sábado, 31 de agosto de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 38

Pouco depois do grupo cénico da Sociedade ter ido à Figueira dar um espectáculo com O sonho do cavador, surgiu, num novo jornal figueirense declaradamente assumido como conservador, uma crítica verdadeiramente ferocíssima. Esta colectividade, sempre defensora do regime republicano, foi apelidade de loja da maçonaria e, como tal, contrária ao novo regime político. Mas, vejamos a tal crítica. O Sonho do Cavador é uma revista-fantasia, em 3 actos e 10 quadros, da autoria de João José, com musica de Antonio Simões. Foi para assistir a esta peça levada à scena pelo grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense que quasi toda a Figueira acorreu no dia 26 passado, ao Peninsular. Não me permite esta secção, nem mesmo as normas estabelecidas em obediencia às velhas praxes jornalisticas para récitas de amadores, que façâmos a analise critica dessa revista-fantasia.

Grupo cénico da SAIT - 1928
         
       O Sonho do Cavador - Manuel da Fonte, Roda e Ti João da Quinta

            Limitamo-nos, apenas, a registar o entusiasmo, verdadeiramente bizantino, com que a “plateia” da Figueira recebeu esta peça, representada ab initio num modesto teatro do ridente povoado de Tavarede. Mas registando o facto, somos forçados a abordá-lo, ainda que simplesmente ao de leve, para que ele desça a ocupar a posição devida – uma bem velada meia sombra da maior parte das teatradas levadas à scena por amadores.
         Não vamos incidir as nossas considerações sobre certas confusões de linguagem; sobre a falsa colocação de pormenores que atraiçôam a unidade do enrêdo; nem tão pouco sobre várias scenas que se repetem, confundindo, entediando e monotizando a pouca acção que já por si se revela.
Não procuramos esclarecer o espirito critico dos leitores, referindo a falta de colocação de incidentes verdadeiramente inverosimeis que quebram o legitimo equilibrio dos detalhes; nem apresentamos o mau amanharamento deste ou daquele quadro; e a ilogica e pouca racional iniciação do cavador na cidade.
         Não salientamos sequer as scenas que, exageradamente romanticas, se apresentam sob a vida negra dessa ilusão perdida em face de amazonas mal engendradas que só existem na precoce imaginação do auctor.
         Não repetimos o que sobre a peça escreveu um colega local: “a peça não vale nada”...; nem mesmo revelamos o péssimo gosto de vários quadros, com manchas verdadeiramente insonsas de fraco tom e falhas de minima e mais prudente concepção.
         Nada disso fazemos, porque se a “plateia” da Figueira é, de facto, “plateia” – ela, de facto, tambem, já julgou definitivamente.
         Como explicar, então, este grande entusiasmo que de certo publico se apoderou, para apresentar o original de João José como a oitava maravilha do mundo; o verdadeiro formigueiro que de longada ia estrada além, até Tavarede, para assistir ás primeiras representações; a partida de tal grupo dramático de Tavarede em vento norte a Buarcos; e daqui, a este assalto ao Peninsular?!...
         Valor intrinseco da peça, positivamente que não, porque fazendo eco dessa local a que nos referimos – “a peça não vale nada”.
         Valor de partitura, tambem não pode ser, visto a plateia da Figueira estar habituada a ouvir o que há, de bom e de melhor.
         Nem mesmo sequer nos podemos integrar na forma como decorre a acção, ou pela maneira por que os factos se sucedem, sem qualquer particularidade que emocione verdadeiramente o publico.
         E no entanto, o O Sonho do Cavador que o espirito judaico-franco-maçon de Tavarede nos exportou, é uma revista-fantasia de bons costumes, com uma bem acentuada nota regionalista.
         Não se explica assim, a obra de arte feita para agradar a todos os corações cimplorios, do ir.’. João José que personalisa a nota regionalista da revista que se apresenta com certo ar de rejuvenescimento nacional.
         Sendo assim, como é de facto, não se explica duma forma plausivel a verdadeira corrida democrática que da peça se tem feito, fazendo dela uma verdadeira parada politica.
         É que, na verdade, o O Sonho do Cavador com uma nota acentuadamente regionalista, transbordando de amôr á terra e pela terra, é uma peça tudo quanto há de mais antidemocrática, promovendo a par e passo uma atmosfera nacional que a Democracia não pode perfilhar, por ser estructuralmente anti-nacional.
         E, se o publico a aplaudiu por méra questão politica, fazendo dela uma Grande Parada, não soube integrar-se nela, na coerencia dos seus proprios principios, visto ela ser a máxima negação de todos os máximos principios do Numero, para ser uma peça que representa a verdadeira arte nacional, na tése que pretende defender.
         Nem todos, porém, assim o compreenderam. E, desta forma, o tal publico fala, ouve e quere fazer falar e ouvir os outros – os indiferentes.
         E, assim, esse publico fazendo da peça uma Grande Parada, conseguiu arrastar a Tavarede, outro publico novo e incredulo, propagueando mil e uma coisas, e enaltecendo ao maximo um valor intrinseco desse O Sonho do Cavador que, de verdade, nada, ou pouco, vale em si.
         Não se satisfazendo ainda, arrasta-o, em pleno sucesso, até Buarcos, e daqui, ao Peninsular.
