segunda-feira, 3 de maio de 2010

Ranchos do S. João

Encontramos muitas notas sobre a exibição dos ranchos que se organizavam em Tavarede por ocasião das festas ao São João, e não só. Algumas dessas notícias são bastante curiosas. Normalmente, e nos principios do século vinte, havia dois pavilhões: um no largo do Paço e outro no largo do Forno. Também muitas vezes tinham lugar no Terreiro e no largo da Igreja e a rivalidade não tinha limites. Desta vez vamos até ao ano de 1906, há, precisamente, cento e quatro anos.
Eis a primeira nota:
Lavra grande discordia entre as raparigas que fizeram parte dos dois ranchos que se exibiram na noite de S. João. Todas querem a primazia, e d’ahi lançam mão de certos meios que não depõem nada a favor d’umas e outras. Os epítetos grosseiros e obscenos de que se servem, são improprios de raparigas honestas e sobretudo das que possuam uns rudimentos de boa educação.
Lamentamos estes factos e para eles chamamos a atenção dos chefes de familia afim de evitarem que suas filhas, sem o minimo vislumbre de pudor, usem publicamente d’uma linguagem só adequada a colarejas.
Todas dançaram muito bem, e se tivessem cantado, melhor seria, porque lhes faltava agora a corda e falariam menos.
Na segunda feira realisou-se a costumada corrida de burros. Com grande animação, a rapaziada divertiu-se muito bem, havendo peripecias que despertaram a gargalhada. E assim fecharam as festas de S. João, por este ano.

Mas a má língua continuava...

Continuam as dessidencias entre as dançarinas dos ranchos de S. João. D’uma sabemos nós que foi consultar a Santinha, do Saltadouro e parece que esta afamada feiticeira lhe aconselhou um passeio no dia 25, à Ferreira, e depois de dar ali tres voltas no exterior da egreja com um pé no ar e uma agulha de fazer meia atravessada na lingua, à laia d’arganel, pôr o barrete de S. Tomé na cabeça e à saida do templo lavar a bôca na pia d’agua benta. Deve levar na algibeira um chifre de carneiro de quatro annos d’edade.
Deus permita que a receita dê bom resultado para descanço de tão laxativas pessoas.
O caso, porém, agravou-se...
Prosseguiu hontém a luta entre os dois ranchos dançarinos da localidade. À meia noite começou a campanha e ao raiar a manhã ainda os pares se seracoteavam com toda a galhardia ao som dos trombones, que, sem cessar, nos aturdiam os ouvidos.
Vencido era o primeiro rancho que suspendesse a dança, mas às nove horas da manhã nem um nem outro davam signal de baquear, embora interviessem por vezes algumas potencias estranhas, aconselhando o armistício.
-”É tempo de usar dos direitos que me são concedidos pela lei fundamental da nação portugueza e códigos apensos”, exclamou o nosso conspícuo regedor, que é homem a bulhas contrário, como dizia Tolentino. Dirigindo-se com toda a diplomacia aos chefes das duas facções, com eles parlamentou largamente, e às dez horas, no relógio do António Mota, o mesmo sr. regedor lançava aos ares um foguete, os trombones roncaram o hino da carta adorada, terminando assim a memorável batalha d’hontem.
Vencedores - os donos dos estabelecimentos locaes.
Vencidos - os chefes de família e a ala de tuberculosas d’amanhã.
O pavilhão da vitória deve ser arvorado no alto de S. Martinho e o registo de recompensas faz-se no livro negro dos taberneiros.
Dizem-nos que os ranchos se denominam: um - das solteiras, outro - das casadas. Vae crear-se outro - de viúvas... bem conservadas.
Tem sido muito censurado o procedimento do sr. regedor, dizendo algumas pessoas que ele devia ser enforcado ou metido perpetuamente na penitenciaria. Veremos se o não matam este anno.
Em breve tudo estaria em paz e, no ano seguinte, novamente os ranchos teriam semelhantes notícias.

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