“Com todo o
gosto, ei-lo, diz-lho o Comissário. Folheai-o à vontade Vossa Excelência e verá
como é rica esta exposição. A secção nacional é vastíssima. Aí encontra tudo
quanto é necessário à vida do homem, da mulher e dos animais; géneros e
comestíveis; os mais diversos produtos da indústria e da agricultura; a arte, o
progresso e a civilização representados nas mais variadas manifestações. Aqui
há tudo quanto possa imaginar-se”.
E, a pedido
do visitante, manda chamar a primeira especialidade, a maçã do Paraíso. Uma
delícia, madura e perfumada que consola. Melhor não há, com certeza!
(Maçã) Depois do mundo criado
Nos
tempos do paraíso,
O
pai Adão, coitado,
Um
dia perdeu o siso.
Vendo
a mãe Eva fagueira,
À
luz da fresca manhã,
Atirou-se
à macieira
E
zás! Comeu a maçã!
(Nêspera) Sim, senhor, a fez bonita!
Não
era carne sem osso,
Porque
afinal a maldita,
Lhe
não passou do pescoço.
(Maçã) Até os velhos me comem
Porque
sou fruta estimada,
Não
há rapaz nem há homem
Que
me não coma à dentada.
Bela fruta!
O brasileiro bem a queria apalpar para ver se estava madura, mas ela não foi na
conversa e teve de contentar-se com o cheiro. Ainda quis ver-lhe a pevide para
comprar igual e levar para semear no Brasil, mas esta maçã, disseram-lhe, não
pegava de semente nem de estaca. Só de enxertia!
Continuou a
folhear o catálogo. Logo encontrou um grave erro... Era o café, que estava
figurando na secção de produtos locais, quando deviam saber que o café não era
de Tavarede, pois vinha do estrangeiro, de África, do Brasil, e de outros
países.
Mas este
café era especial, nascido e baptizado no Grão-ducado de Tavarede. Nem era um
café negro, forte e cheiroso. Este era um café pardo, fraquinho e quase sem
cheiro.
“Sou filho
da cevada. A minha mãe fez mistura com o trigo, com o grão de bico e dizem que
até com o feijão; e aqui está porque do meu registo de baptismo consta que sou
filho de pais incógnitos e de mãe cevada”.
Uma pinga deste café e um
bocado de broa, pela manhã, era o pequeno almoço dos operários que iam para as
oficinas e dos rapazitos que, tremendo de frio, seguiam a caminho das obras,
onde os esperava o “cocho” da cal. Ao almoço uma sardinha assada e à noite, em
casa e a servir de ceia, outra vez o bom do nosso café, a fumegar nas tigelas,
“a dar aos pobres uma impressão de abundância que não têm e a levar-lhes ao
estomago uma sensação de fingido conchêgo!”.
E logo conta o café: “É
verdade! Conheço tanta miséria, tanta desgraça, tanta fominha mais negra do que
a minha cor... Não vale a pena pensar em coisas tristes. A vida é mesmo assim.
E eu sei das vidas de toda a gente mais do que ninguém. A vizinha vai a casa da
vizinha, a comadre a casa da comadre, e então, zás, aí entra o café da função.
Sentam-se na cozinha, e enquanto eu aqueço ao lume, na chocolateira, falam dos
ganhos dos homens, dos gastos dos filhos e das bebedeiras d’uns e d’outros! E
quando me levam, nas tigelas esbeiçadas, às beiçolas cheias de gretas,
assoprando, já têm entrado no capítulo das vidas alheias; - Ah! Comadre,
vocemecê não viu a Esdofina no baile? – Pois vi, ah, mulher! É o vestido novo,
de fazenda de 80$00 o metro! – Aquilo é um luxo que Deus te livre! O pior é que
ainda deve o chaile que comprou o ano passado pelo S. João. – Antão não sabe
que a Mari’Teza foi dizer à cunhada que eu não tinha dinheiro p’ra pagar na
venda, mas tinha dinheiro pr’andar pelos teatros! Aquela alma danada! – Ah!
