sábado, 25 de agosto de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 42


1972.12.06     -     A SIT NAS COMEMORAÇÕES DE “OS LUSÍADAS” (MAR ALTO)

                O “Mar Alto” registou, com o merecido relevo, a contribuição da Sociedade de Instrução Tavaredense nas comemorações do centenário da publicação de “Os Lusíadas”. Mas talvez não seja descabido referir ainda uma outra opinião sobre os amadores tavaredenses e o seu espectáculo comemorativo. Uma opinião como a de Hernâni Cidade, presidente da Comissão Nacional das Comemorações Camonianas.
                Numa carta que o qualificado professor dirigiu ao tavaredense sr. António Medina Júnior, director do “Jornal de Sintra” o Dr. Hernâni Cidade assim se pronuncia:
                “Sr. António Medina
                Meu prezado amigo:
                Tenho o tempo tomadíssimo, mas não lhe posso negar as palavrinhas que me pede sobre o espectáculo a que ambos assistimos na sua terra, na inesquecível noite de 4 de Novembro.
                Foi tudo para mim uma impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com simpatia de tão espontânea generosidade e com palavras de tão calorosa eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela interpretação do auto camoniano – El-Rei Seleuco. Inteligente a interpretação, adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela – a melhor, a mais comovida e autêntica ,maneira de lha agradecer.
                José Ribeiro merece aquele ambiente de calorosa estima e de enternecida admiração que lhe dedicam todos os colaboradores, todo o povo de Tavarede. E até na formação de tal ambiente está demonstrada a superior sensibilidade do povo a cuja educação ele com tanta bondade e com tanta inteligência consagra sua devoção cívica e sua humaníssima paternidade. Na verdade, é uma surpresa gratíssima sentir como todos desempenham os seus papéis! Sem um comum fundo de cultura superior à habitual em pessoas de aldeia e profissão humilde, não seria possível tanta maleabilidade na interpretação e representação das figuras, na adequação a estas de falas e atitudes, quer naquele auto, quer na Evocação de Camões e “Os Lusíadas”, da autoria do seu ilustre conterrâneo.
                É uma bela obra, a que José Ribeiro está realizando. Mas é o de melhor colaboração possível, o ambiente moral e até artístico em que tem a felicidade de trabalhar. Merecia-o o seu talento; merecia-o a sua simpatia, a que nem falta a espontânea eloquência com que sabe comunicar-se.
                Aqui tem, meu querido amigo, o que da abundância do coração, me veio ao bico da esferográfica.
                Tudo isto e ainda um abraço do seu amigo, Hernâni Cidade.

EM TAVAREDE MORA O TEATRO (MAR ALTO)

                Tal como “Mar Alto” noticiou no seu último número, estreou-se na Sociedade de Instrução Tavaredense, em récita de aniversário, a peça do conhecido dramaturgo inglês William Shakespeare – “TUDO ESTÁ BEM QUANDO ACABA BEM”.
                Estivemos presentes a mais esta noite de teatro em Tavarede, e sem pretendermos ser crítico teatral – porque o não somos – mas porque gostamos de teatro, não podemos deixar de aqui expor as nossas opiniões sobre mais esta obra de um clássico, que o grupo cénico da SIT nos proporcionou.
                À hora pontual, como é hábito na Sociedade de Instrução Tavaredense, teve início a récita com uma exposição de mestre José da Silva Ribeiro, que a jeito de intróito nos situou dentro da obra que se iria representar, e que simultaneamente, numa intencional linguagem simples e compreensível, nos deu uma bela lição de teatro. Se mais não valesse, só para ouvir mestre José Ribeiro, valeu bem deslocarmo-nos à SIT, pois que de um agradável espectáculo de teatro se tratou.
                É evidente que não poderemos comparar esta peça de Shakespeare a um “Romeu e Julieta”, mas sem dúvida que se trata de uma bela peça. A mensagem trazida até nós, tem ainda actualidade, se atentarmos na frase colocada na boca do Rei de França – que aliás traduz o sentimento de toda a peça – em que ele, insurgindo-se contra um dos seus fidalgos, por não querer casar com a filha de um plebeu – “filha de um simples médico” – pergunta irritado se o sangue dela não será igual ao seu – dele Rei – se há diferença na cor, no peso ou no aspecto. – Quando se pretende criar uma sociedade igualitária entre os homens, ainda hoje se poderia citar esta frase a muito boa gente.
                Só quem, como nós, conhece o trabalho de bastidores, poderá compreender o esforço necessário para que, comodamente instalados nas nossas cadeiras, pudéssemos apreciar esta representação. – É todo um trabalho persistente de estudo, ensaios, o montar e desmontar das cenas – que não quebraram o ritmo do espectáculo – é enfim um mundo de ocupações.
                Foi com simpatia que vimos no palco da SIT alguns jovens – hoje que a juventude se espalha por diversas ocupações, nem sempre as mais recomendadas – que a par de alguns “velhos”, nos deram um belo exemplo e nos fazem confiar no futuro da nossa juventude. Lado a lado com os já consagrados – João Medina, Fernando Reis, José Medina, Manuel Lontro, vimos, entre outros, os jovens Ana Paula Fadigas e Francisco Carvalho – que julgamos serem estreantes – e que julgamos serem promissoras as suas aptidões para o teatro, – nunca a coragem e boa vontade vos falte. – Uma palavra ainda para Maria Conceição Mota, que para nós foi uma agradável revelação.
                Tratou-se de uma estreia, e estamos certos, ou não conhecessemos os métodos de trabalho da SIT, de que algumas arestas serão ainda limadas. Para todos os que gostam de teatro, aconselhamos a que em sessões futuras se desloquem a Tavarede e a par de um belo espectáculo, aceitem uma boa lição de teatro, pois que “TUDO ESTÁ BEM QUANDO ACABA BEM”.

