domingo, 31 de julho de 2011

Nas Bodas de Ouro da SIT

Na histórica e aprazível povoação de Tavarede, há meio século que se vem erigindo, pedra sobre pedra, com inteligência e tenacidade, vultuosa obra colectiva e teatral pouco vulgar, cremos que única, no meio provinciano. Se algum dia ao historiador do teatro português interessar fazer o balanço do contributo prestado à arte dramática, pelo ignorado amadorismo, onde esse mesmo teatro foi recrutar, tantas vezes, as suas grandes figuras, que para serem grandes não careceram das luzes do Conservatório, porque as tinham já consigo desde nascença, ver-se-á no dever de consagrar capítulo especial à vida e obra da Sociedade de Instrução Tavaredense, de preclaras tradições e que tem levado a numerosos e apartados pontos do país a galhardia da sua arte de representar, e, com ela, um rosário apreciável de benemerências a favor de instituições de caridade e utilidade pública.


Sabendo que a prestante colectividade vai comemorar no mês decorrente as Bodas de Oiro da sua fundação, julgámos de interesse para os nossos leitores ouvir alguém que nos elucidasse acerca das actividades da mesma e outros pormenores relacionados com a tradição teatral da pitoresca Aldeia do Limonete. E não havia que hesitar: só uma pessoa reunia plenamente as condições necessárias para satisfazer a nossa curiosidade e interesse - o seu dinâmico e prestigioso director cénico José da Silva Ribeiro.


Jornalista distinto, culto noutros aspectos do saber humano - é vastíssima a sua cultura neste ramo por que se apaixonou desde novo. Como crítico teatral, quando exercia a crítica, a sua opinião era considerada e temida pelos “ases” da cena portuguesa, ao apresentarem-se, com as suas companhias, perante a exigentíssima plateia figueirense. Conversador sugestivo e atraente, torna-se, pela lhaneza do seu trato, acessível e pronto a quem quer que necessite dos seus prestimosos serviços.


E fomos ouvi-lo. Encontrámo-lo absorvido pelos cuidados do seu novo trabalho - 50 Anos ao Serviço do Povo - no qual evoca e passa em revista os factos da Sociedade de que tem sido o infatigável, o grande, o maior de todos os obreiros. Mas nem isso o impediu de gentilmente nos acolher. Depois de lhe transmitirmos os nossos propósitos e removermos o obstáculo sério das suas ocupações de momento, disparámos-lhe, para principiar, duas perguntas:


- É muito remota a tradição teatral em Tavarede? Lemos algures que já em 1877 existia em Tavarede um teatro de amadores que por causa das desordens que sempre havia nas noites de espectáculo foi mandado encerrar pelo Governador Civil do Distrito. Tem fundamento histórico esta notícia?


- Efectivamente, - começa o nosso interlocutor - a tradição teatral é aqui bem vincada. Já Ernesto Fernandes Tomaz, na descrição que fez de Tavarede numa série de artigos publicados na Gazeta da Figueira em 1896, dizia que as sociedades dramáticas vegetavam em Tavarede como tortulhos. O episódio do encerramento dum teatrito que aqui havia, vem referido, como verdadeiro, por Pinho Leal no seu dicionário geográfico Portugal Antigo e Moderno. O teatro foi mandado fechar pelo Governador Civil em 1877, por motivo das desordens que se verificavam na noites de espectáculo. No livro comemorativo das “bodas-de-ouro” da Sociedade de Instrução Tavaredense - 50 Anos ao Serviço do Povo - a aparecer dentro de poucos dias, indicam-se os diversos locais onde se apurou que funcionaram teatros no século passado.


- É verdade que as gentes de Tavarede manifestaram sempre natural pendor para o teatro?


- Vem de longe o gosto dos tavaredenses pelo teatro. Esta gente tem-se mostrado muito inclinada às artes do teatro e da música. Alcançaram fama os teatros e as tunas de Tavarede. Não obstante a vizinhança de paredes-meias com a cidade, a um tempo benéfica e prejudicial, o sentimento associativo perdura na população desta velha e pobre aldeia.


- Quais os nomes que no passado revelaram, de facto, decidida intuição para a arte dramática?


- Amador de grandes méritos, característico solicitado por todas as companhias do seu tempo, foi nos meados do século passado José Luís Inácio, casado com Luísa Genoveva, que foi também amadora. Na segunda metade do século, brilharam à luz da ribalta tavaredense - de cebo e petróleo - muitos actores e actrizes, dentre os quais se destacavam António de Oliveira, Ricardo Nunes de Oliveira (o tio Ricardo da Margarida), José Vigário e António da Silva Coelho (que todos conheceram por António da Barra), estes dois, respectivamente, pais dos amadores do mesmo nome ainda hoje no activo; Manuel de Oliveira Bertão e António Cruz (pai dos ilustres e saudosos tavaredenses drs. Manuel e José Gomes Cruz), insubstituível nos papeis de Jerónimo e Moço da Passarola do Presépio. No elenco feminino faziam figura Maria da Luísa Marcelina e Eduarda Matoso. Mais recentemente, já no começo do século actual, José Medina, excelente amador tanto no género dramático como no cómico, e ainda mais perto de nós, os dois irmãos António e Jaime Broeiro, para só falarmos dos que já não existem. Os vivos, todos os conhecemos, e alguns deles, tendo começado com a Sociedade de Instrução Tavaredense, ainda hoje dão as suas provas sobre as tábuas do palco.


- Arriscamos mais duas perguntas: - Porque não se abalançou até hoje a S.I.T. a construir sede própria se dispõe de condições primordiais, para isso, pela actividade e valor do seu grupo cénico? Não haveria vantagem em construir uma sede maior para reunir numa só récita o público que, por exiguidade do seu teatrinho – como V. lhe chama – tem que ser distribuido por vários espectáculos?


- A Sociedade de Instrução Tavaredense está instalada no edifício do Largo do Terreiro que foi, como sabe, a velha casa chamada de Ourão, transformada por João José da Costa - esquecido mas inesquecível benemérito - num, para o tempo e para a terra, óptimo teatro. A grande aspiração da sociedade era adquirir o prédio, para viver em casa sua: realizou-a, comprando o prédio. Depois, dado o desenvolvimento da actividade associativa e as responsabilidades e anseios do grupo cénico, outra aspiração surgiu: ampliar e transformar a sede, melhorando as instalações de uso permanente dos sócios e dotando-a com um teatro maior, um palco bem apetrechado que permitisse alargar e aperfeiçoar a obra de cultura que a Sociedade de Instrução Tavaredense vem desenvolvendo através do teatro. Este projecto é, de momento, irrealizável. Seriam precisas 3 a 4 centenas de contos. Onde ir buscá-las? Não esqueçamos que Tavarede é uma terra muito pequena e de população pobríssima. Não há aqui beneméritos ricos. E beneméritos... sem dinheiro não podem fazer obras que só com dinheiro se fazem...


- Pomos uma objecção: - Mas o grupo cénico tem uma actividade invulgar, e conquistou merecidamente um público entusiasta que acorre a aplaudi-lo...


- É certo. Note-se, porém, que as récitas na sede são para sócios e famílias, e raramente pagam a montagem de cada peça. E dos espectáculos em teatros públicos são poucos aqueles cujas receitas revertem para o cofre da associação. Pode objectar-se que é excepcionalmente elevado o número de espectáculos de beneficência. Na verdade, uma lista, aliás incompleta, das récitas de beneficência realizadas na Figueira e noutras localidades pelo grupo tavaredense, mostra que o seu número se eleva a 98. Pelos elementos de que dispomos, e pelo valor actual da moeda, podemos sem exagero avaliar em mais de 400 contos o produto líquido entregue pela Sociedade de Instrução Tavaredense a obras de beneficência e a instituições de utilidade pública. Mas não sejamos ingénuos ao ponto de supormos que esta importante soma poderia também o grupo cénico alcançá-la para as obras da sua sede...


- Mas, aproveitando o verão, não seria possível obter receitas importantes com representações nos teatros da Figueira? - interrompemos.


- Oiça-nos com paciência. Nem tudo o que luz é oiro. Realmente, alguns anos atrás o verão era pródigo. Dávamos dois espectáculos em Agosto e dois em Setembro com casas cheias e resultados tão animadores, que se chegou a alimentar a esperança de ganhar em 10 anos o preciso para as obras. Mas... era a época das vacas gordas, que passou depressa. De há um tempo a esta parte verifica-se que sobem as despesas e descem as receitas. Posso citar-lhe um espectáculo de que, pagas as várias despesas e 5 contos do aluguer do teatro, ficaram para o cofre 350$00. E como não haveria de ser assim com as nossas representações, se é assim também com o teatro profissional? Uma boa parte do antigo público esqueceu o teatro; o novo - nem sequer o conhece. Solicitam-no a doença nacional do futebol (repare que nos referimos a doença) e a exploração industrial do cinema; e os organismos oficiais facilitam e auxiliam a fuga dos velhos e a ignorância dos novos. Se o objectivo do Estado e das autarquias locais fosse a extinção do teatro em Portugal, não poderiam fazer melhor do que estão fazendo. É certo que a Sociedade de Instrução Tavaredense não sacrifica aos deuses da bilheteira, e podia, com outra orientação, melhorar bastante os resultados materiais da sua actividade teatral; mas, fazendo-o, traía a sua função. Ao programa educativo e cultural que a Sociedade de Instrução Tavaredense procura realizar através do teatro, não se ajustam transigências de género parquemaieresco nem exibições estilo retiro da Severa ou variedades da rádio.


Perguntamos a José Ribeiro: - O campo em que recruta os intérpretes para as suas peças tem qualquer particularidade que o distinga dos outros meios associativos do concelho?


- De maneira nenhuma. Os elementos do grupo cénico são recrutados na população tavaredense, indistintamente. Desde os cavadores de enxada, passando pelos vários ofícios e pela vida comercial na cidade vizinha; desde as raparigas da lavoura que passam o dia no amanho das terras e no trato dos animais, até às costureiras dos alfaiates e das modistas e às que labutam na vida doméstica, de tudo se encontra na companhia de Tavarede.


- Pode citar-nos os êxitos teatrais mais salientes alcançados pelo seu grupo cénico?


- Como êxito de público, O Sonho do Cavador ocupa o primeiro lugar, com mais de 50 representações. Mas se bem interpretamos a sua pergunta, devemos citar Entre Giestas, Recompensa, A Nossa Casa, Horizonte, Canção do Berço, Génio Alegre, Auto da Barca do Inferno, Chá de Limonete e, o mais recente, Frei Luís de Sousa.


Continuamos a inquirir: - Quais as peças que até hoje representou cuja acção decorre em Tavarede?


- Com acção passada em Tavarede - Na Terra do Limonete, de João dos Santos e Dona Várzea, de João dos Santos e José Ribeiro, musicadas por Gentil Ribeiro; Pátria Livre e Em Busca da Lúcia-Lima, de João Gaspar de Lemos Amorim; A Cigarra e a Formiga, de Alberto de Lacerda e José Ribeiro; Grão-Ducado de Tavarede, O Sonho do Cavador, Evocação, Retalhos e Fitas e Chá de Limonete, de José Ribeiro - todas musicadas por António Simões. Além destas, outras peças se escreveram propositadamente para a Sociedade de Instrução Tavaredense: Histórias da Roberta, O Nascimento do Messias e as adaptações Morgadinha dos Canaviais e Justiça de Sua Magestade.


Não resistimos a perguntar: - Com a sua acção educativa a S.I..T. tem conseguido sensível melhoria na educação do povo e morigeração dos costumes locais?


- Não pode negar-se a influência da actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense na população de Tavarede. Muitos foram os que aprenderam a ler ou se aperfeiçoaram na escola nocturna que funcionou até 1942. É também elevado o número dos que, passando pela secção dramática, beneficiaram da acção cultural e educativa que ali se desenvolve com uma continuidade verdadeiramente excepcional. E é igualmente de considerar a influência exercida sobre o público que lhe frequenta os espectáculos e as palestras.


- Porque deixou de manter a sua escola nocturna?


