1º. Vendedor - Olha o
“Mangerico” e a “Nabiça”.
2º. Vendedor - O “Rambóia”
à última hora, o “Veneno” e o “Amigo do Povo”.
Comissário - (tem entrado
com o Nêspera) Oh! rapaz, dá-me o “Veneno” e a “Nabiça”. (recebe os jornais e
paga)
Nêspera - São jornais da terra?
Comissário - Sim, senhor.
O “Mangerico” é um jornal todo cheiroso. Mas eu gosto mais da “Nabiça”
temperada com o molho do “Veneno”.
Ainda se
encontram no caminho com um novo par, uma sopeira e seu impedido, talvez os
mesmos da história contada e que, mais uma vez, vêm à fonte de Tavarede, e,
logo o seguir, passam pelo tio Francisco, o velho cavador, sempre agarrado à
sua enxada.
“É a minha
companhia e o meu brasão. Os titulares têm brasões, coisas lindas que eu não
entendo, mas que dizem que falam das grandes acções dos seus avós. Eu tenho a
enxada que é também o meu brasão e me conta a história dos que me trouxeram ao
mundo”.
E
respondendo à questão de que, com a sua idade, já tinha direito ao descanso,
retorquiu o tio Joaquim:
“O trabalho é a lei da vida.
Sou pobre e os meus filhos não podem ajudar-me. Mas, ainda que fosse rico, não
abandonaria a terra. A terra é o meu martírio e a minha alegria, dou-lhe o suor
do meu rosto e ela dá-me a escasso pão de cada dia. Sou o seu senhor e o seu
escravo. Com a minha enxada abro-lhe as entranhas, entrego-lhe a semente e
obrigo-a a dar-me o fruto. Ela, por seu lado, consome todas as minhas forças,
mata-me os braços de cansaço e prende-me a ela com uma grilheta que eu não
posso quebrar. Entreguei-me à terra desde rapaz, dei-lhe o vigor da minha
mocidade e agora não quero negar-lhe os carinhos da minha velhice. Caminhamos
juntos desde pequenos. Conheceu-me ainda no berço. Irei com ela até ao fim,
para que me dê a sepultura.
Quero-lhe tanto como à luz dos meus olhos, tanto como aos
meus filhos e aos meus netos. O que nós fazemos por um bocado de terra! E
quanto mais ingrata ela se mostra, mais lhe queremos cá de dentro. Nem sei dizer-lhe
o que isto é. E não pense que o trabalho nos faz tristeza. Não! O trabalho é
pesado, mas é alegre. Dá saúde ao corpo e à alma. Depois de um dia inteiro de
trabalho, a gente ainda tem alegria para cantar, e sente o desejo de viver.
Eles aí vêm contentes em rancho alegre e feliz. Olhe para eles, os cavadores,
como vêm contentes, e elas, as raparigas, como riem. Trazem nos olhos o lume do
sol, nas bocas vermelhas uma cantiga de amor. É a alegria do trabalho!”.
O primeiro acto acaba com a entrada do rancho das ceifeiras
e dos cavadores que, regressando de mais um dia de árduo trabalho, à torreira
do sol, ou com as velhas roupas ensopadas da chuva impiedosa, voltam felizes da
sua vida difícil, mas com a alegria bem visível nos seus rostos, esperançados
no futuro e cantando, sempre cantando:
“Desde manhã ao sol posto,
Arado
ou foice na mão,
Seja
Inverno ou seja Agosto
Ceifamos
a loira espiga
Ou
pomos à terra o grão”.
* * *
Quando reabre a cena, estão em
palco, no palácio da Grã-duquesa, alguns membros do governo e muitas senhoras
da mais alta craveira social, como a Condessa do Saltadouro e a Baronesa de
Caceira, etc.
Conversam
sobre um possível ataque das forças do Pandorgas. O secretário da guerra
procura sossegar as damas, pois respondia pelas “preciosas vidas”, como
respondia pela segurança do Grão-ducado. E, para melhor tranquilizar, explica o
seu plano de defesa terrestre, que foi estudado com toda a segurança.
