sexta-feira, 30 de março de 2012

Teatro da S.I.T. . Nortas e Críticas - 22

1951

FREI LUIS DE SOUSA

A Sociedade de Instrução Tavaredense abriu no último sábado a sua época teatral: e fê-lo brilhantemente, tanto pelo valor e significado da peça escolhida – Frei Luis de Sousa – como pela grandeza e dignidade com que a apresentou.


Poucas vezes se terão ouvido no pequeno teatro de Tavarede tão calorosas e demoradas ovações, repetidas vibrantemente no final de todos os actos. O público, dominado pela beleza do drama e pelo desempenho, admirou os esplêndidos cenários, o guarda-roupa luxuoso, toda a montagem cénica, que é mais um título honroso a juntar aos vários com que a Sociedade de Instrução Tavaredense ilustra a sua notável actividade em prol do verdadeiro Teatro e da cultura do povo. Nem faltou, a completar o ambiente, uma pequena e harmoniosa orquestra de arco que nos intervalos tocou música apropriada.


Os aplausos de sábado passado vão repetir-se hoje à noite em Tavarede.


Na próxima quarta-feira, 5, o grupo tavaredense apresentará Frei Luis de Sousa nesta cidade, no Teatro do Peninsular. Como já é tradicional nas récitas dos tavaredenses, o espectáculo começará à hora marcada, 21,30 horas. O inscrição, aberta na Tabacaria Africana, está concorridíssima.


No dia 10 do corrente será a peça representada no Teatro Avenida, em Coimbra, a favor do “Enxoval do Recém-nascido na Maternidade de Coimbra”. (Notícias da Figueira – 12.01)

FREI LUIS DE SOUSA

Ainda não tinhamos visto a obra-prima do teatro português Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett, representada pelos Amadores de Tavarede.


Confessamo-nos por não ter ido à encantadora e simpática aldeia do limonete assistir à estreia daquela magistral obra na magnífica criação de que os tavaredenses a revestiram.


Esta nossa falta se deve ao facto de estarmos plenamente confiados de que esse maravilhoso espectáculo nos seria apresentado num ambiente adequado à transcendência da Obra.


Na passada quarta-feira, 5, quando entrámos no Teatro Peninsular para assistir à representação de “Frei Luis de Sousa”, e vimos a sala literalmente repleta de público apreciador, sentimos a imediata sensação de que iamos apreciar um invulgar trabalho.


De facto, esta nossa impressão não foi traída.


A excelência dos cenários de Manuel de Oliveira; do guarda-roupa de Alberto Anahory; do mobiliário desenhado pelo pintor Alberto de Lacerda e cenógrafo Manuel de Oliveira, teve como complemento o maravilhoso desempenho dos Amadores de Tavarede.


O público soube premiar com justiça em calorosos aplausos o belo espectáculo de Arte que lhe foi oferecido.


O nosso “bouquet” de admiração a todos os Artistas Amadores de Tavarede, que de maneira superior se desempenharam da sua missão, o entregamos com o maior carinho nas mãos da gentil menina Maria Alice da Silva Mendes, que no seu papel da jovem D. Maria de Noronha ultrapassou toda a nossa espectativa.


Maria Alice simbolisa bem aquela Escola da Arte de Talma, que a singela aldeia tavaredense, na pessoa do sr. José da Silva Ribeiro mantém com justificado orgulho.


Para todos, sem distinção, os nossos Parabéns. (Notícias da Figueira – 12.08)

1952

JORNAL MAGAZINE DA MULHER

No nº. 15 do “Jornal Magazine da Mulher”, formosa publicação cujos sumários são sempre excelentemente confeccionados, dando-lhe um cunho de beleza e distinção, vem uma honrosa referência aos amadores de Tavarede, a propósito da representação da fantasia “Chá de Limonete”, dizendo:


“UMA OBRA QUE DIGNIFICA.
EM TAVAREDE, MODESTA ALDEIA DA BEIRA, ENSINA-SE TEATRO.


Para quem descreia da existência dum fogo sagrado, constante e generoso que lute através de todas as contigências e de todas as dificuldades por uma ideia digna e firme do verdadeiro sentido da Arte teatral, ponha os olhos e o cérebro em Tavarede, terra pobre, perdida na Beira pobre.