- Porque não foi possível dar cumprimento a certas exigências de carácter legal. Também no livro 50 Anos ao Serviço do Povo se indicam as razões que impediram a Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense de manter a escola, inteiramente gratuita, que funcionava desde a sua fundação em 1904, com uma frequência de cerca de 50 alunos, menores e adultos.


- Verifica-se que a S.I.T. restringiu notavelmente o número de bailes realizados anualmente na sua sede. Obedece isso a medida de carácter económico ou ao reconhecimento da vantagem moral de sacrificar o baile ao teatro?


- Eis uma pergunta agradável de ouvir, porque revela um interesse honroso, que contrasta com a indiferença de muitos. Mas... é bom esclarecer. Os bailes nas associações proporcionam algumas horas de recreio à massa associativa. O recreio também é necessário. É certo que algumas associações fazem do baile semanal, ou pouco menos, a razão de ser da sua existência. Se não fazem mais nada, havemos de concluir que fazem pouco e que sendo sociedades de recreio, não o são de educação. Por isso nos não interessam na mesma medida. Mas... será mais prejudicial à saúde física e moral, o baile ao sábado ou ao domingo na sociedade de recreio da aldeia, do que o baile diário, durante 3 meses consecutivos no casino da cidade? Quanto à Sociedade de Instrução Tavaredense, não há senão que louvar o critério dos seus directores considerando suficiente a meia dúzia de bailes que durante o ano oferece aos associados na sua sede.


- Estamos de pleno acordo - acrescentámos. E permita-me outra pergunta: Tem sentido dificuldade na escolha de peças para o seu grupo?


- É sempre um grande problema. Independentemente do valor da peça como obra de arte teatral, há que ter em conta certas limitações e contra-indicações que resultam do meio em que nos encontramos, dos elementos de que dispomos e dos fins que nos determinam. São cada vez maiores as dificuldades. Algumas peças que nos serviriam estão-nos interditas, porque o empresário que as representou em Portugal não nos permite a sua representação. Veja-se a estreiteza deste critério, que, generalizado, extinguiria no nosso país o teatro de amadores, uma vez que não pode esperar-se dos autores dramáticos – coitados deles, apertados já em tantos condicionamentos!... – que escrevam peças só para amadores...


- Só mais uma pergunta para terminar: - Acha que são demasiado pesados os encargos que recaiem sobre os espectáculos de amadores?


- Partimos do princípio de que o teatro de amadores, praticado com devoção quase heróica pelas sociedades de educação e recreio espalhadas pelas vilas e aldeias de Portugal, constitui valioso elemento de cultura e recreio do povo, que interessa à nação manter em actividade. É assim que o Estado o encara? É seu dever, nesse caso, facultar-lhe e facilitar-lhe meios de vida. Presentemente as coisas passam-se como se os espectáculos de amadores fossem apenas... matéria colectável; cobram-se licenças, censura das peças, vistos dos programas, imposto sobre espectáculos públicos (!) e contribuições para a Caixa Sindical de Previdência dos Profissionais do Teatro (!!). Uma carga asfixiante! Não está certo. Se o estado não presta outro auxílio, que ao menos não queira fazer dinheiro da actividade desinteressada do teatro de amadores. O regime da cobrança dos direitos de autor continua a ser o mesmo - não obstante terem decorrido dois anos desde que foi nomeada uma comissão para estudar o assunto -, permitindo a fixação arbitrária de taxas em muitos casos proibitivas. E, a carregar ainda mais as tintas do quadro, aí temos agora a lei que regula a assistência de menores a espectáculos, tão louvável nos princípios com que se apresenta como lamentável e perniciosa na forma da sua aplicação. Podíamos apresentar-lhe casos concretos e bem expressivos, mas... iríamos muito longe. Não lhe parece que já lhe dissémos o bastante para se concluir que, na verdade, é precisa uma devoção quase heróica para continuar a manter entre as povoações rurais o fogo sagrado do teatro?


Não podíamos deixar de concordar com o nosso entrevistado, de quem nos despedimos, profundamente reconhecidos e sensibilizados pelo prazer que nos deu e que sabemos ir igualmente proporcionar aos nossos estimados leitores com o conteúdo desta entrevista. Para fecho, só nos resta fazer votos que a velha Sociedade de Instrução Tavaredense possa continuar - e continue sempre - na sua activa e contínua acção de bem-fazer, pois na vida dos homens e das instituições só tem verdadeiro mérito o que se faz bem feito e o que se faz por bem.


(A Voz da Figueira - Janeiro de 1954)

De Casa de Cultura a... Taberna! (13)

No mesmo jornal e na mesma data:

“ Não tencionavamos, nem desejavamos voltar a êste assunto, mas “O Dever” veio à estacada com um acêrvo de sofismas, que podem parecer aos olhos do leitor incauto uma resposta, para chegar à conclusão ingénua e luminosa, de que nos retratámos em pontos onde ficou patente expressamente o contrário.


O processo não é novo nem original. A-fim-de iludir realidades demasiadamente fortes, em atitudes de prestidigitador, o articulista recorreu a expedientes que só servem para nos revelar a sua atrapalhação. A hostilidades reduz-se a mero quixotismo: num esfôrço desesperado, pour èpartir le bourgeots foi-se ao texto do nosso artigo, truncou, mutilou, mistificou, deu-lhe tratos de polé para o obrigar a dizer o contrário do que ali se demostra duma maneira inequívoca.


Era de esperar. Dum tema falso não podem sair senão arrasoados falsos. Um exemplo:


Haviamos nós escrito, referindo-nos à representação lida e entregue ao sr. Bispo de Coimbra por dois membros da Comissão Organizadora da Casa do Povo de Tavarede:
S.Exª. Revª. concordou plenamente com os pontos de vista da Comissão, prometendo-lhes todo o seu apoio e declarando-se disposto a mandar proceder, em devido tempo, às obras necessárias, nomeando a seguir o pretendido pàroco para Tavarede.


“ O Dever” a-pesar da sua coragem não se atreveu a desmentir, mas agarrou-se a um expediente capcioso: isolou a frase prometeu-lhe todo o seu apoio e sentenciou fanfarrão: “a casa não foi prometida a ninguém, pois o sr. Bispo só prometeu o seu apoio; não se pode confundir apoio com casa”.


É singular êste nosso colega e singularíssimas as leis da sua polémica! Se usa da mesma liberdade e escrúpulos na interpretação dos textos bíblicos não tarda que tenhamos a lamentar a mais horripilante das heresias de que a história resa. É capaz de chegar à conclusão de que o Evangelho foi escrito antes de Cristo!... Com esta sencerimónia tôda é natural que lá chegue.


Continúa céptico “O Dever” - escudado não sabemos em que provas - quanto à promessa da casa do Grémio. Nem a carta do sr. Bispo, tão simples e tão clara, o convenceu. Pobres pecadores somos nós e... ficámos convencidos. Isto é, merece-nos absoluta confiança o testemunho de S. Exª. Revmª.


Talvez o documento que vamos publicar a seguir consiga o milagre da sua conversão. É o depoimento do Académico de Ciências Domingos Afonso Condado a que já nos referimos, em que êste aluno da nossa Universidade Coimbrã declara por sua honra de cidadão e católico praticante, que na audiência concedida pelo sr. Bispo aos dois membros da Comissão Organizadora da Casa do Povo foram por S. Exª. Revmª., finda a leitura da representação que lhe foi lida e entregue, tomados os seguintes compromissos:
1º- Mandar proceder às obras necessárias no edifício do Grémio de Tavarede, a-fim de ser nele instalada a séde da Casa do Povo;
2º- Cedê-lo em boas condições à Comissão Organizadora;
3º- Nomear pároco novo para Tavarede. Sôbre êste ponto disse S. Exª. Revmª. que se não tivesse, na altura própria, pároco disponível, como era natural, encarregaria da freguesia de Tavarede um dos sacerdotes em serviço no Seminário ali existente, solução que os portadores da representação aplaudiram sem reservas.


O depoimento que aí fica não se destina ao público que já está suficientemente elucidado. Publicamo-lo especialmente para “O Dever” que nestas coisas é pior que S. Tomé... Está tão céptico, tão céptico, que põe em dúvida as afirmações do seu próprio Prelado.


Isto não o impedirá certamente de continuar a afirmar com o costumado amor... à sua verdade: “Sabiamos há muito que o sr. Bispo mostrara boa vontade e tinha prometido o seu apoio e sabemos que cumpriu até onde poude, mas igualmente que não prometeu a casa”.


Seria caso então para perguntar em que consistiria o seu apoio (não lhe foi pedido outro além da cedência da casa e da nomeação de pároco novo) e até que ponto cumpriu a sua promessa. Quer-nos parecer que “O Dever” está a prestar um péssimo serviço ao seu Prelado. Se fôssemos a dar crédito às suas engenhosas explicações, tinhamos que concluir que o sr. Bispo cometera um grave deslise prometendo sem condições expressas uma coisa que não era sua e portanto não podia prometer. Esta é que é a duríssima verdade.


Tem depois uma série assombrosa de explicações sôbre as relações entre a Diocese, o Prelado e a Predial Económica, proprietária, à face da lei, da chamada Casa do Grémio. Não se canse o colega a explicar-nos o que é a Predial Económica. Sabemos muito bem o que é juridica e religiosamente aquela sociedade e até a razão da sua existência. As suas explicações só podem servir para convencer algum pobre diabo mal precavido. Se as fôssemos a aceitar chegariamos à convicção absurda de que “O Dever” sabe melhor o que é a Predial Económica do que o seu próprio Prelado.


Não gaste o seu latim, colega! Quanto mais explica... pior se coloca. Depois de negar à gente de Tavarede categoria para se corresponder com o Exmo. Prelado, afirma “O Dever” que a carta a pedir as condições em que seria vendido o edifício do Grémio, não foi recebida por S. Exª. Revmª. Vinha talvez a propósito fazer aqui duas considerações sôbre o remoque infeliz do nosso colega. Mas adeante. Não nos cabe discutir se sim ou não os queixosos (a quem foi reconhecida categoria para desempenhar os mais altos cargos na direcção dos organismos católicos de Tavarede) teem categoria para se corresponder com o sr. Bispo. Só a S. Exª. Revmª. compete decidi-lo. E está provado pelo documento que publicámos no Figueirense de 12 de Novembro que S. Exª. Revmª. respondeu à carta enviada pela mesma via e pessoa, a solicitar a realização das prometidas obras na chamada Casa do Grémio.


Se respondeu à primeira é porque aos queixosos foi reconhecida categoria e nesse caso a segunda também devia ter resposta ainda que por intermédio do seu secretário. Em que se firma “O Dever” para asseverar que S. Exª. Revmª. não recebeu esta carta? Não estaremos nós em presença duma restrição mental de que se abusa em certas esferas? Não teria o articulista pretendido dizer na sua que quem recebeu a carta foi o criado do Seminário ou o Secretário episcopal? Sendo assim... passe, embora não seja correcto nem de bom gôsto.


Nada de mistificações. Nós estamos informados de que a carta chegou ao seu destino. Foi recebida não há dúvida nenhuma. Se o articulista duvida, pergunte ao sr. Director de “O Dever”. Talvez êle saiba até porque não teve resposta. Ancioso de colher-nos em falso em qualquer coisa, “O Dever” agarra-se a um êrro dactilográfico aliás sem valor para a causa em discussão e atreve-se a afirmar, muito contente, que faltámos à verdade.


Haviamos escrito, na nossa péssima caligrafia: “Podemos asseverar que a Comissão Organizadora... quinze dias depois de fechado o negócio ainda o ignorava”. E não faltámos à verdade. Há só uma diferença, é que na passagem do manuscrito o dactilógrafo trocou o numeral onze por quinze. E assim a nossa informação está rigorosamente certa. É que só quando “O Dever” o noticiou, a 30 de Setembro, houve a certeza do disparatado negócio. Foi então que a Comissão Organizadora, composta por 15 pessoas, tomou inteiro conhecimento. Não quiz “O Dever” encerrar a sua pseudo-resposta sem brincar mais uma vez com a credulidade dos seus leitores. Diz que o falecido Padre Manuel Vicente não doou ao Seminário de Coimbra mas ao Bispo D. Manuel Luiz Coelho da Silva, de saudosa memória, a residência paroquial de Tavarede (aqui já se pode falar em propriedade dum alto dignitário?...) - a qual foi vendida (!!!) mais tarde à Predial Económica. Já sabiamos que “O Dever” tem artes para explicar o inexplicável. Em mais duma emergência o tem demonstrado.


