terça-feira, 30 de agosto de 2011

Os Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro - 3



A ESCOLA PRIMÁRIA

É muito curioso o facto de, sendo Tavarede sede de concelho, com sua câmara e justiças, por mais de setecentos anos, tenha sido, depois de elevada a Figueira da Foz do Mondego a vila, a última freguesia deste concelho a receber a instalação de uma escola primária oficial.

No ano de 1892 encontrámos a seguinte notícia: "Sendo presente o processo da criação de uma escola mista de ensino primário na freguesia de Tavarede, concelho da Figueira da Foz, enviado a esta comissão pelo sr. governador civil, para os fins designados na portaria de 20 de Setembro de 1892(?), resolveu responder: 1º que não consta do mesmo processo estar satisfeito o disposto no nº 3º do ofício do ministério do reino de 7 de Abril de 1885; 2º que as circunstâncias financeiras daquele município não consentem por enquanto aumento de despesas (sessão da comissão executiva de 22 de Março)".

Não havia dinheiro, portanto não havia escola. Mas já havia muito tempo que se pedia a escola, pois o povo tavaredense sentia a necessidade da instrução. " Desde 1889 que por parte de alguns beneméritos vizinhos de Tavarede se fazem baldados esforços afim de alcançar para a localidade o provimento duma cadeira de instrução primária. Parece incrível que se regateiem aplausos e auxílio a tão útil tentativa. Bastará lembrar, para fazer reconhecer a urgente necessidade da criação daquela cadeira que na freguesia existem, segundo o recenseamento de 1890 e 1891, aproximadamente 600 crianças na idade escolar, e que, ou não frequentam a aula mais próxima (Figueira), ou têm de caminhar diariamente, para isso, mais dos 3 quilómetros regulamentares.

Não podemos, por isso, senão elogiar a actual junta de paróquia, como merecem todas as que, directa ou indirectamente, hão contribuído no mesmo sentido, fazendo votos porque afinal se resolvam a aceder, nas regiões superiores, a de pronto deferir o que há tanto tempo se lhes pede com inegável justiça".

Quer dizer, os tavaredenses, na sua maioria vivendo do seu árduo trabalho na agricultura, não provendo de recursos económicos que lhes permitissem mandar os seus filhos aprender a ler e a escrever na vizinha cidade, e antes necessitando deles para os trabalhos nas suas terras, eram analfabetos e analfabetos ficavam os seus filhos. Para trabalhar com a enxada não era necessário saber ler nem escrever.

Alguns, poucos, com algumas pequenas disponibilidades financeiras lá mandavam os seus filhos à Figueira. Outros, ainda, trabalhando na cidade em qualquer emprego, como trabalhadores braçais, por exemplo, aproveitavam para frequentar a escola depois do trabalho, na escola oficial ou em escolas particulares que então haviam. Eram esses, que aprendiam as primeiras letras que melhor se apercebiam da falta de uma escola em Tavarede e que mais insistiam pela sua criação.

Em Abril de 1895, paroquiava esta paróquia havia pouco tempo, o padre Joaquim da Costa e Silva, que dispunha de grande influência política, chegando a ser, posteriormente, vereador da Câmara Municipal, promoveu mais uma iniciativa para a criação de uma escola de instrução primária para a sua freguesia, "a qual é a única deste concelho que não tem uma escola oficial!". Que se saiba, naquele tempo não existia na terra do limonete nem escola oficial nem particular...

O último recenseamento das crianças em idade escolar atestara que aqui havia mais de 800 crianças "que poderiam receber a benéfica luz da instrução. Nestas condições, têm direito os povos daquela freguesia à instrução dos seus filhos, e por isso é de crer que os esforços do digno pároco de Tavarede sejam coroados do melhor êxito e que o governo atenda aos legítimos interesses daqueles povos, dando-lhes a instrução necessária, sem o que não haverá cidadãos prestantes e úteis".

Até que, em reunião camarária, foi deliberado prover e tomar a seu cargo a casa para a escola mista e de habitação do professor de Tavarede. E, em Março de 1896, "na primeira reunião do conselho superior de instrução pública deve ser aprovada a criação de uma escola mista na freguesia de Tavarede, deste concelho, há tempo requerida pela Câmara Municipal e em harmonia com o decreto de 27 de Junho de 1895", escrevia num jornal figueirense o seu correspondente na nossa terra.

