segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 12

_ Em Novembro, novamente houve uma deslocação a Montemor-o-Velho, desta vez com as peças “As pegas de toiros”, “Medicomania” e a “Herança do 103”;

_ E, finalmente, em Dezembro, na sua sede, mais uma estreia. Foi apresentada a comédia “Sempre o mesmo tio Torcato”, com interpretação de Violinda Medina, Helena Gomes, José Medina, Adriano Silva, José Francisco da Silva e José Augusto Mota.

No ano seguinte, 1926, em Janeiro, o Grupo Musical fez deslocar o seu grupo cénico à Figueirense, para apresentação das comédias “As pegas de toiros”, “Sempre o mesmo tio Torcato”, e a opereta “A herança do 103”. No mês seguinte, ainda naquela mesma sala da Figueira, novo espectáculo com as comédias “As duas gatas”, “O Senhor” e “Os gagos”.

Em Junho de 1926, mais uma deslocação e mais um triunfo. Foi a Santo Varão. Aqui deixo, igualmente, a notícia.

“Uma parte da secção dramática do próspero e florescente Grupo Musical e de Instrução Tavaredense foi no pretérito domingo a Santo Varão, suburbios de Formoselha, realizar um espectáculo com as conhecidas peças do seu vasto repertório - Erro Judicial e Cada Doido...
Da representação das peças devo dizer, em abono da verdade, que se salientaram os amadores António Medina, José Medina, José Silva, etc., não esquecendo o soberbo trabalho do seu ensaiador, o nosso amigo António Medina Júnior e de sua irmã D. Violinda Medina e Silva, que mais uma vez receberam d’uma plateia fina e delicada, aplausos particulares e sinceros, de que, aliaz, são bem dignos, pois nada mais do que eles fazem se pode exigir a amadores de teatro. Que nos desculpem ferir-lhes a sua modéstia, mas isto é a verdade.
Uma orquestra do mesmo Grupo, sob a direcção de António Ferreira Jerónimo, elemento distinto do mesmo, abrilhantou o espectáculo, ouvindo-se fortes aplausos.
Isto é o menos para a minha pretenção. Agora, o mais, o que não pode nem deve ficar no tinteiro, é a expressão sincera dos meus parabéns ao povo de Santo Varão, pela forma bizarramente bela e acolhedora com que recebeu os rapazes de Tavarede.
Sim, senhores!
Assim é que se chama fazer estreitamento de amizades. Assim é que se chama receber bem um hóspede. Enfim: a isto é que se chama a verdadeira confraternização de povos.
Há tempos deu-se a verdadeira antítese numa outra terra onde o Grupo também foi, para o mesmo fim, terra essa que é o berço de dois dos principais elementos do mesmo grupo...
E esses elementos - devo frizá-lo - são geralmente estimados nessa terra...
Mas... cada terra com seu uso e...

* * * * *

Logo de manhã, os amigos António Ferreira Jerónimo e José Silva conseguiram, da benevolência de Manuel Martinho Júnior, o empréstimo do seu barco, no qual “navegaram”, além destes, Manuel Fé Varela, António Ferreira, António Ferreira Menano e Francisco José Ferreira Menano Júnior, que conseguiram pescar na enorme vala que vae desaguar no rio Mondego, entre Santo Varão e Formoselha, incontestavelmente um dos pontos mais belos do lugar, uma suculenta dose de peixe, da qual foi feita uma caldeirada para os Tavaredenses, pelo sr. Luiz Fé Varela, que é autentico culinário no género.


Promoveram-se vários passeios fluviaes na poética vala, passeios esses que ficarão bem gravados no mais recondido de todos os rapazes de Tavarede, que não havia maneira de sairem dos barquinhos frágeis que com eles deslizaram dôcemente sobre a quietude das aguas, onde se reflectiam os esguios choupos e os frondosos salgueiros, que proporcionavam agradáveis túneis de verdura onde se gozava a frescura d’uma sombra agradabilissima e benéfica...
Os rouxinois, os pintassilgos, os melros e tantos outros passarinhos, que tinham escondido seus ninhos nas hastes ramalhudas das arvores que ladeiam a fresca vala onde se realizou o passeio fluvial, timbram em seus gorgeios despreocupados e alegres, regalando-nos os ouvidos e enebriando-nos a alma...
Quem pudesse traduzir por palavras aquilo que de agradável e poético nos foi dado gosar em Santo Varão...


