segunda-feira, 15 de março de 2010

S. João de Tavarede

Nem todos os anos se realizaram os festejos ao S. João de Tavarede, até ao ano de 1927 em que acabaram de vez, conforme já aqui contei há tempos.
Em 1923 também não se realizaram. "Não queremos acreditar que, como nos disseram há dias, se realisem este anno, na nossa parvonia, os tradicionaes festejos a S. João, simples e unicamente por na épocha actual ninguem se dispôr a trabalhar sem a respectiva remuneração, motivo porque aquela festa não mais se realisará aqui segundo crêmos.
Para o anno de 1921 organisou-se uma brilhante comissão para levar a efeito aquelles festejos, começando por pegar na bandeira, após a entrega da mesma ao nosso paroco, pela comissão de 1920, mas só para meter figura na ocasião, visto que era acompanhada por musica e foguetes, a percorrer as ruas da terra, fazendo depois fraca figura perante os seus conterraneos, por nada mais ter feito, seguindo-se aquele numero as festas do anno citado.
D’ali para cá nunca mais se pensou em tal assumpto, razão porque não acreditamos que este ano hajam creaturas que pensem em realisar os tradicionaes festejos ao santo casamenteiro da nossa terra, sendo para lastimar que tal não aconteça, pois que, em muitas povoações deste e outros concelhos, se realisam todos os anos as costumadas festas, e só aqui se veja no esquecimento a do S. João, que sempre eram tão ambicionados pela gente moça, para dar largas á sua alegria!...".
Mas, se naquele ano não houve festas em Tavarede, nem por isso deixou a freguesia de festejar o Santo casamenteiro. "Varios logarejos desta freguezia, até os mais minusculos, tem este ano conseguido organisar o seu festivalsinho, com danças populares e foguetorio.
Compreende-se apezar de já o termos ouvido dizer – que os seus habitantes resolveram promover aquelas festitas para vergonha dos de Tavarede e ao mesmo tempo com o intuito de os entusiasmar, tirando-os da apatia em que se teem conservado há 3 anos, para levarem a efeito os tradicionaes festejos a S. João.
Com bastante magoa notámos que quasi todos não se incomodaram, não obstante ter havido alguns – muito poucos – com vontade de pôr mãos á obra e trabalhar de fórma a não deixar passar em branco, mais um ano, as festas dedicadas áquele santo (que nos anteriores a 1921 deixaram boa impressão em todos os forasteiros que a ellas assistiram), não vendo realisados os seus desejos, por não terem encontrado quem os auxiliasse e por ficarem para muito tarde, apezar do S. João a todo o tempo ter vez.
Que tenham paciencia todos os apreciadores das festas realisadas na nossa terra, e que esperem até ao ano de 1924, que, estou por certo, se converterão no mesmo das do corrente: em nada".
Foi no Casal da Robala, depois na Chã e ainda no Casal dos Piratas. No meio destas realizaram-se iguais festejos na Ferrugenta. Eis o recorte que recolhi sobre estas últimas:
Desta vez foi na Ferrugenta, que é um logarejo ali à beira da estrada que vai para Brenha. Meia dúzia de casas, cujas paredes são duma alvura invulgar e invejável, aliás muito dignas do nome do casal...
Não lhes serve de nada as nuvens espessas de poeira clara da estrada, que nortadas fortes dos lados de Brenha sobre elas arremessam, como que a dizer-lhes: lavem a cara, oh porcas...
Mas vivem bem naquele antro do chalé compadre Casimiro, que é, além da Ti’Maria da Ferrugenta, mulher entendida em curativos da espinhela e pragas de bruchas, a figura de relevo do logar, pois que até tem tasca.
Calhou a fazerem no domingo ultimo a sua festa... a Bacho, a qual constou, ao que me dizem, de danças de sábado para domingo e neste dia de tarde até altas horas da noite. Tocaram num elegante coreto, armado sob uma figueira de S. João, que é d'aquelas que dá figos graúdos, 4 (!!) rapazes de Tavarede. Queimaram foguetes em barda. A iluminação chegou a ser de candeias de azeite penduradas na arvore que servia de tecto aos muzicos e dançarinos... O Fandango mais o Mocho eram também da comissão. Como não sabem lêr prescindiram do lápis e do papel e fizeram contas a traços na estrada, tendo por caneta um cajado do primeiro, que é um dos bons pastores do logar. Os músicos tremeram por momentos ao soar-lhes aos ouvidos estas negras e ingramaveis palavras: - o dinheiro não chega; faltam 17 melreis...
Mas os homens pagaram-lhes honradamente, como bons patrões que foram...
Conclusão. Por todos os cantos há festanças, há folguedos, e só o coração da freguezia anda negro como as habitações da Ferrujenta, não acordando de vez da letargia em que jaz vai para 3 anos.
Parece-nos que também vai haver bródio num outro logar denominado Casal dos Piratas.
Se olharem bem para o nome, os forasteiros são capazes de para lá irem armados até aos dentes, afim de, prevendo qualquer eventualidade, poderem bem gosar amanhando-se mutuamente...
Eu é que não ia nesse bote...
Ora os piratas!

sábado, 6 de março de 2010

Manuel Jorge Cruz


Nasceu em Tavarede, no dia 9 de Outubro de 1880, filho José Jorge Silva e Maria da Cruz.
Tipógrafo da antiga Imprensa Lusitana, adquiriu, em 1 de Janeiro de 1904, a Tipografia Popular e o jornal ”A Voz da Justiça”, do qual foi director durante quase quarenta anos, tornando-o num dos jornais da província mais considerados.
Desempenhou cargos públicos, tendo sido, por diversas vezes, procurador à Junta Geral do Distrito, enquanto se manteve o regime republicano. Deu valiosa colaboração a várias associações de classe, como a Associação Comercial, ou de cultura popular e recreio, como a Associação Artística e a Sociedade de Instrução Tavaredense, de que foi o primeiro presidente eleito da Assembleia Geral, em Janeiro de 1905. Foi ele, aliás, quem escreveu o primeiro Regulamento Interno da colectividade.

