sexta-feira, 27 de abril de 2012

Teatro da S. I. T.- Notas e Críticas - 25

1955.02.03 - SERÃO HOMENS AMANHÃ, EM MARINHA GRANDE (REGIÃO DE LEIRIA)

Mais uma vez o “Teatro de Tavarede” na Marinha Grande, sob os bons auspícios do SOM e habilmente guiado pelas “mãos milagrosas” do exmo.sr. José da Silva Ribeiro, competentíssimo director, ensaiador, alma do “Grupo Cénico de Instrução Tavaredense”.

Este grupo que já nos tinha dado um esplêndido e invulgar “Frei Luís de Sousa”, trouxe-nos desta vez a peça argentina “Serão homens amanhã”. O seu autor apresenta-nos um drama da vida real, o velho tema dos filhos ilegais, inocentes vítimas das irregularidades da carne, cujo problema é de ontem, de hoje, de amanhã e de sempre, e será pelos tempos fora de palpitante actualidade.

O seu autor (da peça) mostra-nos o drama que se desenrola, surdamente, num entrechocar de paixões, à volta de três inocentes crianças, que vivem felizes, alheias às misérias humanas, ignorando-as completamente, bem como a sua pecaminosa origem, pois são filhos de uma mulher solteira e dum homem com um lar exterior legalmente constituído, que se serve de vários embustes para mascarar a sua paternidade.

O drama inevitável surge e um temporal desfeito fustiga inexoravelmente o pseudo-casal, como um látego justiceiro, até que uma alma generosa – outra vítima desses embustes – salva a situação, levando a todos uma regeneração digna, a bonança enfim, acabando tudo em bem. O autor da peça resolveu aquele difícil problema, com um final bastante simpático, o público gostou, aplaudiu e saiu satisfeito.

Porém, na vida real, raramente aquilo sucede, e no geral, as crianças, as inocentes vítimas do pecado, são como que uma bola de futebol, aos pontapés de uns e outros, no terrível jogo da vida, em que o árbitro é o Destino, o público – a sociedade que os despreza, e o resultado da luta – inferioridade em que são colocadas em relação aos filhos do matrimónio. E para todos, afinal, são os filhos dum pecado que eles não cometeram...

Na peça “Serão homens amanhã” tudo acaba em bem, graças a Deus. A interpretação....(falta texto)....... Cró Brás (Chiquinho), João José Nogueira e Silva (Eduardinho) e a mais velhinha, Maria Natália Santos (Mariazinha); a caminhar assim e dirigidos por mão de mestre, dentro em pouco serão realmente “os homens de amanhã”. Enternece vê-los e dá vontade de abraçá-los!

O sr. João Cascão (Carlos) é outro grande esteio do grupo. É um verdadeiro actor. Chega a convencer que não faz outra coisa que representar! Ele foi o anjo salvador daquelas crianças e da mãe, de uma derrocada moral e social, e tão bem o fez, que nos pareceu realmente o pai dos três filhos...

O sr. Fernando Reis (Luís Reys), o verdadeiro pai e o maior pecador da peça, foi, por fim, e com muita verdade, a alma que se sacrifica pela felicidade dos filhos, recebendo como castigo da sua falta, a grande chicotada do Destino e que foi a destruição do seu lar verdadeiro.

O sr. António Jorge da Silva (Hermenegildo) e D. Maria Teresa de Oliveira (Delfina) são os pseudo-avós dos pequenos; foram dois velhotes impagáveis, alegrando a peça com a sua graça e ingenuidade provincianas, sem ao de leve suspeitarem da tragédia de que estavam sendo comparsas. Também e com toda a justiça merecem parabéns.

A criada Joana (D. Vitalina Lontro) foi uma verdadeira criada, até no simples gesto de atar o avental, e os srs. António da Silva Coelho e João de Oliveira Júnior, em dois papéis episódicos, não desmancharam aquele belo conjunto, bem como o sr. José Luís do Nascimento, no criado. Cenários magníficos, modernos, vistosos, do prof. sr. Manuel de Oliveira.

O arranjo das cenas, a decoração do palco com um esmero escrupuloso nos mais pequenos pormenores, tornando os interiores de agradabilíssimo aspecto.

Mais uma vez o “Grupo Cénico de Instrução Tavaredense” venceu na Marinha Grande e por isso estão todos de parabéns bem como o seu Director exmo. Sr. José da Silva Ribeiro, e... até à próxima!

1955.03.24 - TAVAREDE, ALDEIA-ESCOLA DE TEATRO! (JORNAL DE ACTUALIDADES)

Quando aceitámos a direcção desta página, imediatamente nos propusemos cumprir uma missão que há muito desejávamos realizar: a utilização deste espaço que o destino nos oferecia para, sempre que fosse possível, acompanharmos o esforço do teatro amador português. No meio de tanta desorganização, indisciplina e comercialismo – o barómetro parece indicar sensível melhoria de tempo... – determinados grupos de amadores representam uma luz muito viva a pretender atravessar o nevoeiro que, desde há um certo tempo, caíu sobre alguns dos poucos palcos da nossa terra.