Muitos Tavaredenses, como Medina Júnior, João d’Oliveira, Adriano e José Silva, José M. Gomes, Manuel Nogueira e Silva, Pedro e Jorge Medina, Manuel Cordeiro, etc., etc., não esquecendo as srªs. D.D. Guilhermina Cordeiro, Violinda Medina e Silva, Emília Pedrosa Medina, Laura Ramos Ferreira, etc., etc., só abandonaram a “flotilha” quando a noite começou por lançar seu manto nêgro sôbre os sanguíneos raios de sol de um dia que tombava, depois de imensa felicidade espiritual para quem, como os tavaredenses, sabe gozar um pouco das belêsas naturaes, com que a natureza fadou a terra!”.

Refiro que a maior parte destes espectáculos se destinavam à angariação de fundos, a favor da aquisição da sede e custo dispendido com as obras realizadas. Como simples curiosidade, anoto que o preço dos bilhetes para os espectáculos na sua sede, para sócios e familiares, era de um escudo, para balcão, cadeiras e superior, e cinquenta centavos, para a geral. Nos bailes e “matinées” dançantes era mais caro, pois custava cada entrada um escudo e cinquenta centavos.

Com o mesmo fim, nas festas ao São João, na nossa terra, e naquele ano de 1926, foram montadas barracas em diversos locais, com vários divertimentos e nas quais colocaram tabuletas com a seguinte inscrição: “Para as escolas do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense”.

Ainda antes de passarmos à nova festa, que teve lugar em Dezembro de 1926, para as comemorações do 15º. aniversário, não quero deixar de transcrever uma reportagem, publicada no jornal “O Figueirense”, em que se comenta a intensa actividade da colectividade.

“ Um director do florescente Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense, colectividade que em Tavarede - a vizinha e pitoresca aldeia que de todas as freguezias do concelho está em mais intimo contacto com a Figueira - vive com muito trabalho e sacrifício, do povo e para o povo, mas mais para o povo, do que de êle, convidou-nos há dias para uma vizita, á noite, à séde da colectividade da qual é um devotado amigo.
Com franqueza, assim com estas noites, em que os diques angelicais primam em converter num “pinto” um pobre mortal que não tenha a dita de possuir uma rica “impermeàvel”, tal proposta não veio muito a tempo...
Mas, por consideração para com o nosso amigo e ainda pela insistente maneira como nos pediu, lá fomos há dias a Tavarede, a vizitar as aulas nocturnas, que sob a direcção de dois sócios, funcionam no Grupo Musical e d’Instrução.
A nossa alma atingiu o cumulo da satisfação: - por chegarmos e regressarmos de Tavarede sem apanharmos gôta de água, e mais ainda por, ao ingressarmos naquela colectividade, depararmos com uma chusma de crianças, rapazes e raparigas, alguns já adultos, a receberem a luz sublime da Instrução.
N’uma ampla sala, toda claridade, toda higiéne e de cujas parêdes pendem retratos vários, entre os quáis o da insinuante figura do imortal maestro figueirense David Souza, em tamanho natural, rodeiam umas mezas grandes algumas dezenas de alunos. São filhos de sócios e muito principalmente filhos de não sócios. São, emfim, tavaredenses que procuram uma escola competente onde possam aprender á noite o que de dia se lhes torna impossível fazer. É seu professor o António Lopes, ajudante de António Victor Guerra, que por motivo dos seus muitos afazeres ainda não poude ir exercer as funções do seu cargo.
É a aula nº. 2, em que os alunos recebem as antigas regras da instrucção primária (1º. e 2º. graus) e algumas explicações de francês.
Mais adiante, outra sala, a nº. 1, em que uns 20 meúdos aprendem, pelo método João de Deus, as primeiras letras, tendo por professor o José Francisco da Silva.
Em face da grande amizade que nos prende ao nosso apresentante, tivémos a liberdade de lhe fazer esta pergunta:
- Porque motivo não substitúem as mezas por carteiras?
- Pela razão absolutamente natural de que nós não temos verba para as mandar fazer. Vivemos com muitas dificuldades, meu amigo, andamos uma duzia e meia de sócios mais devotados a trabalhar pela vida do meu Grupo. Não ignora que no verão temos dado espectaculos por Brenha, Maiorca, Montemór, que fizémos ultimamente uma excursão á Marinha Grande, onde démos tambem dois espectaculos, cujo produto foi muito favoravel ás nossas necessidades.
- E o Grupo pagou todas as despezas dos excursionistas?
- Não, meu amigo. Cada um tomou de sua conta as despezas de comboio e hospedagem. De contrário, não merecia a pêna pensarmos em mais excursões...
- Essa acção é meritória - retorquimos. E porque não trabalham assim os restantes sócios em quem vejam algum aproveitamento para o teatro ou para a musica? Pois se a casa do Grupo é de todos...
- A essa pergunta só eles podiam responder...
- Mas isso não se compreende. Sacrificio mútuo é que é necessário para a vossa obra. Caso contrário, o desânimo apodéra-se, mais dia, menos dia, daqueles que trabalham, dos verdadeiros caminheiros do progresso desta colectividade, e os resultados serão verdadeiramente desagradaveis para ela.
- Não. Não é bem assim. Não vê que nós, no nosso livro de actas, temos uma proposta dum sócio que foi unanimemente aprovada e que é para os que de qualquer fórma trabalham um incitamento a um melhor esforço, a uma melhor boa-vontade para o fazerem?
- ?
- Consta d’isto: - Há por exemplo um grupo de 12 homens que dá um espectaculo ou que toca num rancho. Rende êsse trabalho uma determinada importância, que é dividida por todos êles. Em essas quotas partes atingindo a soma de 50$00 escudos, cada um dêsses homens tem direito a uma acção do Grupo. Assim, posso afoitamente dizer-lhe, que por este processo só não tem acções todo aquêle que não quer trabalhar. Esses não são considerados amigos do Grupo.
- É realmente boa, essa iniciativa. Cada um que trabalha, gósta sempre de vêr uma justa recompensa.
- Já vê, pois, o meu amigo, que para sustentarmos o bom funcionamento das nossas escolas, ou antes, da nossa colectividade, não é a insignificância das quotas, apenas de 1 escudo mensal...”