Em Abril de 1896, e depois de se noticiar a próxima publicação no Diário do Governo do decreto para a criação da escola mista em Tavarede, o jornal "O Povo da Figueira" escrevia: "Com um melhoramento importante acaba de ser dotada esta povoação devendo-se a iniciativa dele em primeiro lugar ao reverendo vigário desta freguesia, sr. Joaquim da Costa e Silva, que mostrou mais uma vez o seu interesse por tudo quanto reverte em benefício da sua paróquia; e em segundo lugar ao sr. dr. José dos Santos Pereira Jardim, deputado às cortes, por tomar na devida consideração a petição que para tal fim lhe foi apresentada pelo mesmo reverendo vigário.

Refiro-me à escola mista que em breve vai ser estabelecida nesta localidade, onde as crianças podem receber gratuitamente a luz da instrução.

Os chefes de família que avaliam bem as dificuldades que lhes têm surgido até hoje para a educação intelectual de seus filhos, devem mostrar-se reconhecidos para com aqueles que desinteressadamente pugnam pelos melhoramentos desta terra. São dignos, pois, de todos os encómios o reverendo vigário pela reconhecida boa vontade com que zela os interesses dos seus paroquianos, e o sr. dr. José Jardim pelos esforços que empregou junto ao governo, para em tão pouco espaço de tempo conseguir, lutando com bastantes dificuldades, a criação da mesma escola, instituição esta de grande importância e incontestável utilidade para Tavarede.

Não é esta a nossa terra natal, mas temos aqui o nosso domicílio; por conseguinte sentimos como todos os tavaredenses verdadeiro e natural regozijo quando alguma coisa se faça em prol desta terra.

Foi na segunda-feira passada que o reverendo vigário recebeu do sr. dr. José Jardim, directamente de Lisboa, a notícia de ter sido criada a referida escola; por este motivo, foi aquele sr. cumprimentado à noite pela “Estudantina Recreio Tavaredense”. Afinal, tinha demorado, mas até meteu música...




D. Maria Amália de Carvalho, a primeira professora oficial de Tavarede. (desenho de João Nunes da Silva Proa, exposto na biblioteca da SIT)

No dia 16 de Janeiro de 1897, o corresponde local da "Gazeta da Figueira" informa que "está já funcionando a escola mista de Tavarede, para a qual tinha há tempos sido nomeada professora a srª. D. Maria Amália de Carvalho, inteligente filha do sr. Inácio Pereira de Carvalho. É já quase de 40 o número de crianças matriculadas na referida escola, e por esta frequência se vê a necessidade que havia ali da sua instituição".

Funcionava esta escola numa sala da casa que a Câmara havia alugado no chamado Largo do Forno, que, actualmente, tem o nome daquela ilustre professora. Eram mínimas as condições disponíveis para a escola. "... deliberado arrendar por 20$000 reis a casa onde se acha instalada a escola de ensino de Tavarede, pertencente a João Duarte Silva, devendo principiar a contar-se o arrendamento desta a data da instalação da mesma escola.

Em Abril de 1899, surgia a seguinte notícia: "A srª D. Maria Amália de Carvalho, digna professora da povoação de Tavarede, ofereceu na passada segunda feira – dia da merenda grande – uma soirée familiar, que decorreu animadíssima entre despretensioso convívio, até perto da uma hora da madrugada.



O sr. A. Rodrigues recitou o monólogo em verso “O Terrível”, entre francas gargalhadas, sendo também bastante palmeado o sr. A. Proa nas suas cartas de magia.
Durante o baile esteve tocando, sob a direcção do sr. João Proa, um quinteto que muito agradou. De tarde estivera ali executando algumas músicas a “Troupe Gounod”, sendo-lhe oferecido um abundante copo de água".