Era casado com D. Virgínia Alves de Assunção Cruz e pai de Jorge de Assunção Cruz.
Preso político por diversas vezes e o seu jornal suspenso pela censura, sofreu rude golpe com o roubo que a polícia política fez à sua Tipografia Popular, donde levaram todo o recheio, deixando-lhe unicamente as paredes.
O desgosto que teve terá sido a principal causa da sua morte, no dia 2 de Novembro de 1941. Foi sepultado em Tavarede.
“Andam tão coçados por um uso imoderado e incontinente os adjectivos, que a memória do Manuel Jorge Cruz, sepultado no cemitério de Tavarede em 3 do corrente, exige só estas palavras: era um bom!
Atestaram-no, os centenares de pessoas de todas as categorias, que lhe apresentaram as últimas despedidas.
Humilde tipógrafo na antiga Imprensa Lusitana, tipógrafo quis continuar sempre.
Eterno sonhador, adquiriu há muitos anos a Tipografia Popular, na rua do Estendal.
Ali, durante largo período, cerca de três décadas, foi sempre o companheiro dos seus operários, praticando autêntica obra de solidariedade social.
Ninguém pagava melhor; o salário mantinha-se em caso de doença; concediam-se períodos de descanso remunerados, como se houvesse trabalho efectivo - isto, há muitos anos.
Foi o representante de uma corrente politica, com o seu periódico “A Voz da Justiça”, que se impôs entre a imprensa da província.
Existência imaculadíssima - a do Manuel Jorge Cruz!
Mais tarde, instalou a sua tipografia em edifício próprio, ainda inacabado.
Sonhava mais, ao passo que ia realizando os seus sonhos, em prole dos outros.
Queria fazer da sua oficina um modelo, onde os operários se sentissem bem, com salão para conferências, a impressão apartada da composição, modelares instalações higiénicas.
Obteve-o em parte.
Dificuldades insuperáveis levaram-no a parar, julgava que momentaneamente.
Constituiu-se então a empresa “Tipografia Popular, Lda”, honrando esta cidade com uma das oficinas de artes gráficas mais completas no país.
Nos últimos três anos e meio, votado a inactividade forçada, passou a viver martirizado fisicamente, com sofrimento minaz.
Ao mesmo tempo, oprimia-o sem tréguas sofrimento moral tremendo.
Sem um queixume...
Não deixa um inimigo, tendo sido alguém na politica local.
É que a integridade de um carácter e a brancura de uma alma, parece que ainda mandam no mundo.
Descanse, afinal, em paz, quem não recorda, do último quartel da vida, mais que a esposa, o filho e um punhado minguado de amigos.”
Transcrevemos um outro recorte, publicado aquando da sua morte, da autoria do seu amigo Raimundo Esteves: “… não sei se o Manuel Jorge, que era de Tavarede, e trazia no seu trato uma ponta de humildade e um travo de timidez de aldeão, foi a enterrar na sua terra. Gostaria que tivesse ido. Sinto que ficava bem, por baixo dos torrões do cemiteriozito rústico, de onde se ouvem ramalhar os pinhais do Saltadouro nas noites vesgas, e nos dias doces, cantar a linfa clara que desce da Serra e vem, entre madressilvas cheirosas, fertilizar o chão criador das várzeas onde o limonete oloresce o fino ar.
O Manuel Jorge devia ir farto dos postiços, das vaidades, das mentiras convencionais em que a engrenagem da vida o colheu, o triturou, o reduziu a um fantasma de si próprio! Era deixá-lo voltar ao campo tranquilo onde viu a luz do dia, regressar à aldeia garrida de que partiu com um riso fresco à flor do lábio, os olhos nadando em claridade, todo o seu ser num vibrante anseio de fraternidade humana, - idealista que ingenuamente traduzia a sua aspiração de amor pelo próximo, deixando aflar as pontas da sua eterna gravata à La Vallière, que sempre e romanticamente lhe cobriu o peito, onde batia um generoso, um afável, um bondosíssimo coração”.

Fotos: 1 - Manuel Jorge Cruz; 2 - Jornal A Voz da Justiça; 3 - Regulamento da SIT (manuscrito por Manuel Jorge Cruz)

Caderno : Tavaredenses com História

D. Francisco de Mendanha

Nasceu em Tavarede e morreu em 17 de Novembro de 1561, no Convento de Santa Cruz.
Filho de João de Mendanha e de Isabel de Azambuja, “ambos da mais qualificada nobreza de Coimbra”. Estudou na Universidade de Paris, “onde saiu eminente em Filosofia, Teologia e Direito Pontifício, em cuja Faculdade se graduou.
Regressado a Portugal, recebeu, parece que por sugestão de seu avô, Francisco Mendanha, varão ilustrado, o canónico hábito de S. Agostinho, no convento de Santa Cruz, a 18 de Janeiro de 1528. “Tanto se distinguiu na exacta observância do seu instituto, que o achou digno Frei Tomás de Barros, reformador da Congregação dos Cónegos Regulares, para que fosse introduzir a reforma em o Convento Real de S. Vicente de Fora de Lisboa, no ano de 1537, onde foi eleito Prior trienal desta magnífica Casa, com beneplácito do Prior-mor D. Fernando de Vasconcelos e Meneses, Bispo de Lamego, que nele largou o governo.
Na Capítulo Geral, celebrado em o ano de 1551, saiu eleito Prior Geral, e neste ano assistiu como Cancelário da Universidade de Coimbra ao plausível acto de Mestre em Artes, que recebeu o Senhor D. António, filho do Sereníssimo Infante D. Luís.
Segunda vez subiu ao lugar de Prior Geral, sendo eleito a 7 de Novembro de 1555, em cujo governo alcançou insignes privilégios da Sé Apostólica para a sua Congregação.
Querendo satisfazer aos desejos do Sumo Pontífice Paulo III, compôs na língua italiana – “Descrição do Convento de Santa Cruz”. Esta obra foi traduzida, por ordem de El-Rei D. João o III, na língua portuguesa, e a mandou imprimir o mesmo Príncipe.
Saiu a tradução, que parece ter sido feita do latim e não do italiano, dos prelos do Convento de Santa Cruz, em 1541. Este trabalho de D. Francisco de Mendanha “um dos opúsculos históricos mais raros da nossa literatura, pode competir, em estilo e linguagem, com alguns dos melhores escritos do século XVI. A reprodução integral deste opúsculo é portanto um serviço eminente prestado à literatura e igualmente à arqueologia”.
Tavarede perpetuou o seu nome atribuindo-o a uma das suas ruas.
Aquando da estreia da peça Chá de Limonete, de José Ribeiro, um crítico lamentou a omissão de uma cena recordando D. Francisco de Mendanha, sugerindo, como de excepcional efeito, um final de acto com o acto de Mestre em Artes recebido por D. António, o Prior do Crato, na presença do nosso conterrâneo “Cancelário da Universidade de Coimbra”.