É curioso notar que o falecido Padre Manuel Vicente, nos últimos anos da sua vida manifestou a várias pessoas das nossas relações o inabalável prepósito de doar por sua morte ao Seminário de Coimbra - ao qual devia a sua ordenação - a propriedade dos seus bens. E mais curioso ainda é que na altura em que foi vendida e Casa do Grémio um herdeiro e afilhado do Padre Manuel Vicente dirigiu-se a Coimbra para obter por compra a referida residência paroquial, e ali, a-pesar da Diocese viver em déficite e grande, foi regeitada a sua proposta com fundamento de que a residência paroquial, sendo um legado ao Seminário do falecido Padre Vicente, mal parecia que fôsse vendida!!! Não foi alegada, que nos conste., qualquer outra razão.
Como se vê permanece de pé tudo o que afirmámos. O resto nem fôgo de vistas chega a ser. É do mais pobresinho... E... sans rancune...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

TEATRO NO PORTO

Na sexta-feira foi ao Porto realizar um espectáculo em benefício do Asilo de S. João, daquela cidade, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense que representou no Teatro de Sá da Bandeira a opereta Justiça de Sua Majestade.


Temos prazer em registar que os nossos patrícios alcançaram um belo êxito, que os enche de natural satisfação e muito honra o festejado grupo tavaredense.


O teatro encheu-se. Esgotou-se completamente a lotação da plateia e camarotes. E a assistência manifestou o seu agrado de maneira bem expressiva. A representação foi frequentemente cortada de aplausos. Logo no 1º acto, uma calorosa ovação sublinhou a linda Canção dos Beijos; e foram sucessivamente aplaudidas a Canção do Tabaco, o número de Roberta, e o coro final do 1º acto; o belo dueto dos dois criados rústicos no 2º acto, o terceto Açorda do Major, a formosa canção de D. Joana, que a assistência obrigou a bisar, o coro Boas-noites, o dueto de amor e o terceto do 3º acto, etc. No final as aclamações foram calorosas e prolongadas, fazendo-se chamadas que provocaram novas ovações.


E assim, a linda opereta, que no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense alcançou extraordinário agrado, obteve um êxito enorme com os aplausos expontâneos, sinceros, da culta plateia portuense.


Dirigimos ao grupo tavaredense as nossas felicitações cordiais, por este seu novo triunfo, abrangendo nelas o distinto compositor amador, nosso patrício, sr. António Simões, autor da maior parte dos números de música da opereta e que no Porto apresentou e dirigiu uma excelente orquestra.


No jornal do Porto Povo do Norte, de segunda-feira, o seu crítico teatral refere-se à récita dos tavaredenses com palavras de muito elogio. Transcrevemos:


“ Há, no meio jornalístico profissional do Porto, a monomania de ligar pouca importância aos grupos de amadores teatrais da província. Ainda na última sexta-feira, num espectáculo que se realizou, no Teatro Sá da Bandeira, em benefício do Asilo S. João, tivemos o ensejo de verificar esta lastimável verdade. Talvez porque se exibia ali um grupo de amadores de Tavarede, interessante aldeia vizinha da Figueira da Foz, não compareceu, naquele teatro, um único redactor dos diários portuenses a cumprir o dever de apreciar aquela tão simpática festa para, sobre ela, bem informar depois a curiosidade do público. E foi pena que assim acontecesse porque o espectáculo marcou, sem dúvida, uma nota artística digna de registo. Devemos confessar que nos surpreendeu o conjunto, que é mais harmónico que muitas companhias de profissionais que algumas vezes nos têm visitado”.


Depois de se referir à adaptação ao teatro da Justiça de Sua Majestade e ao modo como a opereta foi posta em cena, o crítico do Povo do Norte acrescenta:


“ Não faltou o mais insignificante detalhe de observação nos cenários e guarda-roupa, confeccionados de acordo com as exigências da época. Notou-se nas mais pequeninas coisas que andou ali dedo de quem percebia de teatro... E só assim se compreende o êxito alcançado por um conjunto de amadores, filhos do povo e do trabalho, que nas horas vagas se dedicam àquele modo de se instruírem e civilizarem, em vez de fugirem para os centros maléficos do vício e do crime. A música da peça deve-se aos profissionais Ferrão e Portela e ao maestro-amador do grupo, António Simões, que dirigiu com segurança a orquestra, durante o espectáculo, sendo toda inspirada em motivos populares, cheios de ingenuidade, que soam bem aos ouvidos daqueles que estão habituados a escutar as canções simples mas harmoniosas e sentimentais do povo aldeão.


No desempenho salientaram-se a característica Maria Tereza de Oliveira que, no papel de Roberta, nos deu a impressão de uma autêntica artista. D. Violinda Medina que, com um fiozinho de voz agradável, cantou bem e declamou sempre com muita naturalidade e acerto, dum modo a, por diversas vezes, justamente conquistar aplausos; e Guilhermina de Oliveira, num ingénuo papel de criada, que desempenhou com vivacidade. Muito graciosa, mereceu também as palmas com que os espectadores a distinguiram. Guardamos para o final o trabalho de Emília Monteiro, a triste apaixonada, que soube imprimir sentimento ao decorrer do desempenho do papel que lhe foi confiado.


Do elemento masculino, devemos salientar Jaime Broeiro que, no papel de José Urbano, revelou qualidades artísticas; e os restantes não desmancharam o conjunto. A apresentação do grupo foi feita pelo nosso prezado amigo dr. João Correia Guimarães, a quem José Ribeiro agradeceu num belo improviso as palavras com que a sua gente foi distinguida. Um pequenino educando agradeceu também o benefício que o seu asilo acabava de receber.


Foi comovente o modo como o director do grupo respondeu ao pequenino, dizendo-lhe que nada tinha que lhes agradecer porque estavam todos ali cumprindo um dever de solidariedade humana. A assistência que enchia o teatro sublinhou com uma estrondosa salva de palmas as palavras do nosso colega. Foi uma simpática festa que o Asilo de S. João organizou e que deve repetir-se logo que tenha oportunidade para isso”.


Também o Primeiro de Janeiro se refere elogiosamente à representação da Justiça de Sua Majestade:


“ A récita em benefício da simpática Associação Protectora do Asilo S. João realizada,, sexta-feira passada, no Sá da Bandeira, decorreu com entusiasmo e, por vezes, até com brilho mercê, principalmente, da peça representada e da segurança que mostraram no desempenho dos seus “papéis” os bons elementos que constituem o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, da Figueira da Foz”.


Alude em seguida à adaptação da Justiça de Sua Majestade, e termina:


“ A música traz as assinaturas dos maestros Raúl Ferrão e Raúl Portela e do amador figueirense António Simões, sendo, toda ela, de suave inspiração e melodia. O desempenho foi correcto e homogéneo, procurando todos os amadores concorrer – o que conseguiram – para o sucesso da representação a que o público não regateou aplausos. O grupo coral compartilhou, também, com justiça, desses aplausos, assim como a orquestra, sob a direcção do sr. António Simões. O interessante Grupo apresentou um bom guarda-roupa, à época (1852) e cenários apropriados do cenógrafo Rogério Reynaud e do artista Alberto Lacerda. Pode dizer-se que a récita da Associação Protectora do Asilo de S. João, instituição de beneficência que tantas simpatias conta nesta cidade marcou, este ano, como espectáculo de interêsse”.


A Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense está reconhecidíssima ao Asilo de S. João pelo acolhimento gentil que foi dispensado ao seu grupo cénico, e particularmente ao sr. Rogério Bettencourt, director daquela benemérita instituição, cujas atenções e gentilezas não serão esquecidas.


(A Voz da Justiça - Maio de 1935)

De Casa de Cultura a... Taberna! (12)

Entra, então, na disputa, e por se sentir visado injustamente, o padre Abrantes Couto, pároco de Buarcos e, interinamente, encarregado de Tavarede em substituição de padre Cruz Diniz, com uma carta dirigida a “O Figueirense”, que a publica a 19 de Novembro:

“Sr. Director de “O Figueirense” - Figueira da Foz

Numa local intitulada “À Volta da Casa do Povo de Tavarede” inserta no jornal de 12 do corrente de que V... é digno Director, faz-se uma referência inverídica à minha pessoa por estas palavras:
“-Talvez esteja aqui o ponto nevrálgico da questão, visto o actual pároco encarregado da freguesia não ter visto, ao que parece com bons olhos, tal medida alheando-se sistematicamente duma causa que devia merecer todo o seu apoio.”


Porque tal referência não corresponde à verdade, rogo o subido favor de publicar o seguinte esclarecimento:
1º. - sou pároco da freguesia de Tavarede por vontade de quem me nomeou que não por sentir nisso prazer e seria ridículo poder alguém supor que eu não veria com bons olhos a nomeação de pároco próprio para uma freguesia que tendo todas as responsabilidades de freguesia nunca me deu mais de cento e cinquenta escudos mensais, isto é, que sob qualquer ponto de vista não compensa os sacrifícios que tenho feito para poder paroquiá-la.
2º. - de facto não dei nem podia dar o meu apoio (que nunca os pretensos organizadores da Casa do Povo de Tavarede pediram) a indivíduos que tendo responsabilidades adentro do extinto “Grémio” (de que fui sócio cotista) não dispuzeram de influência nem arriscaram um centavo para evitar a sua ruina, ao menos conseguindo a ligação da luz cujo corte parece ter sido o primeiro passo para a morte daquela colectividade, e os quais estando à frente da Conferência de S. Vicente de Paulo, que algum bem fizera entre os pobresinhos, a deixaram igualmente morrer.
Fica, portanto, esclarecido, que terá sempre os meus agradecimentos quem conseguir fazer-me substituir bem depressa e que terá sempre o meu melhor apoio, desde que o queira, quem, com qualidades e competência, se lançar em qualquer empreendimento de interesse social.
Pela publicação desta carta lhe fica muito grato o que é de V... etc. Padre Alfredo de Melo Abrantes Couto (Prior de Buarcos, encarregado de Tavarede)”

E agora vamos transcrever as respostas e contra-respostas que se seguiram, indicando unicamente os jornais e datas das publicações.
Em “O Figueirense”, de 3 de Dezembro de 1938:

