sábado, 23 de novembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 50

E, logo a seguir, este grupo cénico teve a sua primeira deslocação a Coimbra. Acabou a hora adiantada o sarau levado a efeito no Teatro Avenida pelo Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria e que fazia parte do programa das festas das “bodas-de-oiro” daquela associação de socorros mútuos. Por esse motivo, só hoje nos é possível referirmo-nos a esse sarau, em que colaboraram o grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense e o Orfeão da Escola Industrial e Comercial de Brotero.
         Sob a regência de Raposo Marques, este grupo coral deu início à festa, fazendo-se ouvir em algumas partituras que arrancaram faros aplausos do público. Este orfeão é, sem dúvida, um notável agrupamento, que se impõe pelo conjunto de vozes bem timbradas e bem ensaiadas. Raposo Marques, em poucozs meses, conseguiu pôr algumas dezenas de raparigas e rapazes a cantar, - e a cantar bem.
         O grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense foi apresentado, depois, pelo sr. Dr. Joaquim de Carvalho, ilustre Professor da Faculdade de Letras, que pronunciou o seguinte discurso:
         “Sou conterrâneo dos amadores qaue ider ver representar. Esta circunstância explica o convite honroso que a direcção do Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria me fez para vios roubar uns breves instantes, mas se me decidi a quebrar hábitos e propósitos ferozmente defendidos não foi apenas por ter ouvido a voz da terra, que nos foi comum na infância.
         Não. O espectáculo de hoje, todos o sabem, tem um fim beneficente e de solidariedade, coisa rara nos tempos de egoísmo, e se este fim o torna digno, há nele outras coisas que o tornam admirável. E essas coisas, senhoras e senhores, são os elementos que o compõem. Vós acabais de ouvir o Orfeão da Escola Comercial e Industrial de “Brotero” – quer dizer o sortilégio de arrancar a disciplina e a harmonia à turbulência e aos berros de umas dezenas de rapazes e de raparigas. Se extrair de uma massa irrequieta de escolares um corpo organisado conscienciosamente obediente, como fez o dr. Raposo Marques, é coisa admirável e louvável, que dizer do esforço de José Ribeiro, descobrindo na rusticidade de modestos aldeões o sentido das coisas belas?
         Eu não venho prolongar, à maneira antiga, a representação a que vamos assistir, nem tão pouco apresentar o grupo cénico da Sociedade de Instru.ção Tavaredense. Como vós, sou espectador, mas um espectador que quere inclinar-se com admiração e simpatia perante o esforço de ujm homem.
         Para aqueles que sentem no seu sangue a voz humilde de gerações de aldeões e de menestréis e conquistaram por si o que se chama uma posição elevada, e por vezes de comando social, surge frequentemente um drama de consciência: como servir com fidelidade e dignidade o povo donde saímos e ao qual nos zsentimos ligados quando mais não seja pelo convívio familiar?
         Não é este o momento de vos dizer a resposta que dou ao grave caso de consciência, mas é o momento de afirmar que reconheço em José Ribeiro um companheiro de sentimentos e de propósitos. No nosso tempo de superstição de diplomas, José Ribeiro, sem curso, pelo seu esforço e talentos pessoais, elevou-se do manejo da profissão gráfica às responsabilidades morais e intelectuais de jornalista, que dum jornal local se faz por vezes ouvir em todo o país; mas se isto é já singular, muito mais raro e admirável, é a obra de instrução, de educação artística e de benemerência social que realisou com os nossos modestos conterrâneos.
         Numa época em que o culto absorvente dos exercícios físicos de destreza e força parece desterrar o amor da arte, não é porventura extraordinário que este homem, em vez de organizar um clube de foot-ball, o que lhe seria fácil e até rendoso, realise o milagre de despertar umas tantas vocações e de as disciplinar num sentido artístico?
         Ele é crítico teatral; ele é autor dramático, ele é ensaiador cénico, e atravez da multiplicidade de tantas aptidões louvemos-lhe e aos seus companheiros o entusiasmo com que arvoraram a flama da educação artística popular ed a generosidade com que procedem. Eles não mercadejam com a sua arte; colocam-na ao serviço dos fins desinteressados da instrução popular e da solidariedade social.
         Demasiadamente me alonguei já; mas não quero terminar sem me congratular com o Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria de Coimbra pelos seus actuais propósitos mutualistas e de ter apelado para o grupo dos meus conterrâneos, que ides ver representar. Para os actores eu não vos peço minhas Senhoras e meus Senhores nem palmas, nem i ndulgências; peço-vos apenas que compreendais o nobre esforço deste grupo e vos inclineis perante o homem, felizmente moço, que soube despertar algumas das excelentes aptidões para o culto da beleza e da bondade, que dormitam no nosso povo e só aguardam a varinha do feiticeiro que as desencante”.
         O grupo dramático representou, depois, a peça em 5 actos “A Morgadinha dos Canaviais”, extraída do imortal romance de Júlio Diniz. Todos os amadores se houveram de maneira a merecer fartos aplausos, que o público, que enchia por completo a sala, não lhes regateou. Trata-se, de facto, dum notável agrupamento artístico em que todos os elementos, com rara boa-vontade e acerto, se desempenham dos seus papéis de maneira a causar a melhor impressão e a merecer elogios.
O Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria colocou fitas nas bandeiras do Orfeão e do grupo dramático e vai elege-los seus sócios beneméritos.