         E porquê?!... Simplesmente porque o auctor – tenho muito prazer em dize-lo – é um ir-‘- democrático que se encobre com o pseudonimo de João José e faz parte das hostes aguerridas que combatem a actual situação politica, vivendo aliás na sua dependencia, porque a serve como seu funcionário.
         Da peça, fizeram, pois, mais uma manifestação politica, aproveitando a boa-fé de certo publico que pretende divertir-se, criando de tal modo, um certo espirito de unidade politica que na realidade não existe e que sem grande elevação de pensamento pretende sustentar o fogo sagrado das trincheiras maçonicas da Figueira e seus arredores.
         E, no entanto, a Grande Parada, longe de ser da Metro Goldwyn Mayer Films, Lda. pois apenas é da Sociedade de Instrução Tavaredense, vai sentetisando o pensamento que representa e vive por intermédio desse ir.’. factotum maximus do orgão fariseu da sua terra.
         É que a politica não esquece deveres imaginarios, e sempre procura nas cada vez mais densas trevas que a apresentam, aquela politica de infiltração que pretende criar um espirito de unidade secreto que um trabalho de critica de arte pode prejudicar e aniquilar.
         É o nosso espirito de combatividade que ora chama a atenção da “plateia” da Figueira, para o que se passa com o O Sonho do Cavador, na certeza da incoerencia que nomeadamente designa essa Grande Parada... democrática.
         Da nossa emoção artistica, está tudo verdadeiramente dito.
         Basta que salientemos ainda que, pela analise da obra, o mecanismo de tal peça é tudo quanto há de menos democrático – apesar de escrita por um democrático e ao serviço de democráticos – porque a “Democracia significa desunião, partilha de sentimentos, oposição e luta de interesses.
         Por lei natural, da consciencia da Nação nasceu a Patria. Pela rebelião constante do preconceito do numero contra a inteligencia, a Democracia.
         A Democracia desconhece a natureza, escraviza as almas e mata a Nação”.
         E porque o O Sonho do Cavador é fundamentalmente anti-democrático, porque é nacional, - que demonio de simpatia, de aplauso ou entusiasmo lhes pode merecer o mesmo O Sonho do Cavador, com a sua tese regionalista?
         A não ser que essa “plateia”, esse publico democratico que constitue essa curiosa multidão ignara de incultos amadores, apenas tenha em mira individualizar o individuo auctor, num gesto de intriga politica, bem próprio daquelas assembleias cujo “caracter especifico da eleição é o Numero, e o Numero é a antimonia da Qualidade”.
         Mas se assim é, se tudo se congrega à volta do ir.’. auctor, que fica então?
         O depoimento insuspeito duma “plateia” que se deixou arrastar pela comédia democrática, “à mentira democrática, à fraude democrática – numa palavra à Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comedia, e que se pode captar áqueles que não são incompativeis com os mentirosos, os comediantes e os burlões”.
         Foi essa a virtude d’ O Sonho do Cavador.
         Mas como na Democracia “à medida que o Numero aumenta, a competencia restringe-se” – o depoimento que os democráticos acabam de fazer com o O Sonho do Cavador, merece que o não deixemos em silencio.
         O Sonho do Cavador, por si, revela que o nosso Teatro ainda “poderá ser português de Portugal, e a nossa vida de espirito, fortalecida em independencia honrada e salvadora, cessará de ver-se humilhada em tal aspecto, na condição de colonia de presidiários da cultura francesa” não se integrando no que diz Ch. Grun – Les régionalistes, qui comprennent á merveille l’importance du théatre, refusent, tout naturellement, de se satisfaire des tournées parisiennes (dites, par les agences, tentatives de décentralisation théatrale) et, même des pieces incolores dues á un auteurs local e montées par um directeur en mal de réclame et de décentralisation, lui aussi – porque, “contra estas mistificações estão bem prevenidos o instincto e a consciencia dos regionalistas”.
         Pela Grande Parada... democrática de que foi alvo, revela o O Sonho do Cavador, em sua plenitude maxima, aquela tão nossa conhecida politica de – Oh! Escola, semeai!... traduzida pelos principios amorfos da L.’., E.’. e F.’., tristes simbolos da ordem revolucionária imperante do Poder anonimo que em 34 nos foi imposto pelas armas estrangeiras.
         Pois dessa ideologia revolucionária que ora serve de cobertura a todas essas lojas maçonicas que por ahi andam, ao serviço de politicos sem escrupulos que a Dictadura afastou da Nação – se mistificou o Sonho do Cavador.
         E a Figueira aceitou, indiferente, como indiferente Buarcos aceitou a mistificação. Somente para aqui, vem rotulada pela Santa Casa da Misericordia...
         Mas os fins são os mesmos.
         Eles ficaram exuberantemente demonstrados na noite de 26 de Janeiro, deste Santo Ano de Cristo.
         Eis o que teriamos escrito logo a seguir á representação d’ O Sonho do Cavador, no Peninsular se nos fosse dado apresentar o nosso protesto em publico!
         Ainda que tarde, porêm, ele aí fica, claramente definido nas colunas aguerridas desta trincheira de Bom Combate.

         E... sic transit gloria mundi. (a) José João.

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