Julgo ter chegado o momento de me debruçar sobre o Associativismo na terra do limonete.
Já muita coisa escrevi sobre o assunto. Forçosamente terei de repetir-me. Mas parece-me interessante aqui deixar algo escrito sobre este tema, sobre o Teatro e sobre a Música, sobre as Colectividades, passadas e presentes, pois não há qualquer dúvida do papel importantíssimo que estas actividades tiveram no desenvolvimento cultural do povo tavaredense.
Teremos, assim, de recuar no tempo mais de duzentos anos. Terá sido nos finais do século dezoito ou princípios do século dezanove que tudo começou na nossa terra.
Mestre José Ribeiro sempre falou "duma tradição teatral" em Tavarede. Mas, desde quanto e como terá começado tal tradição? Ao certo, nada se sabe. A única certeza que ha é que, por meados do século dezanove, já se fazia Teatro, e bom, na nossa terra. Isto levou-nos a fazer uma espécie de "especulação", dentro de uma lógica admissivel. Ora, vejamos.
Nos finais do século dezoito era Morgada de Tavarede a senhora D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, que, no dia 26 de Dezembro de 1791, havia casado com o ilustre e poderoso fidalgo D. Francisco de Almada e Mendonça, corregedor da cidade do Porto, além de detentor de muitos outros altos cargos governativos, na zona norte do País. Pois foi este fidalgo, quem mandou construir naquela cidade, o Teatro de S. João, ainda hoje em actividade, embora em edifício reconstruído, devido ao primeiro ter sido destruído por um incêndio. Dizem as crónicas desses tempos, que D. Francisco de Almada foi um grande protector do teatro e da dança, tendo feito apresentar, naquela casa, "as melhores companhias nacionais e estrangeiras".
No dicionário "Portugal Antigo e Moderno", de Pinho Leal, diz-se, relativamente a Tavarede e áquele fidalgo, que "quando aqui residia era a providência dos povos destes sítios.
Protector das Artes, no Porto, amigo do Povo da terra natal de sua Esposa, não será difícil aceitar que, aproveitando as longas noites de inverno, quando aqui permanecia com sua família, se ocupasse da educação do povo, servindo-se do teatro, certamente da forma mais simples, com uma ou outra comédia ou, porventura, alguns monólogos e cançonetas, muito em uso naqueles recuados tempos.
Na imprensa figueirense, as primeiras notícias sobre teatro em Tavarede, surgem a partir de 1870. Mas o teatro era muito mais antigo na terra do limonete.
No ano de 1896, surge, no jornal "Gazeta da Figueira", uma reportagem sob o título "Recordações de Tavarede", da autoria do figueirense Ernesto Fernandes Tomás, que assinava sob o pseudónimo de "Estoern", onde diz: "Aí pelos anos de 1865, tendo voltado de umas voltas pela América, no primeiro domingo que tinha adiante, depois da chegada, ouvi falar uns rapazes amigos em uns teatros em Tavarede..."
Ao recordar um dos principais amadores daquela época, escreve Estoern: "... o José do Inácio havia sido também, em outro tempo, uma parte obrigatória em todas as sociedades dramáticas que vegetavam em Tavarede como tortulhos".
(na segunda casa, à esquerda, era a casa de Romana Cruz. Foi aqui a primeira sede do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense)
Descrevia, então, a sala de espectáculos. "... a plateia, que para aproveitamento do maior número de espectadores, havia sido construida em forma de palanque, era engendrada por umas tábuas manhosamente pregadas nuns cunhos de madeira e estes, por sua vez, da mesma forma ligados a uns postes de pinheiro inclinados contra a parede. O pano de boca, qualquer colcha,de chita, de padrão em labirinto vermelho. A iluminação fazia-se por meio das clássicas velas de sebo espetadas em palmatórias de pau..."
Eram nestas 'salas de espectáculo' que "se representaram peças que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas..."
O primeiro espectáculo a que Estoern assistiu foi uma comédia intitulada "Os dois rivais". Permitimo-nos ir buscar ao livro "50 Anos ao Serviço do Povo", de Mestre José Ribeiro, os locais onde funcionaram teatros: ". Na casa do Paço, do lado do caminho para a Figueira; depois, na mesma casa, no teatro ali mandado construir pelo último Conde de Tavarede; na casa que foi de Romana Cruz, na Rua Direita, à entrada da povoação; na casa onde hoje vivem, a meio da Rua Direita, ps herdeiros de Martinho Correia; na chamada casa do Ferreira, logo adiante mas do lado oposto; na de Joaquim Águas, pai do velho capitão Águas, José Joaquim Alves Fernandes Águas, em frente do anterior, prédio em que mais tarde esteve o Grupo Musical Tavaredense; na casa, também na Rua Direita, que é hoje de João da Silva Cascão; e na então chamada Casa de Ourão, no Largo do Terreiro, o mesmo edifício que João José da Costa mandou transformar no teatro hoje propriedade e sede da Sociedade de Instrução Tavaredense".
Como se vê, tinha razão Estoern ao dizer que as sociedades dramáticas "vegetavam em Tavarede como tortulhos". E por agora, só mais um apontamento que nos foi deixado pelo tavaredense Aníbal Cruz que refere ter ouvido de sua avó que, nos tempos dela, em jovem, chegaram a representar-se em Tavarede, em simultâneo, seis presépios. E todos tinham casa cheia... (continua)
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