sábado, 17 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 54


2001.01.26     -     SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE (O FIGUEIRENSE)

                Foi em 15 de Janeiro de 1904 que Tavarede viu nascer no seu seio a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT).
                Tavarede, uma freguesia rural cuja população vivia exclusivamente da agricultura, onde os “cavadores” trabalhavam a terra de sol-a-sol, não havia tempo para a cultura e muito menos para a instrução. Tal facto levou a que um punhado de tavaredenses fundasse a SIT, cuja principal acção seria a criação duma escola onde os tavaredenses pudessem aprender a ler depois das tarefas da lavra.
                Poucos anos após a sua fundação, já se falava de teatro e foi de tal ordem o amor pela “arte de Talma” que ainda hoje, volvidos 97 anos, é o teatro a principal razão da existência da colectividade.
                Não se pode falar da SIT sem mencionar o nome de mestre José da Silva Ribeiro. Se a SIT hoje é o que é muito deve a mestre José Ribeiro que dedicou toda a sua vida ao teatro e soube incutir essa paixão aos tavaredenses, que ainda hoje sentem o orgulho pela sua SIT ser considerada a “catedral do teatro amador”.
                Várias gerações têm passado por aquela colectividade, todavia o exemplo daquelas que ao longo dos anos escreveram páginas brilhantes, de um historial que é orgulho dos tavaredenses, continua a ser seguido religiosamente por quem hoje dirige a agremiação.
                Há cerca de quatro anos, uma grave crise de dirigismo na SIT levou a que um grupo de jovens mulheres assumisse a liderança da colectividade. Na altura a notícia foi comentada quase a nível nacional, pois não havia memória de tal situação ter acontecido em território nacional. Daí para cá tem sido uma luta constante, o modelo tem persistido e na passada semana realizou-se a assembleia geral da SIT e mais uma vez fica a pertencer às mulheres a condução dos destinos da casa.
                Rosa Paz, uma jovem tavaredense, assumiu desde a primeira hora o modelo directivo da SIT. A massa associativa na última assembleia geral elegeu-a para presidir aos destinos da colectividade. Licenciada em Direito, Rosa Paz divide o seu tempo entre o escritório de advocacia, a sala de direcção e o palco da SIT, já que é também amadora teatral.
                Foi com Rosa Paz que O Figueirense conversou, tomando nota daquilo que ultimamente tem sido feito, bem como as perspectivas que se colocam no futuro, numa altura em que já se pensa nas comemorações do primeiro centenário.
                Eis as perguntas e respostas:
                Como vai a SIT?
                Dentro do possível vai bem. Tudo o que se faz nesta casa tem sempre a ver com o teatro. Consideramos que é a principal actividade da SIT. No dia que o teatro acabar, dá-me ideia que a razão de ser da SIT deixa de existir.
                Isso quer dizer que o teatro absorve a SIT na totalidade?
                Não é bem isso. Tentamos levar à prática várias actividades de acordo com as pretensões dos nossos associados. Todavia, o teatro constitui sempre prioridade. Nestes dois últimos anos definimos três obras prioritárias: as obras de remodelação do nosso bar, tendo em conta que o mesmo seja convidativo para que os nossos associados se sintam bem e venham com assiduidade à colectividade. Uma outra obra que iniciámos foi a construção de uma “régie” de forma a poder responder a algumas insuficiências no aspecto da montagem de peças de teatro. Finalmente a remodelação da instalação eléctrica. Esta última obra muito cara, obrigatoriamente tinha de ser feita até por questões de segurança, levando-nos a ter de fazer arranjos em termos da nossa sala de espectáculos e camarins.
                Deduzo que as obras encerraram um ciclo de investimento...
                As obras que enumerei representam um ciclo de prioridades, mas não ficaram por aqui os investimentos. Todos os anos temos levado à cena novas peças de teatro. Para quem está por dentro da situação a montagem de uma peça hoje é caríssima e nós não fazemos teatro para rentabilizar as finanças da colectividade. Pensamos que o teatro é uma função cultural e quando montamos as peças e as representamos não estamos a pensar que lucros eventualmente apuraremos. Quero dizer com isto que no nosso plano de investimentos tivemos de adquirir alguns equipamentos que permitam uma maior rentabilidde, de forma a que a montagem das peças saia mais barata e possamos ter em linha de conta melhores espectáculos. Refiro-me a equipamentos de luz e som.
                Digamos que em termos de mandato anterior está tudo falado?
                Quase tudo, mas ainda há algo que queria dizer. Em 1999, sob a direcção de Ilda Simões, quisemos homenagear um grande escritor português que é Bernardo Santareno, e levámos à cena a peça “O Pecado de João Agonia”. Foi um êxito de que muito nos orgulhamos. Por um lado a crítica foi unânime ao apoiar o nosso trabalho, todavia foi importante todo um conjunto de solicitações para representarmos a peça nos mais diversos locais, e acabámos por não aceder a muitas das solicitações, já que tinhamos necessidade de preparar outros trabalhos. Também procurámos ser gratos a quem tem dedicado a sua vida ao teatro e assim homenageámos em 1999 dois amadores da SIT que fizeram 50 anos de palco, José Luís Nascimento e a nossa muito saudosa Lourdes Lontro, que faleceu na véspera de um espectáculo.
                Ainda como ponto de referência, fomos os representantes do movimento associativo concelhio junto da Comissão de Protecção de Menores.
                Escola de Teatro: uma realidade – Foi no último sábado que se realizou a assembleia geral da SIT. Rosa Paz e seus pares foram reconduzidas para mais um mandato. Curiosamente, nas eleições da colectividade tavaredense não é necessário campanha eleitoral, já que a preocupação dos associados vem no sentido de saber “se as meninas continuam”.
                Quais os grandes objectivos para 2001?
                Nos últimos tempos tem sido uma preocupação constante a formação teatral. Para tanto, é uma necessidade premente a constituição de uma escola. Demos os primeiros passos no ano anterior e a escola de formação é já uma realidade através de um protocolo existente entre a delegação regional da Cultura do Centro, o Grupo de Teatro Profissional “A Escola da Noite” e a SIT, projecto denominado “Centro dos Amadores de Teatro”.
                Tem havido boa receptividde da delegação regional da Cultura aos vossos projectos?
                Mantemos com a delegada óptimas relações. Temos o cuidado de a convidar de forma a que possa assistir à nossa actividade cultural. Por outro lado, é um facto que nos apraz registar o reconhecimento do nosso trabalho e a confiança que em nós é depositada. Recentemente concorremos num universo de 115 colectividades para sermos considerados como pólo receptor e gestor de equipamentos teatrais. Fomos uma das quatro colectividades contempladas, e a partir daí partilhamos a nossa acção com sete colectividades concelhias.
                Que tipo de colaboração existe entre a SIT e outras colectividades?
                A colaboração normal entre colectividades. Recentemente realizou-se o fórum das colectividades e desde logo para além da nossa participação cedemos as nossas instalações. O nosso pavilhão desportivo tem sido cedido às mais diversas organizações, quer culturais quer desportivas. Em termos de teatro temos dado apoio a diversos grupos que a nós recorrem, desde a cedência de instalações, cenários e guarda-roupa.
                Para além do teatro que outro tipo de actividade existe na SIT?
                Ao longo do ano realizámos vários espectáculos culturais e outros de entretenimento para os nossos associados. Procuramos manter tradições muito antigas nesta casa, como os concursos de pesca de mar e rio, os campeonatos de sueca e a “Serração da Velha”.
                Tchekov aos 97 anos – A SIT comemora os seus 97 anos de existência durante o mês de Janeiro. Faz parte da tradição da colectividade a realização de uma récita teatral, inserida nas comemorações. Assim este ano, para não fugir à tradição, os amadores da SIT fazem subir à cena quatro peças.
                Quais são as peças preparadas para este aniversário?
                Julgo que pela primeira vez estamos em condições de representar quatro peças praticamente em simultâneo. Juntamente com Ilda Simões fizemos uma escolha criteriosa de autores e decidimos que este ano seria de Tchekov, um escritor nunca antes representado em Tavarede. “Um Pedido de Casamento”, “O Urso” e o “Canto do Cisne” são as peças que representaremos nos dias 27 e 28 do corrente. Para além destas, também queremos homenagear um grande autor português, José Régio, já que este ano se comemora o primeiro centenário do seu nascimento, pelo que também levaremos à cena a peça “O Meu Caso”.
                Como conclusão final, com que apoios conta a SIT para toda esta actividade?
                Temos a convicção que as entidades oficiais nos deveriam ajudar muito mais do que têm feito até aqui. De qualquer forma, temos tido ajudas. Todavia, temos o cuidado de apresentar os nossos projectos devidamente fundamentados e com  descrição das necessidades prementes para os levar a efeito. Nesta base, aguardamos o veredicto das entidades a quem recorremos e vamos realizando-os conforme as nossas possibilidades e as ajudamos de que dispomos.
                A SIT tem de momento cerca de 700 sócios que contribuem com uma quotização anual da ordem dos 600 contos. Esta importância não dá por vezes para pagar o aluguer de um guarda-roupa para uma peça de teatro. Daí seria fácil ter uma colectividade aberta para funcionamento de um bar e se ocupar o tempo com jogos de cartas e dominó, como muitas outras que conhecemos. Não foi para isso que foi fundada a SIT. Consideramo-nos uma casa de cultura para fazer cultura. Só assim tem razão a nossa existência. No dia em que não nos for possível cumprir a tradição e a memória dos antepassados que fizeram a história desta colectividade, outra alternativa não nos resta do que fecharmos a porta.
                Estamos à beira de comemorar o nosso primeiro centenário, faltam três anos, mas já pensamos na constituição de uma comissão organizadora.
                Comemorações do 97º aniversário – As comemorações dos 97 anos da SIT tiveram o seu início no passado dia 15 com a realização de um jantar convívio.
                No último sábado realizou-se a assembleia geral, com as eleições para os corpos sociais relativos ao ano de 2001. A mesma noite, na SIT, foi preenchida com uma sessão dedicada ao fado de Coimbra, tendo actuado o Grupo “Saudade Coimbrã”.
                Momento alto das comemorações acontece este fim de semana. Assim, na noite de 27, pelas 21,45 horas, realiza-se um espectáculo de teatro pelo grupo cénico da SIT, com a apresentação de duas comédias de Tchekov: “Um Pedido de Casamento” e “O Urso”.
                No dia imediato, realiza-se a partir das 16 horas a tradicional sessão solene tendo como orador principal João Manuel Pedrosa Russo. No decorrer da sessão será apresentada a peça “O Canto do Cisne”.
                O teatro volta novamente à cena no dia 3 de Fevereiro, pelas 21,45, homenageando José Régio nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento, com a apresentação da peça “O Meu Caso”, estando ainda inserido no programa um recital de poesia e uma palestra sobre o escritor.