Esse agregado beirão tem uma associação cultural e receativa, a Sociedade de Instrução Tavaredense, fundada em 1904 e desde essa data lançada na maravilhosa missão de cultivar e difundir a cultura dos seus próprios associados.


Chega a pasmar como é possível manter-se uma obra duma projecção tão elevada e tão nobre num meio insuficiente, cheio de asperezas da sua condição geográfica e humana.


Desde há trinta anos que um homem de tenacidade e têmpera fora do vulgar, José da Silva Ribeiro, mantém um grupo cénico, na referida Sociedade. Esse grupo, com um reportório vastíssimo do qual indicamos, como representativos exemplos do critério de selecção “A Nossa Casa” de George Mitchel, “Recompensa” e “Três Gerações” de Ramada Curto, “Envelhecer” de Marcelino Mesquita, os Autos de “Mofina Mendes”, da “Barca do Inferno”, “Pastoril Português” e “Todo o Mundo e Ninguém” de Gil Vicente, “Horizonte” de Manuel Frederico Pressler, “A Herança” de Henrique Lopes de Mendonça, esse Grupo, repetimos, vem cumprindo tenazmente e com sacrifícios de vária ordem o programa do seu entusiástico orientador. Como a aldeia é pequena bem poucas são as famílias que não têm representação no agrupamento de amadores. E assim a ideia nascida num momento inspirado de amor pelos outros foi-se inveterando no espírito daqueles trabalhadores do campo e das oficinas, aqueles rapazes e raparigas, operários e cavadores, modistas e empregados de escritório, carpinteiros, serralheiros e pedreiros que ao cair da noite, de corpo cansado pelo trabalho, vão alimentar o espírito nos ensaios deste admirável núcleo teatral. E dizemos alimentar o espírito porque eles não se limitam a decorar as deixas dos seus “papéis” e recitá-los no momento oportuno com maior ou menor ênfase. Procura José da Silva Ribeiro que eles não sejam “fantoches para divertir o público”, como tão bem nos transmite no prefácio duma sua peça ali já representada, mas que “tomem a consciência das respectivas personagens dos sentimentos que lhe vão na alma, das ideias que as determinam, da época em que viveu, do ambiente em que se movem”. E assim, o grupo cénico tem uma actividade misturada de disciplina escolar e de prazer de passatempo. Suponhamos que foi escolhido para uma próxima apresentação o “Auto da Barca do Inferno”. À assembleia de actores amadores, ávida de conhecimentos, será exposta a obra vicentina, a época em que viveu o fundador do teatro português, a paisagem humana e social da corte de D. Manuel e de D. João III. Procurar-se-á na bibliografia correspondente o auxílio para uma melhor compreensão. E durante os ensaios os comparsas do auto não terão unicamente a preocupação de assimilar o contexto. Há sim uma posição inteligente e culta perante o problema que os seus lábios, os seus gestos e a sua expressão irão desenrolar no palco da aldeia.


Tudo isto é conseguido em tom de palestra, à medida que as peças vão sendo ensaiadas, sem ar de lição que decerto se tornaria insuportável para aqueles homens e mulheres de corpo cansado pelo trabalho mas de alma iluminada pela luz duma arte bem compreendida e ainda melhor ensinada.


De vez em quando são organizados programas de carácter acentuadamente cultural. Como exemplo, um programa já realizado com muito êxito e denominado “Noite do Teatro Português”: I Parte – teatro hierático – Auto da Barca do Inferno; II Parte – teatro romântico – 2º. acto da Morgadinha de Valflor; III Parte – teatro realista – 3º. acto de “Entre Giestas”.


Estas peças quando representadas no teatrinho da Sede obtêm receitas insignificantes que raramente pagam as despesas. E o Grupo, depois de apresentadas aos sócios, leva-as à Figueira da Foz procurando assim obter receitas que cubram as despesas de montagem.


É uma luta constante, uma luta nobre e velha de trinta anos.

A aldeia de Tavarede tem uma obra que dignifica não só os seus conterrâneos como o mundo teatral português. Uma Obra que se traduz só em representações conscientes de verdadeiro Teatro como em palestras culturais e educativas feitas pelo director cénico.