“ A carta dirigida a V.Exª. pelo sr. Padre Abrantes Couto e publicada no último número do seu conceituado jornal contém várias insinuações, uma das quais, como último presidente da Confraria de S. Vicente de Paulo de Tavarede, não devo deixar passar em julgado para que amanhã pessoas mal intencionadas não possam atribuir-me responsabilidades de que estou totalmente isento.
Diz S. Revª.:
“- de facto não dei nem podia dar o meu apoio... a indivíduos que tendo responsabilidades dentro do extinto Grémio... não dispuzeram de influência nem arriscaram um centavo para evitar a sua ruína... e os quais estando à frente da Conferência de S. Vicente de Paulo, que algum bem fizera entre os pobrezinhos, a deixaram igualmente morrer”.
O sr. Padre Couto, que em tempos bem recentes, ainda me deu tratamento de amigo e fez a meu respeito as mais lisongeiras referências, desde que eu me intrometi a pugnar pela criação da Casa do Povo de Tavarede, convencido de que com isso prestava à minha freguesia um serviço de real importância, tem manifestado por todos os meios a sua boa vontade contra este seu obscuro paroquiano.
Insultou-me numa epístola destrambelhada, teceu intrigas à minha volta, e até à calúnia recorreu, esquecendo lamentàvelmente o 8º. Mandamento do lei divina.
Por fim, no mais ignóbil cópula com um insultador do seu colega Cruz Diniz, andou a pescar pelos saguões anti-clericais um acervo de falsidades justificativas duma excomunhão fulminante e subsequente processo correccional no Tribunal Civel, ambos em preparação, como prémio dos meus serviços à causa católica.
Não satisfeito com isto tudo, até a morte da Conferência de S. Vicente de Paulo ousou atribuir-me, sem o menor respeito pela verdade e pela dignidade alheia.
Sua Revª. trazia há muito escondida no bolso da batina esta pedrinha para me atirar. Surgiu a oportunidade. Foi um alívio!
Restabeleçamos a verdade dos factos que o sr. padre Couto teima em não aceitar e veremos como sai incólume de mais este atentado...
A Conferência de S. Vicente de Paulo de Tavarede, iniciativa feliz do antigo pároco desta freguesia, Revº. Cruz Dinis, que com todos os seus defeitos, valia mais de que alguns com todas as suas virtudes, reuniu pela primeira vez em 9 de Setembro de 1932, com 6 membros efectivos, presididos por um novo que não tardou em abandoná-la, talvez porque notasse que tais funções não lhe trariam recompensa material.
Assisti à inauguração e às cinco primeiras reuniões semanais sem fazer parte dela. Na sexta reunião, em 21 de Outubro, fui convidado a tomar parte nos trabalhos, e na reunião seguinte, a 28, a assumir as funções de secretário.
Em 4 de Outubro de 1934, sem que o pedisse, antes pelo contrário bastante contrafeito por não reconhecer em mim qualidades e competência, elevaram-me à Presidência do referido organismo, cargo em que fui mantido até meados de Janeiro de 1936 em que cessou a sua actividade, depois de ter distribuido pelos pobrezinhos da freguesia além de roupas, alguns milhares de escudos em subsídios e géneros alimentares.
Muito poucos acompanharam a Conferência até final. Numerosos ficaram para traz, desalentados ou apegados ao seu invencível materialismo.
Pertenci ao número raro dos que a perseveraram, que a seguiram com carinho, do berço ao declínio. E sem vaidade o proclamo: o período da minha presidência foi o de maior prosperidade, como se pode verificar pelos respectivos livros. Cheguei a andar domingos consecutivos, acompanhado pelos meus rapazes, a calcurrear os acidentados casais da freguesia, de bolsa na mão, a pedir uma esmolinha para os pobres.
A população, a pesar de pouco habituada a estes espectáculos, entusiasmou-se e contribuiu na medida das suas posses. Ricos e remediados, tudo concorreu. A Conferência estava no auge da prosperidade.
Em principios de Agosto de 1935, vítima talvez do cumprimento do meu dever vicentino, pois visitava semanalmente um tuberculoso no último grau, alojado numa pocilga infecta ali para os lados da Chã, caí doente.
Robusto e sádio como poucos, todo o meu ser experimentou fortíssimo abalo de que ainda hoje estou sofrendo consequências. A medicina declara grave o meu estado. Manifestara-se pleuresia direita. O primeiro passo para a tuberculose.
No dia 2 de Setembro, a conselho médico, abalei para a minha terra - Almalaguez - onde permaneci em convalescença até fins de Outubro.
Encontrava-me ali há menos de um mês quando tive conhecimento de que a seu pedido fora transferido para Coimbra o revº. Cruz Diniz e substituído em Tavarede pelo sr. P. Eduardo Bastos, sacerdote digníssimo e de notáveis recursos, a quem presto as minhas homenagens.
No meu regresso, ainda bastante combalido, encontro os membros da Conferência, que eu deixára a funcionar normalmente, incompatibilizados uns com os outros, e as reuniões interrompidas há mais de um mês. Em suma, a Conferência estava em estado de sítio.
Que sucedera?
Um acidente que eu não poderia evitar, visto ocorrer na minha ausência: - Alguns confrades, não se conformando com a marcha dos acontecimentos, haviam comparticipado de certa manifestação que o revº. Cruz Diniz verberou asperamente à Missa dominical.
Um dos visados (que hoje anda de testo e pucarinho com o revº. Couto contra a minha humilde pessoa), secundado por outro, por sinal dos mais esclarecidos e devotados à causa dos pobres, recusou-se terminantemente a tomar parte nas reuniões, enquanto se mantivesse em Tavarede o revº. Cruz Diniz.
Os restantes confrades entendiam, e muito bem, (estes é que estavam no bom campo) que a Conferência devia ser completamente estranha a tais questões. Queriam reunir fosse onde fosse para que os pobres não ficassem prejudicados.
Rompeu a discussão, surgiu a discórdia, a cisão, e a Conferência viu-se privada de alguns dos seus melhores elementos.
Quiz apaziguá-los, trazê-los, de novo, empreguei porfiados esforços para o conseguir, mas debalde. Eles próprios podem testemunhar a minha insistência.
Coincidiu com esta deplorável ocorrência a posse do novo pároco, revº. Eduardo Bastos. Este, convidado por escrito a prestar a necessária assistência como pároco da freguesia, agradeceu em carta comovida mas talvez devido às suas muitas preocupações nunca compareceu.
Privado da assistência eclesiástica, e desfalcada embora dos seus mais activos elementos, reuniu ainda a Conferência durante quatro meses. A última reunião realizou-se no dia 12 de Janeiro de 1936, depois de se ter reconhecido que naquelas circunstâncias era inútil prosseguir.
Com a nomeação do sr. Padre Couto para Tavarede luziu no nosso espírito uma nova esperança. Convencemo-nos de que S. Revª. empenharia imediatamente o melhor do seu esfôrço e influência para reanimar os organismos católicos adormecidos.
Enganámo-nos redondamente! S. Revª. não arriscou um passo (e queria que os outros arriscassem capitais!) para tal fim, devendo ser ele o principal interessado.
Os problemas que logo de entrada absorveram todas as suas preocupações foram o da venda da Casa do Grémio e o magro rendimento da freguesia... Estavam em primeiro lugar do que a Conferência, sobre a qual vem verter agora lágrimas de crocodilo...
Quanto ao Grémio, nada tenho a objectar, porque felizmente não pertenci à sua última direcção. Que lhe responda quem quizer se entender que vale a pena.
A encerrar o seu desabafo (in cauda venenum...) diz o sr. Padre Couto que “terá o seu apoio, desde que o queira, quem, com qualidades e competência se lançar em qualquer empreendimento de interesse social”.
Que lhe agradeça essa amabilidade a Comissão Organizadora da Casa do Povo de Tavarede, constituída pelos católicos mais em evidência da freguesia (incluindo um Cónego e um Lente) na qual S. Revª. não descortinou pessoas com qualidades e competência dignas do seu apoio... Isto significa que os católicos de Tavarede são todos uns sarrafaçais, indignos de ter à sua frente um pároco tão ilustre.
Deve ser talvez por isso que o sr. padre Couto os trata desdenhosamente por seus parodianos, nas suas conversas com os colegas.
Pela publicação destas linhas se confessa muito grato o de V... a) Belarmino Pedro.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Festa Vindimária - Setembro 1941

No Casino – esta elegante casa de recreio facultou no sábado passado a uma numerosa assistência, que por completo enchia o vasto salão do café e respectivas galerias, uma festa encantadora.


Tratava-se da glorificação da vinha e do vinho no que ambos têm de mais característico – a festa pagã das vindimas.


Confiado a Rogério Reynaud o arranjo ornamental da sala, conseguiu este distinto artista fantasiar uma decoração original a todos os títulos, desde a parte propriamente pictural até à harmónica e bem distribuida iluminação, que, em milhares de lâmpadas multicores descia da cúpula e se derramava pelas galerias, palco e colunários.


Quatro enormes cestos, transbordantes de uvas, estavam suspensos do tecto. Em torno da sala, as paredes enfeitavam-se de grandes cachos. Nas quatro colunas centrais, uvas enormes escorriam o precioso sumo sobre vastas taças. Mas o que, designadamente, atraía os olhares do público, era a feliz ideia de Reynaud, de enquadrar em medalhões de uvas e parras bustos de raparigas envergando os trajos pitorescos das várias regiões vinícolas portuguesas, encimada cada uma, pelo escudo de armas da cidade ou vila a que pertencia.


A festa, que começou pelas 22 e meia horas, terminou perto das seis, tendo-se representado, no pequeno estrado que servia de palco, uma bluette graciosa adequada ao assunto da festa, original de José Ribeiro, entremeada de danças de colorido sabor popular. Os actores e actrizes, pertencentes ao grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense foram, bem como o autor, entusiasticamente palmeados.


Apresentaram-se também, no intervalo das danças, em que se viam muito e pitorescos trajos regionais, o actor-cantor Francisco Costa e a bailarina espanhola Carmenchu. O rancho “Flores de Portugal” e as filarmónicas “Figueirense” e “10 de Agosto” ajudaram a animar a festa com o seu escolhido repertório.


Em barracas enfeitadas de verdura, que durante toda a noite foram bastante concorridas, vendiam-se ao público: vinho, bolos de bacalhau, pastéis, arroz doce, sonhos, etc.


Felicitamos sinceramente a direcção do Casino Peninsular, sem esquecer o sr. Carlos Afonso Nogueira, funcionário superior da casa, pelo esforço inteligentemente dispendido e pelo bom êxito que alcançaram.


(Notícias da Figueira - 1941.09.20)

Na Várzea de Tavarede - 1º. de Maio

Já os remotos druídas celebravam o “Bé-il-Tin”, - o começo do ano, - quando dealbava Maio.


É festa que vem de longe e, passeando em torno das idades, o seu guisalhar alegre e ruidoso.


O nome céltico de Maio, era “Cenduin”, - o primeiro mês, o primeiro tempo, - visto que era em Maio, que por êsses recuados e apartados dias, se dava comêço ao ano.


Na clara Grécia, na velha Galia, na soberana e olimpica Roma, - as “Floralias”, as “Palilias”, - os enormes fogareus lucilando e crepitando nos altos môrros, recordavam segundo a tradição de uma festa solar, vestígios de qualquer antiga comunidade pastoral.


Por todo o lado, no dôce e suave mês de Maio-Moço, em que a Natureza inteira veste galas em honra e louvor da Deusa Primavera, - o entrar de Maio, foi motivo e razão de bailos e folgares, - ou à luz radiosa do Sol, ou sob o manto rútilo das estrêlas!


A Igreja, festeja em Maio-Florido, - Nossa Senhora.


É o Mês-de-Maria, - com os altares cheios de rosas claras.


O cristianismo, repudiou em seu começo as rosas, - dado o culto pagão votado à aromática flôr, pelos adoradores de Vénus, - a Deusa do Amor e da Fecundidade!


Bem cedo porém as rosas regressaram a encher os templos cristãos, a cobrir de seu oloroso perfume as naves altas, a atapetar com as suas finas pétalas de sêda, os pés da Virgem Nossa Senhora.


E por todo o Portugal formoso e crente, por capelas alpendradas no tôpo cinzento dos montes, por ermidas quietas e calmas, aninhadas no fundo das encostas ou erguidas ao remate das veigas tranquilas, se cantam e rezam, na doirada doçura das tardes macias dêste mês de Maio-Lindo, ladaínhas e litanias, erguendo aos Altos, - graças e louvores à Mãe-de-Deus!


Quando os Afonsos e os Sanchos, no alvorecer da nacionalidade, talavam a cortes de montante o solo da Nação, era em Maio que se organisavam as algaradas e se partia à reconquista cristã.


Então se clamava: - “Vamos ao Maio!” – E o mesmo era que dizer que abalavam por vales e cêrros, ao encontro das hostes infieis, - gentes d’Algo, infanções, cavaleiros temíveis e bravia peonagem.


“Ir ao Maio”, - marcava a largada das mesnadas heróicas, que iam bater-se gloriosamente para cimentar a Pátria, que nascia e se firmava entre os golpes de uma espada e o erguer de uma cruz!


As giestas, flôres d’oiro que cobrem em Maio-Formoso, tôda a faixa da Península, que vai do verde Minho ao moreno Algarve, simbolisam na sua arisca e rebelde graça, o mês mais contente de todo o ano.


