“Se lá no
seu planeta não as há, mal sabe Vossa Senhoria do que está livre. Há lá nada
pior que as bruxas! Coisas que por aí se vêem e que se não sabe quem as faz, já
se sabe que é obra das bruxas. Em tomando uma pessoa à sua conta, dão cabo
dela. E então fazem cada patifaria... Uma vez entraram no curral do Fadigas,
montaram a cavalo num boi, e tanto lhe chuparam o sangue que o boi ficou que
parecia um carneiro. Outra: O Zé Augusto foi para o Brasil e deixou cá a
mulher. Voltou daí a quinze meses, e quando chegou a casa, a mulher tinha um
filho. O rapaz quis divorciar-se, mas, por fim, acomodou-se porque aquilo
foi... tinham sido as bruxas. As bruxas! Ui! Que praga! E ladras?!... Nas
fazendas faltam batatas, aparecem roubados os couvais: e sabe quem é o ladrão?
São as bruxas. Às vezes leio nos jornais: Um grande furto na ourivesaria tal:
No Banco qualquer coisa verificou-se um desfalque de duzentos contos.
Descobriu-se uma importante falsificação de notas. A polícia faz várias
diligências sem resultado, mas espera descobrir os criminosos. Ah! Ah! Ah!
Pois, sim, espera, vai esperando que hás-de descobrir boas coisas... Como há-de
descobri-los se os criminosos são as bruxas? Tudo obra das bruxas, tudo
bruxarias!”.
Pois
Mercúrio quer conhecer as bruxas de Tavarede e começa a chamá-las. Não se fazem
rogadas e aí estão elas, cantando:
Coro das Bruxas -
A nossa alegre,
A nossa alegre,
Risonha
vida
É
agradável,
É
divertida:
Sobre
os telhados
Voar,
voar;
E
numa eira
Dançar,
dançar...
Neste
baile do Sabá
De
bruxas e diabitos,
Haja
risadas macabras,
Haja
uívos, haja gritos,
Haja
guinchos de vampiros,
Do
morcego e da serpente,
Em
homenagem infernal
A
Satan omnipotente.
A
nossa alegre
Risonha
vida
É
agradável,
É
divertida:
Sobre
os telhados
Voar,
voar;
E
numa eira
Dançar,
dançar...
Mercúrio -
Lindas bruxas,
Lindas bruxas,
Lindas
bruxas feiticeiras!
Dou-vos
as minhas asas
E
voareis sem mais canseiras!...
Bruxas -
Somos as bruxas
Somos as bruxas
Sempre
a girar,
Corremos
mundo
Sempre
a voar.
Se
nos apraz
E
dá na bolha,
Vamos
por cima
De
toda a folha.
E tanto
gostou delas que as levou para o seu planeta. Mas, agora, iriam fazer muita
falta na terra. Quem passaria a carregar com as culpas? Estava o Tio Joaquim a
pensar como se havia de resolver o problema, quando chega até ele uma linda
senhora.
“Mensageira do destino
Sou
a princesa das fitas.
Espalho
por toda a gente
Fitas
feias e bonitas.
As
velhorras e os caturras
Nem
sequer merecem fitas.
Para
a doida mocidade
Eu
reservo as mais bonitas.
No
colorido das fitas
É
que está o meu segredo.
Uns
apanham a taluda,
Os
outros, chucham no dedo”.
As bruxas
tinham ido embora? Não faziam falta. Ainda ficaram os lobisomens. E havia as
fitas. Por exemplo, a dos milagres. Tudo aquilo que explicavam com as bruxas
podem, a partir de agora, explicá-lo como milagre...
Uma das
fitas crónicas cá da terra era a dos “Borrachos”. Lembremo-nos do José
Borrachão e do João Borracho, sempre com os copos e a reclamarem contra os
falsificadores do vinho. E também reclamavam contra as falsificações de
dinheiro, que estavam muito apuradas... Era cá uma fita! Falsificavam as notas
grandes e as moedas pequenas: “olhe que há dez reis falsos, vintens falsos,
patacos falsos, meios tostões falsos, e não falsificam três vintens porque é
moeda que não existe!”. É caso para dizer: mas que grande fita!
Mas também
Tavarede tinha fitas tristes, mesmo dramáticas. Vou recordar uma. A tragédia da
Maria da Chã.
Tio Joaquim - Olha, quem
ela é, a pobre da Maria da Chã. É uma tragédia. (entra a Maria da Chã) Olha cá,
Maria, a pequena está melhor?
Maria da Chã - Desculpe,
ti Joaquim, nem tinha reparado. A minha Júlia? Isso sim. Apaga-se, coitadinha.
É só a pele em cima do osso, e aquela tosse maldita! (chora)
Tio Joaquim - Tornáste ao
médico?
Maria - Não,
senhor, não tornei lá. P’ra quê? Da outra vez receitou um frasco que custou
dezoito mil reis que tive de ir pedir emprestados ao senhor Francisquinho, e
mandou dar bom tratamento, ovos, leite, uns bifesinhos. Mas eu posso com isto?
(chora) Triste vida a minha! Não tenho cinco reis! Na venda já não me fiam
nada. Tenho empenhado tudo, por causa desta maldita doença. Agora lá deixei o
meu chaile do casamento para ver se a tia Rosa me larga um quartilho de leite.
Não tenho mais nada! E a minha filha morre! (chora)
Tio Joaquim - Então o teu
homem...
Maria - O meu
homem, ti Joaquim?... (um sorriso de profunda amargura) Bem se importa ele com
isso. (com mais veemencia) Não me dá cinco reis, A féria fica-lhe toda na
taberna, derrete-a em vinho, em borgas c’os amigos. No domingo pedi-lhe que me
desse alguma coisa para tratar a Júlia. (com amargor) E o malvado pôs-se a rir
e disse que o dinheiro era mal empregado para gastar na botica. E foi
derretê-lo na venda, com os outros, aquele desalmado!
Tio Joaquim - Malandro!
Ainda agora aqui passou a caír de bêbado, o estupôr...
Maria - É todos os
dias assim. Tudo quanto tem e não tem é p’rá vinhaça. Ontem chegou a casa e
pediu a ceia: - “Não tenho ceia p’ra te dar! Ainda não me deixáste a féria da
outra semana. Eu vou roubá-lo?”. (chora) E bateu-me, e atirou-me ao chão.
Queria a ceia... Eu em todo o dia não provei uma migalha de pão, e a minha
filha só comeu um caldinho de arroz que a senhora Joana me levou por esmola...
Tio Joaquim - Raios os
parta! Cães! Vai a minha casa e diz à ti Joaquina que te dê de jantar, e vá à
capoeira buscar um frango. Leva-o para a pequena.
Maria - Deus lhe
pague, tio Joaquim. Mas a minha filhinha morre... (chora) Também, se ela há-de
viver para ter a vida amargurada que tem a mãe... (numa convulsão de choro)
Antes Deus Nosso Senhor ma leve.
Tio Joaquim - Deixa-te de parvoeiras rapariga. Vai lá a minha casa anda..
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