quinta-feira, 2 de junho de 2011

DE CASA DE CULTURA A... TABERNA! (4)

(continuação)

Indiferente às críticas, o pároco continuou a sua tarefa evangelizadora. Queria atrair à igreja cada vez mais tavaredenses. Mas, também, a ignorância do povo o apoquentava. No entanto entendia que a cultura que as associações locais procuravam ministrar, através do teatro e das suas escolas nocturnas, longe de fazerem renascer o culto católico nos seus frequentadores, o afastavam dele.


Talvez tenha usado certos métodos que a alguns terão parecido menos correctos. Talvez, até, por alguma vez se tenha excedido. O que vamos transcrever, longe de tomar partido por uns ou por outros, resultou numa polémica violenta, com toda a certeza injusta nalgumas situações, mas que não nos compete comentar, pois que, de posse dos elementos transcritos, cada qual fará o seu juizo. Ou encolha os ombros, pura e simplesmente, há tanto tempo isto se passou.


Mas como se verá lá para a frente, tudo isto, e muitas coisas mais a seu tempo transcritas, se relacionam com a história da casa, da velha casa de cultura, a que dedicamos esta parte do nosso trabalho e que existiu em Tavarede.


Quem abriu as hostilidades foi “A Voz da Justiça”. Nos seus números de 12 e 16 de Abril de 1930, escreveu sob o título “Um padre que troca o caminho do paraíso pelo da celebridade”:

“ Não se trata, como poderá supor-se, do padre de Quiaios, que já hoje é entre a clerezia do concelho, um padre verdadeiramente célebre. As suas notáveis façanhas, e sua moral, o seu feitio despótico e conflituoso são bem conhecidos. O nosso distinto colaborador Rui Martins, apresentou-o tal como êle é, outorgando-lhe definitivamente o título de celebridade.


Há no nosso concelho um outro padre, da mesma marca do de Quiaios, que não quere ficar-se atrás dêste: é o de Tavarede. De tal modo procede, que bem depressa alcançará a celebridade para o seu nome, embora sacrificando delícias do paraíso, que tão gratas deviam ser à sua alma.


A conduta do padre de Tavarede está merecendo reparos. A sua acção ultrapassa limites que nenhum pároco naquela freguezia ouzou ultrapassar. Referiram-nos anteontem casos muito expressivos, que eufemisticamente classificaremos de excesso de zêlo religioso. O padre está abusando da bondade da população, servindo-se da ignorância e da cegueira espiritual de pobres criaturas que êle arregimentou e manobra como lhe apraz. Do que nos contaram anotámos o seguinte:


Em Tavarede há duas associações de instrução e recreio que mantêm escola nocturna e teatro. Rapazes e raparigas ali se reunem, colhendo os benefícios da escola, onde se lhes ministra a instrução, e do palco, onde se distraem e educam o espírito. Pois o padre faz prédicas na igreja condenando as associações, embora sem lhes citar o nome, apontando-as como um perigo moral e aconselhando os pais a proibirem que suas filhas as frequentem. Nada de teatros! Na igreja é que êle as quere, de dia e de noite!


- A igreja funciona, pode dizer-se, permanentemente, a tôdas as horas do dia e a tôdas as horas da noite. Semelhante facto, considera-o a gente de Tavarede como escandaloso, recordando que nunca tal se vira em tempos de outros padres.


- Certa madrugada de inverno, cêrca das 6 horas, noite fechada ainda, alguém que tivera necessidade de sair cedo da aldeia, passou pela igreja e notou que, a um canto do adro, sob uma árvore que ali existe, estava um vulto de mulher. Daí a instantes chegava o padre, sózinho, que abriu a porta da igreja, onde entrou, e logo após a rapariga.


- De outra vez, cêrca da meia-noite, um homem que a essa hora seguia para o seu serviço nocturno, viu uma mulher no mesmo canto do adro. Causando-lhe estranheza o facto de ali estar, àquela hora e sozinha, uma mulher, dirigiu-se-lhe e perguntou: - “Que faz aqui a esta hora?” - “Estou á espera de quem há-de vir” - respondeu. Era verdade: esperava o padre.


- Em outra noite, por volta das 2 horas e meia, uma outra rapariga foi vista, sentada junto da igreja, que estava fechada. Daí a instantes, quando a pessoa que viu isto passou de novo pelo local, a porta da igreja tinha sido aberta e a rapariga desaparecera do adro.


Tudo isto, esta irregularidade, ou como deve dizer-se, de horário de culto, causa estranheza e escandaliza. Mas há mais:


- Ultimamente, a população de Tavarede foi surpreendida, já de noite, por cantos que pareciam religiosos. Várias pessoas vieram às janelas e às portas. Que seria? - Era o padre que, vindo, parece, de Buarcos, atravessava a povoação comandando o seu batalhão feminino, que cantava em côro qualquer coisa da igreja.