Na manhã do primeiro dia de Maio, devem colher-se as giestas, e enramalhar com elas, as portas dos casais, os janelos, os currais do gado, a arca do pão e a talha do azeite.


... Para que Deus sempre dê fartura ao lar, e arrede maleitas e quartãs, - das gentes e do bicho vivo...


A giesta simbolisa o período da Primavera plena, e traduz o fino cantar do arroio calmo, o abrir da flôr no brotoejo dos ramos tenros, o chilreio dos ninhos e a vibração ligeira das azas que varam sem estôrvo o tranquilo e lavado azul!


Beber no alvôr da madrugada do 1º de Maio, água pura, gostosa e fresca, na Fonte milagreira da Varzea de Tavarede, - dá saúde, felicidade, alegria e sorte, para o ano inteiro!


Por isso, tôda a gente das terras ao derredor da linda e risonha aldeia, se agrupa e junta na praxista manhã, no largo onde a bica rumoreja num fio cristalino.


Não há moça de trabalho, que não consuma e môa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote de barro vermelho, - que é grande o despique em apresentar caprichosamente enfeitadas, as cantaras airosas.


Urdem-se entre folhas de hera, os tenras ramagens de buxo ou loiro, círculos de rosas e cravos em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em aneis pelo talhe grêgo dos bocais, e pelo jeito em ânfora à roda das azas perfeitas.


E grandes laçadas de fitas de sêda, descem pelos pucaros bem torneados, humidos e apetitosos, que matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...


Ainda o céu é um crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira, - seguindo no caminho fácil e geitoso da Várzea-de-Tavarede – ranchadas de gente môça e garrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.


Em roda da Fonte, com seu arco moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às duzias. E andam pelo ar cantigas d’oiro, com résteas de Sol!


Chegou agora o grupo dos “Amorosos”. São de Brenha. A tuna, é de apetite. Os rapazes trazem bonés forrados de fustão branco. E as raparigas ramos de limonete e pandeiretas de onde pendem tiras vistosas de mil côres. Cantam, com acompanhamento de côro, a velha moda popular “Margarida-vai-à-Fonte”. Que linda voz tem a cantadeira...

Fui à Fonte-dos-Amores,
Fui à Fonte-dos-Amores,
P’ra ter um Amor também!
Puz na cantarinha flôres
E na Fonte-dos-Amores,
Fui encontrar o meu bem!

A água da cantarinha,
A água da cantarinha,
Mata a sêde dos desejos!
Junta a tua bôca à minha,
E à sombra da cantarinha,
Dá-me a água dos teus beijos...

Puz ao ombro a cantarinha,
Puz ao ombro a cantarinha,
Tôda florida a preceito!
Não há sorte como a minha,
Trago ao ombro a cantarinha,
Trago o teu Amor no peito!

Na Fonte-de-Tavarede,
Na Fonte-de-Tavarede,
Sabe a água a alecrim!
Meu Amor mata-me a sêde
Com água de Tavarede,
Que fôste buscar p’ra mim!

Este rancho que entra agora no largo, e tudo domina com o restôlho da pancadaria acêsa no bombo, marcando o compasso rubro e ardente duma chula nervosa, é do Saltadoiro. O tilintar dos ferrinhos vibra como um repique de sineta aguda em baptisado. A voz do rapaz é macia como um veludo. E a da rapariga, fina e ductil, lembra um doce trilo de rouxinol...

Trazes junto ao coração,
Um Senhor, no teu rosário...
= Quem me dera ter a sorte
De morrer nesse calvário...

Não sei se te hei-de amar,
Se fugir ao teu encanto!
Não sei se devo gostar,
De quem me faz sofrer tanto!

O nome que te puzeram,
= Maria! – não acho bem!
Maria, foi Mãe de Deus,
Nunca fez mal a ninguém...

O Sol rompeu, abriu, cobre tudo com a sua aza d’oiro. O ceu, é um esmalte puro, - dum azul sem nódoa ou ruga. E todo o claro espaço, cheira a madre-silva, a mangerico, a rosmaninho em flor!


Da bica, tomba a linfa fresca, onde bocas gorgolejam. Uma cachopa, a fugir dum moço atrevido, deixou cair o vistoso pote, - catrapuz! – e foi um coro límpido de gargalhadas em redor...


A meio do largo, dança-se um “Malhão” barulhento – entre o zangarreio de guitarras, estridores de violões, ganidos de harmónicos, saltitares de chinelas, farfalheiros de oiros nos peitos das mulheres, nuvens de pó do sapateado acêso dos rapazes, estalidos dos dedos, e a voz rude e forte do marcador:


= Volta” E vira! Uma cantiga...


Uma voz sàdia de moço, atira ao fino ar:

“Vai à fonte quem têm sêde”...
= Este dito é impostôr!
Vim à fonte, sem ter sêde,
E morro à sêde de Amor...

Uma rapariga, morena como um bago de centeio, retruca de grimpa alta:

A Fonte-de-Tavarede,
Mata a sêde a quem a tem!
= Mata a sêde a quem tem sêde,
Não dá juizo a ninguém!

Há risos e palmas! O rapaz, nem toma folego, larga com desembaraço:

Oh mandador do “Malhão”
Mande-a cá! – Peço-lho eu...

= Três pares à frente! Agarradinhos! Voltinha ao par...


E mal a pulha nos braços, jungindo-a ao peito largo, enovelando-se com ela em duas voltas quentes e lestas:

Já lhe sinto o coração
Às marradinhas ao meu!

(Raimundo Esteves – Jogos Florais da Primavera de 1941, organizados pela Emissora Nacional. Menção honrosa em palestra radiofónica) (O Figueirense - 2.8.1941)

terça-feira, 19 de julho de 2011

NOTÍCIAS INTERESSANTES!

Ao folhearmos os nossos apontamentos encontramos, muitas vezes, notícias ou comentários muito interessantes. São coisas velhas, é certo, mas vale sempre a pena recordar. Hoje recordo dois desses apontamentos encontrados:


Arredores de Tavarede, 4-11-940 Sr. Redactor:


Esta carta não foi escrita por mim, que mal sei ler e escrever ainda menos, mas foi ditada por mim e sou eu que tomo a sua responsabilidade por se tratar de uma coisa justa como vai ver.


O sr. Redactor, no seu jornal, faz os seus reparos muito a propósito e no que me toca pela roupa, à venda do leite aos banhistas, chega a ser cruel para com os desgraçados que estão sempre mortinhos pela época dos banhos para apurar uns tristes vinténs para viver e para pagamento de tantos compromissos. O negócio do leite é pobre e os que o exploram nestas redondezas são pobres também.


Veja agora o sr. Redactor o que se dá nos cafés em comparação com o que se passa connosco, coisa que eu observei e paguei: a nós tabelaram-nos o leite a 1$50 o litro em plena época e nos cafés agora no Outono é fornecido à razão de 12$00! Não é exagero. Eu demonstro:


No domingo foi dia de festa cá em casa e para dar um pouco de gozo ao espírito fomos de ranchada até à Figueira ao cinema, mas antes fomos tomar café ao Nicola, porque tristezas, e são tantas, não pagam dívidas, que também são muitas.


O Nicola estava cheiinho como um ovo. Lá conseguimos uma mesa e com espanto do criado por ver estes clientes maltezes endomingados, tomamos o nosso lugar e pedi:


= Para mim um café em chávena. Os copos são para o vinho. Para a patroa, um garoto em copo para variar.


= Credo homem que é isso?


= Cale-se, não se faça saloia.


Os cachopos tasquinhavam pevides, sempre ficava mais peitoral.


O criado veio com a sua bandeja atestada de material. Preparou o garoto: um dedal de leite no copo e um dedal de café a dar côr ao leite. Tomámos com cerimónia a nossa extravagância.


= Quanto custa?


= Dezasseis tostões.


Paguei sem bufar e mais dois tostões de gorgeta.


Na rua a minha mulher, que é uma moirinha no trabalho, desabafou. Disse que ia para os jornais, e é por isso que aqui venho, sr. Redactor, a dizer-lhe que repara dos pobres leiteiros na época de banhos subirem um nadinha no preço do leite e não dizer dos cafés o venderem ainda à razão de doze mil reis o litro.


Que tal lhe parece? O que me diz a isto sr. Redactor?


Se publicar este desabafo agradeço-lhe. Um leiteiro pobre.


As colunas do “Times” estão sempre à disposição dos que queiram tratar de assuntos de interesse público.


Informamos a pessoa que veio reclamar contra o preço do leite e do café nos Cafés do Bairro Novo de que na terça-feira foi feito abatimento, servindo-se agora cada chávena a seis tostões. E com um “cheirinho” custa a mesma coisa...


São bons amigos...


A segunda história é passada em Tomar. Foi igualmente na década de 40 do século passado. Foi anunciado um espectáculo com o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense. Eis a história:


Noutro dia ia eu na rua, preocupadíssimo com o facto de não me estampar nalguns dos numerosos montes de pedra ou nas covas que apresentam as ruas há uns tempos para cá, quando ouvi atrás de mim uma voz gritar:


- Eh pá! Sabes quem vem cá?


Eu voltei-me logo, na intensão ingénua de dizer que não sabia quem vinha cá. Mas logo ouvi outra voz que plagiava a minha resposta e, como sou um tipo esperto, deduzi como qualquer polícia amador que a conversa não era comigo.


Disfarçadamente voltei-me para ver quem falava. Eram dois garotitos farrapões. Um estava a tirar rendimento dum banco da praça, cabeça tronco e membros a ocupar a apertada taboínha onde as pessoas sentam. O outro estava sentado ao pé do monumento do Gualdim e ocupava-se asseadamente a limpar o nariz. Estava já disposto a seguir o meu caminho e teria sido bem bom para não estar agora a maçar os leitores, quando ouvi a mesma voz gritar:


- São aqueles tipos, os de Tavarede. Eh pá, aquilo é que são actores. Vêm cá trabalhar para a gente. Quem me dera ir!


O outro encolheu os ombros e começando a limpar com esmero o outro lado do nariz, berrou de cá, na linguagem de qualquer menina moderna:


- Eu cá, não posso ir, estou teso. Ouvi dizer que são uns gajos bestiais. Lá a’nha avó diz que eles são muito bons, que vêm ganhar dinheiro para dar depois aos pobres. Aquilo é gente bem boa!


Nesta altura da conversa, resolvi continuar o meu caminho. Mas as frases dos garotos tinham-se-me metido na cabeça. Vêm cá trabalhar para a gente! Dissera o garoto. E realmente era verdade. Aquele grupo de artistas que à força de arte têm conquistado simpatia, admiração, por muita terra de Portugal, vêm cá de vez em quando a Tomar, salvar a crítica situação da Casa dos Pobres. E os pobres conhecem-nos, e estão-lhes agradecidos.


Poderão dizer que “são uns tipos bestiais”, que a ideia da frase se eleva acima da rudeza da expressão.


Bemvindos sejam por isso os tavaredenses.


Os pobres são gratos para quem os acarinha. E até me dá vontade de chegar ao pé deles e dizer também como o farrapão: Apertem esses ossos. Vocês são uns tipos bestiais!


São ou não são retalhos interessantes?

sábado, 16 de julho de 2011

Teatro da SIT nas Alhadas

Alhadas – Conforme demos notícia, teve lugar no domingo, 1 do corrente, um espectáculo em benefício do nosso Jardim-Escola, pelo grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.


A Direcção da Boa União cedeu do melhor agrado a sua casa, que se encheu de uma assistência selecta que sinceramente aplaudiu o magnífico Grupo que se exibiu de uma forma admirável.


O espectáculo abriu com a apresentação das crianças do Jardim-Escola, que se exibiram em danças e canto, acompanhadas a orgão pela digníssima Regente e auxiliada pela professora sua colega. A exibição das crianças agradou bastante e foram sempre muito aplaudidas pela assistência.


