quinta-feira, 23 de junho de 2011

De Casa de Cultura a... Taberna (7)

(continuação)

Como se depreende até em tribunal o caso chegou a ser discutido. Mas continuemos. Conforme havia sido prometido, a resposta continuou. Em Julho, e sempre no Figueirense, começa uma explicação:

“ Escrevem-nos algumas pessoas e outras teem-no feito pessoalmente, perguntando-nos a razão porque não escorchamos ainda, como haviamos prometido, a descabelada campanha que um jornal da Figueira, odiento e miserável, manteve durante semanas contra o pároco de Tavarede.


Alguns cavalheiros atribuiram o nosso silêncio à falta de argumentos ou elementos, como lhe queiram chamar, para desfazer as afirmações da intratável gazeta.


Ainda neste momento acabo de receber um postal anónimo, cujo autor conheço muito bem, em que, depois de mais ou menos insultado, me faziam esta acusação tremenda: você meteu-se em copas, abafando a campanha, porque não arranjou provas em contrário!!!


É certo que fizemos tal promessa publicamente, faltando a ela, até à data, sem a menor explicação, o que deixou muita gente intrigada, como provam outras cartas recebidas, entre elas, uma da cidade Invicta e outra da visinha cidade Universitária.


Se os signatários nos derem licença publica-las-hemos na íntegra, para que os leitores fiquem avaliando até onde chega a fama de tão decantada folha.


Como se conclui do exposto, devemos uma explicação aos leitores que nos apressamos a dar... se ainda fôr a tempo. É preciso que êles conheçam os motivos que nos forçaram a suspender os nossos ecos. São de fôrça maior e estamos plenamente convictos, de que êles desculpar-nos-hão “tão grande falta” aliaz involuntária.


A falta de tempo que sempre nos persegue - falta essa muito mais acentuada nesta época de cólicas para todo o estudantinho que se preza, - forçou-nos a abandonar esta tribuna de bom combate, e, portanto, a desrespeitar os compromissos assumidos por nós ante os nossos prezados leitores.


Como era impossivel continuar, porque o assunto é vasto e roubar-nos-hia muito tempo, pensámos em reservar a questão para férias, época em que podemos melhor desempenhar-nos do nosso papel, dando aos leitores uma descrição dos factos mais pormenorizada.


Isto pensámos nós com os nossos botões. Nada dissémos aos leitores, porque, a confessar a verdade, sempre imaginámos que êles nem existissem, ou, se porventura existissem, fôssem daqueles que lêem às vezes... por engano.


Mas, qual não é o nosso espanto, quando variadissimas pessoas nos começam a dirigir perguntas a tal respeito. Mais admirados ficámos ainda quando o correio, com intervalo de poucos dias, nos traz as cartas a que já nos referimos, de cujos signatários não conhecemos senão um.


Há por aí, consequentemente, muito espirito sedento da Verdade que nos propuzemos esclarecer, a quem nos apressamos a dar esta explicação.


Uma outra declaração é necessário fazer: Não pretendemos - como apregoam por aí alguns dos nossos amigos - defender com aquilo que escrevemos, o Padre de Tavarede! Não! “O Figueirense”, jornal neutro em matéria religiosa, não poderia desempenhar semelhante papel. Não lhe está dado defender o clero. Isso é para os jornais católicos. Pode sim defender a Honra, a Justiça e a Verdade! A isto é que êle nunca fechou nem fechará as suas portas. Para isto é que êle não recusará as suas colunas! E assim como se trata de um padre, podia tratar-se dum secular. Não é uma questão dum padre, é uma questão de Honra!


Ao mesmo tempo é um brado de indignação contra as imprudencias duma imprensa que se apregôa honesta, e descamba nos processos mais vituperantes e mais abominaveis.


Já uma vez escrevemos algures, que, no dia em que o padre de Tavarede prevarique, isto é, no dia em que êle desdoure a sua dignidade eclesiástica, nós seremos os primeiros a descer a estacada, dispostos a encetar uma campanha sem tréguas contra êle! E se bem o dissémos, melhor o fazemos”.

Na notícia acima promete-se voltar ao assunto e de forma desenvolvida. Nos números seguintes pode, então, ler-se:

“ Saber esperar é tambem uma virtude. Nem todos, porém, assim o entendem. Alguns há, por temperamento, mais ou menos impulsivos, cuja curiosidade anda sempre em largos vôos, sempre insaciavel, agitada, como as núvens em dias de nortada rija.


Estes são os impacientes que nem sequer admitem uma desculpa, uma justificação, e não raras vezes nos obrigam a transpôr as regiões do sacrifício. É o que nos está sucedendo a nós. Em vésperas de exames, a dois dias do momento em que havemos de prestar contas de tudo o que aprendemos ou aproveitámos durante um ano lectivo, somos chamados pela insistência dos tais impacientes, a continuar a questão que haviamos suspendido temporariamente, para quando nos fôsse possível assestar melhor as nossas bacterias dialeticas e assim podermos desmascarar o mais monstruoso e repugnante processo de combater a Igreja Católica - caluniando os seus ministros. E como muito bem diz a máxima inglesa, time is mony, vamos tratar do assunto o mais ligeiramente possivel, já que a época presente é tão desfavorável para nós, não nos deixando ser prolixos.