“Temos
artilharia no alto de S. Paio e no Saltadouro. E vai ser ocupado o Vale de
Porco. Se as tropas do Pandorgas vierem por Brenha faremos ir pelos ares a
ponte do Saltadouro. Pelo Vale de Porco não caiem em vir, porque é aí que a
porca torce o rabo... Pela estrada de Mira, impossível... É uma estrada de
guerra. Quer dizer, uma estrada por onde se não pode passar senão de aeroplano.
Por onde hão-de vir então? Pelo ar, não, que os de Foja não têm asas”. Em
conclusão: o plano era sempre o mesmo, tinha que estar mesmo bem estudado!
Não havia
dúvidas, podiam dormir descansadas com tal defesa. E como o secretário da
marinha igualmente respondia pela defesa das costas marítimas, nada de
preocupações. Pode festejar-se, tranquilamente, o aniversário da soberana.
O Comissário
da exposição entra acompanhado pelo brasileiro Nêspera Cajú. E faz as
apresentações. Ao sr. Conselheiro Paulino Feijó, presidente do governo; ao sr.
general Cornélio Manso, bravo militar e secretário de estado da guerra; e ao
sr. almirante Francisco Cuco Serrano, secretário de estado da marinha.
Ainda mal
terminadas as apresentações, entra o embaixador da Inglaterra que, depois de
cumprimentar os presentes no seu português “macarrónico”, declara: “Mim trazer
bem notícias. Mim ter comunicado minha governo London que ex-presidente
Pandorgas querer atacar territórios de Grão-ducado de Tavareda com grande
esquadra. Governo inglês ter dado ordem imediata para vir fazer cruzeira águas
territoriais Tavareda, dez cruzadores, 20 destroyers, 30 submarinos”.
Logo que
entra a Grã-duquesa, e, depois de saber de tão importante ajuda militar, no
meio dos entusiásticos aplausos, atribui ao embaixador o título de “Marquês de
Casal de Pirata, oh!, mim estar muito grato a Vossa Alteza. Marquês Pirata,
mim. Yes!”. A soberana sabia ser reconhecida. E quando depois ouviu de Nêspera
Cajú:
“Alteza. Meu
pai me encarregou, antes de morrer, de vir a Tavarede fazer a entrega de dois
mil contos, como parte da sua fortuna que reservou a melhoramentos da sua terra
natal. Meu pai me contou a história da sua terra, que era uma pequenina aldeia,
suja e pobre, do concelho da Figueira da Foz. Me surpreende o que tenho visto,
porque Tavarede é hoje um Estado independente. A capital deste Grão-ducado,
esta linda cidade do limonete, é uma terra asseada, cuja civilização atinge
elevado grau. Grandes avenidas, como a do Outeiro e a do Santo Aleixo;
excelentes carros eléctricos da Companhia Fadigas & Toquim, Limitada;
grandes e ricos estabelecimentos como os de Cascato e António Amaro; elevador
para o alto de São Martinho; belos monumentos históricos como o do Paço do
Conde, o arco do Caminho dos Canos; telefones e telegrafia sem fios, etc., etc.
Estou encantado e peço a Vossa Alteza se digne aceitar o oferecimento dos meus
capitais para a conclusão do caminho de ferro para o Cabo Mondego, já tão
adiantado”.
logo deu instruções ao seu Conselheiro para sair na “Folha
do Limonete” um despacho, considerando o senhor Nêspera Cajú, cidadão
Tavaredense honorário e benemérito.
Reconhecimento
que se estendeu à memória do doador, com “uma estátua fundida em barro, na
fábrica do Senhor da Areeira, em que o sr. Manuel Nêspera deverá ser
representado montado num cavalo, a toda a brida, segurando numa das mãos as
redeas e na outra um ramo de limonete”. Significaria, isso, o progresso de
Tavarede, a galope. E todos ficaram encantados, tanto mais que, atendendo a
várias sugestões, a Grã-duquesa resolveu trocar o cavalo por um burro e, em vez
das redeas, um cabresto! Era mais adequado!...
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