Seguiu-se uma magistral lição sobre o teatro de Gil Vicente, dada pelo Director do Grupo de Tavarede, nosso querido amigo José Ribeiro, que historiou a vida daquele grande poeta desde a apresentação das suas peças na côrte da excelsa Rainha D. Leonor até ao ponto em que elas foram proibidas de serem apresentadas em público.


A lição, que foi escutada em religioso silêncio, preparou a assistência menos culta a poder apreciar e perceber a representação dos autos que iam seguir-se. José Ribeiro foi, no final, delirantemente ovacionado, muito justamente, pois produziu uma lição daquelas que só ele sabe dar em conversa amena com o público que o escuta.

Auto da Barca do Inferno - Os Cavaleiros de Cristo


Seguiu-se a representação do “Auto da Barca do Inferno”, que teve por parte dos amadores-actores desempenho digno dos maiores aplausos, que de facto ouviram no final.


Vem, seguidamente, depois de curto intervalo, a representação do “Auto da Mofina Mendes”, um dos melhores que o iniciador do teatro português escreveu.


Este Auto, que tem alguma semelhança com os “Autos Pastoris” (Presépio), muito divulgados no nosso concelho, e que quase não há ninguém que não tenha visto representar, é de uma naturalidade, de uma singeleza, de uma ruralidade que impressiona.


Que beleza de teatro! O que de realidade encerra este Auto do Mestre Gil! Neste, como no da “Barca do Inferno”, o desempenho foi correctíssimo.

As três gerações


Fechou este inolvidável espectáculo com a representação da lindíssima e comovedora comédia do grande escritor teatral Ramada Curto – “Três Gerações” – que teve desempenho admirável por parte dos seus intérpretes, D. Violinda Medina e Silva, D. Maria Tereza de Oliveira, João Cascão, (da velha guarda) e as meninas Maria Aurélia Ribeiro e Lucídia Santos, estas quase estreantes, que representam como se fossem já velhas na arte de representar.


Que belo desempenho! Que magnífica lição! Que apresentação tão distinta! Que naturalidade! Muito bem. Assim é que se faz teatro!


Descido o pano, a assistência vibrando de entusiasmo, aclamou os distintos actores, fazendo chamada especial a José Ribeiro, o impulsionador do Teatro no nosso concelho, que, com certa comoção, agradeceu.


Subido, novamente, o pano, foi, por uma das crianças do Jardim-Escola, oferecido a José Ribeiro um lindo ramo de cravos, tendo, nesta altura, o Presidente da Comissão de Assistência do Jardim-Escola, agradecido, em breves palavras, o contributo material dado ao Jardim-Escola e ao prazer espiritual dado a quantos tiveram a felicidade de assistir a tão grandioso espectáculo.


Parabéns ao querido amigo José Ribeiro, e ao excelente grupo que dirige, pelo brilhantismo da sua representação.


Parabéns à Comissão de Assistência do Jardim-Escola pelo êxito obtido materialmente e pela sua acção no sentido de nos proporcionar uma tão agradável noite de Arte. A Comissão de Assistência do Jardim-Escola das Alhadas, agradece, com muito reconhecimento, ao distinto grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense e ao seu digníssimo director, exmo. sr. José da Silva Ribeiro, o inolvidável espectáculo que aqui vieram dar, em benefício desta Instituição, e que além do bom resultado material, constituiu um serão de bom Teatro e uma noite de Arte, que perdurará para sempre.


O Figueirense - Junho de 1952

De Casa de Cultura a... Taberna! (1)

Mas, então, em que ficamos? A casa, a triste casa que dia a dia se degradava, era ou não propriedade da diocese? O senhor Bispo tinha, ou não, prometido a sua cedência para lá se instalar a Casa do Povo? São muito curiosos os argumentos usados de parte a parte. A subtileza surge em cada frase. “O Dever”, como jornal pertencente à Igreja, defendia o Bispo de Coimbra. “O Figueirense”, procurando servir os interesses dos organizadores da Casa do Povo, retorquia que eles é que tinham razão.


Vejamos como argumentou, a 18 do mesmo mês, “O Dever”:

“Lembram-se, de certo, os leitores que, há 3 semanas, pedimos ao nosso colega local “O Figueirense” para corrigir uma informação errónea que, de boa fé, havia publicado, na qual dizia, em resumo:
“a) que a chamada Casa do “Grémio” de Tavarede era propriedade dum alto dignitário eclesiástico;
b) depois de a ter prometido à Comissão Organizadora para a instalação da “Casa do Povo” daquela frèguesia. “


Lembram-se também que lhe dissemos os motivos porque era errónea aquela informação:
“a) a casa referida não era propriedade de nenhum alto dignitário eclesiástico, mas da sociedade por quotas Predial Económica;
b) não fôra vendida sonegadamente, mas com conhecimento até de entidades oficiais;
c) nunca tinha sido prometida a ninguém.”


Pois “O Figueirense” com uma lealdade que muito o honra, fez tôda a correcção pedida, no seu número de 12 do corrente; efectivamente, ali se lê:
a) a linhas 56 e 57 do texto, que o prédio em questão não era propriedade particular de Sua Exª. Revmª. - o sr. Bispo Conde - entende-se; portanto desdiz que era propriedade dum alto dignitário eclesiástico;
b) a linhas 209 e seguintes que é certo que várias pessoas, convidadas pelo pretendente, o acompanharam numa visita ao prédio, dias antes da compra e mais abaixo: que uma pessoa o acompanhou a Coimbra. Assim reconhece e desdiz que a venda fôra feita sonegadamente;
c) a linhas 121 e seguintes, que Sua Exª. Revmª. concordou plenamente com os pontos de vista da Comissão, prometendo-lhes todo o seu apoio; e como nem da carta que publica consta a promessa da casa, fica corrigido o êrro publicado pelo Figueirense e demonstrado que a casa não foi prometida a ninguém; pois o senhor Bispo só prometeu o seu apoio; não se pode confundir apoio com casa.


Registamos com desvanecimento a atitude de O Figueirense que assim mostra que há uma verdade só: aquela que defendemos.

Questões novas

Na local, donde extraímos esta honrosa retratação, levantam-se questões novas a que vamos dar rápida solução:


I - Na redacção do artigo, esqueceu-se que sôbre um prédio podem recair vários direitos ao mesmo tempo: o de propriedade, o de usufruto, o de enfiteuta, o de credor, o de locatário... Se se tivessem recordado estes princípios, não se pretenderia concluir do acêrto encontrado pelo nosso correspondente na resolução do sr. Bispo, na venda da casa de Tavarede, ou da nossa frase: - que a diocese não podia fazer despezas, ou da necessidade de licença da Santa Sé para realização do contracto, ou ainda da reunião do Conselho de Administração diocesana, para a afirmação estruturalmente errónea de que aquilo era tudo do sr. Bispo ou pelo menos da diocese.
As coisas não são como se julga, são como são, e nêste caso, são muito simples e muito claras. A Predial Económica era a proprietária e a diocese credora e locatária, com obrigação de reparos enquanto a quisesse ter ao serviço da igreja, em Tavarede.
O senhor Bispo, pois, aparece a resolver, com o seu conselho, como representante da diocese, crèdora e locatária (não proprietária) em submissão à Santa Sé a cujo juizo estão sujeitos arrendamentos sub-arrendamentos de certo valor.
Não caímos, pois, em nenhuma contradição falando, ainda que ao mesmo tempo, em propriedade da Predial Económica, em resolução do sr. Bispo ou em despesas da diocese... limitámo-nos a dar a cada um o que lhe pertence.
Assim é que só há uma verdade e as coisas ficam certas.


II - Informa o mesmo artigo que o senhor Pe. Palrinhas aconselhara a creação da “Casa do Povo” a instalar naquele edifício, e é verdade, mas não diz, e devia dizer, que o mesmo sacerdote reprovou a representação que lhe mostraram antes de a levar a S. Exª. Revmª. pedindo-lhe a cedência do direito de usufruição da casa para êste fim, e a nomeação de pároco novo, por menos sensata, despropositada e prenúncio de mais um insucesso.


III - Formula-se no mesmo artigo indignada queixa por a Comissão não ter merecido até hoje a honra duma explicação; e baseia-se esta queixa em S. Exª. Revmª. não ter respondido à última carta que lhe foi dirigida, preguntando prêço e condições de venda da Casa do Grémio.
Antes, seria interessante saber se os queixosos têm categoria para se corresponder com o senhor Governador Civil; decerto não têm; nêsse caso, também a não têm para se corresponder com o Exmº. Prelado da diocese e, desde logo, não têm direito de se queixar. Mas a queixa é injusta, e gravemente, porque S. Exª. Revmª. não recebeu essa carta. Se a recebesse, embora contra o protocolo, não deixaria de responder.


IV - Insiste-se em que o estabelecimento a abrir na casa questionada, não é uma mercearia e vinhos, mas uma taberna. Com isto não gastamos tempo, quem quizer pode verificar a verdade, passando por Tavarede.


V - Falta-se á verdade, afirmando que permanece de pé a afirmação de que o prédio era propriedade dum alto dignitário eclesiástico, a linhas 62 ou 63.
Imediatamente antes se reconhece que não era propriedade particular de S. Exª. Revmª. a casa, que se passa a supor, ainda impròpriamente, pertença da diocese.
Não; a afirmação ficou de pé, foi mal substituída, mas foi substituída.


VI - Falta-se à verdade de novo quando no mesmo artigo se afirma, a linhas 195, que O Dever fez a afirmação solene de que nada fôra prometido à Comissão que se avistou com o senhor Bispo. O Dever disse que a casa não fôra prometida a ninguém.
Entre nada e casa há uma grande diferença. Sabiamos há muito que o sr. Bispo mostrara boa vontade e tinha prometido o seu apoio, e sabemos que cumpriu até onde poude, mas igualmente que não prometeu a casa.


VII - Igualmente e mais uma vez se falta á verdade, dizendo-se, a linhas 199 e seguintes, que a Comissão Organizadora quinze dias depois de fechado o contrato (de venda, claro) ainda ignorava e aguardava as informações pedidas a quem de direito.
O contrato foi fechado a 19 de Setembro, nêsse mesmo dia o comprador comunicou o facto ao sr. João de Oliveira, e em 25, um outro membro da Comissão pedia indignadamente contas ao seu pároco, na sacristia de Tavarede. Sem citar outros factos, vê-se claramente que não é verdadeira a afirmação.


VIII - Ainda verdade não é que o Revº. Pe. Manuel Vicente tenha doado qualquer casa, ou mesmo qualquer coisa, ao Seminário de Coimbra, como se lê a linhas 225 e seguintes.
Fez testamento do usufruto dos seus bens aos seus servidores e da propriedade dos mesmos ao senhor D. Manuel Luiz Coelho da Silva que contratou com os usufrutuários uma partilha e uma troca de usufruto por propriedade, cabendo a S. Exª. Revmª. a casa maior e um pedaço de terreno, mais tarde vendidos à Predial Económica que cede estas coisas de preferência, à diocese para residência do Pároco, mas que as pode ceder a qualquer outra entidade ou pessoa particular.


Não julgue Tavarede que tem uma residência paroquial, têm-na só enquanto estiverem de acôrdo, a Predial Económica e a Administração diocesana.


Damos por abençoada a hora em que, sem nenhuma intenção reservada, provocamos o artigo de “O Figueirense”. Não lhe pedimos agora rectificações porque, apesar da pontinha de vontade em ser desagradável a certos padres, anda em tudo isto como Pilatos no Credo.


A todos, saúde e progresso espiritual, moral e material “...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

S. JOÃO DE TAVAREDE SEM FESTA...

A minha terra, que outr’ora como no presente foi uma das freguezias que no concelho da Figueira da Foz sempre caprichou em promover as festas annuaes em honra do popular S. João, parece que este anno as deixa ficar no olvido.


Parece, digo eu! É certo. Certissimo. É com imensa mágua que tal noticio. Os affamados ranchos, os praxistas concertos de musica pelas bandas civis d’essa cidade, a festa religiosa, a queima de fogos e, sobretudo, as tradicionaes Cavalhadas, que indubitavelmente eram o clou da festa; as corridas de saccos, de tres pernas, de potes, etc., e a célebre Rosquilhada, em que grande numero de pessoas passava horas e horas envolvido na mais franca e sincera alegria, tudo isto passa despercebido aqui, este anno!


