quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Associativismo - Os princípios - (6)

Vamos, então, continuar com o teatro na velha casa de Joaquim Águas.
Em Janeiro de 1896, a Gazeta da Figueira publicava a seguinte nota: "Assistimos, no sabbado ultimo, no pequeno theatro “Bijou Feminino”, á representação dos Reis.
O desempenho, feito por pessoas que não teem a educação própria para o theatro, não nos pareceu mau, ainda que houvesse varias incorrecções e exageros, devidos certamente á maneira como a peça se acha escripta. Distinguiu-se entre todas, no papel de Rachel, mãe d’um dos innocentes mandados immolar por Herodes, a esposa do nosso amigo Proa. Tanto os fatos como as caracterizações, feitas pos Abel dos Santos, não deixaram nada a desejar.
Cremos que foi o melhor dos presepios que este anno se representou na Figueira e arredores
".
Mas, claro, as opiniões divergem. Em O Povo da Figueira, como resposta ao comentário acima, escreve-se, dias depois: "Temos gosado os differentes espectáculos que ultimamente se têm representado no theatro “Bijou Feminino”, cujo desempenho tem sido na verdade surprehendente
O desempenho d’alguns papeis na representação dos Reis, por pessoas mal educadas… queremos dizer, por pessoas que não têm educação própria para o theatro, não nos pareceu… nem bom nem mau – antes pelo contrario, ainda que houve varias incorrecções exaggeradas, devidas com certeza à maneira como a peça s’acha escripta.
Em todo o caso estas incorrecções foram resalvadas, devido à intelligencia dos desempenhantes, sobresahindo especialmente o papel de Rachel que foi distribuído a um desempenhante que conseguiu arrincar da plateia os mais avaporados applausos que reduplicaram com muito mais enthusiasmo quando arrincou um dos innocentes dos braços mortiféros de Luciféro que… ficou atrapalhado ao fazer d’aquella…
Foi o melhor espectáculo de Reis que este anno se representeou na Figueira, Carritos e Cova da Serpe".
Como se depreende, já se tinham realizado, naquele teatrinho, diversos espectáculos anteriormente. Não encontrámos quaisquer notícias sobre os mesmos. Mas, quanto a este espectáculo, as coisas não ficaram por aqui. Vejamos o que respondeu o jornalista crítico da Gazeta:
"Acabamos de ler uma correspondencia d’esta povoação para o “Povo da Figueira”, datada de 24 do corrente, que nos surpreendeu... por sabermos que n’esta pequena terra ha um rival do tão festejado Caracoles da Folha do Povo, tal é o chiste da graça avaporada com que o tal correspondente critica o espectaculo dos Reis no theatro Bijou Feminino
Com .certeza certa que os desempenhantes eram mal educados... para o theatro; mas isso não é razão para critica, porque tambem o sr. correspondente está mal educado... para escrevinhador de correspondencias, em que a nossa lingua é torpemente assassinada, sem haver uma alma caridosa que a livre de tal verdugo, mandando-o para a Cova da Serpe, onde, com o seu fino espirito, póde representar algum papel de grande effeito, na peça de sensação - Judas... no deserto; ou então s’achar batatas para os Carritos.
Em todo o caso, não me lembra que nenhum desempenhante arrincase coisa alguma, pois que a peça era desempenhada por pessoas do sexo feminino, que, se disseram mortiféros, conseguiram tambem justos applausos, mas não avaporados (que não sabemos o que seja, a não ser alguma subida de vapores que fazem ver as coisas d’este mundo em duplicado ou reduplicado, conforme a quantidade).
Assim o sr. Pum (que pseudonymo tão avaporado!) com a sua intelligencia, não contente em criticar, o que certamente não viu (temos a certeza d’isso) e o que não percebe, não satisfeito em escavacar a pobre grammatica, que não tem culpa alguma da pouca intelligencia de qualquer quidem, que se arvora em critico... de si mesmo, ainda (naturalmente por estar avaporado) confunda Lucifér ou Luciféro, com o executor das ordens de Herodes, que, em vez de mandar degollar os innocentes, devia mandar cortar o pescoço a certos criticos... que nós conhecemos. Diz elle (correspondente) que viu (pelo telephone?) um desempenhante (que por sinal não estava avaporado) arrincar os mais avaporados (?) applausos que reduplicaram (por causa da avaporação) quando elle, aliás ella, arrincou um dos innocentes dos braços do capitão da guarda de Herodes a quem o sr. Pum, certamente por ignorancia, chama Lucifer! Oh! homem de Deus, olhasse-lhe para a cabeça e para os pés... a ver se assim o não confundia!
