sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 2



A FEIRA DOS QUATRO CAMINHOS

No jornal “Gazeta da Figueira”, de 17 de Abril de 1901, encontrámos a seguinte notícia: “Chega-nos aos ouvidos de que foi proibido fazer-se no Pinhal, dessa cidade, o antigo mercado de suínos que ali se efectuava todos os domingos, e cremos que se pensa agora em a continuar, mas aos quatro caminhos (Senhor da Arieira).

É boa a ideia, pois que, na verdade, a concorrência àquela feira, tanto de vendedores como de compradores, costuma ordinariamente ser feita por gente de Tavarede, Buarcos, Serra da Boa Viagem, Quiaios, Casal da Robala, etc, e por isso, estabelecendo-se naquele local o referido mercado, fica este decerto mais centralizado entre as povoações a que aludimos, e portanto mais comodidades se oferecem ao público.

Parece-nos que isto qualquer pessoa julga e apoia, e recomendamos o caso ao nosso pároco e vereador da câmara o sr. Costa e Silva, que com certeza tratará de conseguir que a feira ali se estabeleça, mostrando assim a sua boa vontade em promover qualquer serviço a bem dos munícipes daquelas localidades”.

Complementando a nota acima, publica dias depois, um extracto da acta da Câmara Municipal sobre a deliberação: “... deliberou a câmara, em virtude do dano que causa às árvores ultimamente plantadas no Largo do Pinhal desta cidade, a feira de gado suíno que ali costuma realizar-se, mudar o local da mesma feira um pouco mais para baixo, isto é, para os largos compreendidos entre as estradas do Casal do Mártir Santo à estrada real n° 49 e da Figueira ao Casal da Serra, mais conhecidos pelos largos do Senhor da Arieira”.

Dias depois é publicado um aviso informando que “por resolução da Câmara Municipal pode já funcionar ao Senhor da Arieira (quatro caminhos) a feira de gado suino que se costuma realizar todos os domingos ao Pinhal e que dali foi mudada para aquele local”.

A Junta de Paróquia de Tavarede, responsável pelo lugar onde estava a funcionar a feira, oficiou, entretanto, à Câmara Municipal “pedindo a vedação dum largo, ao Senhor da Arieira, para a realização das feiras de suínos, que se têm feito nas estradas que cruzam no mesmo local, impedindo o trânsito”. Esta petição, confirma o que já havia dito: naqueles tempos era um simples cruzamento de estradas.

Mesmo sem grandes condições, a comissão paroquial resolveu mandar terraplenar o local “onde aos domingos se faz o mercado de gado suíno” e arborizá-lo ao mesmo tempo. E a mesma notícia comenta que “é uma boa medida, pois evita o impedimento de trânsito nas estradas durante as horas do mercado, embelezando muito o local”.

Mas, como a Junta de Paróquia não tinha verba para a terraplenagem, solicitou à Câmara “o serviço braçal” para a terraplenagem “do terreno que lhe foi oferecido para ser apropriado à feira de gado suíno”.

Quem havia feito a oferta do terreno para a feira fôra a senhora D. Maria Duarte Costa, viúva de João José Costa, da Quinta dos Condados, quando teve conhecimento da mudança da feira para aquele local. Havia-o feito “há um ano!” Apesar da boa vontade em arranjar o local, uma notícia comenta que “dizem-nos que não será tão depressa terraplenado devido à Câmara se achar deveras atrapalhada com a organização do serviço braçal. Há um ano, senhores, há um ano que está organizado o serviço braçal das freguesias do concelho da Figueira... Que vergonha!...”.

Mas, em Agosto de 1912, já estava terraplenado metade do terreno para a feira. “Custou, mas foi...”.

Depois deste apontamento só em Janeiro de 1918 é que voltamos a ter notícia sobre o assunto. Numa descrição da freguesia de Tavarede, publicada no Anuário Figueirense, refere-se que “todos os domingos aqui se efectua um mercado de porcos”.





Feira de suínos (foto internet)

Até que, em Fevereiro de 1921, temos uma nova notícia: “Na sessão de quarta-feira da Comissão Executiva da Câmara Municipal foi lida uma representação assinada por vários indivíduos da freguesia de Tavarede, pedindo a criação de uma feira de gado bovino, suíno, caprino e azinino e cereais e géneros de várias espécies, a qual deverá realizar-se nos dias 1 de cada mês, no lugar do Senhor da Arieira. A mesma comissão pediu ainda que a feira semanal de gado suíno fôsse transferida para o dia 1 e terceiros domingos de cada mês. A Comissão Executiva deliberou criar a feira, atendendo esta petição”.