Como não há-de isto causar estranheza, se tal nunca se viu em Tavarede? A população era e é, na quási totalidade, religiosa, sem excessos de fanatismo. Ia à missa aos domingos, quando podia, fazia as suas festas tradicionais, e assim se desobrigava dos seus deveres católicos, a contento dos seus párocos, que, pelo visto, não usavam a cartilha do novo padre. E perguntam as pessoas que não toleram a disciplina actual, se a crença e o respeito a Deus exigem estas práticas, ridiculas, afrontosas e imorais em que o padre de Tavarede entretém a sua actividade e se está celebrizando. A gente sinceramente crente e simples de Tavarede não entende estas coisas e começa a desconfiar. Porque convém esclarecer que o “batalhão feminino do padre” é recrutado fora da população tavaredense, nos lugarejos e casais da freguezia, aproveitando especialmente uma numerosa colónia que há poucos anos veio fixar-se ali.


A acção fanatizadora do padre, que tem pormenores que, parecendo ridiculos, são sintomas que o bom-senso, a moral e o próprio prestígio da religião mandam combater, encontra no meio em que se exerce campo magnifico.


E não se suponha que todos estes excessos de fervor religioso partem dum padre que se desprende do mundo terreno numa constante aspiração de alcançar para as suas ovelhas as delícias do céu. Bem ao contrário, êste padre, que é ainda um rapaz - nós podemos chamar-lhe assim - é muito apegado às coisas da terra, muito cuidadoso no arranjo do corpo, gostando de ver-se bem pôsto, mirando-se e remirando-se em frente do espelho, como um janota de 20 anos, que poucos mais terá êste padre que tão apressadamente caminha para a celebridade.


O sr. prior-arcipreste Palrinhas, que nos dizem ser pessoa inteligente e diplomata, bem pode chamá-lo e dar-lhe alguns conselhos que o metam no bom caminho”.

“A propósito do artigo sob êste mesmo título aqui publicado no último número, fomos na segunda-feira à tarde notificados, a requerimento do Pe. José Martins da Cruz Diniz, solteiro, pároco de Tavarede, para responder aos seguintes quesitos:


1º. - Se essas referências, alusões e frases equívocas, dizem ou não respeito ao requerente;


2º. - em caso afirmativo, a esclareça, dizendo se com elas se pretendeu afirmar que o requerente se portou ou porta mal com qualquer mulher.


Sem esperarmos que decorra o prazo de cinco dias que a lei nos concede, respondemos já, imediatamente, para tranquilizar o espírito sobressaltado do sr. vigário de Tavarede:


1º. - O artigo refere-se ao pároco de Tavarede, que agora sabemos pela notificação chamar-se José Martins da Cruz Diniz;


2º. - não pretendemos afirmar no artigo referido que aquele pároco se portou ou porta mal com qualquer mulher.


Afirmamos isto clara e terminantemente. E oxalá esta declaração restitua ao padre de Tavarede o seu perdido sono.


Com que então - “se se portou ou porta mal com qualquer mulher?”!


Oh! sr. vigário...


Nós não pretendemos dizer isso; nós só pretendemos dizer o que dissemos; nós sabemos muito bem o que dizemos e só dizemos o que queremos dizer.


Que o sr. vigário se portou ou porta mal com qualquer mulher! Mas quem disse tal, quem pretendeu dizer, quem se atreveria a dizer semelhante coisa? A nossa lealdade manda até declarar que as pessoas que nos referiram os factos narrados no artigo de sábado não ousaram fazer semelhante afirmação. Nós, apenas por nós, também a não podemos fazer, pois não conhecemos a vida particular do padre de Tavarede, não sabemos, sequer, quem frequenta a sua igreja. Nós só nos atreveríamos a afirmar que o pároco de Tavarede se portou mal com qualquer mulher, se dêle próprio ouvíssemos a declaração. E nem assim! - nem assim porque podia ainda tratar-se duma gabarolice filha do despeito ou de excessivo zêlo contra qualquer ovelha teimosa que não quizesse entrar no aprisco.


Fica pois, bem esclarecido, que não pretendemos afirmar o que não afirmámos e o pároco de Tavarede parece ter desejado que nós afirmássemos. As pessoas a quem aludimos - as que esperaram à porta e as que entraram na igreja - e que nem sequer sabemos quem sejam, continuam a ser por nós consideradas pessoas honestas.


Ora o sr. vigário! O que êle queria que nós disséssemos!


Muito sinceramente lamentamos a falta de caridade cristã de quem, podendo fazê-lo, não desviou o pároco de Tavarede do atalho por onde êle se meteu. Sabemos que é um rapaz novo - e êste disparate da notificação explica-se com a sua pouca idade. Nós somos indulgentes com certas verduras da mocidade, mas o público é que não quere saber disso e todo se pela por guloseimas desta natureza. As pessoas mais sensatas, mais ponderadas e inteligentes deviam, pois, aconselhá-lo.


Já agora, e visto que o sr. vigário quis conversar, temos de dizer mais alguma coisa. Não pode ser hoje, porque a notificação foi-nos feita na segunda-feira à tarde.


Fica para outro dia, e oxalá o sr. vigário de Tavarede se disponha a conversar connosco. Pode já contar com estas colunas - mesmo sem ter de gastar dinheiro em papel selado e no resto... o que é efectivamente desagradável quando se não conta com isso”.

Como se depreende do segundo artigo, o padre Cruz Dinis recorreu às autoridades solicitando esclarecimentos. Mas não respondeu, pelo menos nos jornais, embora quási que podemos afirmar que o terá feito, igualmente de forma violenta, no seu local de trabalho, na igreja, durante as missas entretanto celebradas.


(continua)

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