Caderno: Tavaredenses com História

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 19

De Fevereiro a Outubro de 1929, publicou-se, na Figueira da Foz, um semanário sob o título “O Jornal da Figueira”. De feição declaradamente situacionista e conservador, manteve, durante a sua curta existência, violentos ataques a tudo quanto fosse republicano ou maçónico.
A Sociedade de Instrução Tavaredense, a que estavam ligados homens como José da Silva Ribeiro, Manuel Jorge Cruz, Manuel e José Gomes Cruz e outros, republicanos e maçons, foi um alvo preferencial para os ataques virulentos daquele periódico. Quando representou, no Penincular, em espectáculo de benefício para a Santa Casa da Misericórdia, em 26 de Janeiro de 1929, “O Sonho do Cavador”, escreveram uma extensa reportagem. Transcrevamos alguns retalhos.


“Limitamo-nos, apenas, a registar o entusiasmo, verdadeiramente bizantino, com que a “plateia” da Figueira recebeu esta peça, representada “ab initio” num modesto teatro do ridente povoado de Tavarede.
Mas registando o facto, somos forçados a abordá-lo, ainda que simplesmente ao de leve, para que ele desça a ocupar a posição devida – uma bem velada meia sombra da maior parte das “teatradas” levadas à cena por amadores.
Não vamos incidir as nossas considerações sobre certas confusões de linguagem; sobre a falsa colocação de pormenores que atraiçoam a unidade do enredo; nem tão pouco sobre várias cenas que se repetem, confundindo, entediando e monotizando a pouca acção que já por si se revela.
Não procuramos esclarecer o espírito crítico dos leitores, referindo a falta de colocação de incidentes verdadeiramente inverosímeis que quebram o legítimo equilíbrio dos detalhes; nem apresentamos o mau emanharamento deste ou daquele quadro; e a ilógica e pouca racional iniciação do “cavador” na cidade.
Não salientamos sequer as cenas que, exageradamente românticas, se apresentam sob a vida negra dessa ilusão perdida em face de “amazonas” mal engendradas que só existem na “precoce” imaginação do autor.
Não repetimos o que sobre a peça escreveu um colega local: “a peça não vale nada”...; nem mesmo revelamos o péssimo gosto de vários quadros, com manchas verdadeiramente insonsas de fraco tom e falhas de mínima e mais prudente concepção.
Nada disso fazemos, porque se a “plateia” da Figueira é, de facto, “plateia” – ela, de facto, também, já julgou definitivamente.
Como explicar, então, este grande entusiasmo que de certo público se apoderou, para apresentar o original de “João José” como a “oitava maravilha do mundo”; o verdadeiro “formigueiro” que de longada ia estrada além, até Tavarede, para assistir ás primeiras representações; a partida de tal grupo dramático de Tavarede em “vento norte” a Buarcos; e daqui, a este assalto ao Peninsular?!...
Valor intrínseco da peça, positivamente que não, porque fazendo eco dessa local a que nos referimos – “a peça não vale nada”.


Valor de partitura, também não pode ser, visto a “plateia” da Figueira estar habituada a ouvir o que há de bom e de melhor.
Nem mesmo sequer nos podemos integrar na forma como decorre a acção, ou pela maneira por que os factos se sucedem, sem qualquer particularidade que emocione verdadeiramente o público.
E no entanto, o O Sonho do Cavador que o espírito “judaico-franco-maçon” de Tavarede nos exportou, é uma revista-fantasia de bons costumes, com uma bem acentuada nota regionalista...”
Mais à frente, continua: “...Sendo assim, como é de facto, não se explica duma forma plausível a verdadeira corrida democrática que da peça se tem feito, fazendo dela uma verdadeira “parada” política.
É que, na verdade, o O Sonho do Cavador com uma nota acentuadamente regionalista, transbordando de amor à terra e pela terra, é uma peça tudo quanto há de mais antidemocrática, promovendo a par e passo uma atmosfera nacional que a Democracia não pode perfilhar, por ser estruturalmente anti-nacional.


E, se o público a aplaudiu por mera questão política, fazendo dela uma “Grande Parada”, não soube integrar-se nela, na coerência dos seus próprios princípios, visto ela ser a máxima negação de todos os “máximos” princípios do Número, para ser uma peça que representa a verdadeira arte nacional, na tese que pretende defender.
Nem todos, porém, assim o compreenderam. E, desta forma, o tal “público” fala, ouve e quere fazer falar e ouvir os outros – os indiferentes.
E, assim, esse “público” fazendo da peça uma “Grande Parada”, conseguiu arrastar a Tavarede, outro público novo e incrédulo, propagueando mil e uma coisas, e enaltecendo ao máximo um valor intrínseco desse O Sonho do Cavador que, de verdade, nada, ou pouco, vale em si.
Não se satisfazendo ainda, arrasta-o, em pleno sucesso, até Buarcos, e daqui, ao Peninsular.
E porquê?!... Simplesmente porque o autor – tenho muito prazer em dizê-lo – é um irmão democrático que se encobre com o pseudónimo de “João José” e faz parte das hostes aguerridas que combatem a actual situação política, vivendo aliás na sua dependência, porque a serve como seu funcionário.
Da peça, fizeram, pois, mais uma manifestação política, aproveitando a “boa-fé” de certo público que pretende divertir-se, criando de tal modo, um certo espírito de unidade política que na realidade não existe e que sem grande elevação de pensamento pretende sustentar o “fogo sagrado” das trincheiras maçónicas da Figueira e seus arredores”.
Cinco meses depois, o grupo cénico, como já se referiu, apresentou, no Parque Cine, da Figueira, dois espectáculos, com “O Sonho do Cavador” e com “A Cigarra e a Formiga”. Do primeiro, já temos os apontamentos acima. E da segunda? As críticas, por aquele jornal, ainda foram mais violentas. Veremos, a seguir.
Fotos: 1 - Cenário da Igreja de Tavarede; 2 - Dama da Batota (Sonho do Cavador); 3 - Grupo cénico que representou O Sonho do Cavador e A Cigarra e a Formiga (Tomar)

