sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Operetas em Tavarede - 30

         Lembram-se a graça com que nos foi mostrado o velho costume das visitas feitas às amigas, à tardinha? Conversava-se e, depois, vinha a merenda: papas ou arroz com leite. E p’rás comer?

Coro -               
P’ràs amigas visitar
            Nós saímos à tardinha,
            Levando nesta bolsinha
            Que nunca deve faltar
            No arranjo da mulher,
            Uma jóia preciosa
            Que é alfaia graciosa:
             - Uma colher. (tiram a colher da bolsa que levam no braço)

            A meio da conversa vem merenda
            Que o bom costume manda que se aceite:
            Doces papas, o bom arroz com leite.
            E p’ràs papas comer vem esta prenda,
            De prata ou doutro metal qualquer:
            - Uma colher.

         Mas o nosso saudoso Mestre, nunca foi maçador nas suas lições. De maneira fácil e acessível ia-nos ensinando. Conhecedor profundo do passado da sua terra natal, tinha especial admiração e carinho para com aquela figura que foi verdadeiro símbolo tavaredense, “o cavador”. Prestava sempre a sua incondicionável homenagem à luta heróica dos humildes e esforçados trabalhadores rurais. Parece-nos estar a ver surgir em cena a veneranda figura do amador António Graça, cabeça toda branca de neve, alquebrado pela idade mas endireitando o seu esguio corpo, naquele verdadeiro exemplo de amor ao trabalho honrado. Falava, então, a Frei Manuel de Santa Clara.

         Ti João da Quinta – “Apesar de velho e criado na vida da terra, entendo as coisas. Nem todos hão-de ser cavadores, nem todos hão-de ser artistas. O que é preciso é que todos trabalhem! Mas custa-me ouvir dizer que têm vergonha da enxada. Porquê? A enxada não deve ser vergonha p’ra ninguém! Eu gostava que o cavador pudesse andar par a par com os outros, soubesse ler e escrever, que não passasse as noites na taberna, que vestisse o seu fato lavado e puzesse a sua gravata ao domingo... Alguns, é verdade, não têm fato lavado p’ra vestir... Quando mal se ganha p’rá broa... E trabalham, trabalha o homem e a mulher! É vê-los por aí, sempre em cima das terras, numa labuta de matar, - e às vezes nem com a ajuda do que se vende no mercado se ajuntou p’ra pagar a renda... Sim, bem sei que dizem que a vida do campo é agradável e bela. Estar em contacto com a natureza, ver os campos reverdecerem, aspirar o perfume da primavera nas árvores em flor... Bem sei, bem sei que é assim que os que não vivem da terra e da enxada falam da vida do campo... Mas a vida do campo não é só a primavera florida!... São os estios ardentes, em que uma pessoa torra debaixo da brasa do sol; são os frios e as chuvas do inverno, invernos muito compridos, em que a enxada está parada semanas e semanas e a mulher e os filhos querem comer todos os dias...
         Aos que mourejam com a enxada, era preciso que a enxada lhes desse o necessário para viver e criar a família. E ser honrado! Quando se tem o que é preciso, ser honrado não custa. Mas não negar o corpo ao trabalho, aguentar o sol e o frio – e não ter com que vestir os filhos e mandá-los à escola; ver a doença em casa, e não haver com que pagar médico e botica e andar a pedir por caridade uma cama no hospital – assim é que custa ser honrado! Mas é preciso ser honrado mesmo assim!”.

         Era sempre sob uma trovoada de aplausos que o velho António Graça, atirando com a enxada para o ombro, se despedia e dispunha a sair de cena... A enxada!... A sua fiel companheira de toda a vida, como ele dizia. A enxada, o verdadeiro brasão da terra do limonete. 



        A sesta – final 2º. acto - Chá de Limonete

 Enxada -          
Brasão de Tavarede? Indecifrável
Continua nas siglas mist’riosas...
Gente que lida em fainas trabalhosas
A terra mãe, fecunda e amorável,
Outro brasão é o seu:
Esse brasão sou eu,
- A Enxada -
Brasão humilde em cuja singeleza
Está gravada
Esta nobreza:
- Cavar a terra e tirar dela o pão.
Ó cavador ingénuo, ó bom aldeão,
Eu sou a tua companheira amada,
Sou a enxada
Que levas ao teu ombro alegremente,
- Luz que alumia a tua longa estrada,
Sombra a seguir-te carinhosamente
Desde o berço à cova.
Contigo eu rio e canto a alegre trova
Da sementeira.
E sem canseira
Ao alto erguida em tuas mãos calosas,
Doira-me o sol o ferro cintilante
Que, fecundante,
Revolve a terra em ânsias amorosas.
Mas, se me alegro quando tens fartura,
Choro contigo a tua desventura,
- Ó cavador! -
Se a avara terra te nega o pão
E ao teu lar só mandou desolação
Miséria e dor!...

Mas é preciso renovar a luta,
E outra vez erguer de novo a enxada
Para a labuta.
Recomeçar a vida começada,
Levando na alma um cântico de esp’rança
 - Um hino de saúde e de abastança.

(Transição. Olhando os trabalhadores que dormem)

E dormem inda, coitados!
Na sacha toda a manhã,
Sobre os milharais vergados,
Não lhes é a sesta vã...
Eh! Vá riba! Levantar!...
Então não querem ver esta?!
Vede o sol onde já vai...
Passou a hora da sesta...

(Falando para fora)

Maria do Saltadoiro,
- Maria da desventura,
Mãos de prata e alma de oiro! -
A sesta vai acabada...
Arruma a tua costura,
Troca o dedal p’la enxada...

(Para os que estão em cena, e vão acordando)

Muito vos custa acordar!...
Acima, rapaziada!
São horas de ir trabalhar...

(Vão-se erguendo a pouco e pouco os trabalhadores. Com a música, a figura da Enxada desaparece)

Um Homem - (Cantando)  
Eh! pessoal! Vá lá a ver!...
            Bem custa... mas tem de ser...

Outro Homem -  
Stá o sol mais brando agora...
Eh! gentes! Vamos embora!...

Uma Rapariga
Que pena acordar
            Assim de repente,
            Quando tão contente
            Eu ‘stava a sonhar!...

            Sonhei que uma fada
            Que lá do céu vinha
            Quebrou-me a enxada
            E fez-me Rainha!

         E em meigo falar

             A fada me diz:

        - Viverás feliz
         Sem mais trabalhar!

Coro -  
Ora vejam a pobre cachopinha,
            Que é cavadora e cuida que é rainha!

Um Homem -            
Sonhar, é p’ra quem tem vagar p’ra isso...
            Pegar na enxada, e ala p’ró serviço!

Coro -  
Já o sol vai a descer...
            São horas, vamos à lida,
            Trabalhar até morrer
            É a lei da nossa vida!
            É muito certo o rifão
            Que nos diz: - Semeia e cria.
            Assim não faltará pão
            Nem faltará alegria...


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