sábado, 19 de setembro de 2015

Tavarede no Teatro - 15

1º. Vendedor - Olha o “Mangerico” e a “Nabiça”.
2º. Vendedor - O “Rambóia” à última hora, o “Veneno” e o “Amigo do Povo”.
Comissário - (tem entrado com o Nêspera) Oh! rapaz, dá-me o “Veneno” e a “Nabiça”. (recebe os jornais e paga)
Nêspera -  São jornais da terra?
Comissário - Sim, senhor. O “Mangerico” é um jornal todo cheiroso. Mas eu gosto mais da “Nabiça” temperada com o molho do “Veneno”.

         Ainda se encontram no caminho com um novo par, uma sopeira e seu impedido, talvez os mesmos da história contada e que, mais uma vez, vêm à fonte de Tavarede, e, logo o seguir, passam pelo tio Francisco, o velho cavador, sempre agarrado à sua enxada.

         “É a minha companhia e o meu brasão. Os titulares têm brasões, coisas lindas que eu não entendo, mas que dizem que falam das grandes acções dos seus avós. Eu tenho a enxada que é também o meu brasão e me conta a história dos que me trouxeram ao mundo”.

         E respondendo à questão de que, com a sua idade, já tinha direito ao descanso, retorquiu o tio Joaquim:

“O trabalho é a lei da vida. Sou pobre e os meus filhos não podem ajudar-me. Mas, ainda que fosse rico, não abandonaria a terra. A terra é o meu martírio e a minha alegria, dou-lhe o suor do meu rosto e ela dá-me a escasso pão de cada dia. Sou o seu senhor e o seu escravo. Com a minha enxada abro-lhe as entranhas, entrego-lhe a semente e obrigo-a a dar-me o fruto. Ela, por seu lado, consome todas as minhas forças, mata-me os braços de cansaço e prende-me a ela com uma grilheta que eu não posso quebrar. Entreguei-me à terra desde rapaz, dei-lhe o vigor da minha mocidade e agora não quero negar-lhe os carinhos da minha velhice. Caminhamos juntos desde pequenos. Conheceu-me ainda no berço. Irei com ela até ao fim, para que me dê a sepultura.

         Quero-lhe tanto como à luz dos meus olhos, tanto como aos meus filhos e aos meus netos. O que nós fazemos por um bocado de terra! E quanto mais ingrata ela se mostra, mais lhe queremos cá de dentro. Nem sei dizer-lhe o que isto é. E não pense que o trabalho nos faz tristeza. Não! O trabalho é pesado, mas é alegre. Dá saúde ao corpo e à alma. Depois de um dia inteiro de trabalho, a gente ainda tem alegria para cantar, e sente o desejo de viver. Eles aí vêm contentes em rancho alegre e feliz. Olhe para eles, os cavadores, como vêm contentes, e elas, as raparigas, como riem. Trazem nos olhos o lume do sol, nas bocas vermelhas uma cantiga de amor. É a alegria do trabalho!”.

         O primeiro acto acaba com a entrada do rancho das ceifeiras e dos cavadores que, regressando de mais um dia de árduo trabalho, à torreira do sol, ou com as velhas roupas ensopadas da chuva impiedosa, voltam felizes da sua vida difícil, mas com a alegria bem visível nos seus rostos, esperançados no futuro e cantando, sempre cantando:

                                     “Desde manhã ao sol posto,
                                      Arado ou foice na mão,
                                      Seja Inverno ou seja Agosto
                                      Ceifamos a loira espiga
                                      Ou pomos à terra o grão”.


* * *


Quando reabre a cena, estão em palco, no palácio da Grã-duquesa, alguns membros do governo e muitas senhoras da mais alta craveira social, como a Condessa do Saltadouro e a Baronesa de Caceira, etc.

         Conversam sobre um possível ataque das forças do Pandorgas. O secretário da guerra procura sossegar as damas, pois respondia pelas “preciosas vidas”, como respondia pela segurança do Grão-ducado. E, para melhor tranquilizar, explica o seu plano de defesa terrestre, que foi estudado com toda a segurança.

