sábado, 19 de abril de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 16


 vós, ó belas, sabeis cantar!       
Vossas gargantas trinando enfim
Ao longe, ao longe vão imitar
As lindas notas do bandolim...

Alegres vossas canções,
Enquanto a orquestra entoa o canto
Para alegrar os nossos corações.

Viva o Maio! Viva o Maio!
Viva o Maio, trema o chão.
Vivam os quatro rapazes
Na manhã de S. João.

Viva a bela mocidade
Que festeja este dia!
Sede unidos p'ró futuro
P'ra gozar com alegria!

                                 
         “Sim, minha amiga, póde chamar-lh’o, é um costume feliz da minha terra. Sempre assim foi acolhido aqui o primeiro dia de Maio, entre risos e cantares, na folga d’umas danças vermelhas, junto á fonte d’agua clara da varzea de Tavarede.
         ...Este uso lindo que tanto a maravilhou e tanto a seduziu, é um velho uso que vem de muito longe. Teria, a minha deliciosa amiga, de volver os olhos para os luminosos tempos do paganismo, se a sua curiosidade irrequieta e nervosa lhe quizesse conhecer a origem. Era-lhe preciso evocar um quieto e calmo  canto do socegado Lacio. Seria n’uma azulada paysagem d’ecloga. D’entre arvoredos longos, ver-se-ia surgir a cabeça velha de Pan, seguida da montada madraça de Silêno. Rondas de Nimphas, ligeiras como azas, bailariam dançares de belleza e graça n’algum tranquillo valle. Por bosques de loureiros, em florestas de platanos, por rentes de araucarias e romanzeiras em flôr, olhos vivos de Satyros espreitariam cubiçosos, carnes perfeitas de Deusas confiadas. Faunos, caprinos, hirsutos, cornicabros, pulariam pela macieza dôce dos pomares. E Venus, coroada de rosas, á frente d’uma procissão lasciva e devota da sua côrte suprema viria, ao som lento de citharas d’oiro, proclamar a chegada do Amor e da Primavera...
         ...Deve ter sido assim o inicial começo d’este costume feliz da minha terra...
         E pela conta dos annos, sempre que chegado é o feliz dia d’hontem, se formam n’aquella estrada calma, junto á fonte d’agua clara da varzea, por entre os campos ferteis e humidos de Tavarede, as rodas largas de namorados que a minha excellente amiga encantadamente viu...
         N’uma viola, em violões floridos e afestoados de fitas, alguem faz vibrar, zangarrear as notas vermelhas e fortes do Vira. Vozes limpidas de raparigas, atiram ao alto, ao vasto ar perfumado a cravos, limpidas cantigas de Amor e Desvario. E no sacudido, no lesto farandoral da dança rubra, enquanto no ar volteiam petalas de rosas e tilintam sonoras risadas de crystal, corpos juntam-se, mãos enclavinham-se, boccas approximam-se, e é assim, - como os seus lindos olhos deslumbrados viram, - que a gente moça da minha terra festeja e acolhe a primeira alvorada de Maio florido, o mez das Rosas e do Amor!”.
         Teve muita fama o rancho dos potes floridos de Tavarede, que na manhã do dia primeiro de Maio, ia em alegre desfile, à fonte da Várzea, após o que seguia até à Figueira levar a alegria, as cantigas e o perfume das nossas flores, que artisticamente enfeitavam os potes levados à cabeça pelas raparigas, acompanhadas pelos seus pares.
  