Já foram abordados assuntos de interesse fundamental na cultura da arte de representar. As origens e evolução do Teatro (o teatro grego, em Roma, o drama religioso da Idade Média, a Renascença), o Teatro Português, as Trilogias Dramáticas (a trilogia ligada de Ésquilo – Oréstia, a Trilogia das Barcas de Gil Vicente, a Trilogia de O’Neill “Electra e os Fantasmas”) a Imortalidade do Teatro, tudo foi descrito em dissertações simples, acessíveis ao meio e sempre acolhidas com entusiasmo que dá vontade de continuar, feliz e convicto de que quando se quer Teatro não é necessário muito dinheiro, muito público e muita cultura. É necessário, sim, defender e criar nos outros a convicção de que o espírito precisa de Teatro como alimento e não como pura distracção. E só assim se pode conseguir esse maravilhoso milagre teatral de Tavarede, lição puríssima e desassombrada da Arte pela Cultura dos povos.


Ainda há pouco no teatrinho da SIT subiu à cena uma fantasia em três actos e 24 quadros de José da Silva Ribeiro, com música de António Simões, denominada “Chá de Limonete”. Essa fantasia que é a história singela da aldeia desde a sua fundação até aos nossos dias, foi montada a preceito, com cenários e guarda-roupa inteiramente novos; num esforço gigantesco que testemunha a vontade indómita e o admirável caminho seguido pelos amadores de Tavarede. Num livro de excelente apresentação gráfica e fotográfica do acontecimento, tivemos o prazer de constatar até que ponto o amor pelas coisas teatrais está espalhado naquele rincão da Beira. E comparando com o que por cá se passa, fazendo a proporção entre as centenas de Tavarede e os muitos milhares de Lisboa fica-nos no cérebro o clarão duma Obra que dignifica, reconhecida não só pelo seu público como por diversas associações humanitárias por ela protegidas em diversas representações de beneficência.


E nós, como verdadeiros amantes do verdadeiro Teatro, daqui dizemos, orgulhosos em ajudar a transmitir a sua mensagem: operários e modistas, cavadores e ceifeiras de Tavarede, homens e mulheres dessa aldeia, reduto duma Arte Eterna, obrigado! (Notícias da Figueira – 01.12)

OS AMADORES DE TAVAREDE, EM LEIRIA

Transcrevemos do nosso estimado colega “Região de Leiria” algumas passagens da narrativa do espectáculo, excelente crítica ao trabalho dos amadores de Tavarede, que na linda cidade do Liz obtiveram mais um ponto para a sua gloriosa classificação:


“Assistiu Leiria, na passada sexta-feira, 11 do corrente, a um magnífico espectáculo teatral que o Grupo de Teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense veio dar ao Teatro de D. Maria Pia, em récita promovida pelo seu congénere desta cidade (G. T. “Miguel Leitão”), cuja receita foi entregue ao Jardim-Escola João de Deus.


..................
Às 9 horas e meia (precisas, como é louvável hábito do Grupo de Tavarede) iniciou-se a representação, no palco do nosso Teatro, da peça rústica de Manuel Frederico Pressler, Horizonte, cujo desempenho foi unanimemente considerado dos mais brilhantes a que se tem assistido no nosso Teatro.


Encenada superiormente por José da Silva Ribeiro, sentem-se os efeitos da sua competência técnica, da sua extraordinária sensibilidade artística e da sua cultura teatral. É, sem dúvida, o trabalho de um mestre, servido por bons, disciplinados e maleáveis discípulos.


A peça, com um 1º. acto leve deixando que as personagens se exponham largamente, é vigorosa na construção, que atinge no 2º. acto o seu “màximum”, para voltar no 3º. a mostrar-nos o pitoresco das gentes ribatejanas, mas sem que o conflito se esbata, antes trazendo-o suspenso e presente até à inopinada “explosão” final.


É uma peça que faz vibrar intensamente o público, no seu 2º. acto, e recorta nos restantes curiosas e pitorescas figuras da nossa lezíria.