         “Temos artilharia no alto de S. Paio e no Saltadouro. E vai ser ocupado o Vale de Porco. Se as tropas do Pandorgas vierem por Brenha faremos ir pelos ares a ponte do Saltadouro. Pelo Vale de Porco não caiem em vir, porque é aí que a porca torce o rabo... Pela estrada de Mira, impossível... É uma estrada de guerra. Quer dizer, uma estrada por onde se não pode passar senão de aeroplano. Por onde hão-de vir então? Pelo ar, não, que os de Foja não têm asas”. Em conclusão: o plano era sempre o mesmo, tinha que estar mesmo bem estudado!

         Não havia dúvidas, podiam dormir descansadas com tal defesa. E como o secretário da marinha igualmente respondia pela defesa das costas marítimas, nada de preocupações. Pode festejar-se, tranquilamente, o aniversário da soberana.

         O Comissário da exposição entra acompanhado pelo brasileiro Nêspera Cajú. E faz as apresentações. Ao sr. Conselheiro Paulino Feijó, presidente do governo; ao sr. general Cornélio Manso, bravo militar e secretário de estado da guerra; e ao sr. almirante Francisco Cuco Serrano, secretário de estado da marinha.

         Ainda mal terminadas as apresentações, entra o embaixador da Inglaterra que, depois de cumprimentar os presentes no seu português “macarrónico”, declara: “Mim trazer bem notícias. Mim ter comunicado minha governo London que ex-presidente Pandorgas querer atacar territórios de Grão-ducado de Tavareda com grande esquadra. Governo inglês ter dado ordem imediata para vir fazer cruzeira águas territoriais Tavareda, dez cruzadores, 20 destroyers, 30 submarinos”.

         Logo que entra a Grã-duquesa, e, depois de saber de tão importante ajuda militar, no meio dos entusiásticos aplausos, atribui ao embaixador o título de “Marquês de Casal de Pirata, oh!, mim estar muito grato a Vossa Alteza. Marquês Pirata, mim. Yes!”. A soberana sabia ser reconhecida. E quando depois ouviu de Nêspera Cajú:

         “Alteza. Meu pai me encarregou, antes de morrer, de vir a Tavarede fazer a entrega de dois mil contos, como parte da sua fortuna que reservou a melhoramentos da sua terra natal. Meu pai me contou a história da sua terra, que era uma pequenina aldeia, suja e pobre, do concelho da Figueira da Foz. Me surpreende o que tenho visto, porque Tavarede é hoje um Estado independente. A capital deste Grão-ducado, esta linda cidade do limonete, é uma terra asseada, cuja civilização atinge elevado grau. Grandes avenidas, como a do Outeiro e a do Santo Aleixo; excelentes carros eléctricos da Companhia Fadigas & Toquim, Limitada; grandes e ricos estabelecimentos como os de Cascato e António Amaro; elevador para o alto de São Martinho; belos monumentos históricos como o do Paço do Conde, o arco do Caminho dos Canos; telefones e telegrafia sem fios, etc., etc. Estou encantado e peço a Vossa Alteza se digne aceitar o oferecimento dos meus capitais para a conclusão do caminho de ferro para o Cabo Mondego, já tão adiantado”.

logo deu instruções ao seu Conselheiro para sair na “Folha do Limonete” um despacho, considerando o senhor Nêspera Cajú, cidadão Tavaredense honorário e benemérito.


         Reconhecimento que se estendeu à memória do doador, com “uma estátua fundida em barro, na fábrica do Senhor da Areeira, em que o sr. Manuel Nêspera deverá ser representado montado num cavalo, a toda a brida, segurando numa das mãos as redeas e na outra um ramo de limonete”. Significaria, isso, o progresso de Tavarede, a galope. E todos ficaram encantados, tanto mais que, atendendo a várias sugestões, a Grã-duquesa resolveu trocar o cavalo por um burro e, em vez das redeas, um cabresto! Era mais adequado!...

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