Terminada a pequena palestra o nosso amigo conduziu-nos ainda á aula de musica, onde Antonio d’Oliveira Cordeiro dava lições a alguns alunos.
Entrámos na plateia, onde 5 plafons expargiam luz electrica a jôrros, e vimos no palco os velhos amigos do Grupo Musical - Zé e Antonio Medina - rodeados de filhos e de mais alguns elementos da parte dramática. Ensaiavam uma peça para breve levarem á scena.
Em conclusão. Tudo ali trabalhava, desde o João d’Oliveira, na Direcção até ao mais humilde dos amadores scenicos, tudo no Grupo Musical trabalhava em pról do mesmo e da instrução do povo.
Tavarede, assim, colóca-se bem. Ou antes, colóca-se melhor. Bem vista, já toda a gente sabe que ela está. E devido a quê? Positivamente aos esforços, á persistente inergia dos seus filhos mais intimos - dos seus filhos mais apaixonados e mais bairristas!
Retirámos de Tavarede belamente impressionados com a nossa visita ao Grupo Musical, de quem ouviamos falar, de quem nos falavam tantos amigos - mas de quem nunca fizémos ideia fôsse aquilo que justamente é: - uma colectividade filantrópica e benemérita, uma colectividade, verdadeiramente útil e simpática, que honra e enobrece cada vez mais a linda e encantadora terra do Limonete.
E é precisamente para colectividades como o Grupo Musical e d’Instrução Tavaredense que os nossos govêrnos deviam olhar...
Quantas e quantas escolas primárias ha por êsse país fóra, com professores só para receberem as respectivas mensalidades, que não apresentam um terço da obra do Grupo Musical, que vive só á custa daquêles que de dia trabalham na oficina e á noite na Associação?
Quantos?
Que nos respondam aquêles que de vez em quando apregôam moralidade, Instrução e... principio associativo... “.

Fotos: 1 - António Oliveira Cordeiro; 2 - Emília Pedrosa Medina; 3 - Adriano Augusto Silva

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