No papel de “Rita”, dramática figura de mulher voluntariosa, decidida e sonhadora, D. Violinda Medina e Silva foi inexcedível. O público, arrebatado, interrompeu-a no final da violenta cena do 2º. acto para a premiar com uma calorosa e prolongada salva de palmas. Poderíamos apontar-lhe o que, a nossos olhos, será um insignificante senão, mas que a perfeição do seu trabalho em toda a peça não pode consentir – pareceu-nos usar de excesso de sorriso na aceitação da corte que lhe faz “Chico Borrego”. Perdoar-nos-á se dissermos que ali foge um pouco para ambiente de “opereta”. Mas todo o seu esplêndido actuar ao longo da peça nos deixou, como já havia acontecido com o seu papel de “D. Madalena” de “Frei Luis de Sousa”, absolutamente encantados. É, sem dúvida, um talento dramático excepcional.


No papel de “Manuel Firmino” brilhou outra destacada figura do Grupo de Tavarede, João Cascão, que desenhou, principalmente nos 2º. e 3º. actos, um esplêndido tipo de homem do campo, característico daquela região. Deu soberba réplica a “Rita” no 2º. acto, mas foi prazer vê-lo no 3º., pitoresco, naturalíssimo, vivo e humano. Aquela pequena figura do “Manuel Firmino” encheu toda a “cena do jantar! O seu 1º. acto foi menos natural, à procura da altura a que costuma pairar... Belo actor, assim foi o julgamento do público.


Destacaremos ainda dos intérpretes: D. Maria Teresa de Oliveira, equilibrada como raros na “Ludovina”, de apreciável sobriedade e dramatismo ao longo da sua intervenção, sobretudo nas cenas do 2º. acto, com “Rita”.


Não queremos deixar de apontar a cena com João Cascão, também no 2º. acto, em que este foi primoroso, resultando num dos melhores momentos da peça.


António Jorge da Silva foi igualmente brilhante no “Zé Bicho”, mas no 3º. acto. Natural, perfeito, deu-nos um “bêbado” não diremos equilibrado (o que era difícil), mas justo. O público atentou nele e boa parte dos aplausos finais foram-lhe destinados.


“Rosa” e “Chico Borrego”, conquanto correctos, não têm inquestionavelmente nesta peça os seus melhores trabalhos.


Os amadores que desempenharam tais papéis, sabêmo-los dos mais valiosos elementos do “Tavarede”, mas a intérprete de “Rosa” não se esqueceu da sua própria pessoa, em prejuízo da sua personagem, e do “Borrego”, declamando bem, movendo-se com desenvoltura, sofreu as consequências de um papel, como soi dizer-se, ingrato, de uma personagem cuja intervenção na peça é mais “romântica” que natural.


O grupo de “velhos”, formidável de observação, de pormenor, de naturalidade – a cena de abertura do 2º. acto é magistral!


À passagem do touro tresmalhado, vacas, cavalos e campinos, tudo se adivinha por detrás do muro que nos encobre o primor de técnica que José Ribeiro usou para tal.


A suavidade daquela madrugada da abertura do 1º. acto, com a passarada e os galos a cantar, encantou-nos.


Todas as cenas estão tratadas com saber e representadas com mestria, num conjunto harmónico e sem desnível, além do que resulta da maior evidência de alguns papéis e da maior capacidade interpretativa de certos elementos, o que é notório.


Sente-se que há ali mão segura o ordenar todo aquele movimento, que atinge por vezes proporções respeitáveis, como na cena da festa de casamento, com dezenas de figuras actuando naturalmente, vibrantemente, mas sem choque, ordenadas, em resumo – bem!


Os cenários, de artista, como o é Rogério Reynaud, criando o ambiente.


Que mais havemos de dizer?


Ouvimos alguém dizer que o público de Leiria tinha acabado de receber uma “lição de teatro”! Foi sem dúvida uma esplêndida noite que oxalá as nossas companhias profissionais nos pudessem repetir mais vezes do que vem acontecendo há longos anos...”. (Notícias da Figueira – 02.09)


TEATRO, EM LEIRIA

O aplaudido grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, foi, mais uma vez, apresentar-se no teatro de Leiria representando a emocionante peça “Raça” de Ruy Correia Leite.


