sábado, 21 de novembro de 2015

Tavarede Teatro -

O Sonho do Cavador


         Naquele sábado, 28 de Abril de 1928, teve lugar a primeira representação da peça que seria o maior êxito teatral em Tavarede, na primeira metade do século vinte. De seu nome “O Sonho do Cavador”.

         O público da terra do limonete, há muitos e muitos anos apreciador de bom teatro, mesmo durante décadas, único meio, aliás, de se cultivar espiritualmente, pois, a respeito de instrução, e como já sabemos, Tavarede só teve escolas primárias, oficial e particulares, mesmo nos finais do século dezanove, tinha apreciado imenso aquele género de teatro em que ouvia falar, no palco, da sua terra, dos seus costumes e, até, daquelas figuras que ele conhecia tão bem no seu dia a dia.

         As lavadeiras, ceifeiras, cavadores, as comadres, ralhando por tudo e por nada e sempre à espreita da vida alheia, numa coscuvilhice ancestral, os amigos dos copos, quantas vezes cambaleando pelas ruas esburacadas e pouco limpas... E quando ouvia falar na sua fonte, cuja água fresquinha tanto apreciava e que até da Figueira iam buscar, as inevitáveis sopeiras, sempre acompanhadas pelo seu derriço, normalmente o impedido de seu patrão, oficial da tropa, no nobre solar dos Condes de Tavarede, ali à entrada da povoação e que, tristemente abandonado, esquecera todo um passado glorioso para se tornar num curral de cabras e de bois, quando ouvia falar nisso tudo, dizia eu, o povo da terra do limonete gostava imenso. Gostava e ficava comovido e, confessemo-lo, orgulhoso da sua pequenina aldeia.

         E então aquelas músicas tão lindas, que caíam tão bem no ouvido? Logo passavam a andar na boca das mulheres, que as cantavam por todo o lado. Por tudo isto não admira que, naquelas noites em que se davam espectáculos com as revistas, fantasias ou operetas que falassem de Tavarede, a sala se enchesse “à cunha”, como sempre se refere nos comentários então feitos.

         Todos se lembravam dos enormes êxitos alcançados por “Em busca da Lúcia-Lima”, “Pátria Livre”, “O Grão-ducado de Tavarede” e “Retalhos e Fitas”. Não admira, pois, que “a primeira representação da revista-fantasia em 3 actos e 10 quadros “O Sonho do Cavador”, original de João José, com 27 números de música original e coordenada pelo distinto amador sr. António Simões, marcada para o dia 28 do corrente, esteja sendo esperada com muito interesse, estando já assegurada uma enchente completa. E podemos mesmo afirmar que a lotação do teatro não permite satisfazer todos os pedidos. Tudo se prepara para que a peça seja apresentada com brilho. Está a concluir-se o guarda-roupa, que é variado e de lindo efeito – cerca de 40 fantasias; e anda-se trabalhando na montagem do cenário em que serão representados os 10 quadros, alguns pintados expressamente”.

         Tudo correu bem. No dia 2 de Maio, “A Voz da Justiça” noticiava, pelo seu correspondente local, o acontecimento.

         “Não nos enganámos: nem a chuva impertinente que caíu durante todo o dia impediu que o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense se enchesse no último sábado.
         O Sonho do Cavador agradou extraordinariamente. A peça é mais opereta que revista. Tem acção que caminha do 1º. ao último acto, surgindo de longe em longe, nalguns dos quadros, uma ou outra scena arrevistada, de acentuado sabor local; e tem, a dar-lhe unidade, uma intenção ideológica e de moralidade que, graças ao desempenho, foi sentida mesmo pelos espectadores que não puderam compreendê-la em todo o seu simbolismo.
         A peça encerra a história, que é apresentada com fantasia dentro da qual a verdade tem lugar, dum cavador que a ambição da riqueza leva a abandonar a aldeia, depois de atirar fora a enxada e amaldiçoar o trabalho. Como trabalha desde pequeno, julga ter conquistado o direito à felicidade – e para êle – a felicidade não se encontra fora da riqueza e esta não se alcança cavando a terra. Na própria ambição encontra o castigo do seu êrro; vê-se mais pobre do que era, e as figuras simbólicas dos três Homens Felizes mostram-lhe como os pobres, os humildes, também podem gozar a felicidade; o cavador regressa à aldeia, onde o esperam ainda a enxada leal e a noiva fiel – e a peça fecha com o elogio da vida simples e humilde do campo, na qual a saúde do corpo anda sempre junta à alegria da alma.
         O Sonho do Cavador tem música lindíssima. É uma partitura em que António Simões foi muito feliz. As adaptações são perfeitamente ajustadas às personagens e às situações, como os números originais afirmam as qualidades brilhantes dêste distinto amador musical. Completam admiravelmente a beleza do conjunto alguns lindos versos do sr. João Gaspar de Lemos: esplêndido como inspiração os do final do 2º. acto, e maravilhosos de técnica, de ritmo e de singeleza aqueles em que o Pagem Amor-Perfeito conta à Rainha das Flores a história ingénua da andorinha que morreu apaixonada pela canção do rouxinol; As Uvas, e o terceto do Milho são versos graciosos e dum belo descritivo.
         Valorizando a representação, há os scenários e um vistoso guarda-roupa, no qual se admiram cêrca de 40 interessantes e muito sugestivas fantasias.
         Em resumo: O Sonho do Cavador marca em Tavarede, que é uma pequena e bem pobre aldeia, um acontecimento de certo relêvo artístico. Não admira que no próximo sábado se repita outra enchente, tanto mais que sabemos ser elevado o número de lugares que já no sábado ficaram marcados para pessoas desta cidade que nesse dia irão aplaudir os modestos e simpáticos amadores tavaredenses”.


         Antes de passar às diversas apreciações sobre o espectáculo, transcrevo um comentário que encontrei e que me parece interessante deixar registado neste trabalho. Trata-se, pelos vistos, da opinião de um profissional da agricultura, um dos principais temas da obra.

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