sexta-feira, 14 de março de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 11

     “Por mero acaso, e não porque esperasse emproadas replicas à minha inocente carta de 24 do mês último, é que vi, depois de decorridos alguns dias, referências abespinhadas de um quidam que entende na sua, e lá isso entende muito bem, não merecer sequer uma simples designação, embora ela seja tão estapafúrdia como a sua figura picaresca do pingurrio que veio de reforço… ao mestre.
         De resto, cá na minha também opino porque o interessantíssimo anónimo, heróico defensor das prendas e mais partes que concorrem na pessoa das desempenhantes do Bijou, se alaparde o mais possível por detrás do mais bem vedado tapume. Quem me diz a mim que não poderia eu tomar a nuvem por Juno e o mestre António pelo mestre João? Nada mais fácil do que querer filar um farçola emproado e pimpão e, em vez disso, deitar os gatazios a um pândego que conheça a gramática… parda (?) tão bem como o Mandarim The-chin-pó sabia de cor as máximas do moralista Confúcio. Isso nunca! O mais prudente é uma pessoa não se arriscar da zona da certeza e não avaporar a imaginação pelas regiões mortiféras onde brilham sideralmente as pedras finas do decantado Bijou, parte das quais têm sido lavradas pela mão (?) do primeiro mestre – o que tem pouca gramática – e não pela do segundo, - que tem a gramática toda! – e que afinal, bem se vê, segundo afirmam testemunhas oculares e guturais, costuma escrever de um borco e com rara perfeição.
         Eu, se neste momento, ou em qualquer outro, me achasse com tendências para responder à carta-dueto do ninguém, ver-me-ia, declaro-o com toda a franquelidade, seriamente atrapalhado, porque por mais que se faça suar o topete, por mais agudeza que um cérebro possua, é verdadeiramente impossível ajudar o que haja de fino espírito no remelgueiro mistifório do púfio. Chega até uma pessoa a pensar que quem aponta à execração pública os crimes (isso é o que nós havemos de ver?) gramáticos dos outros, não deve declinar a obrigação de perpetrar correspondências com algum bom senso.
         Terminando por agora: Tavarede não está tão cheia de pobres de espírito que não comporte de vez em quando mais alguns, os quais em tardes amenas costumam, para refrescar a amizade, ir libar do divino licor… arranjando assim forças para bem desempenhar o papel de Cireneu nas estrambólicas epístolas fabricadas nesta aldeia e exportadas para a Gazeta.
         E adeusinho até breve. (Pum)”. (O Povo da Figueira)
        Relativamente à parte religiosa, lê-se numa nota publicada em 1893: “Consta-nos que na noite do passado Natal, na Igreja de Tavarede se exibia uma caprichosa iluminação a balões à veneziana, e... mais alguma coisa: troféus de bandeiras de diferentes nações e galhardetes. A pouco e pouco o progresso vai invadindo tudo. Os nossos parabéns ao sr. padre ‘nobre’ que, assim, vai abrindo o caminho à secularização da igreja”.
         Não se encontram muitas notas quer referentes a espectáculos, quer a celebrações religiosas, até ao fim do século dezanove. Mas, segundo se depreende de posteriores notícias, foi uso e costume do nosso povo sempre levado a efeito.
         Mas, ainda naquele século, encontramos duas notas que consideramos de interesse aqui incluir. Uma é referente ao Natal de 1899. “Sentamo-nos hoje à mesa para lhes escrever, mas, francamente, não sabemos bem com que encher estes pobresitos linguados. Tudo é pasmaceira, tudo é aborrecimento! O dia de Natal, esse dia tão solemnisado e commemorado pelo chistianismo, passou entre nós sem deixar grande rasto da sua passagem. Sómente à missa conventual d’aquelle dia os fieis assistentes beijaram com frenezim o Menino Jesus, e algumas familias saboriaram os tradiccionaes filhós e brôas doces, guloseimas com que os pastores e pastoras do presepio costumam brindar o Redemptor. Que saudades nos deixaram aquelles tempos em que aqui se celebrava a representação dos autos pastoris, a que sempre se assistia com prazer. Hoje, nada d’isso. Todos alcunham aquella peça de estopante e aborrecida, sem se lembrarem de que por muitos espectaculos que se dêem n’esta occasião nenhum d’elles attrahirá tanto espectador como o da representação das scenas dos autos pastoris e dos Reis Magos.