2001.02.08     -     DOIS BONS MOMENTOS DE TEATRO NA SIT (A LINHA DO OESTE)

                A SIT levou à cena no passado dia 27 duas peças de Anton Tchekov, dramaturgo russo e impulsionador do chamado “realismo psicológico”, que faleceu já no início deste século.
                As peças, “Um pedido de Casamento” e “O Urso” integraram-se na comemoração dos 97 anos daquela colectividade. Com estas peças e mercê de um trabalho que se denota apaixonado e sério, a SIT está de novo a conquistar público, uma vez que a sala estava completamente cheia.
                Trata-se de duas comédias ligeiras, de costumes, que pedem tratamento naturalista quer na encenação, quer nos adereços e cenários. Este tipo de teatro vive essencialmente do bom desempenho dos actores e aqui os dois espectáculos contaram, no caso do “Pedido de Casamento”, com duas excelentes interpretações rubricadas por Rogério Neves e por Fernando Romeiro, este último, bastante seguro e mostrando ser um actor com escola; Já no “O Urso” estiveram em bom plano Ilda Simões e José Medina, não desmerecendo o discreto António Barbosa, num papel que parece fácil mas que, na realidade, não o é.
                A encenação consegue manter um ritmo adequado ao desenrolar da acção, sem quebras e prestável à atenção do público. Talvez, e tratando-se de teatro realista, uma ou outra articulação não estivesse bem, tal como o cenário de “O Urso”. Nesta matéria seria bom que a SIT deixasse de utilizar os “velhos” cenários que funcionam como uma parede no espaço cénico e partisse para novos moldes mais consentâneos com o teatro moderno.
                Uma nota para os folhetos de apresentação: simples, directos e informativos para o grande público.

2001.02.15     -     TCHEKOV NO ÊXITO DAS PEÇAS QUE ENCERRAM ANIVERSÁRIO (O DEVER)