Para o leitor desprevenido o facto de iniciarmos esta primeira fase de colaboração com os amadores teatrais, escolhendo um grupo duma modesta aldeia beirã, Tavarede, poderá causar uma relativa estranheza. Mas Tavarede é um nome a fixar por todos quantos ainda sentem forças para lutar pelo progresso duma arte que é um dos pilares mais sólidos da cultura dum país!

A aventura maravilhosa daquela aldeia pobre, a espreitar a Figueira da Foz, é uma verdadeira gesta de amor e de dedicação. Noite caída e ceia tomada, rapazes e raparigas de Tavarede, trabalhadores do campo e das oficinas, operários e cavadores, modistas e empregados de escritório, carpinteiros, serralheiros e pedreiros dirigem-se para o pequeno palco-escola da Sociedade de Instrução Tavaredense, uma associação cultural e recreativa fundada em 1904, que tem, desde a sua fundação, mantido um extraordinário labor.

Esta associação derrama a sua benéfica e luminosa actividade numa aldeia muito pequena e esse mesmo motivo faz com que poucas famílias não tenham representação no seu grupo de amadores teatrais.

José da Silva Ribeiro tem conseguido o milagre de num espaço de trinta anos manter o fogo sagrado do Teatro em Tavarede. A sua invulgar têmpera e tenacidade, o seu sentido de orientação fez com que peças como “Recompensa” e “Três Gerações” de Ramada Curto, “A Nossa Casa” de George Michel, “Envelhecer” de Marcelino Mesquita, “Horizonte” de Manuel Frederico Pressler e “A Herança” de Henrique Lopes de Mendonça fossem representadas no minúsculo palco da Sociedade de Instrução Tavaredense. O drama “Frei Luís de Sousa” de Garrett – que ainda há pouco tempo foi apresentado em Coimbra – mereceu uma montagem que a todos tem deixado em espanto, pela verdade minuciosa da sua expressão plástica. E Gil Vicente, nos Autos de “Mofina Mendes”, da “Barca do Inferno”, “Pastoril Português” e “Todo o Mundo e Ninguém” encontrou na boca do povo que ele tanto amou, o eco imortal das suas frases eternas.

Mas o aspecto para nós de maior realce na actividade de José da Silva Ribeiro está consubstanciado na sua ideia de tornar os amadores de Tavarede intérpretes conscientes das personagens, dos seus sentimentos, das ideias que as determinam na época em que vivem e do ambiente em que essas mesmas personagens se movem. Tudo lhes é indicado através de pequenas palestras durante os ensaios, palestras que são esquematizadas sem ar de lição mas que são compreendidas pelo seu heterogéneo grupo de amadores.

Parece-nos que mais não será necessário escrever para que fique esclarecido porque chamámos a TAVAREDE, a aldeia-escola de Teatro.

E para começarmos o nosso entusiástico roteiro não poderíamos deixar de escolher esse admirável agregado beirão, composto de gente que trabalha arduamente todo o dia e que, à noite, procura no Teatro a sua fonte de saúde mental.

Falámos de TAVAREDE. E isso muito nos honra.

1956.01.08 - ANA MARIA, NA FIGUEIRA (DIÁRIO DE COIMBRA)

A função da crítica em presença duma obra é da sua análise profunda baseada numa observação sistemática. Para toda e qualquer manifestação de arte o crítico tem de se situar nesse plano e só a partir dele deve actuar. Qual será então o motivo porque nas críticas teatrais feitas neste jornal a primeira coisa que se escreve é: Teatro de Amadores ou Teatro de Profissionais?

Se vivessemos num país onde o Teatro constituísse uma séria e portanto basilar manifestação artística ter-se-ia de estabelecer a mesma separação?

Evidentemente que sim. O profissional de teatro é o trabalhador de teatro como o cavador é o profissional da enxada e o intelectual o do livro. Já viram como o homem da cidade pega numa enxada? e a dificuldade com que o nosso trabalhador do campo lê um jornal?

Há portanto que destrinçar. Em países de fraca tradição teatral, com raras excepções, tem sido sempre o teatro de amadores que cria as grandes renovações. Desde há uns trinta anos a esta parte que o arrojo, principalmente da juventude, tem lançado esta arte na conquista de novas posições. Teatros experimentais ou de vanguarda – teatros de amadores – (a comercialização vem depois), foram trampolins para muitos êxitos, êxitos devido à estagnação de processos, o fraco nível moral e intelectual, os iletrados arrivistas dirigindo a mais complexa das artes, às sujeições de toda a espécie sem excluir a censura, etc., etc., etc. O Fundo de Teatro recentemente criado no nosso país o que visa a defender? O teatro? Qual teatro? Com t ou T? Onde ir buscar os alicerces que faltam para se criar um verdadeiro teatro? As respostas a estas perguntas deu-as aquele Fundo concedendo subsídios a Companhias Teatrais lisboetas que pelo que me foi dado observar até hoje não merecem de forma alguma esse subsídio. Qual o critério utilizado pelo Fundo para essa concessão? Que garantias recebeu das Companhias que subsidiou? Quais as pessoas capazes onde garantiu as centenas de contos concedidos em dois anos de trabalhos ineficazes e circunscritos à Capital? (Acaso a Província não terá categoria para apreciar esses espectáculos ou os espectáculos não terão categoria para vir à Província?).