Em Julho daquele ano " Pela licença de 30 dias que por motivo de doença foi concedida à exma. srª D. Maria Amália de Carvalho, professora da escola primária desta localidade, fica fechada esta escola até fins de Setembro próximo, pois que ao terminar aquela licença entraremos daí a poucos dias neste mês, que geralmente é feriado para os professores oficiais. Calcule-se por isso o atraso que vão sofrer os numerosos alunos frequentadores da nossa escola, sendo de mais a mais quase todos ainda crianças, e que durante este tempo em que não há aulas vão esquecer tudo o que têm aprendido à custa dos esforços que a sua hábil professora tem empregado para os ilustrar, esforços que são atestados por muitas crianças a quem temos ouvido ler desenvolvidamente. Nada mais justo do que ter-se atendido ao pedido da srª D. Amália de Carvalho, mas também nada mais justo se faria do que nomear-se outra pessoa para a substituir no seu impedimento, obstando-se assim a uma falta que todos são unânimes em apontar. A quem competir rogamos se digne interessar pelo caso".

Mas a escola ficou fechada durante o impedimento da professora. Entretanto, na sociedade recreativa instalada na casa do Terreiro, onde o sr. João José da Costa, da Quinta dos Condados, havia mandado fazer um teatro, o seu herdeiro, João dos Santos, e o dr. Manuel Gomes Cruz, ainda estudante de Direito, em Coimbra, haviam





Dr. Manuel Gomes Cruz – fundador da escola nocturna da Sociedade de Instrução Tavaredense

instalado uma escola nocturna, que passou a ser frequentada por grande número de alunos, tanto adultos como crianças. Enquanto a escola oficial esteve encerrada por quaisquer motivos, muitas das crianças recorriam à escola nocturna. A escola do Terreiro funcionou até ao ano de 1942 e, além dela, também as outras colectividades locais e a Igreja mantiveram, por vários anos, aulas nocturnas de instrução, que retiraram da ignorância muitos analfabetos que, doutra forma, não teriam possibilidades de aprenderem os princípios básicos da instrução primária. Há notícias, também, de alguns particulares que em suas casas e nos tempos disponíveis prestavam, graciosamente, ensinamento aos seus conterrâneos.
No ano seguinte (1930), e no dia da merenda grande, novamente houve festa das crianças. Eis a notícia. " Ontem, ao início da tarde, quis-nos parecer que os nossos vizinhos figueirenses tinham julgado ser dia de S. João cá na parvónia. Por essas estradas além viam-se ranchos e ranchos de pessoas, e aqui na povoação passavam igualmente muitos outros com cestos enfeitados de verdura e flores e recheados de saborosos petiscos, que iam manducar à sombra de árvores dispersas por aí fora. Não era porém dia de S. João, mas sim o da festejada merenda grande, tão suspirado por todos os operários que até Setembro gozam 2 horas de sesta. Tavarede oferecia-nos mais um tom de quem estava em festa, do que a sua aparência habitual de monótona pacatez. Um grande cortejo de meninas e meninos, alunos da nossa escola elementar, conduzindo cestos caprichosamente engrinaldados de flores, percorreram muitas ruas da localidade. À noite a exma. srª. D. Maria Amália de Carvalho, sua inteligente professora, reuniu em sua casa muitas meninas suas discípulas e outras das suas relações, e ali estiveram em animado convívio até perto da meia noite".

Como se observa, nestes dias não eram só as crianças que folgavam. Bem nos recorda quando íamos para o pinhal dos Quatro Caminhos merendar ou, como acontecia com frequência, para a Sinceira, fazenda nos nossos avós, na Chã. E isto já passados muitos anos, pois a tradição manteve-se até cerca da década de 1960/1970.

Mas não era fácil, nem para as crianças nem para a professora. Além disso, a insuficiência da capacidade da escola era enorme relativamente ao número de crianças em idade escolar. É certo que, apesar da obrigatoriedade dos pais mandarem à escola os filhos com idade entre os 6 e os 12 anos, muitos os não faziam. O facto dos filhos lhes fazerem falta nos seus trabalhos de amanho das terras, levava-os a não fazerem caso do estabelecido legalmente. Vejamos, por exemplo, esta nota publicada em Outubro de 1902.