1973.01.18     -     PROF. DR. HERNÂNI CIDADE (A VOZ DA FIGUEIRA)

                É de arquivar, nas nossas colunas a seguinte carta dirigida pelo Prof. Hernâni Cidade a António Medina Junior e inserta no seu Jornal de Sintra.
                               “Sr. António Medina, Meu prezado amigo:
                Tenho o tempo tomadíssimo, mas não lhe posso negar as palavrinhas que me pede sobre o espectáculo a que ambos assistimos na sua terra, na inesquecível noite de 4 de Novembro.
                Foi tudo para mim uma impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com simpatia de tão expontânea generosidade e com palavras de tão calorosa eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela interpretação do auto camoneano - El Rei Seleuco. Inteligente a interpretação, adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela - a melhor, a mais comovida e autêntica maneira de lha agradecer.
                José Ribeiro merece aquele ambiente de calorosa estima e de enternecida admiração, que lhe dedicam todos os colaboradores, todo o povo de Tavarede. E até na formação de tal ambiente está demonstrada a superior sensibilidade do povo a cuja educação ele com tanta bondade e com tanta inteligência consagra a sua devoção cívica e sua humaníssima paternidade. Na verdade, é uma surpresa gratíssima sentir como todos desempenham os seus papéis! Sem um comum fundo de cultura superior à habitual em pessoas de aldeia e profissão humilde, não seria possível tanta maleabilidade na interpretação e representação das figuras, na adequação a estas de falas e atitudes, quer naquele auto, quer na Evocação de Camões e “Os Lusíadas”, da autoria do seu ilustre conterrâneio.
                É uma bela obra, a que José Ribeiro está realizando. Mas é o de melhor colaboração possível, o ambiente moral e até artístico em que tem a felicidade de trabalhar. Merecia-o o seu talento; merecia-o a sua simpatia, a que nem falta a espontânea eloquência com que sabe comunicar-se.
                Aqui tem, meu querido amigo, o que, da abundância do coração, me veio ao bico da esferográfica.
                Tudo isto e ainda um abraço do seu amigo
                                                                                                              Hernâni Cidade”

1975.03.15     -     UMA ESTREIA EM TAVAREDE (O DEVER)

                Eu que não assisto a nenhuma estreia, fui desta vez a uma, sem constrangimento, com prazer. Isto aconteceu num lugar pouco conhecido, porém, o mais teatral de Portugal: em Tavarede. Vila de 500 habitantes – perto da Figueira da Foz -, possui um grupo de teatro amador já famoso e cujo mentor, José Ribeiro, não precisa das acções de dinamização cultural vindas de fora, porque ele a dinamiza há já algumas dezenas de anos, e de dentro.
                Na verdade, em Tavarede faz-se mais teatro do que em Lisboa e do que em Paris e Londres; vejam bem: dos 500 habitantes, na última estreia, vimos cerca de 40 actores, uma dúzia ou mais de músicos tocando no fosso da orquestra, 20 técnicos de cena, enfim, uma percentagem considerável da população local.
                A peça estreada chama-se “Mesa-Redonda” e o seu autor-compilador é uma vez mais o infatigável José Ribeiro, 80 anos passados, mesmo após uma recente grave doença, continua cheio de “verve” e quando ainda, os outros têm de correr atrás. Diz-se: o que há de bom em Tavaredem é a água e o José Ribeiro. Mas voltando ao espectáculo: era o exemplo vivo da aliança da cultura “culta” (Gil Vicente, Sóror Mariana, Cântico dos Cânticos) com as preocupações locais e até políticas do momento, uma revista “sui generis”, com quatro “compères” (de mesa-redonda quadrada), com música, canções, finais e tudo, com dezenas de cenários ou apontamentos montados num abrir e fechar de olhos, rigorosamente, sem falha; e, dentro desse global recreativo os textos muito belos e sérios.
                A estreia foi um êxito, mas o eco não chegoum que eu saiba, a Lisboa. Ficou no seu lugar para o qual foi concebido o espectáculo, com honestidade, trabalho e talento, sem modas e oportunismos. E quase me penitencio de falar nele, neste jornal: é como desvendedar deslealmente um segredo, embora movido pela simpatia, admiração, e até mais.
                Eis o abraço do espectador de estreia, desta vez não renitente. (a) Jorge Listopad.
                N.R. – Respigámos do “Diário de Notícias”, de há dias, este belo “naco” de prosa, e aqui o transcrevemos, com aprazimento, em homenagem, bem merecida, ao nosso ilustre conterrâneo – alma-mater do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense – José da Silva Ribeiro.

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