         Julgamos que ainda não referimos, que todas as deslocações do grupo cénico da Sociedade, tinham o fim de dar espectáculos em benefício de entidades de assistência. Na verdade, pode afirmar-se que foram muitas as centenas de contos de reis, resultantes de tais espectáculos e de que beneficiaram asilos, hospitais, etc.

         O Grupo continuava com a sua tuna, a qual era muito solicitada para animar, sobretudo, festas populares. O Grémio Educativo, além de manter a sua escola em permanente actividade, procurou continuar a fazer teatro, com adultos e crianças, embora com escassos resultados.


         Em Setembro de 1933, Tavarede e a Sociedade de Instrução, receberam a visita de representantes do Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, que aqui vieram agradecer o espectáculo dado em seu benefício e, ao mesmo tempo, para fazerem a entrega do diploma de sócio benemérito. “À Sociedade de Instrução Tavaredense:
         Ao entregarmos hoje à vossa generosa guarda o diploma de Sócio Benemérito do Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria de Coimbra move nos apenas o mais puro sentimento de gratidão. Vós haveis conquistado os nossos corações de uma forma profunda e perdurável colaborando desinteressadamente nas festas das nossas Bodas de Oiro, e ao mesmo tempo vós haveis conseguido que Coimbra vibrasse unânimemente connosco nos mesmos sentimentos de aplauso e reconhecimento.
         Graças ao vosso glorioso grupo cénico, ficou memorável a noite de 26 de Junho de 1933, na qual o público de Coimbra, aplaudindo vibrantemente a primorosa representação de A Morgadinha dos Canaviais, simultâneamente aplaudiu a vossa arte e a vossa benemerência. É um eco desses aplausos e um testemunho da nossa gratidão que hoje vos oferece
         O Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria de Coimbra.
         Coimbra, 24 de Setembro de 1933”.
         Terminada a leitura, foi erguido um viva à Sociedade de Instrução Tavaredense, entusiasticamente secundado pelos conimbricenses, e ao qual o presidente da Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense, respondeu com um viva ao Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria de Coimbra, vibrantemente correspondido pelos tavaredenses. Então, o presidente da Direcção do Grémio entregou ao presidente da Direcção da SIT o diploma, devidamente emmoldurado, de Sócio Benemérito, e uma pasta que encerra a mensagem. Esta pasta é um belo trabalho, com as capas cobertas de sêda vermelha e azul, - as côres da Sociedade de Instrução – e interiormente forrada de sêda verde e branca – as côres do Grémio. A meio da capa está cravada uma artística placa de prata que tem gravado o emblema da SIT. A mensagem, escrita em pergaminho, é um esplêndido trabalho caligráfico do secretário do Grémio, sr. José Augusto de Andrade.
         O sr. José Ribeiro, falando em nome da Direcção e do grupo cénico, agradeceu a honra com que o G.E.C.I. de Coimbra tão distintamente acaba de conquistar a gratidão dos tavaredenses.
         Em seguida foi servido aos visitantes pelas amadoras do grupo cénico um “Pôrto-de-Honra” oferecido pela Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense, no qual se ergueram brindes de mútua simpatia e gratidão. Em nome dos visitantes brindou o sr. Albertino Pereira de Matos, que num discurso brilhante recordou a noite de representação em Coimbra da Morgadinha dos Canaviais, afirmando que seria motivo de sincero prazer para Coimbra a ida, de novo, àquela cidade do grupo tavaredense. Respondeu, agradecendo, o sr. José Ribeiro.

         Os nossos visitantes retiraram depois, em automóveis, para a Figueira, donde regressaram a Coimbra.

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