                Com os olhos já voltados para o Centenário (2004) e o Teatro a constituir o prato forte da colectividade – quatro peças -, encerrou a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) as comemorações do seu 97º aniversário com honras de casa cheia na representação das peças do russo Anton Tchekov “Um pedido de casamento” e “O urso”, no dia 10 de Fevereiro.
                Tavarede soube, assim, uma vez mais, mostrar que o teatro ali “pegou de estaca”, a escola de Mestre José Ribeiro continua viva e a coabitar com as novas experiências postas em prática na “Escola de Teatro” dirigida por professores de Coimbra e cuja influência já foi notória com maior incidência na peça de José Régio “O meu caso”.
                Com a particularidade comum de envolverem poucos personagens, as duas peças representadas tinham como núcleo dos conflitos o mesmo temperamento forte das personagens, o convencionalismo cerimonioso e ridículo e o orgulho “pequeno-burguês”, e até o resultado feliz dos enredos.
                Com Fernando Romeiro (o pretendente à mão de Natália) entregue a um papel delicado pelas mutações de comportamento que “Um pedido de casamento” lhe exigira – cerimonioso no pedido de casamento, exaltadamente agressivo na defesa do património e reputação do seu cão – e que ele desempenhou com grande brilho ao “seguro” stepan (Rogério Neves) naquele vai-vem de situações a exigirem “camaliónica” presença a que soube responder com nível artístico fruto de muitas actuações, também a noiva Natália (Rosa Paz) teve o talento para passar daquela personalidade orgulhosa de ofendida à candura de uma aproximação que a mãe (Manuela Mendes) soube acompanhar com a segurança própria de quem tem “escola”.
                Merecidas, pois, as muitas palmas dispensadas aos “artistas”.
                “O urso”, a segunda peça de Tchekov a subir à cena, apostando na irredutibilidade Grigori (José Medina) e dupla personalidade de Popova (Ilda Simões), dois papéis de charneira do enredo só ao alcance de actores com grande experiência de palco, proporcionou àqueles dois actores amadores(!) duas brilhantes actuações a que o criado Luka (António Barbosa) emprestou uma participação de muito mérito.
                Mais uma vez um final feliz a contrastar com um percurso impetuoso que meteu “duelo”, “O urso” provou como é difícil a solidão resistir a uma promessa de felicidade a dois.
                E como remate da apresentação destas duas peças, dois êxitos a juntar ao das outras duas representadas nas comemorações de aniversário, muitas foram as palmas que fizeram voltar por diversas vezes ao palco os actores para aplaudir todos aqueles que deram vida a estas peças.
                Não há dúvida que Tavarede continua a ser a catedral do Teatro Amador da nossa região.

2001.03.01     -     DUAS PEÇAS NA SIT (A LINHA DO OESTE)

                A SIT apresentou, recentemente, as peças “O meu caso” de José Régio e “O Canto do Cisne” de Anton Tchekov.
                O “Canto do Cisne”, com encenação de Ilda Simões coloca em cena dois personagens, Vassili Vassilievitch (João Medina) e Nikita Ivanitch (Manuel Lontro) na qual um deles, Vassili, sente chegado o fim da sua carreira e relembra o seu passado de entrega ao palco. Curiosamente, o texto de Tchekov é quase uma remake dramática da vida do próprio João Medina, que tem a mesma idade que o personagem, mas certamente mais de 45 anos de teatro.
                Medina revela mais uma vez ser um actor de valor e a contra-cena com Manuel Lontro chega a ser comovente, pois a saga dos personagens confunde-se com a dos actores. Mau grado alguma dicção pouco marcada e com dificuldades de entendimento para a sala, os gestos, a inquietação, a dor e as emoções do personagem Vassili transferem-se para o público com facilidade.
                Em “O meu caso”, de José Régio, a situação é contrária. Valdemar Cruz tem dificuldade em ser credível dando pouca autenticidade ao personagem. A peça, que tem falhas de ritmo, conta com duas soberbas interpretações: uma inexcedível Paula Simões, que faz o papel de uma actriz fútil e vazia, vivendo da sua vaidade e narcisismo e uma Maria da Conceição Mota, segura, rítmica, convincente no seu papel de “autora”. Boa nota para o conjunto e para a “coragem” estética da encenadora.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 30 (fim)


Para melhorar a administração de Tavarede e do lugar da Figueira, o infante D. Pedro determina, em 1362, que o cabido da Sé e a cidade de Coimbra nomeiem os funcionários e os tabeliões, para benefício da dita Sé. E é Tavarede que estará na origem da progressiva autonomização administrativa da Figueira da Foz.

            Em 1522, piratas atacam e saqueiam a costa da Figueira e de Buarcos. D. João III nomeia para feitos da alfândega de Buarcos e juiz das sisas de Tavarede o cavaleito da sua Casa Real – António Fernandes de Quadros, que recebe igualmente o senhorio de Tavarede.

            A família deste fidalgo, senhor da Casa de Buarcos e de Vila Verde, filho do espanhol Alonso de Quadros, família poderosa que já servira o infante D. Pedrto, dispunha de importantes relações na corte. Entre os vários serviços prestados contavam-se a ordenação, limpeza, secagem e regularização das valas, lezírias e paúis do reino, sendo provedor de tais trabalhos André de Quadros, seu primo co-irmão, e ambos comendadores da Ordem de Cristo. Senhor de Tavarede, casa com Genebra de Azevedo, detentora de importantes bens patrimoniais nesta região, pelo que amplia o senhorio recebido, o qual englobava vários outros domínios e a posse das lezírias vagas de Buarcos e Vila Verde, sendo-lhe atribuído brasão, por carta de cotta d’armas, a 1 de Agosto de 1541. Os Quadros organizaram na região um vasto domínio senhorial, passando aí a viver num paço, de que hoje já só restam as janelas manuelinas (uma das quais no museu municipal da Figueira da Foz) e uma torre, ao mesmo tempo que exerciam o seu poder despoticamente. Dominando a câmara local, não respeitavam a jurisdição do cabido, do que resultou uma longa guerra política de direitos e relações de força entre ambas as partes, que teve início entre 1530 e 1535. O primeiro litígio circunscrevia-se a laudémios em dívida, reclamados muito justamente pelo cabido. Em 1544, Lopes de Quadros (Fernão Gomes de Quadros, filho e herdeiro de António Fernandes de Quadros) pressiona as populações de Tavarede e Figueira para que usem o seu forno de cozer o pão, levantando um protesto do cabido por esta ingerência. Mais tarde, o juiz do tribunal cível de Coimbra profere sentença contra os Quadros por estes fugirem aos pagamentos dos terradegos devidos ao cabido, na qualidade de donatário do couto de Tavarede. Os Quadros consideravam como seus direitos de administrar, comprar ou vender propriedades sem consultar ou pagar quaisquer impostos ao cabido. Como este se achava no seu direito ancestral de os colectar, iniciou a interposição de uma longa série de processos judiciais, alguns dos quais desfavoráveis, esquecendo, por vezes, o seu carácter de instituição com jurisdição cível. Na sequência de várias sentenças, recorreu infrutiferamente ao tribunal de Braga como tentativa suprema de dirimir este conflito em seu favor.

            Em 1630, após novo ataque corsário, Fernão Gomes de Quadros escreve ao rei, relatando-lhe a fuga dos habitantes de Buarcos para a Figueira, por falta de artilharia e artilheiros para a consequente defesa da costa. Com a Restauração, D. João IV lembra a Fernão Gomes de Quadros para não descurar a defesa dos lugares a ele afectos, especialmente a costa da vila de Buarcos, determinando-se, em 1642, a sua subordinação ao capitão-mor de Coimbra, vindo a ser nomeado, em 1646, por alvará régio, capitão-mor da costa do mar da vila de Buarcos e seu distrito.

