quarta-feira, 3 de março de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 19

De Fevereiro a Outubro de 1929, publicou-se, na Figueira da Foz, um semanário sob o título “O Jornal da Figueira”. De feição declaradamente situacionista e conservador, manteve, durante a sua curta existência, violentos ataques a tudo quanto fosse republicano ou maçónico.
A Sociedade de Instrução Tavaredense, a que estavam ligados homens como José da Silva Ribeiro, Manuel Jorge Cruz, Manuel e José Gomes Cruz e outros, republicanos e maçons, foi um alvo preferencial para os ataques virulentos daquele periódico. Quando representou, no Penincular, em espectáculo de benefício para a Santa Casa da Misericórdia, em 26 de Janeiro de 1929, “O Sonho do Cavador”, escreveram uma extensa reportagem. Transcrevamos alguns retalhos.


“Limitamo-nos, apenas, a registar o entusiasmo, verdadeiramente bizantino, com que a “plateia” da Figueira recebeu esta peça, representada “ab initio” num modesto teatro do ridente povoado de Tavarede.
Mas registando o facto, somos forçados a abordá-lo, ainda que simplesmente ao de leve, para que ele desça a ocupar a posição devida – uma bem velada meia sombra da maior parte das “teatradas” levadas à cena por amadores.
Não vamos incidir as nossas considerações sobre certas confusões de linguagem; sobre a falsa colocação de pormenores que atraiçoam a unidade do enredo; nem tão pouco sobre várias cenas que se repetem, confundindo, entediando e monotizando a pouca acção que já por si se revela.
Não procuramos esclarecer o espírito crítico dos leitores, referindo a falta de colocação de incidentes verdadeiramente inverosímeis que quebram o legítimo equilíbrio dos detalhes; nem apresentamos o mau emanharamento deste ou daquele quadro; e a ilógica e pouca racional iniciação do “cavador” na cidade.
Não salientamos sequer as cenas que, exageradamente românticas, se apresentam sob a vida negra dessa ilusão perdida em face de “amazonas” mal engendradas que só existem na “precoce” imaginação do autor.
Não repetimos o que sobre a peça escreveu um colega local: “a peça não vale nada”...; nem mesmo revelamos o péssimo gosto de vários quadros, com manchas verdadeiramente insonsas de fraco tom e falhas de mínima e mais prudente concepção.
Nada disso fazemos, porque se a “plateia” da Figueira é, de facto, “plateia” – ela, de facto, também, já julgou definitivamente.
Como explicar, então, este grande entusiasmo que de certo público se apoderou, para apresentar o original de “João José” como a “oitava maravilha do mundo”; o verdadeiro “formigueiro” que de longada ia estrada além, até Tavarede, para assistir ás primeiras representações; a partida de tal grupo dramático de Tavarede em “vento norte” a Buarcos; e daqui, a este assalto ao Peninsular?!...
Valor intrínseco da peça, positivamente que não, porque fazendo eco dessa local a que nos referimos – “a peça não vale nada”.


Valor de partitura, também não pode ser, visto a “plateia” da Figueira estar habituada a ouvir o que há de bom e de melhor.
Nem mesmo sequer nos podemos integrar na forma como decorre a acção, ou pela maneira por que os factos se sucedem, sem qualquer particularidade que emocione verdadeiramente o público.
E no entanto, o O Sonho do Cavador que o espírito “judaico-franco-maçon” de Tavarede nos exportou, é uma revista-fantasia de bons costumes, com uma bem acentuada nota regionalista...”
Mais à frente, continua: “...Sendo assim, como é de facto, não se explica duma forma plausível a verdadeira corrida democrática que da peça se tem feito, fazendo dela uma verdadeira “parada” política.
É que, na verdade, o O Sonho do Cavador com uma nota acentuadamente regionalista, transbordando de amor à terra e pela terra, é uma peça tudo quanto há de mais antidemocrática, promovendo a par e passo uma atmosfera nacional que a Democracia não pode perfilhar, por ser estruturalmente anti-nacional.


E, se o público a aplaudiu por mera questão política, fazendo dela uma “Grande Parada”, não soube integrar-se nela, na coerência dos seus próprios princípios, visto ela ser a máxima negação de todos os “máximos” princípios do Número, para ser uma peça que representa a verdadeira arte nacional, na tese que pretende defender.
Nem todos, porém, assim o compreenderam. E, desta forma, o tal “público” fala, ouve e quere fazer falar e ouvir os outros – os indiferentes.
E, assim, esse “público” fazendo da peça uma “Grande Parada”, conseguiu arrastar a Tavarede, outro público novo e incrédulo, propagueando mil e uma coisas, e enaltecendo ao máximo um valor intrínseco desse O Sonho do Cavador que, de verdade, nada, ou pouco, vale em si.
Não se satisfazendo ainda, arrasta-o, em pleno sucesso, até Buarcos, e daqui, ao Peninsular.
E porquê?!... Simplesmente porque o autor – tenho muito prazer em dizê-lo – é um irmão democrático que se encobre com o pseudónimo de “João José” e faz parte das hostes aguerridas que combatem a actual situação política, vivendo aliás na sua dependência, porque a serve como seu funcionário.
Da peça, fizeram, pois, mais uma manifestação política, aproveitando a “boa-fé” de certo público que pretende divertir-se, criando de tal modo, um certo espírito de unidade política que na realidade não existe e que sem grande elevação de pensamento pretende sustentar o “fogo sagrado” das trincheiras maçónicas da Figueira e seus arredores”.
Cinco meses depois, o grupo cénico, como já se referiu, apresentou, no Parque Cine, da Figueira, dois espectáculos, com “O Sonho do Cavador” e com “A Cigarra e a Formiga”. Do primeiro, já temos os apontamentos acima. E da segunda? As críticas, por aquele jornal, ainda foram mais violentas. Veremos, a seguir.
Fotos: 1 - Cenário da Igreja de Tavarede; 2 - Dama da Batota (Sonho do Cavador); 3 - Grupo cénico que representou O Sonho do Cavador e A Cigarra e a Formiga (Tomar)

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