No nosso colega “Região de Leiria” vem a crítica teatral da acção do aplaudido grupo, que, com a devida vénia e com regosijo, passamos a subscrever:


“Assistiu Leiria, na passada 6ª. feira, 25 de Abril, a um novo espectáculo pelo reputado “Grupo de Tavarede”, tão nosso vizinho e que desconhecíamos tão completamente.


A peça representada agora foi “Raça”, de Ruy Correia Leite. Esta peça, que nos parecia apresentar maiores dificuldades de interpretação, de “creação”, aos artistas tavaredenses que a anteriormente apresentada entre nós (“Horizonte”), apesar de lhes termos visto representar “Frei Luis de Sousa”, cometimento de monta, mas em que a fixação dos tipos está definida, bastando – e não é pouco! – subir até eles, essa peça “Raça” teve um apreciável desempenho de conjunto e foi na maioria das suas personagens principais esplêndidamente representada, com uma nota de “magnífico” para o trabalho de D. Violinda Medina. De facto, artista reveste de tal personalidade, de tal verdade a sua personagem que dir-se-ia espalhar em sua volta um “fluido dramático” cuja força nos impressiona mesmo quando fica arredada dos primeiros planos da acção. Foi uma interpretação perfeita!


Depois João Cascão, cujo belíssimo trabalho foi subindo de acto para acto até nos dar um 3º. convincente, melhor que os anteriores, em que a interpretação do “Dr. Jerónimo de Castro” teve menos dignidade, com uma pincelada ou outra de “pictoresco” mesmo, embora tudo isto tão pouco perceptivelmente, que temo estar a ser injusto ou incorrecto para tão belo artista como é João Cascão.


O seu 3º. acto encantou-nos. Todos os estados de alma e os da “débacle” física nos foram dados com uma sobriedade digna e altamente emotiva. A presença dominadora de “Isabel de Fontelos” (D. Violinda Medina) sentia-se menos quando tinha em sua frente João Cascão, resultando um equilíbrio de representação sobremodo agradável. A cena de ambos no terceiro acto (2ª. cena), foi admirável de simplicidade, dando-nos toda a gama de sentimentos implícitos naquele momento dramático, em dois ou três “toques” sóbrios, num olhar, num gesto, numa atitude...


Gostámos muito também da “Vitória”, a velha criada, por D. Maria Teresa de Oliveira. Pitoresca, sem se deixar dominar pelo “fácil”, só desequilibrando a figura quando olha para o público, o que também lhe notáramos numa das peças anteriores. De resto, uma bem interpretada criada velha da nossa Província.


D. Maria Aurélia Ribeiro e Fernando Reis, desempenhando “Guidinha” e “Manuel Bernardo”, fiseram trabalho apreciável, ela, muito bem nas cenas amorosas, muito natural, muito convincente, mas estridente por vezes (poucas) noutras cenas de menos relevo teatral; ele, menos à vontade nas cenas de amor, bom nas cenas com “Zecas”, mas perdendo noutras cenas ao longo da peça, pelo tom declamatório de algumas suas falas, a linha característica da sua personagem: o homem que se fez por si, tenaz, seguro e “em guarda” (estes homens, quando falam, mesmo muito, não declamam em verso...). No entanto, sentimos bem quanto trabalho não representou o que nós vimos para F. Reis (ele perdoará as nossas observações!). No conjunto dos 3 actos teve uma presença correcta, marcando um “Manuel Bernardo” aceitável, o que a muitíssimos está vedado, teatro profissional, inclusivé.


A D. Maria Aurélia Ribeiro felicitamo-la: a sua “Guidinha” existiu no palco do “Maria Pia”, o que igualmente a tantas está vedado: dar vida, tornar reais, palpáveis, dar verdade às suas personagens.


D. Vitalina Lontro, curiosa na “Viscondessa”: duma comicidade, às vezes hesitante, mas sempre sóbria, elegante até. Merece felicitações especiais por ter conseguido dominar o quantas vezes indomável: o “fácil” da figura, e ainda por outros motivos que se prendem com a estrutura da sua personagem e a maneira como foi compreendida, quando teria sido tão natural interpretá-la de modo diverso.


“Zecas”, teve em João de Oliveira Júnior um intérprete forçado.


