segunda-feira, 4 de julho de 2011

De Casa de Cultura a... Taberna! (9)

(continuação)

Casa do Povo ou Loja do Povo?!


Vamos, então, elaborar o terceiro capítulo da história que estamos narrando e que irá terminar com o desaparecimento, para sempre, da casa do pai do “velho Capitão Águas”, por onde passaram tantas festas esplêndidas, noites gloriosas para a cultura do povo tavaredense e que, ingloriamente, acabou por ruír, surgindo em seu lugar um moderno, para a época, estabelecimento de “mercearias e vinhos”.


Acompanhámos o fim do teatro do Grupo Musical. Seguimos atentamente o desenrolar polémico da acção evangelizadora do padre Cruz Diniz e o surgimento e queda do Grémio Educativo. Continuemos...


Sob o título “Incoerências”, o jornal “O Figueirense”, de 22 de Outubro de 1938, publicou a seguinte local:

“O último número do semanário da Figueira da Foz “O Dever” publica um interessante e oportuno artigo anónimo sobre “tabernas” com que estamos inteiramente de acordo, dada a boa doutrina que defende.


Nele se classifica a taberna de enorme desgraça individual e social e “o maior foco de infecção social”, o que ninguém se atreverá a contestar.


O pior é que, noutro local do mesmo número, se considera acertada a resolução dum proprietário, vendendo, para instalação duma taberna, a casa que possuía em Tavarede - Figueira da Foz - outrora sede duma associação católica.


Afinal, é bico ou cabeça?


Sem comentários...”

"O que o nosso presado colega não sabe é que a propriedade do prédio em referência era pertença dum alto dignitário eclesiástico e a sua resolução é tanto mais para deplorar quanto é certo que a venda do prédio foi feita sonegadamente, depois de prometido á Comissão Organizadora para instalação da Casa do Povo de Tavarede”.

Vê-se, portanto, que entretanto tinha sido organizada uma comissão para instalar em Tavarede uma Casa do Povo, um dos organismos corporativos que o regime ditatorial espalhou abundantemente pelo país, argumentando casas de cultura e recreio populares mas, efectivamente, com o objectivo de propaganda à sua ideologia política.


Para nos situarmos na questão lembraremos que a casa onde ultimamente estivera instalado o Grémio Educativo pertencia a uma empresa de Coimbra, denominada “Predial Económica”. Esta, por sua vez, era pertença da diocese coimbrã.


A já referida comissão organizadora pensou que era uma óptima solução para aquele edifício a sua adaptação a Casa do Povo. Iremos ver, mais adiante, as iniciativas tomadas e qual o resultado.


Optamos, no entanto, por seguir cronologicamente a data da publicação dos artigos polémicos, nos jornais “O Figueirense” e “O Dever”, e que se iniciou com a local acima transcrita.


Dias depois, a 28 do mesmo mês, “O Dever” trazia, na correspondência de Tavarede, o recorte:


“Segundo nos consta e é voz corrente o Governo vai entregar à comissão organizadora da “Casa do Povo” de Tavarede, a quantia de trinta ou trinta e cinco contos para a construção da “Casa do Povo” de Tavarede, em local apropriado, pois que a casa que foi sede do Grémio não foi achada em condições, não só por se ter reconhecido pequena, mas por estar muito deteriorada.


Tal é o que ouvimos dizer.


A ser verdade, achamos acertada ideia pois pode orientar-se consoante uma planta adequada ao funcionamento de tais agremiações.


Afinal temos de felicitar-nos por a casa do “Grémio” ter sido vendida, sem o que não teríamos um edifício novo para a “Casa do Povo”, e que foi apenas leviandade o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda”.

Começou, então, a polémica. A comissão organizadora da Casa do Povo de Tavarede responde, terminando o seu ofício com a frase que ficou bem conhecida “A BEM DA NAÇÃO”.


É claro que “O Dever” não se ficou com a resposta. E, então, vá de comentar a mesma.

“Para rectificação da notícia publicada no nosso número passado, sobre a “Casa do Povo”, de Tavarede, em correspondência daquela localidade, recebemos a carta que segue:

“Exmo. Senhor Director de “O Dever”

Em correspondência de Tavarede publica o nº. 469 de “O Dever” uma notícia sobre a criação da Casa do Povo desta fréguesia que por conter informações inexactas nos permitimos rectificar, para evitar confusões.


Não é exacto que o Governo tenha tomado qualquer resolução, provisória ou definitiva, sobre a verba a entregar à Comissão Organizadora para construção, em local próprio, da futura sede daquele organismo corporativo.


