sexta-feira, 23 de maio de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 21

         O mês de Setembro, na nossa terra, tinha grandes festividades religiosas. A primeira nota encontrada foi em Setembro de 1881. “Realisou-se como dissemos a festa ao S. Sacramento em Tavarede.
         No sabbado à noite a Philarmonica Figueirense levando d’esta villa um numeroso rancho de romeiros foi alli tocar n’um pavilhão, para esse fim preparado, lindas peças do seu variado reportório, regressando com a grande comitiva às 11 horas e meia da noite. A egreja estava muito bem illuminada. Queimaram-se muitas dúzias de foguetes.
         No domingo a orchestra da mesma philarmónica, auxiliada por alguns amadores, executou bem a missa de Santos Pinto, conhecida pelo nome de Missa dos dois tenores. Entre os cantores distinguiram-se o nosso particular amigo e collega dr. Santos Couceiro, que cantou com todo o primor o solo do Quoniam…, o revdº Francisco Pinto d’Almeida, que com a sua bella voz de basso cantou a solo e duetto Domine Deus, e  dois cantores, um de Coimbra, outro de Maiorca, cujos nomes não sabemos.
         Ao evangelho subiu ao púlpito o reverendo prior de Pereira, que fez uma brilhante oração, revellando-nos grande talento, felicidade de imagens, muitos conhecimentos de sciencia theologica, e bastantes de philosophia moderna. S. Exaª orou também de tarde fazendo a apologia da oração, como poucas temos lido e ouvido. Não exageramos dizendo que occupa já um logar distincto da nossa oratória sagrada, que infelizmente às vezes por ahi se vê muito arrastada.
         O adorno da Egreja coube ao bem conhecido armador de Coimbra, Manuel Pereira, que apresentou o templo decorado com toda a magestade de ornamentação digna da festa e dos festeiros. Os mordomos, auxiliados pelo nosso exmo amigo e correligionário João José da Costa e sua exma esposa, houveram-se com toda a bizarria, podendo gabar-se de terem feito uma festa brilhante.
         De tarde houve Te-Deum e procissão que percorreu as ruas de Tavarede, levando atraz um concurso de mais de 800 pessoas. A Figueira despovoou-se: a maior parte dos banhistas escolheram aquele local para passeio e dezenas de madamas foram levar também à festa o esplendor da sua bellesa. Não houve a mais leve alteração da ordem, não obstante a provocação que o regedor fez aos seus visinhos, reclamando uma grande força de tropa, que apenas serviu para estar n’uma caserna. Nada mais”.
         Avançando nos nossos apontamentos, verificamos que, na maioria dos anos seguintes, as notícias são muito pequenas, anunciam as festas, uma ou outra refere o programa e pouco mais. Mas eram festas religiosas que atraíam à nossa terra muitos visitantes. Vejamos, agora, a notícia referente a 1895.
         “No sabbado e domingo passado realizou-se nesta freguezia a festividade ao Santíssimo Sacramento, seguindo-se, pouco mais ou menos, o programa descrito na nossa ultima correspondência e que reproduziremos pela forma seguinte:
         No sábado à noite houve iluminação com lanternas e balões venezianos na fachada da igreja; num coreto também iluminado a balões e que foi levantado no largo da mesma egreja, tocou algumas peças de música a philarmonica das Alhadas. Foram queimados bastantes foguetes, alguns dos quais de variadas cores.
         No domingo, houve missa solene cantada pelo reverendo Manoel José da Cunha, acolitado pelos reverendos Margato, de Brenha, Benido, das Alhadas, dr. Carneira, de Buarcos, Nunes Forte, de Vila Verde, e Rodrigues de Andrade, prior de Quiaios. Ao evangelho orou o reverendo vigário desta freguezia, Joaquim da Costa e Silva, que pregou um excelente sermão, que a todos agradou; em seguida procedeu-se à cerimónia da comunhão, antes da qual o mesmo orador pronunciou uma pequena prática de exortação às crianças, sendo depois guiadas por dois anjinhos à mesa da comunhão.
         De tarde houve Te-Deum e sermão. Finda esta cerimónia saiu a procissão, produzindo bonito efeito pela numerosa irmandade à qual se seguiam as crianças da comunhão, Santíssimo, fechando o préstito a filarmónica e bastante concurso de povo.          A umbela era conduzida pelo sr. dr. José Jardim.
         Já passava das 6 horas quando a procissão recolheu, terminando a festa da igreja, que foi imponente, concorrendo para tal fim a boa orquestra e cantores do coro, composto por músicos distintos, de Coimbra e Figueira; e finalmente a bela ornamentação da igreja, feita pelo afamado armador de Maiorca, sr. José Horta, justificando assim que são bem merecidos todos os elogios que lhe são dirigidos.
         Nesta festividade serviram pela primeira vez vários objectos que o reverendo pároco comprou com o importante donativo de 50$000 reis que em tempo lhe foram oferecidos pela exma srª D. Emília Costa, dos Condados, destinados à compra de alfaias para a igreja da freguesia. Igualmente foi estreado um tapete novo, comprado por subscrição pública, cuja iniciativa se deve ao reverendo vigário desta freguesia”.
         A igreja era lindamente ornamentada e a missa solene acompanhada por orquestra e coro. “... A orquestra do coro, composta por músicos da Figueira e de Coimbra, todos muito distintos, era magnífica, sendo sem dúvida o que muito concorreu para o brilho e imponência daquele acto religioso”.
         Havia sido constituida uma confraria que, para sua sede, tinha solicitado a cedência da capela do Santo Aleixo. “A Irmandade do Santissimo d’esta freguezia pediu em tempo à Junta de Parochia, tambem de Tavarede, a cedencia do local onde se conservam as ruinas da capella de Santo Aleixo, afim de ali edificar uma capella para a sua installação propria.
         Convocados e reunidos os membros da junta para darem o seu parecer sobre o deferimento ou indeferimento ao pedido da meza da irmandade, resolveram, mediante certas condições preventivas para eventualidades futuras, ceder o terreno em questão.
         O que é certo é que já são passados alguns mezes e ainda até hoje não vimos começar com as obras, ou, pelo menos, tractar de reunir os elementos para ellas, quando de mais a mais havia muitos irmãos da confraria e outras pessoas particulares que concorreriam com materiaes para a construcção da referida capella, e que no cofre da irmandade há tambem algumas importancias que tem sobrado das esmolas com que o povo de Tavarede tem contribuido para a realisação das festas do SS que se teem effectuado nos mezes de setembro dos ultimos tres annos.
         Vem isto a proposito de na nossa carta anterior termos pedido à Junta de Parochia para que mandasse demolir aquelas ruinas, que podem mais dia menos dia causar serios desastres, não nos lembrando já do pedido que lhe fôra feito há mezes pela Irmandade.

         Arrazar-se aquelle local tambem não pode admittir-se, pelo que agora nos dizem, em vista de n’elle se conservarem algumas ossadas de cadaveres que recentemente ali foram sepultados. Portanto, porque não tracta a confraria de proceder às obras que tinha vontade de ali fazer e para cujo fim fez reunir uma corporação a quem se não devem transmittir pedidos levianos...”.

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