Retalhos e Fitas
É uma
pequena revista esta. “Retalhos e Fitas” tem um acto e três quadros. Foi
integrada no espectáculo do 24º. aniversário da Sociedade de Instrução. Tal
como a anterior “O Grão-ducado de Tavarede”, teve a autoria de João José,
pseudónimo usado pelos seus dois autores: João Gaspar de Lemos Amorim e José
da Silva Ribeiro.
A música, 14
números, era original e coordenada pelo figueirense António Maria de Oliveira
Simões. Com uma magnífica orquestra e luxuoso guarda-roupa, “pode dizer-se que
esta récita de gala teve, num meio pequeno e de gente humilde, como o de
Tavarede, foros de acontecimento artístico. Por isso mesmo felicitamos todos os
que nele colaboraram”.
Foram estes
os pequenos comentários encontrados nos jornais de então. A acção da peça
decorre no Largo da Igreja, os dois primeiros quadros, e no palácio da Princesa
das Fitas, no último, onde terminava com uma apoteose.
Quando sobe
o pano, o Largo encontra-se cheio de homens e mulheres do povo que, em volta do
Tio Joaquim, olhavam para o céu com vidros fumados, como se estivessem a ver um
eclipse do sol. Parece uma bola, diziam alguns apontando para o ar. Mas, fosse
o que fosse, não vinha no “repertório” e lá vem tudo indicado, desde os cometas
até aos eclipses e outras coisas no género. E para aquele dia não havia lá
nada!
Supersticiosas,
as mulheres de Tavarede logo se lembraram de gritar que era o fim do mundo e
que, certamente, o que aí vinha era um grande cometa, que cairia em cima da
terra e arrasaria tudo! Mas o estranho era que os cometas deixam gáses e têm
rabo e este não... Parecia uma bola, uma grande bola, e nada mais.
Quem era,
que não era, chegaram brevemente à verdade. Tratava-se nada mais nada menos que
o planeta Mercúrio, deus do comércio e dos ladrões. Como, naquela ocasião,
passava perto da terra e como tinha chegado ao seu planeta a fama da grande
fita dos badalos em Tavarede, aproveitou a ocasião para fazer uma visita a
lugar de tanta nomeada. E nem sequer mudou de indumentária. Vinha tal e qual
como andava lá pelos seus domínios celestiais.
Para o
receber e acompanhar na visita, nada melhor que o Tio Joaquim. Mas, quem era o
Tio Joaquim?
Mercúrio - Se me não
engano, estou na Terra do Limonete, não é verdade?
Tio Joaquim - Exacto.
Terra de muita fama e de pouco proveito...
Mercúrio - E posso
saber a quem tenho a honra de estar falando?
Tio Joaquim - Ao Tio
Joaquim. É como todos me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas
Tio Joaquim há só um, que sou eu! É como lhe digo. Até os correios assim me
conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim - Tavarede. E cá vêm ter.
Mercúrio - É então
pessoa de alta importância...
Tio Joaquim - Não é por
me gabar, mas graças a Deus, sou, sim senhor. Abaixo do senhor Vigário, sou eu.
Cá na Terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião,
todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da
freguesia: “Oh João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da
baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se te vai embora se não lhe acodes c’o
sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres
ter grandes. Etc. etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu
é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante.
Mercúrio - É o
barómetro da freguesia.
Tio Joaquim - Lá isso de
barómetro não sei o que é. Sou assim uma espécie de folhinha, de Borda d’Água.
Dizem os jornais que agora na Itália o Massolini é que manda no trigo, ele é
que diz se as terras hão-de dar muito ou pouco. Mal comparado, eu sou o
Massolini da agricultura cá da terra. E às vezes não basta o conselho. É
preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. Quem quer bons
enxertos, vem ter comigo. Ninguém os faz melhor.
Mercúrio - Nessa
idade?
Tio Joaquim - Sei mais
disso que os novos, e ainda não me falta firmeza para abrir o golpe no cavalo e
meter o garfo.
Mercúrio - Acredito.
Tio Joaquim - Se são
precisos louvados para avaliações ou para partilhas vêm-me chamar; e nos
compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não
tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor.
Mercúrio - Vejo que
fui muito feliz em aqui o encontrar. Ninguém melhor do que o Tio Joaquim poderá
mostrar-me o que nesta aldeia há de notável. Uma terra velha como esta deve
possuir curiosos e históricos monumentos. Se me não falha a memória, reza a
história que quando Cristo andou pelo mundo já existia Tavarede.
Tio Joaquim - Sim,
senhor, é verdade. Terra velha e rija... Teem passado anos e séculos e Tavarede
é hoje a mesma aldeia pequena, a mesma pobreza, a mesma miséria. Não se faz uma
casa, e as que caiem, vão aumentando as ruínas. Nem de propósito: Aí veem dois
monumentos históricos que são duas ruínas célebres: O Paço do Conde e o Rio
Velho.
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