Depois os descantes populares, que attrahiam a Tavarede algumas centenas de forasteiros que jámais se cançavam de dar largas á folia...


Emfim, tudo o que na minha terra se fazia n’aquelles dias para divertimento da mocidade indigena como da que aqui affluia de todos os logares limitrophes, este anno fica, como usa dizer-se, em aguas de bacalhau...


Eu, na minha qualidade de moço, com sanguinho na guelra, podia, conjunctamente com outros, constituir uma commissão e fazermos os alludidos festejos; mas, como a minha, as opiniões partem de todos: - não devemos fazel-os.


E o motivo é explicavel: É que o anno passado, a quando da entrega da Bandeira pela commissão respectiva ao parocho de Tavarede, meu prezado amigo sr. Manuel Vicente, após, claro está, as Cavalhadas terem percorrido pomposa e galhardamente o costumado itinerario, uns cavalheiros d’aqui e d’essa cidade apressaram-se a formar commissão, depois do que foram á egreja, pegaram na Bandeira, na qualidade, bem entendido, de festeiros prematuros d’este anno, e sahiram a percorrer as ruas da localidade acompanhados pela Philarmonica Figueirense, ao mesmo tempo que estoiravam no ar algumas boas duzias de foguetorio rijo.


Precisamente n’aquella altura estava a minha pessoa com uns poucos de rapazes amigos, cá do burgo, a resolver se iriamos novamente fazer a festa, se cederiamos a Bandeira a outros que a quizessem conduzir, mas os corajosos mordomos nem tempo nos deram para reflectir no assumpto, pois, como digo, apressaram-se a ir de vespera fazer a péga da Bandeira.


Ao vêr tal disparate garanti logo que aquelles cavalheiros, a mór parte dos quaes em magnifico estado comatoso, outros illudidinhos com musica e foguetes, não levavam ávante o seu proposito, o que infelizmente succedeu.


E com franqueza, em que cabeça cabe que uns rapazes figueirenses como os em questão, lá por terem muitos conhecimentos na cidade, onde aliás se arranja uma boa verba, fossem capazes de fazer como nós, os tavaredenses – que conhecemos bem a freguezia -, uma relação de todos os fogos respectivos e ir percorrel-os por varias vezes na acquisição dos dinheiros indispensaveis para a festa? Sim, porque não é só com o dinheiro que se aufere no commercio figueirense, que aliás é um optimo auxiliar, que em Tavarede se faz uma festa de S. João. São indispensaveis as voltas á freguezia, na pedincha, porisso que é d’ahi que sahe a maior quota. É d’ella que a gente ouve muitos sins e muitissimos nãos. É d’ella que nós, os tavaredenses e consequentemente os mais relacionados, formulamos e ouvimos muitas exigencias. Com que cara ficariam os rapazes figueirenses ao ouvirem d’um fulano – rico que nem um suino... – na occasião em que lhe pedissem qualquer obulo para a festa de S. João, - “que se se quizessem embebedar fossem primeiro cavar por conta d’elle...”, ou então – “que não estava p‘ra sustentar... animaes á argola”!!


Outro então fez-nos ir bater á porta por vezes varias, e um dia sahe-se com esta:


= Olhem lá, meninos, vocês tambem fazem festa d’egreja?


Depois de resposta affirmativa:


= E de que consta? Quem canta ao côro? De onde é o armador? Quem... – e fez-nos uma série de perguntas que só a paciencia de Job retorquiria. Mas como contavamos com verba taluda, gramámos bem uma bem puchada hora de massada... E sabem quanto assignou? Foram 30 reis, por signal em cobre, porque, dizia elle, agora não tinha mais trocado! Para a outra vez daria mais qualquer coisinha...


É verdade! E foi-nos exigindo um foguete, que então já custava creio que uns seis vintens, e que fossem no dia da festa com o gaiteiro tocar-lhe á porta, como era habito no seu tempo!!


E por estes e outros motivos, eu tenho a firme, a certeza plena de que os rapazes da Figueira perdiam o moral e desistiam por completo, no caso que prosseguissem – como era do seu dever – no que se propuzeram.


Antes que te cases... – e é bem certo.


Soffrem-se muitas decepções, meus caros, acreditem. As luzidas festas que vós todos os annos haveis apreciado custa muito aos que a emprehendem. Sua-se muito e dão-se milhares e milhares de passadas.


Eu, com os meus 23 annos, já sei muito bem o que ellas custam. No emtanto inda lá ia outra vez, inda estava no firme proposito de trabalhar com a mesma boa vontade, com o mesmo amor proprio, conjunctamente com rapazes da minha terra, para a realisação de tão sympathicos festejos, se vocemecês, na qualidade de inexperientes no assumpto, me não alliviassem d’esse pesado fardo.


E para quê? Para agora um dos commissionados – talvez com o criterio espicaçado pelo arrependimento – me vir offerecer vinte mil reis para eu ficar por elle!


Pobre d’espirito!


E aqui teem explicado o motivo por que os rapazes de Tavarede capricharam em não levar a effeito este anno os tradicionaes festejos ao Santo Casamenteiro.


Oxalá semelhante facto se não repita, pois, que diabo, cá na terra ainda há gente competente para fazer os festejos ao S. Joãosinho – os festejos que dão honra á Tradição e sobretudo ao perfumado Canteiro de Limonete...


No emtanto, para aquelles dias este anno aqui não passarem despercebidos, e instados pelas moçoilas, um grupo de rapazes, possuido da melhor boa-vontade, realisará nos proximos sabbado, domingo e segunda-feira uma modesta festa, uma festa de um cunho accentuadamente familiar, a qual constará do seguinte:


= De sabbado para domingo, no Largo do Forno, rancho de descantes populares, abrilhantando parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense;
= Domingo, á tarde, continuação do mesmo rancho, destinando-se um premio para o par que se apresentar em rigoroso ponto em branco;
= Na segunda-feira, de manhã, desafio de malha entre oito dos melhores batedores do burgo, no pittoresco quintal do estabelecimento commercial dos successores de F. Cordeiro, sendo disputado um leitão, o qual será pago pelos vencidos e papado pela assistencia;
= No mesmo dia, á tarde, corridas varias e a indispensavel Rosquilhada – um dos numeros que chama a Tavarede dezenas e dezenas de pessoas, principalmente d’essa cidade.
= Á noite, danças populares.


E d’esta fórma tenho a certeza que não deixará de divertir-se toda a gente de Tavarede e a que cá affluir n’aquelles dias.

sábado, 9 de julho de 2011

O SANTO OFÍCIO E A INQUISIÇÃO



Agora que aparece um periódico de Lisboa a tratar de defender e justificar o horroroso e infame tribunal da Inquisição, será conveniente publicar alguns documentos para mostrar a santidade de semelhante tribunal e as virtudes dos seus ministros.


No Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal – ordenado pelo bispo e inquisidor geral D. Francisco de Castro, e impresso em 1640 em Lisboa, por Manuel da Silva, nos próprios paços da Inquisição (os Estaos), o qual é hoje reríssimo, mas de que possuímos um exemplar em perfeito estado de conservação, se determina o seguinte:


Havendo no Santo Ofício prova bastante de testemunhas, porque pareça que algumas pessoas defuntas podem ser convencidos do crime de heresia, mandarão os inquisidores, a requerimento do promotor, tirar certidão do livro do baptismo, porque conste se eram os defuntos cristãos baptizados, e não se achando o dito assento, se fará sumário de testemunhas, porque conste se eram naturais do reino e como eram tidos e havidos por cristãos baptizados; e junta a certidão e o sumário, havendo o promotor feito seu requerimento, verão os inquisidores tudo em mesa com as culpas do defunto, e pronunciarão que sejam citados seus herdeiros ou pessoas a quem de direito pertencer a defesa; e esta citação se fará pessoalmente aos que estiverem no reino, e por édito aos ausentes dele; e se continuará na causa, na forma que fica dito nos mais defuntos; e estando conclusa, verão os inquisidores o processo em mesa com o Ordinário e deputados, e achando que o crime está provado, condenarão os defuntos na forma que se acha no livro 3, título 26, parágrafo 5º.


Ora este livro, título e parágrafo do Regimento aqui citado, ordenavam o que se segue:


Se depois de se haver procedido contra os defuntos na forma que fica declarada no livro 2, título 18, eles forem havidos por convictos no crime de heresia e apostasia, serão em sua sentença declarados por herejes e apóstatas da nossa santa fé; e condenada sua memória e fama, e confiscados seus bens, do tempo em que se provar que cometeram o delito; com tanto que não estejam legitimamente proscritos por espaço de quarenta anos; e serão seus ossos desenterrados e tirados das igrejas, adros, ou de qualquer outra sepultura eclesiástica em que estiverem, podendo-se separar os ossos dos pés cristãos, e levados com sua estátua ao Auto público da Fé, e relaxados à justiça secular.


Eis aí o que a Inquisição fazia aos próprios mortos! Nem a paz dos túmulos respeitavam aqueles bárbaros!


Só no fim de 40 anos se julgavam os crimes prescriptos; e por isso, durante aquele longo espaço de tempo, nenhum filho em relação ao pai, o pai em relação ao filho, a mulher a seu marido e vice-versa, e em geral todos os herdeiros, se podiam julgar seguros na posse de seus bens; nem estar descansados de que aquelas hienas de nova espécie, não viriam desenterrar os ossos dos seus antepassados e levá-los (coisa horrorosa!) com a sua estátua ao auto público da fé, para aí serem relaxados à justiça secular, isto é, serem queimados!


Se os defuntos não escapavam aos inquisidores, não podiam ter melhor sorte os doidos!


Aos que endoidecessem nos cárceres do Santo Ofício (e a quantos ali acontecia essa infelicidade!) fazia o regimento de 1640 a extrema graça de não serem castigados. Não se dará (dizia o regimento) pena corporal, pois o juizo é incapaz dele.


Ora na verdade, já era grande tolerância não castigar um doido! Mas julgam que ficaria aqui a caridade dos inquisidores? Não. Acrescentava logo o regimento: E ficarão seus bens em sequestro, para que tornando o seu juizo, ou falecendo naquele estado, se proceda contra ele, ou contra sua memória e fama; e sendo prova legítima, será condenado em confiscação dos bens e danada sua fama e memória.


E que os inquisidores quando quizessem alcançariam prova legítima, não oferecia a menor dúvida. Tratava-se de roubar os bens do preso, e por isso estivessem certos de que apareceriam provas mais claras que a luz do sol!


A Inquisição prolongava quanto podia, para martirizar os réus, o seu tempo de prisão, e só tinham pressa de os julgar depois de mortos. Vamos agora dar um exemplo bem frisante deste procedimento inquisitorial.


Em 1666 mandou a Inquisição de Coimbra prender D. Margarida de Melo Pina, filha de Francisco de Pina Perestrelo, natural de Montemor-o-Velho e casada com seu primo Manuel da Fonseca Pina. Era acusada de ser cristã nova.


Foi levada na forma do costume para os tenebrosos cárceres da Inquisição. Ali, em uma daquelas casas da mais exígua dimensão, recebendo uma fraca claridade por uma muito pequena fresta, quase junto ao tecto, jazendo pelo espaço de - dezassete anos (17) – a infeliz D. Margarida de Melo Pina, sem ser julgada!


No fim deste longo período, tendo falecido nos cárceres da Inquisição, é que os inquiridores se apressaram a julgar a ré. A sentença lida no auto celebrado na sala da Inquisição desta cidade, em 13 de Março de 1683, foi a seguinte:


Acordam os inquisidores, Ordinário e deputados da Santa Inquisição de Coimbra, que vistos estes autos e culpas de D. Margarida de Melo, cristã velha, viúva de Manuel da Fonseca Pinto, que vivia da sua fazenda, natural e moradora em Montemor-o-Velho, bispado de Coimbra, presa nos cárceres da Inquisição da mesma cidade, e neles defunta; porque se mostra que sendo denunciada no Santo Ofício, que tinha cometido culpas contra a nossa santa fé católica, e sendo por elas presa e por vezes admoestada as quizesse confessar, respondeu que não tinha cometido culpas contra a nossa santa fé católica.