“Lá de quando em vez, de um ou outro jornal, surge-nos um grito de alma generosa implorando que seja cumprida rigorosamente a disposição do ensino obrigatório, que há dezenas de anos faz parte da lei que rege os serviços da instrucção primária em Portugal. Mas esses gritos da imprensa, como muitos outros que solta e são de índole a beneficiar o país e o povo, perdem-se sempre no espírito do leitor, sem que se veja adoptar qualquer medida tendente a melhorar a situação lastimável em que muitas terras se debatem, enxameadas como estão de um avultado número de analfabetos...

Que importa, pois, vir a Gazeta, no seu último número, pedir que a lei se cumpra, e que à sombra dela se obriguem todos os pais a mandar educar os filhos dos 6 aos 12 anos? Sim, de que lhe serve o fazer considerações gemebundas, o falar nas estatísticas que nos apontam milhares e milhares de ignorantes que vivem por esse país além, e o frisar o facto da lei ser calcada e desrespeitada por quem a devia cumprir? Isso nada preocupa os nossos dirigentes, nada abala os funcionários a quem pesa o serviço da instrução pública, e tudo há-de ir caminhando como até hoje, no meio do indiferentismo daqueles que não ouvem os protestos da imprensa e certamente não lêem a disposição da lei sobre o ensino obrigatório – a parte que, na verdade, mais lhes deveria merecer cuidadosa atenção.

Aqui mesmo, na freguesia de Tavarede, apesar de ser das terras onde, há uns anos a esta parte, mais se tem cuidado da instrucção, existem ainda muitas crianças de 6 a 12 anos, completamente analfabetas, e que têm por escola a vadiagem ou o trabalho forçado de um dia inteiro, na serventia de pedreiros, no serviço da agricultura ou em outros misteres rudes a que se dedicam durante toda a existência, sem que ao menos cheguem a conhecer os simples caracteres do Abc. E depois, há ainda pais que, quase por favor, mandam os filhos ou à escola oficial ou à nocturna – que também é gratuita – mas, talvez resultado dos seus obscuros princípios de educação, pouco lhes importa averiguar qual o seu estado de adiantamento, qual o seu comportamento, e, muito especialmente, qual a sua frequência. E, neste desleixo tão condenatório para alguns chefes de família, vão os filhos recebendo uma educação medíocre, quando tenham má frequência ou não obedeçam às imposições dos respectivos professores.

Desde que da parte dos pais não haja o natural cuidado de vigiar a educação dos filhos, e desde que por sua vez não empreguem os esforços para os levar ao bom caminho da escola, é sabido que os resultados da instrucção no nosso meio são sempre improfícuos, e infrutífero o trabalho insano de quem amorosamente se dedica a desenvolver o intelecto desses entes que amanhã serão os nossos homens. Eis porque mais necessário se torna o cumprimento da lei do ensino obrigatório. Muita gente objectará que há crianças pobres que, pelo menos, dos 10 aos 12 anos, bastante auxiliam os pais com o produto do seu labor, e que, obrigá-las a frequentar a escola durante aquele tempo, seria dificultar-lhe ainda mais as tristes condições em que vivem. Ora, se por um lado devemos ter em vista estas considerações, devemos também, acima de tudo, compreender que há o dever moral de educar as crianças convenientemente, para que elas mais tarde, quando raciocinem, não tenham que acusar os pais dessa falta, como por mais de uma vez temos visto fazer.

As escolas oficial e nocturna abriram há dias, e as suas frequências atingem já, na primeira, um número de 29 meninas e 14 rapazes, e na segunda 36 alunos menores e maiores de 12 anos. Como se vê, estes algarismos são bem elucidativos e demonstram claramente o interesse que a instrução vai tendo aqui, o que é caso para nos convencer de que há por cá muitas crianças analfabetas e alguns pais que pouco se preocupam com a educação dos filhos... Simplesmente triste!...”.

Pois, segundo um levantamento feito pelo padre Manuel Vicente e pela professora D. Maria Amália, o número de crianças de 6 a 12 anos, existentes na freguesia, era de 252.

Concluia-se, portanto, que uma escola mista e uma só professora, era insuficiente para as necessidades da freguesia. E foi baseado nos elementos acima, que a Junta da Paróquia de Tavarede resolveu enviar uma petição ao inspector de Instrução Primária do distrito de Coimbra, solicitando a criação de uma escola primária para o sexo masculino na freguesia. Os meses foram passando, o número de crianças em idade escolar aumentava, mas nem resposta receberam à petição.