Sociedade de Instrução Tavaredense - 18


Vão ser, talvez, um pouco “maçudos” estes dois ou três capítulos das nossas histórias. Mas, para vida da Sociedade, foi um período assaz importante, e, assim, não nos atrevemos a “passar em branco” alguns factos sucedidos em 1929, 1930 e 1931, embora o façamos o mais resumidamente possível.
Já transcrevemos alguma coisa sobre “A Cigarra e a Formiga”. Faltou-nos referir que os versos desta fantasia são da autoria do professor Alberto de Lacerda, que também colaborou com José Ribeiro na feitura do enredo. Nos dias 15 e 16 de Junho de 1929, o grupo cénico tavaredense foi à Figueira da Foz, ao Parque-Cine, apresentar as fantasias “A Cigarra e a Formiga” e “O Sonho do Cavador”.
Uns dias antes, o jornal “O Século” havia publicado uma extensa reportagem sobre a primeira destas fantasias. “Em Tavarede, a dois passos da Figueira da Foz, há uma sociedade de instrução, a Sociedade de Instrução Tavaredense, que dispõe dum pequeno teatro, uma autêntica “boite”, como agora se diz, onde costuma realizar espectáculos curiosíssimos, récitas em que representa uma “companhia” de amadores absolutamente excepcionais. Basta dizer que a constituem humildes trabalhadores do campo ou das oficinas, que trabalham de sol a sol e à noite aprendem, estudam, ensaiam com as dificuldades que se adivinham, sabendo-se que entre eles muitos há que nem sabem ler”. Refere-se, a seguir, à peça. “... é um trabalho de notável merecimento literário, bem construída, interessando do princípio ao fim e visando a produzir um efeito moral dos mais salutares, qual o duma lição clara que prende os que a recebem – todos os que assistem – e fica por certo nos espíritos de todos melhor que a mais profunda prédica”.



Descreve, depois, o enredo detalhadamente. E antes de fazer uma apreciação ao desempenho, escreve: “Se é certo que a peça é, a todos os títulos, um trabalho notabilíssimo, digno mesmo dum ambiente mais amplo que um simples teatrinho de aldeia, o que principalmente interessou foi a “companhia”. É que não conhecemos nada que se compare. Temos visto muita vez grupos de “furiosos”, mais ou menos desastrados, mais ou menos aproveitáveis, mas nunca víramos um conjunto tão curiosamente organizado e tão excepcional pela circunstância de ser recrutado entre gente do campo e de profissões humildes”.
Termina a extensa reportagem da seguinte forma: “Exemplos como os da Sociedade de Instrução Tavaredense devem ser seguidos por toda a parte, deviam mesmo ser auxiliadas pelo Estado estas simpáticas iniciativas, que roubam à ociosidade e à taberna um punhado de bons trabalhadores e servem para recolher proventos destinados ao cofre duma Escola. É possível que muitos leitores destas linhas tenham para o que fica dito o encolher de ombros desdenhoso, natural em quem não acredita sem ver. Pois é pena que Tavarede fique ainda assim tão longe. Vendo se convenceriam de quanto pode conseguir a boa vontade ao serviço duma ideia generosa e sob todos os aspectos simpática”. Cite-se que esta reportagem foi da autoria do crítico e escritor teatral, de Lisboa, dr. José Tocha.


Um outro crítico, este figueirense, escreveu também uma longa notícia de que só vamos transcrever uns breves apontamentos. “Tavarede..... possui uma cigarra cantadeira, uma formiga agenciadora e um cavador com sonhos de riqueza. Pois, da cigarra, da formiga e do cavador..... fizeram duas peças teatrais a que chamaram fantasias e fantasias são de sua imaginação de artistas, a que deram toda a graça de Tália, apresentando-as ao público no palco de um modesto teatrinho de aldeia. A Fama, que não veio à Terra só para dar notícia da crueldade dos Deuses, trouxe à Figueira o nome destas fantasias, e atrás do nome vieram as próprias fantasias ao palco do grande teatro do Parque, onde nos proporcionaram, em duas noites seguidas, fugídias horas daquele prazer íntimo que se chama deleite. A cigarra fez-me sentir a alegria de viver e o cavador deu-nos uma bela lição moral”.
A extensão destes comentários tem uma razão. No próximo capítulo se verá o motivo porque o fizemos.


Entretanto, também desta vez foram feitas fotografias, as quais, e em primeiro lugar, se apresentaram numa festa de homenagem, que a direcção da colectividade ofereceu a todo o grupo cénico. Uma notícia refere que “... a projecção no écran de mais de 200 fotografias das duas peças foi vista com grande satisfação, manifestando a assistência frequentes vezes a sua alegria”.