            Esta querela entre as duas partes assiste, em 1759, ao pedido da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira pelo cabido, sonegando-a à influência dos Quadros, e permitindo-lhe retomar a administração da Figueira. Os Quadros opuseram-se, pelo que o pedido não foi atendido. Toda esta situação conduziu ao abandono das terras por rendeiros e foreiros e ao despovoamento de Tavarede, formando-se novos núcleos populacionais, cujo desenvolvimento irá lesar ambas as forças em litígio. O progressivo crescimento da Figueira da Foz, com o implícito beneplácito do cabido, acelera o projecto de separação administrativa e jurisdicional, agora com o parecer favorável da Administração Pública. O processo da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz consuma-se, de facto, no ano de 1770, dado o superior número de vereadores pela Figueira em relação aos de Tavarede. O cabido, que tudo fizera para derrotar o poderio dos Quadros, viu-se relegado para o entretanto despovoado couto de Tavarede. Elevada à categoria de vila com a designação de Figueira da Foz do Mondego, no dia 12 de Março de 1771, por decreto de D. José I, tinha por distrito os coutos de Maiorca, Alhadas, Quiaios, Tavarede, Lavos, as vilas de Buarcos e Redondos (entretanto unidas e em plena fase de retrocesso económico e demográfico), bem como os concelhos situados a sul do rio de Carnide ou do Louriçal, junto ao Moinho do Almoxarife, pertencentes ao distrito de Montemor-o-Velho. A esta elevação não é estranha a unificação, ao longo do século XVIII, dos diversos casais que circundavam o núcleo base da Figueira (Paço, Abadias, Vale de Lamas…), formando uma só povoação com 360 moradores, nem a acção e conveniência pessoais do Dr. José de Seabra da Silva, donatário da Quinta do Canal e grande amigo do marquês de Pombal, o qual lhe proporcionara importantes doações régias de bens confiscados à Companhia de Jesus situados nas imediações da Figueira. É criado o lugar de juiz-de-fora com jurisdição desanexada do distrito de Montemor-o-Velho, no qual é provido o Dr. Bento José da Silva, patrício e amigo de José Seabra da Silva. ………(Esta nota foi retirada do livro CIDADES E VILAS DE PORTUGAL, da autoria de José Pedro de Aboim Borges, edição Editorial Presença)

            Sei que me estou a repetir, nalgumas coisas, com a transcrição acima, mas entendo que todos os esclarecimentos nunca são demais. E a nota tem coisas interessantes, na minha opinião.

            Muito, mesmo muito, haveria a contar sobre a família QUADROS. Mas, quando iniciei este caderno, tive a intenção de só descrever as vidas daqueles que foram considerados ‘Senhores de Tavarede’. Claro que há algumas excepções, mas poucas. Só procurei transcrever o necessário para se ficar a conhecer a história dos fidalgos que, durante séculos, dominaram e oprimiram, na sua grande maioria, o pobre povo, que teve de suportar os seus abusos e insolências. Creio que o que fica escrito é o suficiente.

            E não quero deixar de referir, uma vez mais, que a grande maioria do escrito não tem a minha autoria, pois limitei-me o copiar o que entendi dos diversos trabalhos existentes sobre o tema. Procurei, ao longo do texto, referir a origem. Quero, porém, aqui deixar referido alguns dos mais importantes trabalhos que utilizei, tais como: A CASA DE TAVAREDE, do Dr. Pedro Quadros Saldanha; CADERNOS E LIVROS MANUSCRITOS, do Dr. Mesquita de Figueiredo; A MUDANÇA DA CÂMARA DE TAVAREDE PARA A FIGUEIRA, do Dr. Rocha Madahil; MATERIAIS PARA A HISTÓRIA DO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ, do Dr. Santos Rocha; AS ALFÂNDEGAS – FIDALGAS FIGUEIRENSES DE OUTRORA, do Dr. José Jardim; CHÁ DE LIMONETE, de Mestre José Ribeiro. Sei que foi um abuso da minha parte, mas tenho a certeza de que serei perdoado.

            Não sei se algum dia conseguirei dar uma continuação a esta história, contando (copiando) tanta coisa que encontrei sobre familiares  dos fidalgos tavaredenses. Filhos, e não só, muitos houve que bem merecem a sua recordação.

            E vou terminar agora com mais uma transcrição. É sobre aquela velha e enorme casa que nós víamos quando, à saída de Tavarede, íamos para a escola nos Quatro Caminhos, algumas vezes atirando pedras aos inofensivos sardões que dormitavam no cimo do velho muro. Trata-se do belo poema, da autoria de Mestre José Ribeiro, que incluiu no terceiro acto do ‘Chá de Limonete’.


O Palácio - (ainda sem transpor o portão)      
   
É verdade! O Palácio tão falado
Da velha Tavarede - aqui o tens
Reduzido à ruína pelos desdéns
Dos homens e do tempo já passado...
Ai! o que eu fui, e no que estou mudado!

(Avançando dois passos e saindo o portão)

Quatro séc’los me pesam sobre os ombros!
nesses longos anos vi grandezas,
Vi ruir opulências em escombros,
 Vaidades, alegrias e tristezas...

Fui torre altaneira, medieval,
Onde o Fidalgo, senhor absoluto,
Julgando-se em poder senhor feudal,
Levou, sob’rano, um viver dissoluto.

Mudaram-me depois a minha traça,
Deram-me um pátio nobre e bons salões,
E o terceiro Conde deu-me a graça
Das agulhas, janelas, torreões...

(Transição)

Sinto na alma saudades torturantes
Dos serões e das festas ruidosas,
Com luzes, flor’s e pratas cintilantes,
Veludos, sedas, pedras preciosas...

(Pausa)

Que resta do que fui?... Ai! Triste sina
A do solar que é hoje um mutilado,
Mendigo esfarrapado, uma ruína,
- Horroroso fantasma do passado!...

 Eis o que sou. Ninguém me queira ver!
 Não existo. De mim não falem mais...
 Deixai-me assim em paz apodrecer
 No chiqueiro infecto dos currais...

 


 Chá de Limonete - 1950

Julho de 2011

sábado, 10 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 53


2000.06.02     -     SIT – UMA EXISTÊNCIA DEDICADA À CULTURA (O FIGUEIRENSE)