Não é papel para o seu temperamento e daí resultaram momentos menos bons no conjunto da peça. Trata-se, entretanto, dum belíssimo artista (e Leiria terá ocasião dentro em pouco de o verificar), mas não conseguiu dar-nos não só os elementos estruturais da psicologia da personagem, como ainda não pôde imprimir toda a respectiva personalidade aos momentos em que interveio. Dentro do que a sua voz, de doce modulação, lhe permitiu fazer, defendeu bem o encargo, mas foi vencido por vezes.


António Santos, no “Dr. Magalhães”, foi sem intenção levemente “caricato” mais do que a personagem podia admitir, mas aceitou-se e o conjunto permaneceu. Ajudou até certas cenas, com uma utilidade evidente.


António Paula Santos, muito correcto no pequeno papel de “Vilela”. Certíssimo.


Os restantes elementos: D. Maria da Conceição Santos e José Maria Cordeiro, bem, correctos, conscientes.


Bom cenário de Rogério Reynaud, nada ficando a dever a qualquer realização cenográfica dos palcos nacionais bem como a encenação, no tocante a arranjo de cena, mobiliário, etc.. Falam-nos da disparidade nos móveis: três estilos ao mesmo tempo ou coisa que o valha, mas é assunto que nos interessou somenos: não percebemos de móveis, nem percebemos porque interessarão a tal ponto numa sala que pelas suas condições especiais podia ter de tudo, desde, por herança, algumas arcas visigóticas até um maple com Dunlopillo!


A equipa de colaboradores de cena de José Ribeiro (o mestre de boas obras): ponto, contra-regra e maquinista, foi eficiente como sempre, mas anotamos uma menção especial para o primeiro. Os “cães” do início da peça estavam humanos, note o segundo.


E agora – José da Silva Ribeiro, cujo trabalho exaustivo de encenação lhe dá jus às mais vibrantes palavras de admiração, não tão brilhantes e expressivas certamente como as que proferiu no intervalo do 2º. para o 3º. acto”. (Miguel Franco).”


Também o jornal “A Voz do Domingo”, semanário de Leiria, se referiu ao espectáculo com a seguinte apreciação:


“......................
Nunca tinhamos tido ocasião de apreciar este conhecido grupo dramático, e à curiosidade natural dos que apreciam teatro, juntava-se a de ver “como se portaria” um grupo de amadores, numa peça já nossa conhecida através do palco de maior responsabilidade no país, o do Teatro Nacional de D. Maria II.


Confessamos gostosamente que excedeu toda a nossa espectativa!


A maneira como se apresentou, o à vontade de todos estes actores-amadores, fazem-nos esquecer esse “amadorismo” tão vulgar, e até desculpável, em realizações desta natureza.


A representação foi impecável, da parte de todos, mas não podemos deixar de destacar D. Violinda Medina e Silva, no papel de “D. Isabel Fontelos”, João Cascão no de “Doutor Jerónimo” e João de Oliveira Júnior no de “Zecas”, que nos parecem ter realizado interpretação dificilmente excedíveis.


Deve-se este êxito, em primeiro lugar ao requintado gosto do seu director, senhor José da Silva Ribeiro, cujo temperamento de artista consegue com segurança e rigorosa disciplina, um conjunto primoroso e harmónico, no qual nada é deixado ao acaso, e cada um ocupa o seu lugar plenamente, sem falsa timidez, e sem prejuizo dos outros.


Como público que somos, damos os parabens, e em nome dos pobrezinhos agradecemos aos dirigentes da L. I. C. de Leiria, e felicitamo-los pelo êxito da sua iniciativa que proporcionou à cidade uma representação de tão alto valor dramático”. (Notícias da Figueira – 05.17)

TEATRO PARA O POVO

A Sociedade de Instrução Tavaredense inicia uma digressão pelas diversas freguesias rurais do nosso concelho que é mais uma eloquente manifestação da sua actividade e uma afirmação brilhante da fidelidade ao seu programa de cultura pelo Teatro.


O Grupo de amadores tavaredense vai mostrar Gil Vicente ao povo do concelho da Figueira, representando-o nas sedes das diversas agremiações de recreio, mesmo daquelas situadas nas mais pequenas e humildes localidades – que a todas elas irá o grupo tavaredense.