         N’estas circunstancias, o que quereis que vos digamos? Só se falarmos das choradeiras dos contribuintes, por este anno, a uns, os terem sobrecarregado mais nas suas já pesadas contribuições, e a outros lhes lançarem novas collectas, que nos parecem ser immerecidas. Resultados das boas informações d’aquelles que, sem interesse proprio, vão assim satisfazendo pequenas vingançasinhas, sem se importarem com os transtornos que virá originar o pagamento d’essas collectas aos que as não deviam pagar. Mas emfim, elles fazem bem, porque a Fazenda Nacional, com aquella gratidão que lhe é caracteristica, há-de pagar-lhes bem os seus bellos serviços...
         Tambem se realisa aqui na noite de domingo para segunda-feira proxima a missa que por ordem papal foi mandada rezar em todas as egrejas parochiaes, para commemorar a entrada do Anno Bom”.
         Antes de transcrevermos a outra nota, recordamos que na mesma publicação da nota acima, há apontamento de que, em Buarcos, o Presépio e os Reis Magos foram ali ensaiados pelo tavaredense António Almeida Cruz, que é ‘um rapaz bem conhecido nesta cidade’. E a outra nota conta a festa natalícia em Tavarede em Dezembro de 1900.
         “Foi extraordinario, muito grande, como nunca vimos, o numero de fieis que correram á nossa egreja para assistir á festividade que ali se fez na noite de 24 para 25, celebrando o nascimento do Menino-Deus.
         Era meia noite quando, desvendado o throno do altar mór, disfructámos um espectaculo sublime: um pequenino presepio rodeado de dezenas de lumes que reluziam brilhantemente por entre aquelle bello quadro, que a todos os christãos inspira tanta fé e ardente commoção.
         Echoou então por todo o templo a Gloria in excelsis Deo, e continuou em seguida a cantar se a missa, que findou ás 2 horas, sendo celebrante o revdº vigario d’esta freguezia sr. Costa e Silva; serviram de acolytos os coadjuctores de Quiaios e das Alhadas.
         Prégou o revdº Pimenta, de Verride, versando o seu discurso sobre: o providencial nascimento do Redemptor, os feitos de Jesus e o martyrio a que foi condemnado, soffrendo sempre as mais crueis amarguras, sacrificado a isso pelas suas ideias alta e verdadeiramente sublimes.
         A decoração dos altares mór e lateraes revelava bem o gosto artistico do sr. Bernardo da Cruz, que, em trabalhos d’aquelle genero, o tem já demonstrado, quer aqui, quer n’essa cidade. O effeito produzido pelo altar mór, visto a distancia, era deveras attrahente.
         O côro estava bem organisado, tanto na parte instrumental como vocal, e, diga-se a verdade (que não podemos occultar), se não fôra o estar n’uma festa d’aldeia, pelo que alguns musicos costumam desempenhar os seus papeis com bem pouco esmero, teria jus a ser geralmente apreciado.
         Cremos bem que isto não deixa de lhes saltar aos olhos, como não deixa de saltar aos dos que assistem áquelles actos e tenham ouvido já, pelos mesmos musicos, córos e orchestras magnificas, merecedoras de incontestavel applauso.
         Entendem-nos, decerto.
         O Menino foi beijado com fervor e alvoroço, pois todos queriam ser os primeiros a depor-lhe o quente beijo d’amor.
         = À missa conventual do dia 25 tocou um pequeno grupo dirigido pelo nosso conterraneo João Prôa.
         = N’este dia á noite, no theatrinho Duque de Saldanha, representaram-se algumas scenas do presepio, ante o qual as pastoras e os pastores, cheios d’alegria, saudavam reverentemente o Recemnascido, offertando lhe muitas prendas.

         Acabou este espectaculo pela 1 hora da noite, assistindo a elle muitas pessoas, que enchiam a pequenina casa de recreio da Estudantina Tavaredense”.

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