Ora... abobora, sr. Pum.; trate d’outro officio por que esse não lhe serve; metta-se com a sua vida e deixe divertir os outros, muito embora digam calinadas; olhe para si antes de criticar os outros; ponha a mão na consciência (caso não esteja avaporada) e... durma, que isso é somno, e olhe que de pobres de espirito está cheio o reino dos ceus... e tambem Tavarede.
Fique-se em paz
".
Embora me torne aborrecido, julgo que não devo deixar de transcrever a resposta do correspondente sr. Pum:
"Por mero acaso, e não porque esperasse emproadas replicas à minha inocente carta de 24 do mês último, é que vi, depois de decorridos alguns dias, referências abespinhadas de um quidam que entende na sua, e lá isso entende muito bem, não merecer sequer uma simples designação, embora ela seja tão estapafúrdia como a sua figura picaresca do pingurrio que veio de reforço… ao mestre.
De resto, cá na minha também opino porque o interessantíssimo anónimo, heróico defensor das prendas e mais partes que concorrem na pessoa das desempenhantes do Bijou, se alaparde o mais possível por detrás do mais bem vedado tapume. Quem me diz a mim que não poderia eu tomar a nuvem por Juno e o mestre António pelo mestre João? Nada mais fácil do que querer filar um farçola emproado e pimpão e, em vez disso, deitar os gatazios a um pândego que conheça a gramática… parda (?) tão bem como o Mandarim The-chin-pó sabia de cor as máximas do moralista Confúcio. Isso nunca! O mais prudente é uma pessoa não se arriscar da zona da certeza e não avaporar a imaginação pelas regiões mortiféras onde brilham sideralmente as pedras finas do decantado Bijou, parte das quais têm sido lavradas pela mão (?) do primeiro mestre – o que tem pouca gramática – e não pela do segundo, - que tem a gramática toda! – e que afinal, bem se vê, segundo afirmam testemunhas oculares e guturais, costuma escrever de um borco e com rara perfeição.
Eu, se neste momento, ou em qualquer outro, me achasse com tendências para responder à carta-dueto do ninguém, ver-me-ia, declaro-o com toda a franquelidade, seriamente atrapalhado, porque por mais que se faça suar o topete, por mais agudeza que um cérebro possua, é verdadeiramente impossível ajudar o que haja de fino espírito no remelgueiro mistifório do púfio. Chega até uma pessoa a pensar que quem aponta à execração pública os crimes (isso é o que nós havemos de ver?) gramáticos dos outros, não deve declinar a obrigação de perpetrar correspondências com algum bom senso.
Terminando por agora: Tavarede não está tão cheia de pobres de espírito que não comporte de vez em quando mais alguns, os quais em tardes amenas costumam, para refrescar a amizade, ir libar do divino licor… arranjando assim forças para bem desempenhar o papel de Cireneu nas estrambólicas epístolas fabricadas nesta aldeia e exportadas para a Gazeta.
E adeusinho até breve. (Pum)".
Ora isto merece, da minha parte, um comentário e um esclarecimento.
Como comentário pergunto: Nos tempos presentes, com muito maior instrução e educação, quantos espectáculos se fazem em Tavarede, nomeadamente na Sociedade de Instrução Tavaredense? Vários, não é verdade? Mas onde estão as críticas aos mesmos? Já não haverá correspondentes dos jornais na nossa terra que saibam criticar um espectáculo ou, pelo menos, dar a sua opinião? E os amadores, que praticam o Teatro devotadamente, mereciam algumas palavras de louvor, que os animassem a prosseguir a sua abnegada missão.
Quanto ao esclarecimento, informo que, naquela época, havia enorme rivalidade política, que chegava mesmo à ofensa. A pessoa visada, António da Silva Proa, foi um grande artista canteiro e foi um grande animador das festas em Tavarede. Era um conservador declarado. O correspondente de O Povo da Figueira era, com toda a certeza, um republicano progressista.
Há vários episódios baseados nesta luta política. Contarei alguma coisa, assim como alguns elementos sobre António Proa e seus descententes, que muito se dedicaram ao Associativismo.

(continua)

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