                Foi a 15 de Janeiro de 1904 que um grupo de homens, todos de humilde condição, assinou na Casa de Ourão, no Largo do Terreiro, a acta de fundação da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT). Esta associção tinha como objectivo criar uma escola para ensino de sócios e seus filhos. Depois resolveram formar um grupo cénico com o fim de divertir e ao mesmo tempo obter receitas que permitissem manter a associação.
                O teatro foi desde logo tomado como actividade principal da SIT na continuação de uma tradição antiga dos tavaredenses. Já em 1896, na Gazeta da Figueira, Ernesto Fernandes Tomás nos fala de Tavarede e dos seus teatros; “as sociedades dramáticas vegetavam em Tavarede como tortulhos”.
                Logo após a formação da associação, começou a funcionar uma escola nocturna, gratuita, que manteve as suas portas abertas cerca de quarenta anos e que só desapareceu em 1942, por força da política vigente.
                Ao falar da história da SIT, ter-se-á de referir forçosamente o nome de João José Costa, pois foi ele que transformou o prédio onde os amadores de Tavarede representavam num excelente teatro. Mais tarde, João dos Santos, seu herdeiro, pôs à disposição da colectividade, sem receber qualquer renda, o prédio do Largo do Terreiro, a fim de nele ser instalada a sede da SIT. Em 26 de Dezembro de 1941, o edifício é vendido à colectividade por Arménio Santos, filho do anterior proprietário.
                Os anos foram passando e a SIT foi crescendo, sendo preciso ampliar e remodelar as suas instalações. Foi a ajuda da Fundação Gulbenkian e de muitos amigos da casa que permitiram que em 8 de Maio de 1965 se inaugurasse o edifício onde ainda hoje se encontra a sede da SIT.
                A actividade desta colectividade tem sido intensa. Grandes dramaturgos ali têm sido representados. O grande dinamizador do teatro foi, sem sombra de dúvida, José da Silva Ribeiro, que dedicou à SIT e ao teatro toda a sua vida. José Ribeiro foi o mestre do grupo desde 1915 até 1984, ano da sua morte. Seguiram-se-lhe na direcção cénica João Oliveira Cordeiro mas, infelizmente, pouco tempo esteve à frente do grupo, devido a um acidente trágico que o vitimou. Depois foi a vez de Ana Maria Caetano.
                De momento, Ilda Manuela Simões é quem dirige a secção teatral com a ajuda e o empenhamento de todos aqueles que fazem um espectáculo.
                Os amadores de Tavarede continuam a ser fiéis ao espírito e aos ensinamentos de mestre José Ribeiro. Continua a ser sua intenção transmitir ao público um certo saber, mas também proporcionar a esse mesmo público o prazer de assistir a uma forma de arte, divertindo-se.
                Escola de formação teatral... urgente – Professora do ensino secundário, Ilda Simões nutre grande paixão pela arte de Talma. Algumas vicissitudes por que passou o teatro da SIT, levam esta amadora a assumir a direcção cénica do grupo, para além da encenação. Representar e esquematizar a montagem das peças nas suas várias vertentes, é outra das suas funções.
                Foi precisamente com Ilda Simões que O Figueirense quis fazer a radiografia do teatro que se vai fazendo em Tavarede.
                Como vai o teatro em Tavarede?
                O teatro caminha. Temos encontrado algumas pedras que nos fazem tropeçar de vez em quando, mas ainda não caímos e julgo que, neste momento, dada a enorme vontade de prosseguir que todos temos, já não iremos parar.
                Essas pedras de que fala referem-se exactamente a quê?
                A vários factores. A falta de jovens amadores é um dos problema. Por vezes deparamos com situações complicadas, tendo de fazer até alterações às obras que queremos representar. A peça que temos em cena – O Pecado de João Agonia – constitui em desses exemplos. Eu precisava de um jovem de cerca de vinte anos e não o tinha, o que me levou a transformar esse jovem noutro de, digamos, quarenta anos.
                Mas também a inexistência de textos dramáticos actuais, a falta de formação em algumas áreas e a falta de dinheiro são outras tantas pedras.
                Qual a razão que a levou a encenar uma peça nunca antes vista nem representada em Tavarede?
                Uma das razões foi exactamente essa, nunca ter sido representada em Tavarede. Depois porque o tema é actual, interventivo. Embora a situação proposta por Santareno não fosse resolvida da mesma maneira, ainda há muita gente que afasta do seu convívio um homossexual.
                Como consegue conciliar a função de amadora (representar) e de encenadora?
                É bastante difícil. Contudo para dirigir este grupo de amadores, conto com a grande colaboração de João José Silva e de todos aqueles que querem dar a sua opinião. Ouço todos, mas não é um trabalho de que goste muito. Encenar é um desafio. Todo o processo criativo que se vai elaborando na minha mente à medida que leio e releio uma peça é algo que me fascina. Contudo, representar é aquilo que verdadeiramente eu gosto de fazer, estar em cima de um palco, vivendo outras vidas.
                Que projectos para o futuro?
                O Pecado de João Agonia continuará em cena até Setembro. Temos imensos pedidos para sair com esta peça, porém é impossível atender a todos. Não somos profissionais. Depois começaremos a ensaiar outra peça a estrear em Janeiro. À semelhança do que temos feito de há dois anos para cá, gostaríamos de ensaiar ainda outra peça em 2001, mas dado que em princípio iremos também fazer formação, não sabemos se será possível conciliar tudo.
                João Miguel Amorim: é necessário cativar os jovens – João Miguel, um jovem amador da SIT, é quase um veterano nestas andanças teatrais. Apesar dos seus 14 anos, pisou pela primeira vez o palco aos três anos de idade e nunca mais parou. Representa a quarta geração de amadores na família. Sua bisavó materna, Emília Monteiro, foi das primeiras amadoras da SIT; seus avós, João Pedro Amorim e Conceição Mota, ainda estão no activo e sua mãe também já pisou as tábuas do palco tavaredense.
                Frequenta o 8º ano de escolaridade. Os seus tempos livres divide-os entre o basquetebol e o teatro.
                João Miguel, apesar da sua juventude, tem ideias muito claras acerca do papel importante da cultura nos jovens: “Lamento que por vezes os jovens da minha idade não adiram às manifestações culturais, ou que venham para o teatro”.
                João Medina: o teatro na SIT está no bom caminho – João Medina é uma referência do teatro amador da SIT. Tem 68 anos de idade e representa desde os 16. Em 1999 foi alvo de várias homenagens que simbolizaram as suas bodas de ouro como amador teatral. Do seu currículo consta que já participou em mais de 60 peças.
                Sobre o que se vai representando tem ideias muito próprias: “Sem querer menosprezar o trabalho de ninguém, penso que a nível geral perdeu valor nos últimos 20 anos. Houve mudanças grandes na montagem das peças, nas adaptações dos originais, nos vários aspectos que envolve o teatro, contudo penso que antigamente existia mais representação e mais arte”.
                Como elemento mais antigo em actividade no grupo cénico da SIT, João Medina preconiza o futuro do teatro em Tavarede: “a SIT em minha opinião tem futuro assegurado. Talvez não tenha ainda atingido o valor que lhe foi imposto pelo saudoso mestre José Ribeiro, porém o que fazemos hoje em Tavarede não nos envergonha”.
                João Medina mostrou-se optimista: “é indispensável trazer a juventude ao teatro, assim como indispensável é a existência de escolas de formação, contudo não há melhor escola que o pisar das tábuas”.