Uma feira de gado (foto internet)

Aprovada a petição, a Câmara Municipal fez publicar o seguinte edital: A Comissão Executiva da Câmara Municipal da Figueira da Foz:

“Faz público que em sua sessão de 2 do corrente mês, deliberou criar uma feira mensal no lugar da Arieira, freguesia de Tavarede, deste concelho, que terá lugar nos dias 1º de cada mês, e que constará de gado bovino, vacum, suíno e asinino, além de géneros de todas as qualidades e espécies, quinquilharias, fazendas, etc. Para constar se passou o presente e outros idênticos, que vão ser afixados nos lugares públicos do costume”.

A comissão organizadora marcou, então, o dia 1º. de Maio de 1921 para a inauguração da nova feira. “Inaugura-se no próximo dia 1º de Maio a feira mensal de gados, géneros e fazendas que ultimamente foi criada e que deve realizar-se todos os dias 1 de cada mês, no lugar do Senhor da Arieira, próximo de Tavarede.

Sabemos que a comissão organizadora desta feira está trabalhando com vontade para que no próximo dia 1º de Maio afluam ao Senhor da Arieira avultadas quantidades de géneros alimentícios, gado bovino, caprino, azinino, suíno e outros artigos, como quinquilharias, etc., tudo deixando prever a realização de vantajosas transacções. Procura ainda conseguir que a inauguração da feira seja abrilhantada por uma banda de música”.

Segundo informações obtidas, a feira estava a despertar o maior interesse, prevendo-se que os povos limítrofes iriam acorrer àquele novo mercado para efectuar transacções “sobretudo de cereais e gados”. Esperava-se, aliás, que a nova feira de Tavarede viesse a ser um valioso melhoramento para a freguesia e que muito beneficiaria os povos vizinhos, “pois é de há muito notada a falta de um mercado perto da sede do concelho, onde todos, sem dificuldades nos meios de transporte, façam as suas transacções”.

E a inauguração ocorreu no dia marcado. “Excedeu toda a expectativa a concorrência de gado de todas as espécies e géneros de todas as qualidades que no domingo inaugurou a feira do Senhor da Arieira, em Tavarede.

Além de muito povo, que afluiu dos arredores, não faltou a nota alegre, que foi dada pela filarmónica de Quiaios.


Filarmónica Quiaiense (foto internet)

As transacções, como era natural, foram importantes, tendo aqueles que ali foram negociar constatado as vantagens daquele novo mercado, que poderá vir a ser um dos melhores dos arredores da Figueira.

Felicitamos os seus promotores, que devem continuar as suas diligências para manter os créditos da feira”.

Para a feira seguinte, 1 de Junho, uma nota escreve que “vai realizar-se ao Senhor da Arieira, Tavarede, o mercado mensal inaugurado sob os melhores auspicios o mês passado e que terá lugar sempre no dia 1 de cada mês. As transacções de gado de todas as espécies, cereais, legumes, quinquilharias, etc., então efectuadas, atingiram importância elevada, animando os feirantes a continuarem a ir ali.

Por isso se espera que o mercado de amanhã continue a demonstrar a sua vantagem, dele beneficiando todos – vendedores e compradores”.

Dias depois, tivémos o comentário de que “foi concorridíssimo, sobretudo de gados de todas as espécies, o mercado anteontem realizado ao Senhor da Arieira, Tavarede, avultando as transacções. Congratulamo-nos com o facto, pois achamos vantajoso o desenvolvimento daquela feira nos aros da cidade, para isso trabalhando solicitamente os seus promotores, que continuam a ser dignos de ver bem sucedidos os seus esforços”.

Em finais de Julho surge nova notícia. “No dia 1 de Agosto, segunda-feira, realiza-se ao Senhor da Arieira, Tavarede, a feira mensal que desde Maio ali se vem efectuando com o mais lisonjeiro resultado. O mercado de segunda-feira não deixará de ser por igual concorrido, devendo por isso avultar as transacções.

Mas parece que o entusiasmo despertado estava a adormecer. Esta última feira “esteve pouco animada, fazendo-se transacções quase exclusivamente de gado suíno”.

