sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete-63

         E houve nova deslocação a nova terra. Coube a vez à Marinha Grande. Embora sem o espectaculoso de que se revestem algumas vezes os chamados grandes acontecimentos, antes com a simplicidade que é o traço característico da gente do Povo, o Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, ofereceu ao público da Marinha um desses momentos que bem se podem considerar de excepcionais para o meio.
         Já de há muito que ouvíamos falar do Grupo de Tavarede, sem, no entanto, termos tido ocasião de o ver representar. Dele nos tinham feito apreciações muito favoráveis, que nos aguçaram a atenção para o momento em que nos fosse possível assistir a um espectáculo seu. E foi sob esta influência, que presenciámos o espectáculo no Teatro Stephens, do domingo passado.
         E quando o pano desceu pela última vez, ficámos com a certeza de que as referências a este agrupamento estavam àquem das que de facto merecem. Como nós, pensaram todos os espectadores.
         “Horizonte”, de Manuel Frederico Pressler, é uma peça em 3 actos, simples, bem encadeada, em que as personagens se movimentam com graça e realidade. Apresentando como fundo um amor no Ribatejo, em que o pai da rapariga pretende – Oh! As tradições… - “casá-la” com rapaz do seu agrado, as cenas vão ganhando em emoção, que culmina no desespero do pai ante a fuga da filha com o rapaz dos seus sonhos. Nalguns períodos são de intenso dramatismo, noutros de confiante espectativa. Há nesta peça cenas que ficam gravadas, como a da “explosão” de sinceridade e de orgulho da protagonista.
         A realidade que ali atribuímos aos personagens não se entenda bem para o que nós desejaríamos que fosse a peça, nem para as realidades mais duras que sofrem tantos dos ribatejanos. Viu-se um desenrolar de acontecimentos em que a característica vida ribatejana não tem traços vincados. É mais à terra que, embora subsidiariamente, se refere quando se fala no meio. Mas é uma terra grata, que dá vida próspera e não esfumaça vidas. Há, sem dúvida, no Ribatejo, famílias que assim devem viver. A maioria, porém, rosto calcinado, corpo moído de tanto trabalho, leva bem mais dura (e Redol disse-no-lo em “Fanga”). Era antes a vida destes, eram antes as dificuldades que os trabalhadores têm, que nós gostaríamos de ver por tema do Ribatejo.
         O grande valor do espectáculo foi a representação do Grupo de Tavarede. Ela foi cuidada até ao mínimo pormenor. Não foi simplesmente um êxito de interpretação, que, diga-se, era primorosa. Cenários, trajes, tudo bom.
         Em primeiro plano está, indubitavelmente, Violinda Medina. Fulcro da peça, eleva-se a grandes alturas, àquelas aonde só pairam as artistas de gema. É verdadeiramente magistral a naturalidade com que se comporta em toda a peça, e, muito especialmente, quando põe a nu o seu talento dramático.
         João Cascão, no pai Firmino, dá-nos um homem de idade mas ainda de acção; faz ressaltar a indomabilidade que os trabalhos lhe transmitiram; baila-lhe no rosto a alegria das satisfações e mostra a carranca nos momentos de ira. É um artista de vulto para emparceirar com a protagonista.
         Não adianta apreciar, individualmente, mais do que o trabalho das duas “estrelas” da peça. Todos se houveram com brio, com galhardia, com plena consciência dos seus papéis. Não houve interpretações inferiores – podem qualificar-se, sem exagero, de todas boas, dentro das diferenças que a palavra possa permitir, bem pequenas, afinal.
         Tanto as caracterizações, como os cenários, de Reynaud, merecem os nossos aplausos. Aquelas, perfeitas; estes, sugestivos e belos.
         Se se tratasse da exibição dum grupo de profissionais, não caberiam aqui referências além daquelas que nos fossem pelo espectáculo, e só no espectáculo, recebidas na cadeira em que estivéssemos comodamente sentados. Mas no caso presente, a figura muda de roupagem…
         Foi muito agradável ver “Horizonte”. Muito grata, e muito louvada, a bela exibição. Foi agradável à vista e grato ao espírito. Mas importa que vejamos um pouco mais por trás, para lá do palco, nos bastidores. Que vamos mesmo até à base do agrupamento.
         Porque se encontra uma tal unidade? Ela não foi espontânea. Formou-se em anos de trabalho, em noites de canseira. Foi comentada. Deve ter tido os seus divulgadores. E hoje é uma agregação social, que tende para uma comunhão de recreio e cultura, ainda mais firme.
         Num lugar pequeno. Mas onde há uma escola de formação estética, que é o teatro.
         Entre pequena população. Mas onde a boa-vontade, a persistência, a continuidade, permitiram que se construísse um monumento para legar aos vindouros.
         Gente unida, que compreende o valor do teatro como cultura e como escola moral.

         E que tem a felicidade da direcção motora e incansável de – José Ribeiro.

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