2000.06.15     -     O PECADO DE JOÃO AGONIA (O DEVER)

                Cumpridas que estavam algumas representações desta peça, uma das quais em Carvalhais de Lavos, no âmbito das Jornadas de Teatro Amador, “O Pecado de João Agonia”, obra de Bernardo Santareno com adaptação de Ilda Manuela Simões, voltou ao palco da Sociedade de Instrução Tavaredense, no passado dia 30 de Maio.
                Peça difícil pelo pesado enredo e envolvência da homossexualidade, “O Pecado de João Agonia” constituiu mais um desafio ao “profissionalismo” destes artistas dum palco com tradições.
                Com uma Rita Agonia, marcada pela praga duma velha (Conceição Mota), que  no canto da lareira recalca ódios e adivinha desgraças com grande dramatismo, e esmagada sob o mau agoiro dos olhos verdes que a martirizam desde o parto do seu João (Valdemar Cruz) o desgraçado que trouxe da tropa em Lisboa a vergonha da família Agonia desvendada por Manuel Lamas (João Pedro Amorim).
                Com um Fernando Agonia como animador da família a apoiar o irmão, incentivar a irmã Teresa Agonia (Teresa Lontro) para o idílio com o Toino Gesta (João Miguel) assediar a desenvolta e irreverente Maria Giesta (Paula Sofia) perante as ameaçadoras intenções de Guilhermina Giesta (Manuela Mendes) desdobrando-se naquela roda-viva só ao alcance dum predestinado (João José Silva) e atingido pelo “bicho do teatro” que se não está em cena na cenografia ou na direcção de cena, o enredo explode no terceiro acto onde a alma dos Agonia – pai Miguel (na gravidade da voz de João Medina a dar pose à responsabilidade), José e Carlos (a vir ao de cima a mestria de José Medina e a versatilidade de Rogério Neves) e os irmãos – assume a trágica decisão de lavar com a morte a desonra da família, que Rita Agonia assume (no talentoso desempenho de Ilda Manuela Simões), com um dramatismo final de pôr a sala de pé.
                Porque esta peça só ao alcance de experimentados actores, não admira que ela tenha merecido uma chuva de convites para fora do concelho, numa inequívoca prova de que Tavarede continua a ser um referencial no teatro amador, onde “os artistas pegam de estaca”.
                Palmas para todos, sem excepção, que sem os que actuam na sombra jamais seria possível tais êxitos.
                E parabéns pela honra que dão à escola de José Ribeiro.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 29


  


  
Notas finais

           ……..

            Do domínio serraceno nenhum testemunho restou, apesar de, em 717, haver notícia de a povoação (S. Julião da Foz Mondego) ter sido assolada e destruída. A reconquisra cristã, empreendida por Fernando Magno de Leão, é orientada, na zona coimbrã, pelo conde Sesnando, moçárabe natural de Tentúgal e homem de confiança do rei, mais tarde investido nos cargos de governador de Coimbra e no de toda a Terra de Santa Maria. Em 1064, conquista Coimbra aos mouros. As zonas vizinhas, em mãos destes, são abandonadas, não sem antes terem sido alvo de saques e outras atrocidades. S. Julião é exemplo desta política de terra queimada, como zona tampão de alguma eficácia, verdadeiro espaço estratégico negativo entre dois contendores. Este acontecimento encontra-se implícito num documento do século XI, que situava S. Julião como o centro do povoado que ali teria existido. Depois de normalizada a situação, o conde Sesnando incumbe, em 1080, o abade Pedro de Coimbra, de reconstruir o lugar e a Igreja.

            Em documento datado de 14 de Novembro de 1096, do Livro Preto da Sé de Coimbra, o mesmo abade doa estas suas propriedades àquela Sé, na pessoa do bispo D. Crescónio, por intenção da salvação da sua alma, como era então uso e costume, permitindo cronologicamente datar a reconstrução da igreja de S. Julião e do respectivo povoado entre os anos de 1080 e 1090. O abade Pedro viria a falecer, segundo o Obituário da Sé de Coimbra, em 1100.

            Estava este povoado da Figueira da Foz do Mondego ciente da sua importância económica (porto de mar) e geo-estratégica (acesso a Coimbra e à área económica circundante por via fluvial, bem como defesa da embocadura do rio), como se depreende de uma doação a Santa Eufémia, em 1092, onde é referida a existência de salinas na foz do Mondego, um dos principais produtos de exportação portugueses.

            O Mosteiro de Santa Cruz inicia, por esta altura, o seu domínio efectivo sobre esta região, beneficiando da acção que desenvolve junto dos monarcas e de várias doações reais. Em 1134 adquire metade da vila de Eimide. Quatro anos mais tarde compra uma herdade na Foz do Mondego a Susana Martinho. Em 1139 toma posse da carta de venda da pesqueira do porto de Eimide. D. Afonso Henriques, no seu testamento de 1143, doa-lhe a outra metade da terra de Eimide. Em 1158, nova doação real permite ampliar os coutos crúzios, com a entrega da Ínsua da Ouveiroa, ou da Morraceira, com as suas salinas. O castelo de Santa Olaia, perto de Montemor-o-Velho, é igualmente doado a Santa Cruz por Afonso Henriques, no ano de 1166, incluindo a foz do Mondego, “por onde entram os navios”. Todo o estuário, barra e baía da actual Figueira eram couto daquele mosteiro, incluindo os interesses económicos que deste domínio advinham.

            A partir desta última data, a Sé e Santa Cruz denominarão este povoado, nos seus documentos, de “Igreja de S. Julião” e “terras da Figueira”.

            A 8 de Novembro de 1191, o cabido da Sé, por vontade de D. Sancho I e de D. Dulce, recebeu o couto de Tavarede pro jure hereditário in perpetuum, isento de todo o tributo régio ou episcopal. Tavarede era o povoado mais importante daquela vasta área, nele se fixando a chefia administrativa e económica das herdades que o cabido possuía na região. Em documento de 1 de Maio de 1237, o cabido doa a Domingos Joanes o Gago, Martim Miguéis e Martim Gonçalves, povoadores do termo de S. Julião e lavradores humildes, as herdades “rotas como não rotas” do lugar da Figueira, na foz de Buarcos. Estas herdades estendiam-se até à Tamargueira e ao Paul, “incluindo as águas que para este corriam e de todo o mesmo supradito lugar por circuito como nos seus termos se cerra”, e identificavam-se, no respectivo documento, com o lugar da Figueira e demarcando a Tamargueira como limite geográfico da Figueira.

            A obrigatoriedade dos moradores de Redondos e da Póvoa da Torre em frequentar S. Julião espelha a antiguidade da Figueira.

            O papel desempenhado pela Coroa nesta área circunscrevia-se, maioritariamente, ao exercício de direitos sobre a vida económica da região. Em 1338, Afonso IV coloca a possibilidade de adquirir as penhoras de certas casas da Figueira, pelo não pagamento de dívidas entretanto contraídas pelos respectivos proprietários, que se efectiva no ano seguinte. Cinco anos depois, em 1344, o cabido doava a Tamargueira, que confrontava com Buarcos, ao homem-bom Afonso Peres. O movimento mercantil da foz de Buarcos (isenta do pagamento de direitos de portagem ou outros, bem como da dízima), através do qual se exportavam vinhos e outras mercadorias de Coimbra para outros portos portugueses, bem como para França, importando-se vasilhame e madeiras para construção naquela cidade, mostra, em 1361, a crescente importância do porto e da respectiva alfândega, que transitará para a Figueira da Foz, durante o século XVII, quando esta ultrapassa Buarcos no crescimento económico (indústrias da construção naval, do sal e da pesca) e no demográfico.

sábado, 3 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 52


1999.01.08     -     BI-CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE ALMEIDA GARRETT (O FIGUEIRENSE)