Coimbra há quatro anos que não vê teatro declamado por uma companhia portuguesa ou pelo menos por um conjunto que mereça esse nome. O Fundo de Teatro não terá nada que ver com isso? Não falamos é claro no Teatro dos Estudantes que apesar dos seus dezoito anos de trabalho incessante em prol do Teatro Português aquém e além fronteiras, onde actuou de molde a envaidecer o Mestre que o dirige e os estudantes que o compõem e que representando este podre teatro português conseguiu que as gazetas o distinguissem sem ter que levar as notícias às agências telegráficas nem pagar aos críticos dos jornais. E qual a razão por que este grupo não foi subsidiado? Dará menos garantias artístico-culturais que os beneficiados ou a sua obra estará para além da compreensão daqueles a quem compete zelar pela valorização do teatro português?

E como pode o Fundo de Teatro alhear-se do que se passa com o Conservatório?

Para uma verdadeira ressurreição do teatro em Portugal não seria necessário uma valente vassourada, naquela casa? Quando é que o Conservatório se lembrará de apresentar espectáculos teatrais com os seus alunos, de forma a poderem apreciar-se os métodos e observar-se as revelações?

E não seria uma obra de largo alcance social e de profunda projecção nessa mesma valorização do teatro português que o Fundo de Teatro providenciasse a criação da Casa do Actor Profissional para onde fossem levados aqueles actores que todos reconhecem estarem já incapacitados de representar mas que as condições de vida obrigam a trabalhar e os críticos (?) a aplaudir devido ao seu passado?

E basta de considerações que não caberiam num jornal inteiro quanto mais num artigo.

Por tudo isto se vê que aos profissionais há que exigir a apresentação de espectáculos impecáveis e incentivar e aplaudir todas as manifestações honestas que dentro do campo do amadorismo (e bem poucas são) existem no nosso país. São estas que ainda constituem a pedra de toque (ainda que fraca) que nos permite verificar a pobreza do que os profissionais mostram sobre as tábuas.

Fomos à Figueira ver o “Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense”. José Ribeiro com uma persistência todos os títulos notabilíssima tem mostrado à gente da sua terra quase todos os aspectos por que o teatro se desdobra. Não pára. Agora foi uma opereta. Diga-se desde já – para além das restrições que se façam – que no estado actual do teatro português poucas terras do nosso país com a matéria prima de que podem dispôr, apresentariam um espectáculo como o que vimos. Quero com isto dizer que o espectáculo é uma perfeição? De maneira nenhuma; até porque não é este o género de teatro a que José Ribeiro se tem dedicado e uma opereta necessita antes de tudo o mais de vozes. José Ribeiro sabe-o bem e por isso mesmo procurou compensar esta falta que os ouvidos acusam com um guarda-roupa e caracterizações que os olhos apreciam. Quanto ao original surge-nos desiquilibrado. Há cantores a mais no 1º acto e muitas palavras no 1º quadro do 2º, equilíbrio dos segundos quadros do 2º e 3º actos.

A música de Joel de Mascarenhas é fraca e não ajuda em nada a criar o ambiente em que a peça se situa. Os cenários agradáveis. A orquestra à parte um ou outro descontrole dos instrumentos de sôpro teve nos violinas e no flauta o seu melhor.

A movimentação de cena esteve de uma maneira geral certa faltando às raparigas do coro naturalidade de salão em certas marcações musicais; aliás é a música que convida o “passo de rancho” em alguns momentos.

Na interpretação António Jorge da Silva, Vitalina Gaspar Lontro, Violinda Medina e Silva, Maria Isabel Reis e José Maria Cordeiro notabilizaram-se; a Manuel Gaspar Lontro faltou a convicção que caracteriza todos os malabaristas de feira; quando a arranjar fará um papel à altura dos primeiros.

É mais um espectáculo do Grupo de Tavarede que merece ser visto e aplaudido, um espectáculo escrito, musicado e representado por portugueses e que por isso mesmo não interessa ao Fundo do Teatro.

Quando manifestações como esta e como poucas mais merecerem o amparo e carinho dos que têm por obrigação defender o teatro em Portugal então pode ser que começando-se pelo princípio se faça obra de projecção. De outra maneira é tempo e feitio perdidos. Crie-se público em todo o país; criem-se actores dignos desse nome; mandem-se aprender ao estrangeiro os poucos que podem ser directores de cena no nosso país; expulsem-se os vendilhões do templo e só então se poderá começar a marchar rumo a um teatro – representado, escrito ou representado e escrito – em Portugal.

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