Ao elaborar o seu programa de Teatro Português, a Sociedade de Instrução Tavaredense teve em consideração o facto de Gil Vicente ser inteiramente desconhecido, com talvez uma outra rara excepção, das populações a que se dirige. O espectáculo abre com uma palestra a preceder a representação de dois autos vicentinos, e fecha com uma peça de teatro contemporâneo.


Damos em seguida a programação:
I – 15 minutos de palestra sobre Gil Vicente – o seu tempo e a sua obra.
II – Representação do Auto da Barca do Inferno.
III – Representação do Auto da Mofina Mendes.
IV – A peça em 1 acto, de Ramada Curto, Três Gerações.


Esta digressão tem início amanhã, pelas Alhadas, seguindo-se nos domingos imediatos as outras povoações. Estão já marcados os dias para Brenha, Caceira e Quiaios. Depois, no mês de Julho. Serão visitadas as povoações de Vila Verde, Maiorca, Santana, etc..


Admirável exemplo que merece registo especial, o desta actividade da benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense. (Notícias da Figueira – 05.31)

GIL VICENTE

Prossegue a tão simpática como invulgar actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense, no propósito de apresentar o seu programa de Teatro Português às populações rurais do concelho da Figueira.


Esta digressão começou no passado domingo, pelas Alhadas, e prossegue amanhã com a 2ª representação em Brenha, na sede da Troupe Recreativa Brenhense. Estão já marcados os dias para as visitas a Caceira, Quiaios e Vila Verde, continuando depois a digressão por outras freguesias.


O produto líquido de cada representação reverte integralmente a favor das colectividades em cuja sede se realize o espectáculo. Trata-se, porém, dum programa que obriga a despesas relativamente avultadas, visto que, além dos transportes do grupo cénico (34 pessoas) e do material de cena, há ainda o aluguer do guarda-roupa para os dois autos vicentinos, cabeleiras, etc., sendo de admitir que numa ou noutra localidade a visitar dada a sua pequena população e a pobreza do meio, a receita não chegará para as despesas: mas nem mesmo esta circunstância impedirá a visita dos tavaredenses, pois o “deficit” que se verificar será coberto pela Sociedade de Instrução Tavaredense.


Eis uma iniciativa digna de especial louvor. (Notícias da Figueira – 06.07)

1952.06.07 - ESPECTÁCULO NAS ALHADAS

Alhadas – Conforme demos notícia, teve lugar no domingo, 1 do corrente, um espectáculo em benefício do nosso Jardim-Escola, pelo grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.


A Direcção da Boa União cedeu do melhor agrado a sua casa, que se encheu de uma assistência selecta que sinceramente aplaudiu o magnífico Grupo que se exibiu de uma forma admirável.


O espectáculo abriu com a apresentação das crianças do Jardim-Escola, que se exibiram em danças e canto, acompanhadas a orgão pela digníssima Regente e auxiliada pela professora sua colega. A exibição das crianças agradou bastante e foram sempre muito aplaudidas pela assistência.


Seguiu-se uma magistral lição sobre o teatro de Gil Vicente, dada pelo Director do Grupo de Tavarede, nosso querido amigo José Ribeiro, que historiou a vida daquele grande poeta desde a apresentação das suas peças na côrte da excelsa Rainha D. Leonor até ao ponto em que elas foram proibidas de serem apresentadas em público.


A lição, que foi escutada em religioso silêncio, preparou a assistência menos culta a poder apreciar e perceber a representação dos autos que iam seguir-se. José Ribeiro foi, no final, delirantemente ovacionado, muito justamente, pois produziu uma lição daquelas que só ele sabe dar em conversa amena com o público que o escuta.


Seguiu-se a representação do “Auto da Barca do Inferno”, que teve por parte dos amadores-actores desempenho digno dos maiores aplausos, que de facto ouviram no final.


Vem, seguidamente, depois de curto intervalo, a representação do “Auto da Mofina Mendes”, um dos melhores que o iniciador do teatro português escreveu.


Este Auto, que tem alguma semelhança com os “Autos Pastoris” (Presépio), muito divulgados no nosso concelho, e que quase não há ninguém que não tenha visto representar, é de uma naturalidade, de uma singeleza, de uma ruralidade que impressiona.


