sábado, 20 de setembro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 94

         Em Fevereiro de 1967, nova visita à Marinha Grande. Integrado nas comemorações do 44º aniversário do Sport Operário Marinhense tivemos no dia 18 uma noite de teatro, pelo prestigiado grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Uma vez convidados de honra do S.O.M. – que merece os nossos aplausos por tão louvável iniciativa – e consequentemente da Marinha Grande, pois é com imenso agrado que registamos a visita de tão exemplar sociedade cultural, o Grupo Cénico de Tavarede, cuja direcção artística é da competência do sr. José da Silva Ribeiro, veterano nos segredos da arte de Talma, levou à cena no palco do Teatro Stephens a “revolucionária" peça denominada “O Processo de Jesus”.       Este original, sabiamente interpretado pelos componentes do grupo de Tavarede (que nos deram uma grande lição na arte de representar), é da autoria do famoso dramaturgo italiano Diego Fabri e pode considerar-se uma autêntica peça renovadora do teatro moderno. De facto, Diego Fabri, no “Processo de Jesus” coloca-nos perante um dilema enormemente difícil de compreender, pleno de actualidade, onde todos parecem ter razão. Depois a agitação da peça é de tal calibre, as verdades são tão evidentes, que tudo faz estremecer o mais pacífico de coração. Aliás, segundo nos parece, este facto foi evidente.
         É que, Diego Fabri, o inovador do Teatro Italiano, apresenta a sua tese de um modo invulgar – um à guisa de julgamento, sendo o rei, nada mais nada menos, do que o próprio Cristo. Eis, pois, um pormenor ousado. Cristo como réu! É porque não? A temática em causa é de tal ordem que mais parece vermos todo o século XX a julgar o “Rabi Nazareno”, o Salvador do Mundo. Isto, não obstante os factos apresentados pelos (personagens) contemporâneos Dele – os apóstolos Pedro, Tiago e (o bom patriota) Judas. Depois a “pecadora” Madalena, Lázaro, Caifás e Pilatos.
         Com efeito, estes personagens apresentam cada um o seu depoimento perante o tribunal de um modo extraordinário, segundo a ideologia de cada um, quer política, quer religiosa, e por isso mesmo lógica.
         O debate deu-se de tal forma que, até ao fim do primeiro acto, tudo nos levava a crer que a “condenação” de Cristo seria (de novo) evidente! Realmente, sob o ponto de vista judiciário tudo nos indicava esse caminho.
         Entretanto, no segundo acto, a agitação continuou e até mais intensiva. Mas Diego Fabri apresenta desta vez o “humanismo” a falar. De súbito oferece uma surpresa. Positiva. Lógica. Actual. Para além dos meandros do tribunal – juizes e testemunhas – surge o “público” com o seu ponto de vista, não baseado em argumentos judiciários mas sim no real que a vida nos proporciona no dia a dia. 
         Estabelece-se assim um diálogo dificílimo. Agitador. Comunicativo. Pleno de temática. Arrebatador. Na “plateia” havia uma atmosfera de suspense. Quem teria razão? O personagem “Padre”em pleno desacordo ora com o “Intelectual” ora com o “jornalista”... A “Ruiva” que se considerava uma “espécie” de Madalena não podia concordar com o ponto de vista do “Intelectual”, além de que Cristo era para ela a única salvação?... O “Filho Pródigo” ou o “cego”? Quem teria, de facto, razão se todos tinham algo a dizer?...
         Muito embora este diálogo fosse de um despertar de consciência arrepiante, inquietador, a verdade é que em virtude da inesperada (mas muito sábia) entrada de “A velhinha”, nova personagem quiçá a maior, há um período de bonança, de tranquilidade íntima dadas as palavras que “A velhinha” profere.
         Personificando uma mãe a quem fuzilaram o filho por razões que ela ignorava e, por consequência, se encontrava autenticamente só, mas infinitamente esperançada no “além”, onde sentiu o seu filho, e dotada de uma sincera e profunda fé, a velhinha surgiu no tribunal a fim de solicitar ao mesmo que não condenasse Jesus, enfim, a dar-nos uma verdadeira lição e mãe... A peça teria atingido aqui o seu maior apogeu. Dir-se-ia que era impossível chegar mais longe. De tal forma que até o próprio acusador público, no personagem “David”, acabou por se “render” e cair nos braços enternecedores de “A velhinha”.
         Com efeito, Cristo, acabou por não ser julgado judicialmente. Mas sim “classificado” pelos factos reais da vida humana personificada, no “público”, em síntese, pelo fervor e incomensuridade da fé...
         Tivemos, pois, uma magnifica Noite de Teatro. Só é pena que seja tão raramente quando afinal o nosso público, com consciência ou sem ela, com maior ou menor grau de capacidade, começa a estar presente nestas (educativas) Noites de Ribalta.