Fotos - 1 - António Graça; 2 - Ceifeira (1928); 3 - Junta de bois lavrando a terra

Sociedade de Instrução Tavaredense - 17

Com a melhor das intenções, a direcção da colectividade anuncia, em Fevereiro de 1929, a “realização dum certame hortícola-pomícola, iniciativa interessantíssima da qual os agricultores da freguesia de Tavarede hão-de colher ensinamentos e as consequentes vantagens”.
Tratava-se duma exposição de produtos agrícolas, não criados especialmente para este fim, mas sim de produção corrente, a promover em 15 de Junho e 15 de Setembro. Abrangia três secções: Raízes e tubérculos; Caules e folhas; Flores e frutos; e Arranjo das culturas. A direcção técnica estaria a cargo do regente agrícola, sr. José Maria de Jesus. Encontrámos algumas referências a esta iniciativa, dizendo que o entusiasmo entre os agricultores era enorme. Mas, nas datas referidas, não encontrámos quaisquer notícias da sua efectivação.
No dia 26 de Janeiro de 1929, o grupo cénico da Sociedade foi, pela primeira vez, dar um espectáculo ao teatro do Casino Peninsular. Representou-se “O Sonho do Cavador” e a receita reverteu a favor da Santa Casa da Misericórdia, da Figueira. A receita bruta foi de 5.578$70 e a despesa, “conforme os documentos que a Mesa da Santa Casa tem em seu poder”, foi de 576$00, resultando um lucro de 5.002$70. Esta instituição, em reunião de 10 de Fevereiro, “resolveu conferir à Sociedade de Instrução Tavaredense a mais alta distinção honorífica consignada nos estatutos: o diploma de irmã benemérita”.
A escola nocturna, sempre a funcionar com toda a regularidade, foi dotada com “material apropriado, e introduzido melhoramentos bastantes, para proporcionar aos alunos o necessário conforto de que há muito carecia”. Também foi criada uma “biblioteca agrícola, para a qual já foram oferecidos diversos livros e, na sala de leitura, encontrarão os associados jornais agrícolas, sendo-lhes também prestadas informações e facilitada a aquisição de catálogos, sementes, etc.”.


E a 18 de Maio, nova estreia se verifica no nosso palco. Tratou-se de “A Cigarra e a Formiga”. E se “O Sonho do Cavador” teve êxito fora do vulgar, esta fantasia não o teve menor. A propósito da sua estreia, o professor Rui Fernandes Martins, que depois foi presidente da assembleia geral da colectividade, durante muitos anos, escreveu o seguinte comentário:
“Estive anteontem na Sociedade de Instrução Tavaredense, onde assisti à primeira representação da fantasia em três actos “A Cigarra e a Formiga”.
Esplêndidamente levada à cena, “A Cigarra e a Formiga” em nada fica àquem do festejadíssimo “Sonho do Cavador”.
E, assim, eu mais uma vez fiquei com a soberba consoladora convicção de que naquela Sociedade há um grande culto pela Arte; de que naquela Sociedade a valer se trabalha para que o nome de Tavarede, ou mais ainda – o da Figueira -, se engrandeça e nobilite.
A Sociedade de Instrução Tavaredense marca indubitavelmente um lugar de incontestável destaque entre as suas congéneres.


Trilhando com nobreza uma directriz formosa, surda a doestos próprios de répteis; indiferente perante os dispautérios de inteligências falidas; sempre trabalhando com paixão fervorosa dos fortes, dos que sabem querer, a Sociedade de Instrução Tavaredense é uma sociedade que tem um passado glorioso, e diante de si um futuro risonho.
De ascenção em ascenção, de triunfo em triunfo, ela chegou onde hoje se encontra: ao cume glorioso que todas as Sociedades congéneres, que muito prezem o seu nome, que muito trabalhem pelo seu engrandecimento, devem apetecer galgar.
Mas, neste concelho, já tive ocasião de observar – e com bastante satisfação o registo – que quase em todas as localidades os homens bons colectivamente trabalham por desviar a população dos antros onde a miséria, a embriaguez e o vício proliferam.
Não é só a Sociedade de Instrução Tavaredense”.




A crítica foi muito favorável. Vamos transcrever um pequeno apontamento.
“Agradou muito a peça, pela sua simplicidade, pelos conceitos que nela aparecem, pela sua função educativa, pela finalidade moral que encerra. Mas os versos que pelos 3 actos estão espalhados surpreenderam pelo seu encanto, pela beleza que neles palpita e pela arte com que estão trabalhados. Versos como os da Cigarra e a Formiga, só um artista de fina sensibilidade e profundos conhecimentos de arte de versejar poderia fazê-los. Citamos ao acaso: a poesia maravilhosamente bela A Fantasia, o Desleixo e o Fatalismo, profundos de observação; o soneto A Tenacidade, modelar na forma e rico de expressão enérgica; o recitativo da Toilette, graciosíssimo de comentário ligeiro; e para não falarmos nas lindas quadras ao sabor popular que se cantam na Desgarrada do 2º. acto, no Prólogo, na Alegria de Viver e em outros números, citaremos os belíssimos versos que fecham a peça – O Amor – que são simplesmente maravilhosos, arrebatadores.
Digamos ainda que a partitura é formosíssima. Sem querermos diminuir o valor da linda música do Sonho do Cavador, afigura-se-nos que na Cigarra e a Formiga tem António Simões um trabalho valiosíssimo, magistral como interpretação do poema, rico pela variedade de expressão. António Simões bem mereceu a chamada entusiástica com que a assistência fundamente impressionada, o alvejou logo no fim do 1º. acto. Muito bem!
E do desempenho que dizer? Que excedeu em muito o que poderia esperar-se do grupo modesto da Sociedade de Instrução. O principal papel foi confiado a João Cascão, que no José Cigarra se manteve brilhantemente à altura a que ascendeu no Manuel da Fonte. Muito bem! No final do número “A cigarra tem guitarra, e a formiga tem barriga”, primorosamente cantado, a assistência irrompeu na mais calorosa e entusiástica ovação que ali temos ouvido, sucedendo o mesmo no recitativo final. Jaime Broeiro cheio de naturalidade no Desleixo e no António do Moleiro; o mesmo diremos de António Broeiro – o seu trabalho no 2º. acto é perfeito, cingido às rubricas da peça, mantendo admiravelmente a figura de João Viúvo dentro da necessária discrição; Emília Monteiro, Maria José da Silva, Maria Tereza, Guilhermina de Oliveira e Carolina de Oliveira mereceram os aplausos que ouviram, devendo também citar-se António Graça, que disse muito bem o Prólogo, Francisco Carvalho (esplêndida voz de barítono), José Vigário e F. Loureiro. Duas boas vozes que brilharam: Alzira de Oliveira e César Figueiredo. E todos os restantes, nos coros, se mantiveram nos seus lugares, formando um bom conjunto”.
Fotos - Sonho do Cavador (1928) - 1 - Sonho Cor de Rosa(Maria Eugénia de Oliveira); 2 - Concurso Hipico; 3 - A Vindima (Alzira Oliveira Fadigas)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 15

Permitam-me os meus caros leitores, se porventura os tiver, que regresse um pouco atrás. Já disse que, em 1925, aconteceu um caso interessante: a apresentação de duas operetas, uma na Sociedade de Instrução Tavaredense (Em busca da Lúcia-Lima) e outra no Grupo Musical e de Instrução Tavaredense (Ninotte). Pois é sobre esta peça que hoje vou recordar um pouco, uma vez que, tal como a 'Em busca da Lúcia-Lima', deu aso a uma polémica bastante interessante. Foram seus autores, António Amargo e Eduardo Pinto de Almeida, respectivamente do texto e da música.