Posto isto, escritas estas primeiras palavras à guisa de introito, vamos ter o prazer de ouvir a folha que ocasionou a nossa intervenção neste melindroso assunto. Tem, pois, a palavra o “brilhante” bi-semanário da Figueira da Foz - a Voz da Justiça:


A Igreja funciona, pode dizer-se permanentemente, a todas as horas da noite.


Esta é a primeira falsidade! A primeira afirmação insidiosa da citada folha. Provamo-lo já. Os leitores vão ter ocasião de ver. Vão ver o descaramento, a falta de pondunor, a carencia de brio que presidiu a esta afirmação e a tantas outras que vão seguir-se.


Somos frequentadores da Igreja de Tavarede e nunca notámos tal irregularidade de horário. Sobre êsse assunto ouçamos tambem o reverendo pároco:


-”Nunca a Igreja se abriu antes das 6 horas no tempo da desobriga - e só no tempo da desobriga! - isto é, no verão, e das 7 no inverno!”.


-”Nunca se fechou tambem depois das 10 horas, quando há devoção, e esta, por qualquer motivo, não pode acabar mais cêdo, ou melhor, não pode começar à hora do costume!”.


É justamente isto que temos observado e o que tem visto toda a gente que frequenta a Igreja de Tavarede. A não ser que aqueles que lá não aparecem vejam mais do que nós! Quem assim não disser, mente inconscientemente, monstruosamente! Mostra que não tem dignidade nem brio. Prova que não tem caracter, que é destituido de sentimentos nobres, porque se serve da mentira para salpicar de lama, para enxovalhar a honra alheia ou, digamos melhor, para conseguir fins menos honestos como teremos ocasião de verificar!


Mas há melhor e muito melhor! Escutemos de novo a democrática folha:


Certa madrugada de inverno, cerca das 6 horas, noite fechada ainda, alguém que tivera necessidade de sair cêdo da aldeia, passou pela Igreja e notou que, a um canto do adro, sob uma árvore que ali existe, estava um vulto de mulher. Dai a instantes chegava o padre, sósinho, entrou, e logo após a rapariga.


-De outra vez, cerca da meia noite, um homem que a essa hora seguia para o seu serviço nocturno, viu uma mulher no mesmo canto do adro. Causando-lhe estranheza o facto de ali estar, áquela hora e sózinha, uma mulher, dirigiu-se-lhe e perguntou: - “Que faz aqui a estas horas?” Estou à espera de quem há-de vir - respondeu. Era verdade: esperava o padre.


- Em outra noite, por volta das 2 horas e meia, uma outra rapariga foi vista, sentada junto da Igreja, que estava fechada. Dai a instantes, quando a pessoa que viu isto passou de novo pelo local, a porta da Igreja tinha sido aberta e a rapariga desaparecera do adro.


Tudo isto, esta irregularidade ou como deva dizer-se, de horário do culto, causa estranheza e escandaliza.


Fantástico! Verdadeiramente fantástico! Podiamos aqui empregar a linguagem que o caso reclama, mas não queremos! Usemos de preferência um estilo simples, sereno, perceptível e feito com o maior sangue-frio. Preferimos analisar e deixar os comentários ao gôsto dos leitores.~


Comecemos por dizer que são ignorados todos os personagens que entram nesta comédia. Ninguém sabe quem sejam as mulheres que esperavam o padre, nem tão pouco os cavalheiros que as viram lá. Contudo, vejamos o que disse a Voz da Justiça num outro artigo:


- Os factos aqui narrados, embora só agora dêles tivéssemos conhecimento, já são antigos. A população Tavaredense conhecia-os há muito, e há muito que êles andavam de boca em boca, comentados como era natural que o fôssem, por gente simples, que, tendo sido sempre religiosa, não podia deixar de extranhar as inovações que o novo pároco introduziu no regime da sua Igreja.


Viste, leitor? Diz o articulista que tais factos já andavam há muito de boca em boca! Pois nós perguntámos a toda a gente de Tavarede e ninguem nos soube dizer nada a tal respeito. Quando procedíamos ás nossas investigações, alguém que é tambem lá da panelinha, julgando que com isso nos tapava a bôca, ou nos ludibriava, disse que fôra uma mulhersinha que vive próximo da Igreja quem presenciára tôdas estas scenas. Mandamos lhe perguntar em seguida o que sabia sôbre êste assunto. Negou terminantemente que tivésse visto ou afirmado semelhante coisa.~


Quem são, pois, os felizes videntes?


Mistério... Profundo mistério... Anonimos ignorados... Ninguem os conhece... Ninguém sabe quem sejam, nem mesmo o articulista de A Voz da Justiça!... E, contudo, êle afirma-nos que tais factos já andavam há muito de boca em boca!