Também não tem o menor fundamento que a chamada casa do Grémio, que a Comissão se propunha adquirir contraíndo para isso um empréstimo particular, fôsse reprovada por ser pequena e estar deteriorada. Pelo contrário foi e continua a ser considerada a que reune as melhores condições de adaptação e ampliação (quando necessária) de todos os prédios existentes nesta povoação.


Seria, além disso, ingenuidade supôr que com 30 ou 35 contos (que se não sabe se virão) obteríamos um prédio novo, maior, e em melhores circunstâncias.


Nada se sabe de positivo sobre o caminho a seguir, pelo que são extemporâneas quaisquer afirmações a tal respeito.


O autor da notícia melhor faria apresentando-se à Comissão Organizadora para colher afirmações seguras e bem assim enfileirar decididamente ao lado dos seus já numerosos componentes para ajudar a vencer dificuldades que pessoas menos escrupulosas lhe tem procurado criar nas próprias esferas oficiais.

A BEM DA NAÇÂO
Pel’A Comissão Organizadora
António da Silva Fonseca “

Da carta a que gostosamente damos publicidade, sem que nos tenha sido pedida, vê-se que a nossa correspondência não foi lida com atenção.


Nela não há nenhuma afirmação inexacta porque a única afirmação que fez é que corria a informação descrita, que apresenta e comenta sob uma condicional - e é verdade que a tal informação andava de boca em boca.


O que o sr. António da Silva Fonseca deve ter querido dizer é que o dito registado na nossa correspondência não passa dum boato destituído de fundamento.


Desta forma a sua carta destina-se, não rectificar a nossa correspondência, que é exacta, mas o boato que ela regista.


Embora não tenhamos nada com isso, é ainda com prazer que prestamos à Comissão Organizadora da “Casa do Povo” de Tavarede o insignificante serviço de desfazer o referido boato.


Como a carta se alarga em considerações que o público vai apreciar, julgamos do nosso dever fazer alguns reparos.


a) Diz-se nela que a Comissão Organizadora da “Casa do Povo” se propunha adquirir a chamada Casa do Grémio, considerada ainda a que reúne...


Mas porque não comprou?


Desde que sugerimos a fundação da “Casa do Povo” de Tavarede - fomos nós da ideia - até à venda da casa do Grémio, decorreram muitos meses.


Desde que a Junta de Freguesia e muitas outras pessoas tiveram conhecimento da existência dum 2º. pretendente, até ao encerramento do contrato de venda, decorreu tempo mais que suficiente para se prevenir.


A Sociedade proprietária teria muito prazer em vender o seu prédio para instalação da “Casa do Povo”, desde que alguém aparecesse com dinheiro e disposto a fechar contrato real e imediatamente.


Porque não comprou?


Teve tempo e encontraria boa vontade, dentro do menor prejuizo possível para a vendedora.


De certo não desejava que a casa se deteriorasse mais, com o fim da Sociedade proprietária sofrer ainda maiores prejuizos.


b) Afirma mais que, mesmo agora, ainda nada se sabe de positivo sobre o caminho a seguir, pelo que respeita à aquisição de edifício para a “Casa do Povo”.


Isto mostra bem que o nosso correspondente teve razão em achar acertada a venda a um comprador certo, para se evitarem maiores prejuizos, visto que a Casa do Povo, em organização, ainda hoje não é comprador, pois hesita no caminho a seguir; e, portanto, que foi leviandade grosseira o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda.


c) O senhor Fonseca não reflectiu quando pôs em dúvida que com 30 ou 35 contos oferecidos pelo Estado se pudesse obter em Tavarede uma casa melhor para instalação da “Casa do Povo”.


Os 35 contos do Estado, com alguns contos de compra e adaptação com que a Comissão se propunha adquirir a casa do Grémio contraíndo um empréstimo particular, dariam mais de 60 contos com o que, é absolutamente certo, se construiria uma casa melhor do que a do Grémio, tanto mais que seria possível obter terreno de graça e outras ajudas.


d) Achamos fora de propósito o reparo do nosso correspondente não ter colhido informações junto da Comissão Organizadora para a sua correspondência.


Para noticiar o que em Tavarede se dizia sobre o assunto e fazer votos para que tal dito fôsse verdadeiro, não precisava de mais informações.


O reparo só seria viável se a notícia dissesse que as coisas eram como se dizia.


e) Sobre dificuldades e pessoas menos escrupulosas, ignoramos que queira dizer e a quem se refira.


Fiquemos, pois, por aqui”.


(continua)

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