                A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), à semelhança do que tem feito com outras figuras de relevo cultural, vai assinalar o bi-centenário do nascimento de Almeida Garrett, um dos grandes vultos da literatura portuguesa, numa data que será festejada pela SIT, e que se inicia com as festividades alusivas do 95º aniversário da colectividade, prolongando-se até ao 25 de Abril. Assim, são três comemorações culturais numa festa só.
                “Estas comemorações são para todo o concelho, nomeadamente para as camadas jovens”, explicava aos jornalistas Rosa Paz, presidente da direcção da SIT, quando apresentava a iniciativa que vai ter o apoio do município figueirense e que visa, entre outras coisas, promover um espectáculo cultural que inclua diversas facetas do escritor como dramaturgo, pois Garrett é um escritor estudado nas nossas escolas e “devorado com apetite”, dizia Ilda Simões.
                Integrado nas festividades do aniversário da SIT, nos dias 23 e 30 do corrente, vai ser apresentada a comédia “O Festim do Baltazar”, que terá na segunda parte “História Cantada de Tavarede”, uma peça que envolve cerca de 50 pessoas, ficando depois para Abril o grande espectáculo cultural alusivo a Almeida Garrett que, como disse Ilda Simões, é preciso “incentivar o gosto pelo teatro”. Mas os objectivos da iniciativa passam também por desenvolver atitudes de preservação e animação da cultura portuguesa; dar a conhecer a cultura teatral do concelho; desenvolver o espírito crítico e conhecer alguns modos de vida, pensamento e história do século XIX, contrapondo-os com os da actualidade.
                Mas ainda segundo Ilda Simões, para actuar nestes domínios, propõem-se realizar um espectáculo cultural que contemple diferentes facetas do grande escritor, porque “não é inédito em Tavarede comemorar-se datas marcantes da História da Cultura”, e por isso não vão deixar de o fazer agora no bi-centenário do nascimento de Garrett até porque, frisava a directora do grupo cénico da SIT, “Garrett é um grande vulto da nossa literatura; porque somos uma população rica em actividade teatral; porque há muitas crianças, jovens e até gente adulta que não conhece a obra de Garrett” e porque, como dizia o próprio Garrett, “o teatro é um grande meio de civilização, mas não próspero onde não o há”.
                O grande espectáculo cultural vai incluir excertos de algumas obras do homenageado, nomeadamente, “Folhas Caídas”, “Romanceiro”, “Viagem à Minha Terra”, “O Arco de Sant’Ana” e “Frei Luís de Sousa”, excertos da “Terra do Limonete”, de José da Silva Ribeiro, e textos de Maria Clementina Reis Jorge da Silva e Ilda Manuela Simões.
                Dado o interesse cultural do evento, o grupo promotor da SIT vai ser recebido pela Câmara Municipal para acertar as formas de apoio, nomeadamente levar o espectáculo às freguesias do concelho e trazer as crianças das escolas à Sociedade de Instrução Tavaredense para verem o teatro.

1999.02.11     -     O FESTIM DE BALTHAZAR (A LINHA DO OESTE)

                No passado domingo, a SIT levou à cena “O Festim de Balthazar”, um texto reeditado por esta secção cénica, da autoria de Gervásio Lobato.
                Trata-se de uma comédia num só acto que procura castigar os costumes dos que vivem à custa dos bens e da bondade dos outros. Balthazar (João Medina) refugia-se na província por forma a manter-se distante de um grupo de “amigos da onça” que frequentam a sua casa, apenas com o intuito de bem comerem e beberem. Como deste grupo faz parte uma jornalista (Ilda Simões) logo todos ficam a saber onde se encontra o infeliz. O seu aparecimento e a forma com vão perturbar a paz de Balthazar constituem o cerne dos trocadilhos de que a peça vive.
                Toda a peça vive da feliz interpretação de João Medina sendo de notar que, não obstante o facto de os mais novos mostrarem ainda algumas reticências, próprias de quem dá os primeiros passos, (sobretudo a nível da dicção) o conjunto é de uma enorme entrega e dedicação. Boas interpretações também da mulher de Balthazar (Lurdes ontro) e do caçador pitosga (Rogério Neves).
                O público responde bem à entrega dos actores e as gargalhadas são uma constante ao longo de toda a representação, o que prova que não há, neste teatro, qualquer divórcio com o público. O cenário e os adereços, naturalistas, enquadram-se na peça (vai sendo tempo de tirar os vasos de plantas da ribalta) pois, mais não parece ser de exigir. A iluminação poderia ter um uso mais adequado se usada de forma criativa.
                A SIT proporciona um rápido, mas bom momento de teatro, a provar que este também pode ser divertido sem cair no exagero das interpretações e na trapalhada das imitações revisteiras.

1999.05.20     -     GARRETT EM TAVAREDE (A LINHA DO OESTE)

                A secção cénica da SIT levou à cena, no passado sábado, em estreia e perante uma sala repleta, a peça “Na Presença de Garrett”.
                Num cenário a improvisar um estúdio de televisão, onde não faltava sequer uma câmara da TVT – Televisão de Tavarede – uma jornalista entrevista Almeida Garrett, o qual vai desfiando o passar da sua história de escritor, dramaturgo, político e combatente da liberdade.
                As referências às peças ou às obras, durante a entrevista, são motivo de representação de pequenos quadros a elas respeitantes.
                O carácter pedagógico da peça, que visava apresentar o homem e a sua obra, são patentes ao longo do espectáculo e nos textos cuidados que servem as falas das personagens, às vezes demasiado eruditos, diga-se, como as opiniões sobre as obras e as citações de mestres, de que é exemplo Vitorino Nemésio.
                Ainda pouco seguros nos seus papéis e com os movimentos a revelar algum nervosismo, os amadores da SIT conseguiram manter um ritmo no que constitui um espectáculo difícil e arrojado. De facto, querer mostrar tanto em tão pouco tempo, faz sempre correr o risco de mostrar pouco ou nada.
                As representações dos excertos de peças ou romances de Garrett pecaram justamente por aparecerem desgarrados e descarnados do seu contexto. É exemplo disto, o episódio do “Falar verdade a mentir”, um quadro humorístico mas que, isolado, não surtiu efeito. Um episódio do “Arco de Sant’Ana”, bem representado, perdeu-se por falta de seguimento.
                Julgamos que a homenagem a Garrett teria sido mais proveitosa com a representação de uma única peça do autor.
                Uma nota para o cenário e para as luzes. O primeiro, de uma inacreditável vulgaridade e mau gosto, onde ficaria melhor um pano negro, ao passo que as segundas mereceriam melhor aproveitamento.
                Para que não conhecer o teatro de Garrett vale a pena ir ver.