"Como este jornal noticiou oportunamente, o Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense adquiriu há pouco, para a sua secção dramática levar à scena, uma opereta em 3 actos, que se intitula Ninotte e é ornada de 21 números de musica.
Coisa fina, assunto regional bem estudado, daquele assunto a que nem todos os dramaturgos modernos ligam a importância que ele merece, poesia excelente, a Ninotte é uma peça de valor, desde os pés á cabeça, e é da auctoria do consumado poeta e jornalista nosso amigo sr. António Amargo.
Isto basta a quem não ignora o valor do pai da Ninotte, para acreditar que o sr. Amargo é incapaz de se virar á machadada à obra doutrem, roubar-lhe o titulo que o seu auctor lhe deu na pia batismal das suas locubrações, e crisma-la a seu belo talante, com o fim de ludibriar amadores d’aldeía...
Mas não. Tal não alcança toda a gente, de cuja plêiade faz parte o parvo que ali na Voz da Justiça, manejando a pena à canhota, está sempre a procurar meios malévolos e mesquinhos para atrevidamente lançar ao Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense pedaços do ódio sectário que por ele nutre.
Não é verdade a Ninotte ser o João Ratão "arranjado" por António Amargo para amadores. O que é verdade é ser Ninotte uma opereta que António Amargo, de reconhecida competência, acaba de escrever inéditamente para a troupe dramática do Grupo Musical.
O que também é verdade é que António Amargo não tinha precisão de estar a copiar o João Ratão do impresso para o manuscrito, para apresentar ao Grupo uma Ninotte, com vinte e tantos personagens, sem papeis dobrados, afora a massa coral, constituída por próximo de vinte rapazes e raparigas...
E o que também não é mentira é que o parvo que ali na Voz vomita veneno contra o Grupo - de alicerces fortes e bem enraizada vida...- não o "grama" nem por sonhos, por vêr que é hoje uma das melhores e mais prosperas colectividades do districto de Coimbra.
É inútil tanta propaganda contra o Grupo Musical. Lembre-se o parvo que o jornal é o porta-voz da opinião publica e que portanto não deve ser utilisado em navalhadas contra o Grupo Musical.
Com que auctoridade vem dizer que Ninotte é o João Ratão "arranjado" para amadores, se nunca a leu, se nunca a lerá, se nunca viu nenhum dos poucos ensaios que já tem?
O Amargo arranjista...
Resta saber se ele foi pedir a algum poeta tavaredense para lhe fazer o verso...
Podia limitar-se a dizer que a opereta da sua sociedade é que é boa, é que é fina, é que é excelente, é que é original, é que é rica de scenários, pois até um acto é passado na China...
Assim, vindo á baila com o nome duma sociedade andam a bulir cá com o rapaz, que tinha recolhido à privada e metido a viola no saco, também eu tenho o direito de meter a minha colherada.
Discutem periódicos se a minha dramatúrgica pessoa empalmou "João Ratão", que é português e macho metamorfoseou em "Ninotte", que é francesa e fêmea.
Mas que teem eles com isso?"


É claro que António Amargo não se calou.


"A "Ninotte" é tão minha filha que até uma das minhas filhas tem uma boneca preta, a quem baptisou de "Ninotte". É imitada do "João Ratão"? Mas isso mesmo já se disse e redisse - e eu escrevo o que me apetece. Roubei? Pois chamem para o caso a atenção da polícia e espetem comigo na cadeia!
Mas pelo amor de Deus não me macem...
Que culpa tenho eu que os dois grupos dramáticos de Tavarede andem de candeias às avessas e que eu ande metido na baila como Pilatos no credo? Lá se avenham um com o outro, mas deixem-me em paz.
O sr. que da terra da srª D. Lúcia Lima manda lerias para "A Voz da Justiça" entretenha-se lá com as intrigas do burgo tavaredense e faça referências à "Ninotte" e a mim... depois da opereta ir à scena É boa? É má?... O futuro a Deus pertence...
Então não querem lá ver? Eu a apanhar por tabela e a servir de pim pam pum no meio de rivalidades com que eu nada tenho!
O diabo não tem sono!... ".


Eis uma outra notícia sobre o mesmo assunto:


"No Grupo Musical e de Instrução Tavaredense continuam com toda a regularidade os ensaios de leitura da opereta em 3 actos - Ninotte - da auctoria de António Amargo, devendo muito brevemente começar os ensaios de palco, sob a direcção do amigo sr. Vicente Ferreira, amador de reconhecida habilidade e demonstrada competência
O maestro sr. Pinto d’Almeida está - agora - a escrever a musica. Dos 5 números que até hoje, quarta-feira, nos mandou, só temos a dizer em abono da verdade, que são duma inspiração deliciosissima. E os restantes 16, cremos bem, não deixarão nada a desejar...
Os amadores que interpretam a Ninotte, numa totalidade de quarenta e tantos, entre raparigas e rapazes, andam com muita vontade e esperam fazer boa figura nos papeis que lhes foram confiados.
Não são a fina flor de Tavarede, mas são amadores do Grupo Musical, pouco habituados a andar de noite, e às ocultas, a escutar bisbilhoteiramente o que se passa na casa alheia... - na casa da autentica e aristocrática fina flor de Tavarede.
E isto basta para se avaliar que no Grupo Musical só se encontra gente firme e... limpa; gente briosa e honesta; gente de que ninguém pode rir-se; gente que nunca foi lançada no ridiculo... Mulheres, fazem papeis de mulher; homens, fazem papeis de homem...
Felizmente que encontrámos na peça do literato Amargo esta vantagem aos hábitos do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - apesar de haver muita gente nova...
E felizmente também que a nenhum dos mesmos amadores foi distribuído mais do que um papel...
Sempre é uma peça que não mete personagens com papeis dobrados...
Nem dobrados, nem invertidos...
O Amargo é um teso...


