sexta-feira, 9 de maio de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete 19

  Mas tu, meu velho santinho, que te agasalhavas com uma capa milagrosa e que em tempos idos nos davas sempre um verão delicioso, de dias amenos, sol d’oiro, noites tranquillas de puro ceu azul, illuminadas por estrellas que scintillavam lá no alto ou pela branca lua que campeava muda no espaço, - quão ingrato foste este anno para connosco! Tens-nos dado um tempo tristonho a que não faltam agrestes repellões de vento e frio, acompanhados de grossas bategas d’agua que tem cahido quasi todos os dias e noites, especialmente na passada. E se ella tem feito muito bem ás terras e ás novidades, desenvolvendo as couves e os nabos, crê tu, meu bom santo, que elle tem feito verter muita lagrima aos infelizes que vêem o lar sem pão e sem calor, e que passam o tempo espreitando as abertas que lhe permittam ganhar uns magros reaes. Intercede, pois, com o Senhor Supremo, solicitando-Lhe carinhosamente que governe tudo pelo melhor e que a sua grande bondade nunca esqueça tantas miserias que ahi vão por esse mundo fóra...”.
Comemorava-se, então, mais o vinho novo que o santo, pois “... já nu último domingo, graças ao ‘briol’ eleitoral, foi grande a animação. De todos lados surgiam ‘camoécas’ expontaneas que vinham de ‘satisfazer’ o pedido do amigo”. Pelos vistos, aproveitava-se o dia do Santo para distribuir uns bons copos em troca do voto eleitoralista...
         E foi no ano de 1915 que encontrámos esta nota. “Hontem foi aqui muito festejado o S. Martinho, orago d’esta freguezia. Em todos os lares houve lautas ceias, comendo-se castanhas e bebendo-se da nova pinga. Abriram-se os pipos, sendo a prova de primeira ordem, como era de esperar, em virtude da uva ser colhida sem que apanhasse chuva... Muitas pessoas no final das ceias queimaram foguetes quando souberam que a confraria de S. Martinho tinha reunido e fez a sua eleição, recahindo os cargos nos seguintes senhores: Juiz, Manél das Eguas; secretario, Manél Leonor; vogaes, Antonio Batina, Manél Geada e Zé Toquim; thesoureiro, Zé Cipriano; e andador, Manél Escaldado. Aos membros da nova confraria de S. Martinho as nossas felicitações”.
        A propósito desta ‘confraria’, achamos interessante transcrever um pequeno retalho da revista de costumes teatral, levada à cena no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense, ‘Pátria Livre’, da autoria de João dos Santos e musicada por Gentil Ribeiro.
Um Irmão da Confraria - Em nome da numerosa confraria de S. Martinho, vimos saudar Vossa Exa. e dar a nossa adesão à República. (fala com o Presidente)
Jornalista - Fala bem, este cidadão...
Governador - Ainda bebe melhor. Trazia o recado estudado.
Presidente - Agradeço-vos do coração as vossas saudações, e tenho em alto apreço a vossa adesão à jovem República. Espero que ajudareis o meu Governo a resolver a crise vinícola, tornando cada vez maior o consumo para que se valorize a produção.
Os Irmãos - Apoiado! Muito bem! Viva o nosso Presidente!
Presidente - Obrigado, muito obrigado.
Um Irmão - (um pouco bêbado) Viva a República vinhateira!
Todos os Outros - Viva. (cantam)
Um Grupo -   
     Nós somos da confraria
      Do adorado S. Martinho.
      As rezas de cada dia
      São sempre copos de vinho.

2º. Grupo -
       Do bendito S. Martinho
       Somos devotos fiéis.
       Emborcamos todo o vinho
       Até vazar os tonéis.

Todos
      Hoje à Pátria libertada
      Vimos dar o nosso apoio.
     A respeito de taxada
     São todos trigo sem joio.

Um Irmão - Excelência! Em nome da Confraria a que pertencemos, entrego nas mãos de V.Exa. esta representação. O que aí se pede é pouco, muito pouco, e esperamos que o Governo nos atenderá. Queremos que seja revogada a lei das tabernas; queremos que elas estejam abertas a toda a hora, de dia e de noite, como as boticas; queremos inteira liberdade de culto e que cada um possa adorar o orago da freguesia a toda a hora que lhe dê na gana; e pedimos também que o Governo dê um prémio por cada capela que de novo se abrir no território da nossa República.
Presidente - O meu Governo estudará o assunto.
Todos - (os da Confraria saem agradecendo) Obrigado Exa.

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