          “É amanhã o 1º. de Maio.  E então as raparigas correm os quintais, vão às leiras ajardinadas, e de toda a parte trazem flores!
         Deixando o seu pote enfeitado, a cachopinha foi deitar-se; mas passou a noite em claro, a pensar na alegria da manhã que vai nascer... Ainda escuro, salta da cama, veste a saia ramalhuda e a blusa de rendas, põe na cabeça o cachené lavrado, e pega no cântaro florido, que cheira que consola! Ainda vem longe o dia, mas são horas de ir chamar as mais: - Ó Rosa! Ó Maria José! Ó Joaquina! Vá depressa, raparigas! Daqui a pouco nasce o Maio, e se ele dá com vocês na cama, já sabeis o que vos faz: deixa-vos amarelas todo o ano! Olha, ali vai o Manuel c’o violão... Avia-te, rapaz, que já lá estão os outros... Eia! Aí vem a Laura, mais a Anita, e a Augusta e a Teresa...
         Já a música afinou os instrumentos. Potes floridos riem e bailam nas cabeças das raparigas. O ar está cheio de cor e de perfumes. Formou-se o cortejo. Tudo pronto!... Vamos! Vamos! Siga o rancho até à fonte, a cantar e a dançar e a dar a volta à Figueira!... Lá vai! Lá vai o rancho do 1º. de Maio, lá vão os potes floridos da terra do limonete!...”.
     Era com uma alegria contagiante quando o cortejo, com a tuna na frente, passava pela rua da aldeia a caminho da Várzea. Ali chegados, depois de beberem da fresquinha água da fonte, reuniam-se aos outros ranchos, que iam chegando. E enquanto uns descansavam sentados nos valados circundantes do vasto largo, então ali existente, com muitos a procurarem a sombra do enorme pinheiro manso, outros dançavam animadamente, soltando aos ares as canções alusivas ao dia, sempre acompanhados pela tuna afinada.
           Depois era a partida para a cidade vizinha. Sempre cantando, aplaudidos pelas gentes que acorriam à sua passagem, iam ao mercado, onde eram sempre ansiosamente aguardados. E ali dançavam e cantavam a sua linda marcha, entoada pela tuna. O ar ficava perfumado pelas flores que enfeitavam artisticamente os potes, onde se destacava sempre o delicado limonete.
         Nem todos os anos os potes floridos festejaram a data, como aconteceu em 1917, certamente devido às ida de diversos tavaredenses para a guerra. “O primeiro dia dos mez de maio não foi festejado pela nossa mocidade como o tem sido nos annos anteriores. Aquella visita á fonte pelos ranchos de raparigas que, conduzindo cantaros ornamentados de flôres e verdura, não appareceram este anno com as suas cantigas a accordar a povoação e a chamal-a para a poesia e para a alegria. Qualquer coisa de triste teem as nossas irrequietas moças: - “lá longe o namorado se sacrifica...”.
         É certo... Tavarede não recebeu a visita do mez dos poetas e dos passarinhos com aquelle enthusiasmo como tradiccionalmente o tem feito, porque a sua alma, o seu coração sente a dôr de vêr os seus filhos queridos na lucta dos barbaros e dos maus. Apenas grupos de pessoas d’essa cidade, aproveitando o dia alegre de maio, devoraram sob a sombra fresca das arvores appetitosos farneis e ali, n’uma pittoresca vivenda d’um amigo nosso, se reuniu uma colecção de caras unhacas, para solemnisar com uma santa pandega, que foi obrigada a dois cozinheiros milicianos e a um ajudante reformado, e ao melhor champagne do sifão... E assim entrámos na quadra do aroma e da belleza”.

         Mas, normalmente, era um dia de alegria e felicidade para toda a gente tavaredense. Encontrámos diversas notas alusivas, que poeticamente cantavam o dia. “Quem não conhece, na madrugada de amanhã, a Fonte da Várzea da Figueira? Ranchos alegres que apregoam, nas cantigas repassadas de côr, a alegria salutar do amor, da vida, da felicidade!... Cântaros à cabeça, transformados em maciços de flôres, elas lá vão em busca da água fresquinha que hão de trazer no regresso, depois de bailarem a alegria que lhes vai nas almas e de folgarem tôda a mocidade que vive nos seus corações amorosos.

Sem comentários:

Enviar um comentário