sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 5

No ano de 1919 as notícias são escassas. “Foram sempre, no nosso concelho, os melhores festejos para a mocidade alegre os do S. João da visinha e pitoresca freguezia de Tavarede.
O Santo da terra do limonete é talvez, o que dá melhores dias de folia e que mais "milagres" tem feito à gente casamenteira. Por isso é bastante querido e as suas festas são bastante concorridas.
Da cidade, ranchos familiares vão com merendas até àquela bonita aldeia, onde sob frescas sombras passam horas de alegria e conforto. Pelas estradas que se estendem como fitas brancas até Tavarede, passam ranchos cantando, floridos de limonete e de dálias...
No pequeno largo da ermida e pelas ruas da povoação raparigas trigueiras pelo sol de julho vendem aos forasteiros braçadas de flores. E no altar, todo cheio de luzes, de damascos e de flores garridas, S. João é festejado com crença e fé pela gente moça que regressou da guerra e por aquela que foi atendida nas suas promessas...
Tudo é alegre! - Tudo ri e tudo canta!
Garbosos rapazes, montando cavalos enfeitados, percorrem as ruas da terra, da Figueira e de Buarcos com as bandeiras de S. João, acompanhando-os as raparigas caprichosamente vestidas, a musica e o gaiteiro!
A tradição do S. João de Tavarede aponta-nos, pois, dias de franca alegria!...
Este ano realizam-se os seus festejos nos próximos sábado, domingo e segunda-feira, cujo programa é o seguinte:
Dia 26 - De manhã, chegada do tradicional "Zé Pereira" e à noite concerto pela excelente filarmónica "Figueirense", iluminações, fogo de artifício, ranchos populares, concerto pela apreciada tuna do Grupo Musical Tavaredense, etc, etc.
Dia 27 - Às 10 horas, imponente ceremonia religiosa na egreja paroquial, assistindo uma orquestra da Figueira; às 15 horas, entrega das bandeiras pelo reverendo pároco de Tavarede aos promotores dos festejos, que, em cavalhadas, percorrerão as ruas da localidade, Figueira e Buarcos, às 20 horas, concerto pela "Figueirense", corridas de cavalos, danças e descantes populares.
Dia 28 - Alvorada pelo "Zé Pereira" e à tarde corridas de gericos, de sacos, de potes e pau "cognac".
A politiquice começou a interferir com as festas, especialmente com a parte religiosa. “Os fervorosos católicos que tiveram a infeliz ideia da procissão do S. João trabalham afanosamente para levarem por diante o seu intento. Até se chegou já a afirmar que a procissão se faria – desse por onde desse.
         Nós continuamos a supôr o contrário, não só porque a autoridade não dará, certamente, a necessária licença, visto que êsse acto religioso assume o carácter duma especulação política que aqui tem causado indignação, mas ainda porque as pessoas que de boa fé acompanham os promotores da função acabarão por reconhecer os inconvenientes dum número que se não justifica e que nem os verdadeiros católicos, nem mesmo os velhos organizadores dos pomposos festejos de outros tempos, vêem com bons olhos.
         Pois se se não trata duma questão religiosa mas sim dum acto com que se pretende atingir determinado fim político!...
         No dizer dêsses velhos, as festas de S. João tinham sempre uma parte religiosa, mas nunca nela figurava uma procissão. Havia, sim, as novenas, que sempre se realizavam, e que êles justificadamente estranham se não realizem agora. E se bem que quanto a nós o caso seja indiferente, pois não assistimos às novenas, êle merece registo, porque vem confirmar o que aqui dissémos quanto aos intuitos dos promotores da procissão.
         Onde está, então, o fervor religioso desta gente, levado até ao excesso com a introdução dêste novo número na parte religiosa e pôsto de parte na realização das novenas, que a tradição justifica? Não faz sentido.
         Ouvimos que as novenas se não efectuam porque o sr. Padre Vicente não tem vagar para isso, “porque as terras lhe dão muito trabalho”. Nós não o censuramos por isso, outro tanto não fazendo várias pessoas que não dispensam a prática de certos actos religiosos, mas achamos que há razão para que os que não conhecem a hipocrisia de certos sujeitos estranhem que se não façam novenas e se queira uma procissão.
         Nós não estranhamos, porque conhecemos o jôgo. Se até sabemos que os anjos que deviam figurar na procissão que se não realizou na Figueira, figurarão na que se procura realizar em Tavarede!...
         Veremos e diremos”.
Mas, na verdade, as festas ainda foram bastante animadas. “"O S. João a todo o tempo tem vez!" - diz na sua o povo. Vai, em Tavarede, ainda domingo se festejou com luzida festança o bom do casamenteiro. Estiveram ruas enfeitadas. Zabumbou noite e dia um riquíssimo gaiteiro. Fêz-se festa de igreja com repicares de sinos e missa trauteada por uns casais de senhores priores. Subiram foguetes ao fino ar, que o bom sol empoalhava de oiro. Toda a noite um vistoso fogo de artificio riscou o espaço em fantamasgorias de lumes. Moças bailaram c'os cachopos, - "... E agora viras tu! E agora viro eu..." Tremoceiras, mulheres das freirinhas de milho, tascos em que o palhete correu em barda, não tiveram mãos a medir.
E até cá ao burgo chegou o rijo festejar da linda aldeia aqui à ilharga, com a esperada passagem dum pomposo cortejo a que soiam chamar cavalhadas, e que com muito mais propriedade se devia denominar - burricadas...
Iam mais gericos, que os que aí andam à solta, zurrando à nossa volta, - "que o fado é a canção nacional..." - com lágrima lamecha ao canto da pupila revirada.. Eram tantos, tantos burros, que faziam sombra e inveja aos que afirmam e batem fé, por barbeiros e poisos de má-lingua, - que os pobres rabiscadores destas prosas lassas, só para irritar, por folice, por snobismo condenam e abominam o trilo ignóbil que os contenta e maravilha.
E cá andou tudo aquilo em torno das praças, pelas ruas costumadas - zus-que-truz! Zus-que-truz! - num chouto apressado e sacudido, as alimárias tagatadas com furia levando em riba, içadas em ceirões, espalhadas por colchas vermelhas, cada rapariga de deslumbrar! - moças tão lindas de tão apetecida brancura e beleza tão grande, que o António Piedade, artista como os que o são, ainda há bocado, ali à porta do Adelino, de mão no peito e olhos no céu, ia rezando com entusiasmo a sua admiração apaixonada pelo encantador grupo de raparigas, que seus olhos miravam com adoração e ternura, nas brilhantes cavalhadas das terras do limonete...”.

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