         Quanto à actuação do Grupo de Tavarede, uma palavra apenas: foi primorosa! Bom, meio século de teatro é muito. É sinónimo de longa aprendizagem. Há muito saber nos seus componentes. Os nossos aplausos, portanto, à Sociedade de Tavarede, mormente ao sr. José da Silva Ribeiro, a pedra básica deste grupo – homem dotado de uma extraordinária perseverança e que desde há longos anos vem dirigindo o Grupo Cénico de Tavarede como só ele sabe.
         Para quando nova noite de Teatro com o elenco de Tavarede? Oxalá seja breve...
          Inaugurada em 1961, a sala de espectáculos da SIT festejou os seis anos do novo palco, com uma nova comédia de Molière. Tal acontecimento mereceu o seguinte comentário: A Sociedade de Instrução Tavaredense, a popular SIT, de Tavarede, distinguiu-se sempre pelo seu amor ao teatro, a par de outras actividades importantes (nas suas salas chegou a funcionar uma escola nocturna onde se cuidava da educação dos seus associados. De roupagem diferente essa escola mantém-se: é ou não verdade que os tavaredenses participam do ensino adquirindo cultura através do teatro?! E não só os tavaredenses.
         Em 16 de Dezembro de 1961, com a estreia da sala de espectáculos, em edifício construído com o esforço e a dedicação dos seus associados e amigos e com o valioso subsídio que lhe foi concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian, a SIT ligou-se ainda mais ao teatro.
         E melhor peça não podia ter sido escolhida para momento tão feliz: com "Chá de Limonete" prestava-se homenagem a Tavarede: falava-se de factos, de episódios, de figuras, de costumes, de paixões, de grandezas e de misérias, de belezas naturais e de fealdades humanas que são a história e a lenda, a etnografia e o folclore - que são a vida daquela aldeia velhinha, porque tudo isto sugere "Chá de Limonete"; porque isso bem o viu - e escreveu - o autor no prefácio da peça; porque esse autor - José Ribeiro, extraordinário homem de teatro - atingiu os seus fins manifestados de dar um testemunho da sua dedicação à terra humilde onde nasceu e tem vivido, ficando "Chá de Limonete" como hino ao trabalho rural e também como afirmação da simpatia que vota e da solidariedade que o liga aos homens da enxada da sua aldeia, incessantemente cavando o amargo pão de cada dia em terras que não são suas.
         Evocar o ensaiador do grupo cénico de Tavarede é descabido. A sua acção permanente da SIT tem sido notável, como notável tem sido o seu permanente apoio a todas as direcções, as quais contam com a colaboração do distinto ensaiador e dos elementos do grupo cénico para poder levar por diante uma actividade inegável no capítulo da cultura e da educação popular.
         Nos seis anos que vão agora completar-se, o grupo cénico representou: GIL VICENTE: Monólogo do Vaqueiro, Pranto da Maria Parda, Farsa do Velho da Horta, D. Duardos, Auto da Barca do Inferno, Auto da Feira e Fragmentos do Auto Pastoril Português, Romagem de Agravados, e Breve Sumário da História de Deus; ALMEIDA GARRETT: Frei Luís de Sousa; VASCO DE MENDONÇA ALVES: A Conspiradora; LUÍS FRANCISCO REBELO: O Dia Seguinte; ALLAN LANGDON MARTIN: O Fim do Caminho; SHAKESPEARE: Romeu e Julieta; SIGFREDO GORDON: Omara; MOLIÉRE: As artimanhas de Scapino; PIRANDELLO: Para Cada Um Sua Verdade; DIEGO FABRI: O Processo de Jesus; ARTUR MILLER: Todos Eram Meus Filhos. A primeira representação do novo teatro fez-se com a peça de carácter local Terra do Limonete, que teve a sua estreia em 16 de Dezembro de 1961 e deu 33 representações na sede.
         O número total de representações na sede, com as obras mencionadas e durante este período de 6 anos, foi de 80; e fora da sede, a favor de instituições de beneficência ou de actividade inegável no capítulo utilidade pública, o número de representações foi de 24.
         A Sociedade de Instrução Tavaredense fez a comemoração do centenário de Gil Vicente com um programa vicentino que representou em Tavarede e na Figueira da Foz e associou-se à comemoração do centenário de Shakespeare em Portugal, da iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, representando Romeu e Julieta; assinalou o Dia Mundial de Teatro com um espectáculo na Figueira da Foz oferecido ao público pela Biblioteca Pública Municipal, em 27 de Março de 1963 e assinalou o mês o Dia Mundial de Teatro em 1966 com uma Conversa sobre Teatro na qual intervieram alguns assistentes; elaborou uma Noite de Teatro Português para os congressistas das Jornadas Médicas da Figueira da Foz, com o seguinte programa: Teatro Vicentino: Visitação e Pranto da Maria Parda; Teatro Romântico: 2º. acto de Frei Luis de Sousa; Teatro Moderno: O Dia Seguinte.

         E é com o novo programa agora em ensaios - "O Médico à Força", de Molière - que a Sociedade de Instrução Tavaredense completa seis anos de actividade intensa utilizando o seu novo e belo teatro.

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