sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Operetas em Tavarede - 3

       No dia 11 de Abril de 1925, subiu à cena a opereta “Em busca da Lúcia-Lima”. Com libreto de João Gaspar de Lemos Amorim, foi musicada por um grande músico figueirense, o saudoso professor António Maria de Oliveira Simões. Recordemos um pouco desta peça.

         Começava a acção no largo do rio, junto da Igreja. Estavam em cena as figuras importantes da aldeia, entre as quais o regedor “Zé Badaleiro”. Este havia acabado de receber um telegrama, vindo de Lisboa, no qual era informado da visita à aldeia de dois brasileiros, riquíssimos, Eduardo Leirosa e Tomás Castanho, que aqui se deslocavam à procura duma determinada pessoa.

         Enquanto esperavam os visitantes e faziam os preparativos para a recepção, as lavadeiras tavaredenses iam lavando as roupas das suas freguesas, nas águas frescas e limpas do nosso ribeiro.           

A roupa que nós lavamos
É de vária freguesia.
O sabão não chega a meio
Para tanta porcaria.

Lavamos muita fraldinha
De pintinhas salpicada...
À força d’ensaboadela
Fica sempre obra asseada.

As águas desta ribeira
Conhecem muito segredo
Das meninas que namoram
Escondidas no arvoredo.

De noivas e de casadas
Toda a roupa aqui vem ter
Por isso sabemos coisas
Que se não devem dizer.

As nódoas que traz a roupa
Nos fartamos d’esfregar.
Estas pedras se falassem
Tinham muito que contar.

         Logo de seguida aparecem os dois brasileiros, acompanhados pelo seu criado, o muleque “Dominus Técum”. Haviam aterrado o seu aeroplano na Várzea e são recebidos festivamente, no largo do rio, por toda a população local. Afinal, eles eram portugueses, naturais, um do Minho e o outro de Trás-os-Montes. Haviam emigrado para o Brasil. A vida correra-lhes bem, amealharam grossa fortuna e, agora, queriam casar.

         Num jornal desta região, que haviam recebido, encontraram o seguinte anúncio: “Senhora nova, sem fortuna mas formosa, de boa reputação e muito prendada, deseja contraír matrimónio com cavalheiro respeitável e em condições de manter o decoro e decência de família digna de toda a consideração. Quem pretender, dando referências idóneas, queira dirigir-se a Lúcia Lima, Beco das Poias, Tavarede”.

         Não hesitaram. Meteram-se dentro do seu aeroplano e aqui chegaram em busca da tal senhora. O pior é que de ninguém era conhecida. E enquanto aguardavam mais informações, foram provar um copo “do bom”, à adega do senhor regedor.

         Havia na aldeia um tal “Pinga-Amor”, amador dramático e conquistador dos “quatro costados”. Este, temeroso que algum dos brasileiros requestasse a bela Capitolina, a filha do regedor que ele pretendia para noiva, especialmente pelo dote dela, logo arquitectou um plano para os afastar daqui, fazendo constar que a tal Lúcia Lima havia ido para a China, na companhia de um irmão, capitão da tropa destacado para Macau.

         Engoliram a patranha. E logo decidiram. Se ela foi para a China, vamos nós, também, à sua procura. O aeroplano estava pronto para a viagem.

         O segundo acto é passado nos jardins do Mandarim de Tching Fou. Comemorava ele, nessa dia, as suas 59 “primaveras” e havia ordenado grandes festejos. Todavia, sua filha, Flor de Chá, estava triste. Havia-se apaixonado por um dos brasileiros. Estes, porém, ao aterrarem o seu aeroplano, fizeram-no com tal infelicidade que partiram umas pendurezas do templo e estragaram o arrozal sagrado, o que causou enorme ira ao Mandarim, que determinou a sua prisão e que, em julgamento mais que sumário, havia determinado a sua execução.

         Flor da Chá, que seu pai havia prometido em casamento ao seu valido Chi-Fan-Tu, mas que se apaixonara por um dos brasileiros, canta a sua tristeza:

 Sonhos dourados, grata alegria,
 Que em mim senti; sempre a brilhar
Mundo d’ilusões em que eu vivia...

Oh! voltai, voltai, e sem tardar
Que eu desfaleço nesta agonia,
Nesta tristeza d’amargurar!

Que vale ser nova, ser cortejada,
 Ser rica e filha dum mandarim,
Se a alma trago atormentada
Duma tristeza que não tem fim!

Viram meus olhos um estrangeiro;
Presos ficaram, presos d’amor,
Como no encanto dum feiticeiro.

Não sei que chama, que estranho ardor
Fez em meu peito letal braseiro,
Que é vida e morte, prazer e dor!

Buda clemente minha alma implora
Do vosso poder a protecção.
Tirar-me o fogo que me devora
D’ardor intenso meu coração.

         Mas a festa continuava. Emtretanto, Flor de Chá tinha conseguido subornar o Comandante Ferraóbico. Projectaram a fuga dos prisioneiros. Por sua vez, o Consul de Portugal, que tivera conhecimento do sucedido, vai interceder junto do Mandarim, a quem oferece algumas garrafas de vinho do Porto que ele muito apreciava.

         Mas não era só a liberdade dos brasileiros que Flor de Chá pretendia. Queria mais, queria casar com Eduardo Leirosa, que também por ela se apaixonara. A festa prosseguia, mas, antes da execução e com o auxílio do Comandante Ferraóbico, conseguem fugir para Portugal, trazendo com eles a apaixonada Flor de Chá.

 Eu tinha numa gaiola
 Uma linda cotovia,
 Era uma delícia ouvi-la
 Chilreando todo o dia.

 Não era só meu o encanto:
 O maroto dum pardal
 Vinha fazer-lhe namoro
 Debruçado no beiral.

 Desde a alvorada
 O tal tratante
 Sempre no posto
 Era constante
 A confessar
 Seu terno amor,
 E a cotovia
 Fazia ouvidos
 De mercador!
 Mas passados tempos
 O tal mariola
 Conseguiu beijá-la
 Fora da gaiola

 E fugiu.

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