(continua)

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 14

Entretanto, sabe-se que a última peça ensaiada por Vicente Ferreira foi a opereta “Ninotte”, seguindo-se, na direcção do grupo cénico, António Santos Júnior e António Medina Júnior. Foi este último quem ensaiou a espectáculo acima referido, mas, como ensaiadores, tiveram uma curta passagem pela actividade.

Não tenho grandes notícias sobre espectáculos no ano de 1927, mas, em Novembro desse ano, sofreu o Grupo Musical uma rude perda. Morreu, ainda muito novo, o grande amador e entusiasta da colectividade José Medina. Mas, pouco tempo antes, em 19 de Julho, haviam-se apresentado na Figueira, no Teatro do Parque Cine, com a opereta “Os Cirandeiros”, levada já à cena em Tavarede, e que alcançou imenso êxito. Neste espectáculo, o Grupo Musical apresentou, também, um grupo coral composto por mais de 70 figuras, “que cantou um escolhido reportório”.


Em 1928, entretanto já sob a direcção de Raúl Martins, levou à cena um novo espectáculo de grande efeito. Chamava-se “Noite de Santo António” e era da autoria de Raúl Martins, música de Herculano Rocha, sendo a orquestra dirigida por João Cunha. Como comentário, e porque são coisas que vale sempre a pena recordar, transcrevo a crítica publicada em “O Figueirense”.

“E visto que os grupos dramáticos dos clubes figueirenses adormeceram num criminoso far-niente, não ha remedio senão o amador de espectaculos teatrais - que não estão dispostos a comer sempre o indigesto acepipe cinematográfico - ir até fóra do burgo aos domingos divertir-se um pouco nos teatrinhos de aldeia.

E foi por isso que, no passado domingo, fomos ao teatrinho da Rua Direita, em Tavarede, assistir á reprise, dada em matinée, da opereta em 2 actos de Raul Martins, a Noite de Santo Antonio, adubada com versos de Antonio Amargo e enriquecida com explendida musica de Herculano Rocha - que desta vez ensaiou e foi reger a orquestra com a sua extraordinaria maestria de artista invulgar.

Nada queremos dizer da peça, que por varios palcos do concelho tem sido exibida com geral agrado - como o demonstram as suas multiplas representações - que a critica local tem sabido merecidamente elogiar pela pêna imparcial dos seus jornalistas-criticos. Tão sómente desejamos referir-nos ao desempenho.

Incontestavelmente, o Grupo Musical e de Instrucção Tavaredense possui a dentro da sua secção dramatica alguns dos melhores amadores do concelho. Desfalcada embora a secção com a ausência de Antonio Medina Junior e com a perda irreparavel do grande cómico que foi o saùdoso José Medina - apesar de tudo mantêm o seu logar de previlégio com os antigos elementos e com a preciosa aquisição de outros nomes.

A reprise da Noite de Santo Antonio constituiu mais um triunfo para o grupo, que caprichou em apresentar-se galhardamente, tanto pela correcção dos amadores como pelo rigor do guarda roupa, como ainda pelo meticuloso apuro da mise-en-scéne, para não falarmos tambem da perfeita execução da orquestra.

Violinda Medina foi a explendida artista de sempre, pelo seu á-vontade em scena, pela sua impecavel dicção, pelo seu maravilhoso timbre de voz, que a tornam - sem favor e sem exagêro - a melhor e a mais completa amadora de todo o concelho.

Raul Martins - encarnou bem o papel de galã, embora por vezes nos parecesse um pouco frio, talvez por temperamento próprio, talvez pela sua preocupação constante de ensaiador e de alma de todo o trabalho.

Clarisse de Oliveira tem voz tem gesto, mas... teve mêdo, que a levou a fraquejar em certa altura. Deve perder êsse mêdo; quando se possuem qualidades reaes e verdadeiras, como ela possui, não há de que temer e deve-se fazer realçar todos os recursos.

Manoel Nogueira e Manoel Cordeiro são dois excelentes cómicos, principalmente o primeiro. São êles a graça e o riso da opereta, nas suas passagens de gargalhada, que muitas tem e bem interessantes.

Não nos deteremos na apreciação das personagens uma por uma, o que alongaria demasiado esta simples noticia sem pretenções a critica que para tanto nos falta competência. E estamos certos de que os correctos amadores não nos levarão isso a mal. Bastará a nossa afirmação de que o conjunto - salvas pequenas falhas, pois nada existe perfeito - foi absolutamente harmónico no geral como no particular: pode o grupo Musical orgulhar-se do seu magnifico grupo dramático que tem a mesma amisade pela arte e no mesmo amor pela sua Associação, que dificilmente encontrará entre nós outro que se lhe avantage.

Ao Grupo Musical e Instrução Tavaredense, aos seus belos amadores teatraes, a Raul Martins e a Herculano Rocha - os nossos sinceros parabéns pelo êxito da matinée de domingo”.

Foi apresentada, também, a comédia “Casar para morrer”.

Fotos: 1 - José Medina; 2 - Grupo cénico da peça 'Os Cirandeiros', tirada na Quinta da Borlateira; 3 - Outra fotografia do grupo cénico, julgamos que igualmente tirada na Borlateira.

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 13

E vem, então, a noticia das comemorações do dito aniversário.