Que beleza de teatro! O que de realidade encerra este Auto do Mestre Gil! Neste, como no da “Barca do Inferno”, o desempenho foi correctíssimo.


Fechou este inolvidável espectáculo com a representação da lindíssima e comovedora comédia do grande escritor teatral Ramada Curto – “Três Gerações” – que teve desempenho admirável por parte dos seus intérpretes, D. Violinda Medina e Silva, D. Maria Tereza de Oliveira, João Cascão, (da velha guarda) e as meninas Maria Aurélia Ribeiro e Lucídia Santos, estas quase estreantes, que representam como se fossem já velhas na arte de representar.


Que belo desempenho! Que magnífica lição! Que apresentação tão distinta! Que naturalidade! Muito bem. Assim é que se faz teatro!


Descido o pano, a assistência vibrando de entusiasmo, aclamou os distintos actores, fazendo chamada especial a José Ribeiro, o impulsionador do Teatro no nosso concelho, que, com certa comoção, agradeceu.


Subido, novamente, o pano, foi, por uma das crianças do Jardim-Escola, oferecido a José Ribeiro um lindo ramo de cravos, tendo, nesta altura, o Presidente da Comissão de Assistência do Jardim-Escola, agradecido, em breves palavras, o contributo material dado ao Jardim-Escola e ao prazer espiritual dado a quantos tiveram a felicidade de assistir a tão grandioso espectáculo.


Parabéns ao querido amigo José Ribeiro, e ao excelente grupo que dirige, pelo brilhantismo da sua representação.


Parabéns à Comissão de Assistência do Jardim-Escola pelo êxito obtido materialmente e pela sua acção no sentido de nos proporcionar uma tão agradável noite de Arte.


A Comissão de Assistência do Jardim-Escola das Alhadas, agradece, com muito reconhecimento, ao distinto grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense e ao seu digníssimo director, exmo. sr. José da Silva Ribeiro, o inolvidável espectáculo que aqui vieram dar, em benefício desta Instituição, e que além do bom resultado material, constituiu um serão de bom Teatro e uma noite de Arte, que perdurará para sempre. (O Figueirense)

O GRUPO DE TAVAREDE EM LAVOS

No salão de festas do Sport Club de Lavos, teve lugar no passado domingo um explêndido espectáculo a que prestou o seu concurso a Sociedade de Instrução Tavaredense.


Foram representados o “Auto da Barca do Inferno” e o “Auto de Mofina Mendes”, de Gil Vicente e a comédia “Três Gerações”, de Ramada Curto.


Antes de começar o espectáculo, mestre José Ribeiro deu-nos, - como só ele sabe fazer, - e a título de breve explicação sobre o que se iria representar, uma magnífica lição sobre Gil Vicente e a sua obra.


Recebeu fartos aplausos.


Seguiu-se a representação das 3 peças que agradou em absoluto, como não podia deixar de ser.
No final foi feita uma chamada especial a José Ribeiro, a quem os associados do Sport, que enchiam completamente o salão, tributaram uma prolongada salva de palmas.


O presidente da colectividade, que se fazia acompanhar do 2º secretário da Direcção e de duas gentis meninas, subiram então ao palco para felicitar José Ribeiro, a quem ofertaram ramos de flores, bem como à grande amadora D. Violinda Medina e Silva.


Foi o que se pode chamar uma noite em cheio. E só é pena que espectáculos desta natureza se não possam repetir muitas vezes.


Que bom seria para todos nós se, periodicamente e em prasos curtos, nos fosse dada oportunidade de receber a visita do Grupo de Tavarede.


Iamo-nos cultivando quase sem dar por isso. Aprenderíamos melhor a conhecer a Arte, a Literatura e em resumo tudo o que existe de bom e que é genuinamente português. Mas, infelizmente, não acontece assim. Às aldeias só chega a voz do cinema ambulante que nos impinge, a maior parte das vezes, muitos abortos estrangeiros que nada nos cultivam e que apenas têm a virtude de nos ajudar a esquecer aquilo que nos pertence. (Notícias da Figueira – 08.02)

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