Em Agosto de 1903, o sub-inspector de instrução primária no círculo da Figueira, fez distribuir, pelos presidentes das comissões recenseadoras de cada freguesia, uma circular onde se podia ler: “... combater o analfabetismo existente no nosso meio social é um dos principais fins da nova lei de instrução primária... … para consecução deste fim nobilíssimo entendeu o legislador ser necessária a obrigatoriedade do ensino primário...”. Logo se pensou que, para cumprimento da lei, Tavarede iria ver atendida a sua pretensão de mais uma escola.

Mas passados uns meses, surge, em Abril de 1904, nova notícia sobre o assunto. “A Câmara Municipal da Figueira, respondendo a um ofício em que o sub-inspector da 2ª circunscrição escolar lhe solicitava o seu parecer sobre a criação de uma escola para o sexo masculino em Tavarede e conversão da escola mista existente em escola do sexo feminino, conforme o pedido feito há tempo pela junta de paróquia desta freguesia, diz que não concorda com o pedido dessa junta. Acreditem os senhores vereadores que não nos surpreendeu a sua resolução. Dizemo-lo com sinceridade. Profetisámo-la sempre, desde que começámos a tratar do assunto, apesar de ser de todo o ponto justo um favorável deferimento.

Não está na nossa índole ferir ninguém nem levantar discussões que disponham mal os ânimos – seja contra quem for; por isso não queremos servir-nos da imprensa para dizer o muito a que o assunto se presta. A câmara não concorda com a conversão da escola mista em escola do sexo feminino e com a criação de uma escola para o sexo masculino. Está no seu direito, assim como nós estamos no direito de não concordar com a sua resolução, que achamos de um verdadeiro contrasenso...”

Foram muitas as reacções a esta posição camarária. Só transcrevemos uma para exemplo: “Numa carta da Figueira para o nosso colega de Coimbra, o Tribuno Popular, lemos o seguinte a propósito da criação da escola para Tavarede: “Um nosso amigo, de quem respeitamos a anonimato, publicou há dias num bi-semanário da terra um artigo que muito apreciámos, verberando violentamente o inqualificável procedimento da câmara, que tem a audácia de dizer que não concorda com o estabelecimento duma escola primária em Tavarede, onde há uma única professora de ensino misto, a mais das vezes doente, sem forças para os encargos que exige a educação de tantos necessitados do pão do espírito, como abundam naquele lugar. É revoltante que a câmara, tendo à sua frente um homem que se diz ilustrado, nos saia cinicamente a dizer sem justificação alguma, ex cathedra, que – não concorda com a fundação duma escola que se impõe inadiável, quando tanto dinheiro se desperdiça em inutilidades! Magister dixit!”

Os anos foram rolando, mas, a respeito de nova escola, não se falava. De vez em quanto uma ou outra notícia lembrava o facto, mas as entidades oficiais continuavam surdos a estas notícias.

Em Março de 1911, a professora D. Maria Amália de Carvalho foi promovida à 1ª. Classe. “São relevantes os serviços que esta freguesia lhe deve pela assiduidade e interesse que toma pelo desenvolvimento dos seus alunos”.

Finalmente, em Março de 1913, o Governo Civil “mandou fazer ciente à junta de paróquia de Tavarede de que, sem perda de tempo, elabore uma representação ao ministério do interior, pela direcção geral da instrução primária, indicando qual o plano do edifício escolar que pretende construir para os dois sexos, local, etc., em Tavarede”. Mas, já então, as coisas andavam muito de vagar. Passados dois anos, a Câmara resolve perguntar ao Inspector escolar se pode ser nomeado um professor para reger a cadeira mista de Tavarede e, no caso negativo, se esta escola poderá ser dividida, lecionando então um professor as crianças do sexo masculino”. Mas, quanto ao novo edifício, nada.