Mulher! Eu inté tinha alma de lhe trincar os fígados àquela esmiucada de... E
nunca mais acabam. Passam até à fieira a vida de toda a gente, o que se come e
o que se cá ganha...”.
Pois é! A coscuvilhice
tradicional!
Vem, depois, uma espanhola, daquelas de que havia grande
fartura no vizinho estado da Figueira, durante a época balnear. Encantado, fica
o Nêspera Cajú. E o Comissário não resiste de louvar a Exposição, desejoso de
causar a melhor impressão ao visitante e resume-lhe:
“Como vê, a Exposição
Internacional do Grão-ducado de Tavarede é uma coisa notável em qualquer parte
do mundo. Estão aqui representadas as mais poderosas nações, a França, a
Inglaterra, a Alemanha, a China, o Japão, os diversos países de África, da
América e da Oceania. A secção pecuária é vastíssima. Há animais de todas as
espécies, tamanhos e feitios; mamíferos, insectos e batráquios, peixes e
anfíbios. Terráqueos, aquáticos e aéreos: a aranha, a rã, a formiga, o
elefante, o mosquito, o hipopótamo, a galinha, o bacalhau, o leão, o burro...
Em burros, então, é um sortido variadíssimo: Temo-los manhosos e madraços,
espertos e teimosos, filósofos e tapados como um burro; variam na cor, no
tamanho e na educação. Temos o burro preto, o burro branco, o burro malhado e o
burro cor de burro quando foge; o burro pequenito como um burrito de mama, o
burro de tamanho natural e o burro como umas casas; o burro que nem zurra, nem
morde, nem dá coice, o burro que não morde, que não dá coice mas zurra, e o
burro que zurra, que dá coice e que morde. Burricalmente falando pode dizer-se
que esta secção constitue para o nosso Grão-ducado um verdadeiro sucesso
burrical...”.
Pelos
vistos, exposição como esta, nem as que agora se fazem. O brasileiro Nêspera há
de recolher algumas coisas para levar, burros é que não, pois, diz, já lá têm
que chegue. Agora o que pretende é avistar-se com a Grã-duquesa, para lhe fazer
a entrega do legado paternal.
Nesse dia a
soberana fazia anos e dava uma recepção no Palácio. Era uma boa ocasião. E
enquanto se dirigiam ao Paço, deram um pulo à fonte. Ao chegarem ouviram e
apreciaram a canção da Fonte e o coro das Bilhas que já conhecemos.
“É das
coisas boas cá da terra, comenta o Comissário. Mas é pouco empregada em uso
externo. A grande parte dos habitantes só se lava em dias de festa. Para uso interno
tem qualidades especialíssimas. Estamos fazendo grande exportação em pipas,
garrafas e garrafões para França, onde é empregada no combate ao descrescimento
da população. Casados que a bebam já sabem que não ficam sem herdeiros. E
solteiros também, e aí é que está o perigo... Há até um caso interessante: uma
sopeira do vizinho estado da Figueira vinha todas as tardes à água a Tavarede,
acompanhada pelo namoro, impedido do patrão. Um belo dia a rapariga dá à luz um
robusto menino. Os patrões interrogam-na, mas ela, coitadita, nada sabe
explicar, até que por fim se descobriu: uma tarde muito quente, quando a
rapariga e o impedido regressavam à Figueira, sentiram-se cansados e
sentaram-se na relva. Deu a sede à rapariga, o rapaz mergulhou o púcaro, ela bebeu
com gosto – e passados nove meses tinha o pequerrucho...”.
Desconhecia,
em absoluto, tais propriedades da água da nossa fonte! Quando, depois, passavam
no Largo da Igreja, a caminho da recepção, tinham acabado de saír, para a
venda, os jornais locais. Notícias frescas não faltavam nos periódicos
apregoados em altos pregões.
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