Como pode isto ser? Não, leitor, os factos nunca andaram de boca em boca, como diz A Voz da Justiça. Agora sim, é que êles andam de boca em boca, mas sob uma grande atmosfera de mistério! Que conclusão devemos tirar daqui?


Leitor: se és inteligente e bem intencionado, medita um pouco no que vamos dizer-te. Pensa bem no que acontece em casos identicos.


Quando em qualquer terreola, ou mesmo numa cidade, se dão factos como êstes que A Voz da Justiça publicou com o rótulo de autenticos, a repercução que êles costumam ter. Em poucas horas toda a gente sabe quem são todos os personagens, ainda que êstes sejam pessoas sem cotação alguma, sem qualquer preponderancia, enfim. Mas aqui, repara bem, o caso muda de figura. O acusado é um padre. As outras figuras ninguem as conhece, nem sequer os acusadores... que era tão facil arranjá-los...


Porque não se conhecem elas... jámais tratando-se de um padre? Sim, esta razão é mais que suficiente para justificar a rápida propagação da noticia. E então que cá na terra temos tanto creado que se presta admiravelmente a transmitir noticias destas! Estamos em crer que, se assim fôsse, o nome do padre e das suas victimas iria imediatamente parar ás colunas dos diários estrangeiros!... Nem pensar nisso!


Pois leitor: apesar de A Voz da Justiça dizer que em Tavarede toda a gente tem conhecimento do ocorrido, nós não conseguimos saber nada, porque ninguém nos soube dar explicações... Vê lá tu, leitor, se consegues desvendar-nos êste mistério, que nós saber-te-hemos agradecer.


Depois, vejamos melhor: - Aquele jornal, foi obrigado judicialmente a declarar se tais referências tinham ou não em vista afirmar que o pároco se portava mal com qualquer mulher, e em resposta, asseverou clara e terminantemente que não!


Mas digam os leitores se as tais referências tinham ou não essa finalidade! O pároco de Tavarede não podia fazer mais. Obrigou-os a desdizer o que tinham pretendido afirmar. Foi o caminho mais racional, o único caminho do bom senso.


Contudo, se o caso fôsse levado perante os tribunais, os pseudo-videntes apareciam logo!... O articulista encarregar-se-hia de arranjar quem fôsse desempenhar êsse papel. O ilustre governador que arregimentou à sua volta umas dezenas de vassalos que lhe obedecem cégamente, trataria do assunto. Em vez de aparecerem apenas trez videntes, apareceria - quem sabe? - talvez uma duzia... sem nenhum dêles sacrificar a sua consciência pela simples razão de que a não tem. (A propósito disto, havemos de contar aos leitores, mas já agora no próximo número, uma scena que se passou num julgamento dum autuado julgado ultimamente por ter proferido na Igreja de Tavarede algumas palavras ofensivas à moral).


Vejamos agora a resposta de A Voz à notificação que lhe foi feita a rogo do pároco de Tavarede. Depois de algumas palavras em que negou a intenção de querer afirmar que aquele pároco se portava mal com qualquer mulher, escreveu o seguinte:


- As pessoas que aludimos - as que esperavam à porta e as que entraram na Igreja - e que nem sequer sabemos quem sejam - continuam a ser por nós consideradas pessoas honestas.


Já viram maior incoerência? Pode lá haver maior desfaçatez? Ora esta, esta! O diabo é o articulista! A dizer que nem conhece as raparigas!...


Nem ao menos aquela a quem o feliz vidente perguntou “o que estava ali a fazer”?! É bôa! Leitor amigo, se és perspicaz, toma mais apontamentos e vê se atinges o alvo.


No Largo da Igreja, mesmo próximo da porta, há uma lampada eléctrica, que fornece claridade em abundancia... até para se enfiar uma agulha. Tão abundante que na porta da Igreja está afixado um anúncio da venda duma propriedade e pode ler-se à vontade, a qualquer hora da noite, sem auxilio de lunetas... isto é, pode ler-se sem dificuldade alguma.


Tudo isto nos leva a crêr que os videntes citados pela Voz da Justiça, são com certeza míopes! Pois nem à luz eléctrica conhecem as suas conterraneas. Nem sequer estando a falar com elas, como diz o articulista de A Voz, que um dêles esteve... A não ser que as mulheres fôssem estrangeiras e êles as não conhecessem! Tambem podia acontecer...


Querem assim, ou com mais môlho? Já é pouca sorte! Nem se sabe quem são os homens, os videntes, nem quem são as mulheres - aquelas que esperavam o padre!


E a Voz da Justiça foi-se acautelando, declarando não conhecer as mulheres. Não fôsse o diabo tecê-las...


É que as testemunhas - como já dissémos - era fácil arranjá-las... Mas nas mulheres é que estava o busilis! Era mesmo o cabo dos trabalhos... Se a Voz da Justiça a tal se abalançásse, sofreria por certo grandes desgostos e funestissimas consequências...


E ficamos hoje por aqui, que êste já vai longo. Continuaremos no próximo número, que há muito terreno ainda a desbravar”.


(continua)

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