Não havia dúvidas. O mercado ambicionado e que tanto prometera, não vingou. Vejamos o que nos diz uma notícia de Agosto de 1923:

“Realizou-se mais uma vez, no dia 1 do corrente, a feira mensal de gados, cereais, géneros alimentares, etc. (?), que funciona no Senhor da Arieira, desta localidade, a qual foi inaugurada no dia 1º. de Maio de 1921, ao som de música e foguetes, e a que acorreram todos os lavradores desta freguesia, com os seus gados, para dar mais brilhantismo à referida feira naquele primeiro dia, o que despertou algum entusiasmo nos tavaredenses, por verem naquela iniciativa um engrandecimento para a sua terra.

Mas... como o que é bom acaba depressa, como costuma dizer-se, é certo que nos meses seguintes se transformou apenas em feira de gado suíno, aliás com pouca concorrência, desaparecendo assim quase da ideia de todos a existência da mesma.

Em nossa opinião, diremos que o povo desta freguesia não sabe bem compreender quais os beneficios que advêem daqueles mercados, para o desenvolvimento do comércio e muito em especial da agricultura, pois que, podendo adquirir ao pé da porta o que lhe é necessário, tem de procurar em outras localidades onde também se realizam, o que representa, para ele, grande sacrificio com a sua deslocação; e que, a continuar assim, melhor seria que acabasse de vez a feira mensal, visto haver a semanal, que só consta de gado suino, ou então prestar o seu concurso de forma a dar-lhe um certo incremento, de futuro, para assim chamar farta concorrência que efectue algumas transacções importantes e ao mesmo tempo tornal-a conhecida, o que, decerto, só beneficiará e dará nome a Tavarede”.

Entretanto havia sido decretado o descanso semanal ao domingo. Em Maio de 1929, o correspondente em Tavarede do jornal “O Figueirense” lamentava-se: “os comerciantes de Tavarede, só porque, perto daquela povoação se realiza ao domingo uma pseudo feira de porcos, mercado esse que dura duas ou três horas da manhã, goza o privilégio de se manter aberto todo o domingo, com manifesto prejuízo dos comerciantes da cidade que são obrigados a estar encerrados”. Era sempre um dia de bom negócio, pois os copos de vinho eram muito requisitados...

E acabaram-se as notícias sobre as feiras na nossa terra, primeiro, de gado suíno, aos domingos, depois mais uma feira/mercado no dia 1 de cada mês, e para acabar, novamente semanal, só de porcos.

As Juntas de Freguesia seguintes bem tentaram a sua continuidade. Fizeram-se alguns melhoramentos, como, por exemplo, instalaram um chafariz, com uma bacia, para os animais beberem, mas não resultou. Bem sabemos que as condições não eram as ideais, especialmente higiénicas. E a forma de comercialização e industrialização
tornaram obsoletas e impróprias estas feiras. Mas eram características...

Mas não quero acabar este capítulo sem um comentário. Muitas eram as famílias tavaredenses, sempre de poucos rendimentos e de muito trabalho, que tinham ali o seu “mealheiro”. Compravam um ou dois bácoros acabados de desmamar, tratavam deles durante uns meses e, quando precisavam de realizar algum dinheiro, muitas vezes por causa de doenças, levavam o animal à feira, vendiam-no e voltavam para casa com um novo bácoro, a que se seguia o mesmo percurso. Além deste pecúlio, tinham também o proveito dos estrumes, que eram o adubo utilizado mas pequenas hortas que cultivavam.





O chafariz da feira dos Quatro Caminhos

Duas recordações aqui deixo. Uma, a de que havia então em Tavarede uma sociedade protectora de gado suino (compromisso), na qual, mediante uma quota mensal, garantiam o “seguro” do animal. A outra, é uma palavra de admiração à memória de tantas mulheres tavaredenses, pela sua luta e trabalho com a criação caseira dos porcos. Por conhecimento próprio, não posso deixar de recordar minha mãe e uma vizinha, a senhora Isaura, mulher do saudoso Manuel Lindote, que, diariamente e por vezes de manhã e à tarde, iam à Figueira, com um latão à cabeça (cerca de 20/25 quilos), a casa de famílias conhecidas, que lhes guardavam os restos e sobras de comida e que elas traziam à cabeça em prodígios de equilíbrio. Cito estas duas, como disse, por conhecimento próprio. Mas outras mais faziam o mesmo. De inverno ou de verão, chovesse ou fizesse sol, tinham mesmo de o fazer, para que aquelas sobras se não estragassem.

Que mais não fosse do que por estas singelas recordações, a feira dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro tinha que fazer parte destas histórias. E não me esqueceram ainda os tremoços e as camarinhas que lá se vendiam e que tão bem nos sabiam!...

(continua)

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