1999.05.27     -     “NA PRESENÇA DE GARRETT” (O DEVER)

                No Teatro Taborda de Brenha, uma sala de grandes tradições, teve lugar, em 21 de Maio, no âmbito das XXII Jornadas de Teatro Amador da Figueira da Foz, a representação da peça “Na Presença de Garrett” pela Sociedade de Instrução Tavaredense.
                Com a casa à cunha para poder apreciar essa arte reconhecida saída da escola de Mestre José Ribeiro, há que dizer que a expectativa não saiu defraudada, escrevendo-se naquele palco uma das páginas mais brilhantes das jornadas com a apresentação da peça com que Tavarede havia assinalado o bicentenário de Almeida Garrett, esse vulto do teatro português.
                E a primeira palavra, de muito apreço, vai para a sensibilidade artística que presidiu à escolha dos fragmentos das obras de Garrett – Viagens na minha terra; Fala verdade a mentir; O Arco de Sant’Ana; Folhas Caídas; Romanceiro e Frei Luís de Sousa – bem como na metodologia que serviu de fio condutor à sequência dos “quadros” que deram corpo à peça e deixaram na assistência uma visão da vida e obra de Almeida Garrett, trabalho meritório da responsabilidade de Ilda Manuela Simões a quem ficou a dever-se, igualmente, o enquadramento oportuno daquele desfiar de referências e no papel, determinante, de apresentadora/entrevistadora de Garrett.
                Outra distinção, igualmente, para o trabalho de direcção de palco pela forma profissional como se operaram as  mudanças de cena sem baixar o pano, aspecto de grande reflexo no êxito do espectáculo e que, só por si, define o alto nível do grupo.
                Na presença de Garrett (a que João José Silva emprestou aprumo e diálogo com a naturalidade e arte trazidas de muitos papéis) se passaram muitas situações a que deram vida artistas de créditos firmados, casos de Joaninha e da avó – uma cega cuidada ao pormenor do gesto -, o duplo de Garrett – José Medina, outra relíquia da escola de Tavarede – entre outros que com tanta arte completaram o ramo, naquela lição, ao vivo, de história onde o liberalismo de que Garrett foi percursor e por onde passaram José da Silva Ribeiro como referencial de Tavarede nesse movimento de esperança tão bem expresso naquele “E quem choramos nós” bem marcante na estátua de Manuel Fernandes Tomás com que a Figueira assinalou a sua vocação liberal ainda hoje actuante
                Escolhida para remate do espectáculo a obra mais representativa de Garrett, “Frei Luis de Sousa” foi devolvida à cena trinta e tal anos depois de em Tavarede ter obtido assinalável êxito; “exigida” por um espectador muito especial – oura relíquia da SIT, João Medina – que voltou a assumir o dramatismo de Telmo Pais naquela carga pesadíssima de emoção em que José Medina desempenhou com um realismo admirável o papel-chave de Manuel de Sousa Coutinho a que Maria Clementina (uma Madalena de nervos de aço) emprestou comoção entre uma Maria (Ana Filipa Paz Mendes) dimensionada à medida da tragédia, e a que Rogério Neves (um Frei Jorge à altura das circunstâncias) se juntou o dramatismo do Romeiro (José Luís do Nascimento) e a benção do Prior (José Silva).
                E porque a SIT é uma escola, lá estiveram alguns jovens a provar que o teatro tem... futuro.
                Para as jornadas ficou essa lição de bem representar e a certeza de que Tavarede continua a ter cátedra no Teatro Amador do Concelho e um exemplo a nível nacional.
                E, também, que esta feliz iniciativa do Lions Clube da Figueira não pode acabar!

1999.05.28     -     GARRETT REINCARNA EM TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                No ano em que se comemora o duplo centenário do nascimento do grande dramaturgo não podia a “Capital do teatro” do nosso concelho deixar passar em claro tal efeméride.
                Fê-lo de modo bem vincado e digno partindo de um texto adrede escrito, permitindo-se ilustrar a representação com diversas incursões por algumas obras do polígrafo, com especial realce para o Frei Luís de Sousa, de que nos apresentou o terceiro acto, completo. Teve esta encenação a particularidade de, em simultâneo, manter quase sempre em cena o próprio Garrett, o qual ia respondendo a curioso e bem elaborado questionário de uma arguta jornalista e, ao mesmo tempo, revendo-se, emocionado e feliz, na sua própria obra, a dois séculos de distância.
                Confirmando o que alguém disse, muito justamente, ser Garrett “de entre todos os escritores do século XIX o mais lido, o mais estudado e o mais amado pelas novas gerações”, as autores do texto, dras. Ilda Manuela Simões e Maria Clementina Reis Jorge Silva, tiveram a feliz ideia – como esclarecidas pedagogas que se orgulham de ser – de pôr em palco vários alunos das nossas escolas, os quais, além de breve troca de impressões com o presencial autor, declamaram alguns dos seus mais significativos poemas.
                Também a História de Portugal, no que concerne à ligação ideológica do liberalismo defendido e vivido por Garrett no segundo quartel do século XIX, com a implantação da República em 1910, e, mais perto de nós, com a eclosão do 25 deAbril de 1974, foi feita uma abordagem oportuna e proficientemente pedagógica e digna de registo.
                Finalmente: ante os tão demorados agradecimentos expressos pela responsável a todo um ror de gente que contribuira para tal realização, fica a todos a certeza de que o teatro mexe, verdadeiramente, em Tavarede. Parabéns!

1999.06.04     -     PARABÉNS, TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                Sou apreciador de teatro já há muitos anos. Talvez mais de 50, e também há já muitos anos comecei a ser admirador do teatro de Tavarede, mais precisamente da SIT, aquela que é a grande escola de teatro do nosso concelho, e que teve como professor o grande mestre José da Silva Ribeiro, meu grande e estremecido amigo.
                Assim, decidi ir a Brenha ver o teatro. Fui porque era a SIT que subia ao palco, e por outro lado porque tinha lido um artigo num jornal da nossa cidade, que me havia deixado intrigado. Não podia ser verdade o que o artigo dizia. Para acreditar teria de ir ver.
                O teatro começou, e não foram precisos muitos minutos para começar a pensar que afinal o que tinha lido não passava de uma brincadeira de mau gosto. Os amadores de Tavarede portaram-se condignamente. Foi uma apresentadora muito boa que conduziu a entrevista a Garrett (parabéns João José Silva!). Os quadros e textos muito bem escolhidos (ainda que alguns necessitassem de um pouco mais de texto para um melhor enquadramento) e as interpretações foram de alto nível. Parabéns àquela criada do “Falar Verdade a Mentir” que. com um à vontade fora de série, fazia inveja a muitos profissionais. As meninas do “Arco de Sant’Ana” também com grandes interpretações.
                Seguiram-se outras cenas, mas vou apenas referir-me a mais uma obra: “o “Frei Luís de Sousa”. Foi um interpretação majestosa por parte de todos os amadores. Garrett teria concerteza gostado!Assim, palavras para quê?
                Ah! já me esquecia de dizer que fui a Lisboa, ainda há poucos meses, ver o “Falar Verdade a Mentir” e o “Frei Luís de Sousa”, e só posso dizer que Tavarede está de parabéns, e que não se envergonharia se representasse ao lado dos profissionais do teatro nacional.
                Força e continuem, pois a “palavras loucas, orelhas moucas”.