prouvera a Deus
            José          
Prouvera a Deus
            Luísa 
Fôsse hoje o dia
            José           
Fôsse hoje o dia

            Luísa              
Marido e mulher
Juntos assim
 Até à morte!

            José 
Que bom há-de ser
Gozar enfim
Tão linda sorte!

            Ambos 
E depois
Para os dois
Há-de haver
Uma vida
Só tecida
De prazer.
Mal te vi
Concebi
Meu profundo,
Grande amor,
O maior
Deste mundo!

         O amor foi sacrificado. José Cigarra, vendo que a sua Luísa o trocava por outro, por um velho, resolve, despeitado, divertir-se na festa de S. João, para mostrar que, com ele, estava tudo bem e continuava alegre e feliz.

         Aquelas festas, como de costume, eram muito do agrado do povo, que nelas procurava divertir-se, esquecendo, ainda que por momentos, as dificuldades e agruras da vida diária.

            Raparigas              
Vamos raparigas,
Não falte ninguém
A soltar cantigas
E a bailar também.
Vamos à função.
Cachopas, ligeiras:
 Saltar as fogueiras,
 Honrar S. João.

            Rapazes              
 Ai meu S. João,
 Santo milagreiro,
 Ponde num braseiro
O meu coração.
  Alcachofra ardida
  Reflorece às vezes,
  E após os revezes
  É mais linda a vida.

            Raparigas 
    Da chama ao calor,
      Em volta do lume,
             Rapazes 
       Da chama ao calor
            Raparigas          
        Do próprio ciúme
         Refloresce o amor
            Rapazes                 
         Do próprio ciúme
            Raparigas           
        Morre o azedume
         Do velho rancor
            Rapazes          
        Morre o azedume
            Raparigas 
         Refloresce o amor
         Do próprio ciúme.

            Rapazes 
       Refloresce o amor.