O que tudo visto que dos autos consta, com as resultadas diligências que se fizeram por ordem do Santo Ofício, a respeito da qualidade da ré, e constar delas ser legítima e inteira cristã velha, limpa e sem raça alguma de cristã nova, absolvem a ré D. Margarida de Melo da instância do juizo – e declaram que a seus ossos se pode dar sepultura eclasiástica, e oferecer a Deus por sua alma os sacrifícios e sufrágios da igreja. E mandam que esta senteça se leia na sala desta Inquisição e depois se publique na paroquial igreja da dita vila de Montemor-o-Velho, donde a ré era freguesa, na estação da missa conventual, para que venha a notícia a todos; e lhe seja levantado o sequestro, que em seus bens se lhe haviam feito, e deles se paguem as custas. (aa) Sebastião Dinis Velho. Gonçalo Borges Pinto.


Não tiveram durante 17 anos tempo os infames inquisidores de julgar a infeliz D. Margarida de Melo Pina; e nem depois da sua morte declarar que estava inocente! E apesar de estar inocente, pelos seus bens se paguem as custas!


Sendo a sentença publicada em 13 de Março de 1683, foi no dia 21 do mesmo mês lida na igreja paroquial de S. Martinho de Montemor-o-Velho, à estação da missa conventual, havendo por essa ocasião repiques de sinos, luminárias, muitas festas e sumptuosas exéquias, mandadas fazer pelos parentes da falecida.


Como o cadáver desta senhora tinha sido sepultado no edifício da Inquisição de Coimbra, trataram os seus descendentes, no ano de 1709, de trasladar os ossos dela para a sua capela da Piedade, na referida freguesia de S. Martinho, de Montemor-o-Velho. Aí se lhes deu sepultura, e nela se pôs uma lápide com a sentença gravada, havendo novas exéquias com sermão.


Foi este o último acto de um tão tenebroso drama! Esta senhora, de quem foi descendente o sábio escritor Francisco de Pina e Melo, é presa por cristã nova; sofre durante 17 anos a mais dura prisão nos cárceres do Santo Ofício; e no fim, depois de morta, vêm dizer os inquisidores que era cristã velha, e que apesar de todas as diligências a que procederam, a acharam inocente!


Quadros semelhantes são repugnantíssimos a todas as pessoas dotadas de humanidade; mas é de razão que a geração actual seja sabedora do que nas épocas anteriores se praticava, e possa responder com vantagem àqueles que tratam unicamente de tornar salientes quaisquer actos condenáveis, que se tenham praticado depois de estabelecidas entre nós as instituições liberais.


Convém que os partidários do obscurantismo saibam que ainda se não perdeu a memória das atrocidades que se praticavam em nome de uma religião toda paz e caridade! – Joaquim Martins de Carvalho.



(caderno 17 do Dr. Mesquita de Figueiredo – páginas 86 a 89)


Nota - É sempre bom recordar estas antigas histórias...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

De Casa de Cultura a... Taberna! (10)

Era inevitável o debate jornalistico. A comissão tentava, com todos os elementos de que dispunha, argumentar que tinha razão. O Bispo de Coimbra havia-lhes prometido todo o apoio e esse apoio, entendiam eles, incluia a cedência da casa. Sem mais comentar, transcrevemos a resposta que enviou ao jornal “O Figueirense”, e que foi publicada no dia 12 de Novembro de 1938:

“O semanário católico “O Dever” respondeu com a maior desenvoltura ao comentário que aditámos a uma local do “Diário de Coimbra” sôbre a venda da antiga séde do Grémio Educativo de Tavarede para instalação duma taberna, depois de prometida à Comissão Organizadora para a séde da Casa do Povo da mesma freguesia. E péde-nos, em termos deveras impressionantes, para fazermos a devida correcção, segundo a versão que apresenta do facto.


De boa vontade acederíamos ao seu ingénuo pedido se não estivessemos absolutamente certos de que as coisas se passaram um pouco peor do que nós as referimos.


Afirma o orgão católico que o prédio em questão nunca foi propriedade de qualquer alto dignitário eclesiástico, mas da Sociedade por Quotas Predial Económica, com séde em Coimbra. E convida-nos a verificá-lo nas repartições competentes.


Vamos responder-lhe com um testemunho esmagador, irrefutável, o único que talvez mereça confiança. Êsse testemunho é do nosso circunspecto colega. Foi êle que o afirmou duma maneira categórica e iniludível. Com efeito, lá vem na própria local comentada pelo “Diário de Coimbra” (nº. 465 de “O Dever”) com que se noticia a venda do prédio:


-”Achamos acertada a resolução do sr. Bispo, pois que a casa encontra-se em péssimo estado de conservação”, etc.


Por isso, se faltámos à verdade foi por sua conta... Mas não faltámos, como podemos demonstrar. Que a nossa informação é verdadeira atesta-o desesperadamente “O Dever” na própria local em que pretende corrigir-nos.


Ao negar (só nos espantam a facilidade e a coragem com que estas coisas se negam!) que o prédio tivesse sido prometido a alguém, escreve com a sua conhecida desenvoltura:


- “Houve quem o pedisse mais ou menos claramente; mas em resposta foi-lhe dito que nem se emprestava nem se arrendava - A Diocese não podia fazer despeasas - só se vendia”.


Note-se bem: a Diocese!!!


Portanto, se o prédio em questão não era propriedade particular de S. Exª. Revmª. era pertença da Diocese e estava confiado à sua guarda como fiel Administrador dos bens diocesianos. Ora foi isto precisamente o que nós quizémos dizer. E permanece de pé a nossa afirmação. É isso que nos interessa.


Nem de outra maneira, se compreenderia que para vender o referido prédio fôsse necessário - como foi pedir autorização ao Sumo Pontífice.


Podiamos ainda opôr à verdade das suas afirmações, a simples verdade dos factos que é muito mais eloquente.


Preferimos, porém, em conformidade com a doutrina que não devia ser tão esquecida pelo “Dever”, historiar o caso com toda a simplicidade, servindo-nos, para isso, de documentos há muito em nosso poder, pois não pretendemos fazer polémica.


Em fins de Outubro do ano transacto, chegando ao conhecimento de alguns sócios do Grémio Educativo que a casa onde funcionava aquela associação ia ser posta em venda, foi por três membros da sua Direcção convocada uma Assembleia Geral para deliberar, em tal emergência, sôbre o caminho a seguir.


Consultado préviamente o Revº. Arcipreste, sr. Padre Palrinhas, êste declarou-se contrário à restauração do Grémio, por não lhe ver condições de vida, aconselhando com paternal interesse a creação da casa do Povo a instalar naquêle edifício, para o que se tornava necessário solicitar do sr. Bispo a devida autorização, acrescentando que Ele concordaria por certo em cedê-lo, para tal fim, em condições favoráveis.


A Assembleia Geral realizou-se no dia 5 de Dezembro na séde do Grémio, sendo aprovada por unanimidade a idea da creação da Casa do Povo e resolvido solicitar do Prelado a nomeação de pároco próprio para aquela freguesia, a-fim-de lhe poder ser confiada, mediante retribuição condigna, a regência da indispensável escola nocturna.
De acôrdo com esta deliberação, dois membros da Comissão Organizadora, que imediatamente começou a constituir-se, dirigiram-se a Coimbra onde acidentalmente encontraram um amigo comum, aluno de ciências da nossa Universidade, que os acompanhou ao Paço Episcopal e ali entregaram a S. Exª. Revmª. uma circunstanciada representação que foi lida por um dêles.
Depois de ponderados devidamente alguns pormenores, S. Exª. Revmª concordou plenamente com os pontos de vista da Comissão, prometendo-lhe todo o seu apoio e declarando-se disposto a mandar proceder, em devido tempo, às obras necessárias, nomeando a seguir o pretendido pároco para Tavarede.
Talvez esteja aqui o ponto nevrálgico da questão, visto o actual pároco encarregado da freguesia não ter visto ao que parece com bons olhos, tal medida alheando-se sistematicamente duma causa que devia merecer todo o seu apoio.
Em princípios de Julho, encetadas as primeiras demarches e ouvidas sobre o assunto as esferas oficiais, que verificaram as optimas condições do edifício para os fins em vista, um dos membros da Comissão Organizadora solicitou por escrito a Sua Exª. Revmª. a execução das prometidas obras, tanto mais que a Junta de Freguesia começára a exigir a reparação externa dos edifícios locais e o do Grémio era o que oferecia aspecto mais desagradavel.


Em resposta recebeu a seguinte carta que vale mais do que tôdas as subtilezas possíveis e imaginárias.

“Cª. 10-VII-938
Exmo. Snr.
Recebi a carta de V.Exª. Como estamos em deficit e grande,
depois de ouvir o Conselho Diocesiano, resolvi não fazer obras por
falta de recursos, o que muito me penaliza.
Se houver necessidade de proceder à caiação, V.Exª. terá a bondade de
prevenir o Snr. Vice-Reitor do Seminário.
Os membros do Conselho inclinam-se à venda do prédio por
entenderem que não é possível começar com novas despesas.
De V.Exª.
Mt.Attº. e Obrig.
a) + António B. de Coimbra “

Como é fácil de calcular teve de ser maduramente ponderada a nova situação que esta carta veio criar.


Ventilado convenientemente o assunto, foi enviada a S. Exª. Revmª., pela mesma via e pessoa, nova missiva em que se pedia para, em face daquela resolução, ser a Comissão informada do preço e condições em que seria vendida a casa do Grémio e com quem se devia entender para esse efeito.


A resposta demorou... mas veio e toda a gente a conhece: foi a notícia da venda em circunstancias tão estranhas quanto é certo que os membros da Comissão acima referidos haviam ponderado a S.Exª. Revmª. a inconveniência que havia em vender a casa ao outro pretendente que a desejava para instalação duma taberna (e não mercearia e vinhos, como se pretende fazer crer).


Quanto à Comissão, que tudo tratou com lealdade e lisura, não mereceu até hoje a honra duma explicação.


Honrou-a “O Dever”, além do mais, com a confirmação solene de que nada lhe fora prometido... o que já é alguma coisa.


Podemos, pois, asseverar que a Comissão Organizadora (que se julgava preferida, pois vira superiormente condenada a ideia da venda para taberna) quinze dias depois de fechado o contrato ainda o ignorava e aguardava confiadamente as informações pedidas a quem de direito.
Calcule-se a surpreza ao ter conhecimento do sucedido.


É certo que várias pessoas, convidadas pelo pretendente, acompanharam uma visita ao prédio, dias antes da compra, muito convencidas de que o homem nada conseguiria em Coimbra, sabido o pé em que as coisas se encontravam.


E a pessoa que acompanhou o comprador a Coimbra ia na mesma convicção. Não foi ali para ajudar ao negócio mas com o fim único, segundo estamos informados, de obter por compra a residencia paroquial de Tavarede, doada ao Seminário por seu padrinho, o falecido Pe. Manuel Vicente, e também registada nas repartições competentes em nome da Sociedade por Quotas Predial Económica.


De resto, nenhuma destas pessoas fazia parte da Comissão Organizadora que nem sequer foi consultada se oferecia mais que o pretendente.


E ponto final. Confessamos que não desejavamos ir tão longe nesta sêca exposição dos factos, nem sentiremos prazer em voltar ao assunto.


Se o fizermos cabe ao “Dever” a culpa, que não soube guardar o prudente silêncio, tendo em atenção que nestes casos, como em muitos outros, o silêncio vale mais de que ouro...


As coisas são o que são e não o que se pretende que elas sejam.


A menos que seja possível encontrar uma segunda verdade para apertos desta natureza.


Nós só conhecemos uma e temos muito respeito por ela”.


(continua)