“ Como tinhamos noticiado, foi nos passados dias 18 e 19, sábado e domingo, que o florescente Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, comemorou a passagem de mais um aniversário - o décimo quinto.
Nós, que nos orgulhavamos, e orgulhamos, de vêr passar sobre o seu glorioso estandarte mais um ano de esforços e de iniciativas, devemos dizel-o e confessal-o abertamente, que as festas que a simpatica colectividade local organisou, deixou-nos no mais recondito do nosso coração, uma imorredoira e inesquecivel recordação.
E não só no nosso intimo que ficaram estes dias marcados como tambem no daqueles que teem o orgulho de se dizerem tavaredenses e por certo em todas as pessoas que a elas assistiram. Porque é sempre belo e seductor o vêr passar sobre o nome d’uma colectividade de Instrução ou Recreio mais um ano de vida, que representa um ano de esforços.
Como marcava o programa das festas, realisou-se no sábado á noite um espectaculo de gala, para sócios e suas familias com as peças anunciadas, Os dois Nénés, comédia n’um acto e Amores no Campo, opereta em 2 actos.
No desempenho da comédia, temos, a nosso vêr, a salientar em primeiro logar a interpretação consciente da conhecida e apreciada amadora, D. Violinda Nunes Medina e Silva, que nos deu a impressão de que não era uma amadora, mas sim uma artista de carreira pelos seus conhecimentos, e pela sua apresentação é pois digna dos nossos elogios.
Em segundo logar temos o trabalho seguro e proficiente do amador Antonio Medina Junior e seu tio José Medina; e em seguida temos tambem o bom trabalho de D. Idalina d’Oliveira Fernandes e João d’Oliveira, todos já conhecidos do nosso povo.
Finda a representação d’esta comédia, realisou-se a apresentação dos alunos da Escola do Grupo, que executaram sob a direcção do seu professor - o nosso amigo, António d’Oliveira Lopes, alguns numeros de ginastica suéca, tendo sido muito ovacionados, pela maneira correcta como se apresentaram.
Desceu o pano. E pouco depois subiu novamente, entrando no palco as amadoras Srªs. D.D. Clarisse d’Oliveira Cordeiro e Idalina Fernandes, tendo esta convidado a vir ao palco o Sr. Antonio Victor Guerra, para lhe fazer a entrega duma linda bandeira, oferecida pelas amadoras da Secção Dramática do Grupo e d’um lindo e artístico livro em sêda, pintado pelo distincto artista Sr. Antonio Piedade, oférta dos Srs. Manuel Nogueira e Silva e Adriano Augusto da Silva, lindos laços de sêda com dedicatórias, oferecidos pela menina Maria Luiza Medina, filha do Sr. Adriano A. Silva e pelos Grupos de “Foot” - Sportesinhos Foot-Ball Club e Tavarede Foot-Ball Club.
Finda as entregas feitas ao Sr. Antonio Guerra pelas Srªs. Idalina Fernandes e Clarisse Cordeiro, a orquestra executou o hino do Grupo, tendo sido levantados muitos vivas.
Segundo a praxe foram colocadas no estandarte do Grupo Musical, pela Srª. D. Clarisse d’Oliveira Cordeiro.
Em seguida o Sr. Antonio Guerra, agradeceu em seu nome e em nome da colectividade que representava, proferindo algumas palavras sobre o convite que lhe acabavam de fazer, e por ultimo terminou elogiando as amadoras do teatro e os teams de Foot Ball.
Depois tivémos recitativos por José Maria de Carvalho e Belarmino Pedro.
Seguindo-se, conforme o estabelecido no programa, as guitarradas, por elementos da Tuna do Ginásio Club Figueirense, e que foram caprichosamente executadas pelos Srs. Rodrigues Quaresma Galvão, Alberto d’Oliveira, José Maria Marques Violante e Benedicto Guerra, pelo que foram bisados e aplaudidos frenéticamente.
E, nós, devemos dizer aqui publicamente, que foi um esplendido número que compoz o programa das festas, porque, em abono da verdade, são incontestávelmente os melhores guitarristas da Figueira.
Os bonitos números que executaram, caíram-nos na alma, como as suaves melodias dos rouxinóis em manhãs de plena primavéra.
Seguiu-se a representação da linda e aparatosa operêta em 2 actos, de Firmino de Vilhena, musicada inteligentemente pelo maestro Sr. Eduardo Pinto d’Almeida, Amores no Campo...
Do desempenho só podemos dizer que correu muito bem.
Salientando-se no entanto o trabalho de A. Medina Junior e Violinda Medina, que andaram muito bem.
Emfim, todos os amadores se esforçaram para que a representação da mesma fôsse de molde a merecer os fartos aplausos que lhes dispensaram todos os espectadores.
E terminou aqui o espectaculo de Gala. Deixando em todos, as melhores impressões e saudades d’aquela noite de arte e beleza.
Como tambem marcava o programa, tivémos no domingo pelas 7 horas a clássica salva d’umas dezenas de morteiros e alvorada pela Tuna do Grupo, que percorreu as principais ruas de Tavarede.
Ao meio dia o bodo aos pobres mais necessitados da freguezia. Pelas duas horas, exposição da séde que se encontrava caprichosamente engalanada por um devotado amigo e sócio do Grupo Musical.
Seriam umas cinco horas, quando teve começo a Sessão Solene, á qual presidiu o sr. Antonio Victor Guerra, secretariado pelos srs. José da Silva Lopes, Delegado do A Figueira Desportiva, e Antonio d’Oliveira Cordeiro.
Terminada a leitura do expediente que era numeroso, foi dada a posse aos novos Corpos Gerentes e em seguida usou da palavra o Comandante sr. Julio Valente da Cruz, que fez uma brilhante conferencia, versando o tema da instrução.
Seguiu-se no uso da palavra os Srs. Antonio Medina Junior, Antonio d’Oliveira Lopes, Belarmino Pedro e Antonio da Silva Lopes. Tendo em seguida o Sr. Presidente encerrado a Sessão.
Durante esta foi pela Tuna executado diversas vezes o hino do Grupo Musical, pelo que se ouviram muitos vivas.
E para que o programa fôsse cumprido á risca, realisou-se um baile que decorreu animadamente, tendo terminado perto das duas horas da madrugada.
E pronto - estavam terminadas as festas de mais um aniversário do Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, que tiveram sempre a coroal-as como de costume, uma grande animação e entusiásmo”.