Entretanto, e como a professora D. Maria Amália fora transferida, a Câmara nomeou professora da escola mista de Tavarede a senhora D. Maria José Martins dos Santos. Em Agosto de 1915, um leitor interessado, escreveu a um jornal figueirense uma carta, onde, entre outros casos, apresentava este: “= É triste... A nossa terra, que é bastante populosa, tem uma escola mista que nem o maior esforço duma professora pode bem reger em vitude das circunstâncias de frequência. Entendamo-nos! Não é – saibam-no todos! – qualquer insinuação que queiramos arremessar á ilustrada professora. Pelo contrário: s.exª é bastante digna e competente, mas o trabalho é que é demasiado para uma senhora. Queremos com isto afirmar que se torna necessário o desdobramento da escola mista para satisfazer assim a aspiração dos tavaredenses. E depois há mais: temos a residência onde a professora vive e administra a instrução às crianças que é imprópria, principalmente no inverno, para habitação e em especial para casa escolar! Faça se um edifício próprio – Tavarede também paga contribuições ao Estado!”.

Até que, em Abril de 1916, a desejada notícia chegou. “ A nossa linda e querida terra, segundo nos dizem, vai ter em breve um edificio escolar, pois que o governo da República acaba de contemplá-la com um subsidio e as dignas Câmara Municipal e Junta de Paróquia auxiliarão o possível na sua construcção. Tavarede já há muitos anos vinha reclamando por este melhoramento importante, não só porque é uma freguesia onde a frequência escolar é bastante numerosa, mas também, e muito principalmente, porque a casa onde tem funcionado a escola é imprópria de servir, tanto para o ensino de crianças, que merecem todos os cuidados de higiene, como para a professora ali residente que tem estado à mercê do mau tempo e de qualquer doença grave.

A construção de um edifício escolar na nossa terra é uma necessidade e que de direito lhe pertence, porque Tavarede tem sido bastante esquecida pelos governantes que apenas desta aldeia se têm lembrado quando a máquina eleitoral principia a funcionar, e mesmo este povo laborioso – como todos os povos já beneficiados – paga contribuições (e não são tão pequenas como isso...), e cumpre fielmente os seus direitos a que as leis o obriga. O nosso regozijo é grande por ter chegado o dia de fazer-se justiça ao povo desta humilde freguesia! Foi tarde; mas nem por isso devemos deixar de nos sentir regozijados, porque pugnámos sempre desde que na Gazeta escrevemos, por este melhoramento que é sem dúvida um alto benefício para a nossa pobre terra.

Aproveitamos a ocasião de discordar em absoluto pela escolha do local onde se tenciona fazer a construção do edificio. Já uma vez, conversando com o ilustre membro da Câmara Municipal e nosso amigo sr. José da Silva Fonseca, manifestámos o nosso descontentamento, porque falava-se então já em o edificio escolar ser feito num terreno húmido junto ao pequeno largo da igreja, terreno impróprio para qualquer casa, especialmente por causa da época invernosa e dissemos a s.exª que o melhor local era os terrenos junto á estrada que vai do largo do Terreiro ao Peso, porque ali ficava bem situada, segundo opiniões autorizadas, pelas condições higiénicas, pelo terreno magnifico e suficiente para se construir uma boa escola com um vasto jardim, com todos os requisitos que a escola moderna exige, e como também, daquele ponto, se goza um panorama soberbo e deslumbrante.

Já não sucede tanto com o terreno que me dizem querer escolher para esse fim, pois que é insuficiente em tudo: - não serve, já pela sua pequenez, para construir um edificio próprio para uma escola com um jardim e parque de recreio e é bastante húmido, com um ribeiro próximo onde fazem despejos de imundícies e sem qualquer condição digna de ser recomendado. Mais uma vez apresentamos a nossa opinião como dedicado pugnador deste melhoramento e oxalá que quem a seu cargo tem a escolha do terreno pondere bem para que se faça uma obra proveitosa digna do fim a que se destina. Assim o desejamos”.

Começou nova polémica, a escolha do local para a construção. Mas logo o abastado capitalista Manuel da Silva Jordão, morador nos Carritos, ofereceu a quantia de 50$00 para a compra do terreno. E a Junta da Paróquia resolveu que a escola não seria feita no caminho do Peso, nem no Largo da Igreja. Iria, sim, para o Senhor do Arieiro. E a Câmara aprovou o orçamento de 1.030$00 para a execução da obra. Continuavam uns a insistir no caminho do Pezo como o sitio ideal. Mas a Junta da Paróquia, respondendo à Câmara, insistiu no Senhor do Arieiro, porque “os carretos estavam caros, e alí, por estar perto do forno da telha e do tijolo, ficaria mais económico o fornecimento duma e doutro para a obra!...”.

Vieram cá os responsáveis camarários pela obra para tratar da escolha do lugar. Concordaram que a escola ficava melhor situada no caminho do Pezo. O sr. João dos Santos, por sinal o proprietário deste terreno, ofereceu 100$00 (que a Câmara lhe devia) para a obra. Mas, estava decidido. A escola seria construída ao Senhor do Arieiro. E, em Março de 1917, principiaram a abrir os respectivos alicerces. Convém dizer que a Junta da Paróquia também havia ponderado fazer o edifício na Chã, nuns baldios que ali haviam. Surgiram novas reclamações, pois o local escolhido em definitivo, em vez de ficar num local mais ou menos central, ficava mais distante, o que prejudicava os alunos. “às crianças dos lugares mais distantes fica vedada a instrução durante a maior parte do inverno, pois não é com o mau tempo que elas se hão-de meter ao caminho, muitas das vezes mal agasalhadas e pior alimentadas”.

Mas, passados dois meses, as obras pararam. “Estará a Câmara já arrependida de fazer ali a escola, de cometer tão grande asneira?”. Mas as obras lá prosseguiram. Em Outubro de 1917 o correspondente local de um periódico diz “já vejo a telhagem quase completa, demais a mais de telha lá de cima, da fábrica da Pampilhosa, daquela telha amarelinha... É caro, mas... é outro asseio”. Então a fábrica do Senhor do Arieiro não era mais perto? Entretanto, mais um ano escolar começava a funcionar na velha escola do Largo do Forno.

O edifício foi aprovado em Dezembro daquele ano. Mas, em Abril seguinte, ainda faltavam os acabamentos, por falta de verba. Passado um ano o edifício começava a degradar-se, especialmente o telhado, ao qual o temporal havia arrancado algumas telhas, passando a chover dentro do edifício. Em Abril de 1919, a Câmara oficiou ao inspector escolar para que, junto do ministério respectivo, consiga o desdobramento da escola mista. E neste mesmo mês, foi criada, nos Carritos, uma escola para o sexo feminino.

A escola continuava fechada, para as crianças, mas “é tal o abandono a que foi votado o interminável edifício da nova escola que ao domingo os negociantes de gado suíno, à medida que o vão comprando na feira que ali próximo se realiza, espetam com os inocentinhos... na escola!!”. Mas, em Novembro de 1920, “Está, finalmente, funcionando no novo edifício a escola mista desta localidade. O novo edifício não está ainda completamente concluído, faltando-lhe a escadaria da entrada principal, bem como a vedação e retretes. Todavia, atendendo a que a casa onde a escola funcionava, que era alugada, precisa grande reparação, pois tem o telhado quase a abater, foi um óptimo serviço conseguir-se que no corrente ano lectivo a escola começasse funcionando no novo edifício.

Foto actual do edifício da escola primária

É justo que se diga que para isso muito contribuiu o vereador da Câmara e nosso amigo sr. João dos Santos, que não largou o assunto de mão sem o ver resolvido, sendo também para louvar a boa vontade dos membros da Junta de Freguesia, que se não pouparam a esforços. O estado do material escolar, mobilia, etc., é verdadeiramente lastimável. Não será fácil encontrar em qualquer outra escola do concelho miséria maior! Porque é uma autêntica miséria! Chamamos para o caso a atenção da digna junta escolar”. Registe-se que, em reunião da Câmara, o presidente (dr. Cerqueira da Rocha) oferece os seus vencimentos como administrador do concelho, para serem entregues ao vereador (João dos Santos) com o fim de adquirir material escolar para a escola de Tavarede.

Vai longa a história da escola primária sita aos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro. E muito ainda haveria a contar mas já chega. A escola começou a funcionar e lá se mantém. Por quanto tempo mais é que não sei.


Mais uma foto da escola actual

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